ESTADO E ECONOMIA

Propaganda
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
ESTADO E ECONOMIA: O INTERVENCIONISMO ESTATAL NO ATUAL CENÁRIO
JURÍDICO-ECONOMICO BRASILEIRO
Thiago Degelo Vinha*
Sumário:
1. Introdução; 2. Evolução do Pensamento Econômico em Face da Intervenção Estatal na
Atividade Econômica; 3. o Estado e a Economia; 4. A Intervenção Estatal no Domínio
Econômico; 5. Os Princípios Constitucionais da Ordem Econômica; 6. Modalidades de
Intervenção Estatal no Domínio Econômico; 7. Considerações Finais; Bibliografia.
RESUMO
O Estado Democrático de Direito em que se fundamenta o atual Estado brasileiro foi
construído em 1988 sob a forte influência do Estado Social, embora já estivesse sofrendo
pressões das políticas neoliberais desenvolvidas nos anos 80. Como principal característica do
Estado Social, encontra-se sua intervenção nas atividades econômicas, de forma a regular a
economia em busca de se alcançar a justiça social. Para tanto, a Constituição Federal traz os
princípios informadores das atividades econômicas, inseridos no seu art. 170, os quais
deverão ser respeitados para que se possibilite à economia cumprir com sua função sócioeconômica. Para que o Estado possa intervir no domínio econômico, é mister analisar as suas
formas de intervenção direta e indireta, nos moldes do Texto Constitucional, possibilitando a
exata compreensão do instituto da Intervenção do Estado no Domínio Econômico.
Palavras-Chave: Estado, Economia, Intervenção.
1. Introdução
A cada dia que se inicia, os fenômenos econômicos ocorrem de uma forma cada vez
mais intensa na sociedade globalizada do século XXI, os quais, cada vez mais, demandam
*
Mestrando do Curso de Mestrado em Direito dos Empreendimentos Econômicos da UNIMAR – Universidade
de Marília – SP. Advogado. Bacharel em Direito pela UEL. Especialista em Direito Empresarial (Tributário)
pela PUC/Londrina. Professor da Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos-SP. E-mail: [email protected].
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
uma investigação aprofundada acerca da função do Estado no controle das práticas
econômicas, como forma de se implementar suas políticas destinadas ao bem-estar da
sociedade.
Dessa forma, compete tecer algumas considerações acerca da evolução do
pensamento econômico em relação à atividade intervencionista do Estado, analisando as
escolas clássicas, neoclássicas bem como a do bem-estar social, de forma a se verificar o
intervencionismo estatal ao longo do último século, bem como quais são as perspectivas para
esse novo milênio que se inicia.
Posteriormente, far-se-á um estudo acerca da inter-relação entre o Estado e a
economia, bem como da necessidade da intervenção estatal nas atividades econômicas, de
forma a se preservar os objetivos previstos no texto constitucional. Analisar-se-á ainda, os
princípios referentes à atividade econômica, bem como as modalidades de intervenção,
procurando fundamentar suas possibilidades, além de delimitar seus campos de atuação,
sempre no objetivo de se buscar os princípios previstos no texto constitucional.
2. Evolução do Pensamento Econômico em Face da Intervenção Estatal na Atividade
Econômica
Para se compreender a intervenção do Estado no domínio econômico, faz-se
necessário analisar a evolução do pensamento econômico ao longo do último século, partindo
do liberalismo clássico do início do século XX, até o processo de globalização implementado
pelas políticas neoliberais que atualmente exercem grande influência no cenário políticoeconômico da atualidade.
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
A doutrina econômica Clássica, ou escola liberal, iniciada no século XVIII com a
revolução industrial, encontra em Adam Smith1 o seu maior expoente, através do livro a
Riqueza das Nações e perdurou com suas ideologias até a quebra da bolsa de valores de Nova
Iorque, em 1929. Após a queda do Absolutismo com a revolução Francesa em 1789 e o
surgimento do capitalismo2, a revolução industrial impulsionou o liberalismo clássico, o qual
tinha como principal premissa a não intervenção estatal na economia, na medida em que esta
deveria ser guiada pelas leis de mercado. A função do Estado era meramente de permitir que a
economia não sofresse nenhuma interferência, pois ela se auto-regularia. Smith “restringe
rigorosamente as atividades do estado à manutenção da defesa comum, ao provimento da
justiça e à realização das obras públicas necessárias”3, ou seja, competiria ao Estado tão
somente possibilitar o desenvolvimento das idéias capitalistas, através do livre mercado.
Com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929 provocada pelo grande
pessimismo que assolou o mercado de ações e a grande depressão que se instaurou por todo
mundo capitalista, o Estado passou a intervir nas relações econômicas, como forma de
fomentar a economia. Passa-se então de um livre mercado, independente da intervenção
estatal, para uma política intervencionista, na qual o Estado é tido como o principal
responsável pela movimentação da economia. Esse intervencionismo encontra em Keynes os
principais ideais para retirar o mundo capitalista da depressão, na medida em que cabia ao
Estado controlar a moeda e o crédito, aplicar uma política tributária baixa e de gerir uma
previdência social, além de realizar grandes obras públicas4, no intuito de se possibilitar à
sociedade os meios necessários para se adquirir rendimentos e movimentar a economia. Temse, portanto, o Estado como grande idealizador e realizador das políticas econômicas e
1
HEILBRONER, Robert L. A História do Pensamento Econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 56-62.
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 21. ed. rev. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 144-153.
3
GALBRAITH, John kenneth. O pensamento Econômico em Perspectiva: Uma História Crítica. São Paulo:
Pioneira, 1989. p. 65.
4
HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed. São Paulo: Altas, 1995. p. 412.
2
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
sociais, implementando uma grande nacionalização da economia, através da constituição de
monopólios estatais, possibilitando as condições para a recuperação da economia.
Forma-se então, o Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), onde o Estado seria
o grande gerenciador da atividade econômica, praticando políticas sociais, voltadas ao bemestar dos cidadãos, através da interferência nas atividades econômicas, na medida em que
oferta uma vasta gama de direitos sociais, como forma de garantir a economia capitalista no
Hemisfério Ocidental, em face do avanço do socialismo soviético e sua economia planificada
praticada no hemisfério Oriental. As décadas de 50 e 60 foram primorosas para o capitalismo
baseado no Welfare State, levando HEILBRONER a afirmar que Keynes fora o “arquiteto do
Capitalismo Viável”5.
Ao mesmo tempo, começa a ganhar força a teoria neoliberal, iniciada na década de
40 com Hayek, procurando combater a política intervencionista do Bem-Estar Social6. Para a
escola neoclássica, o Estado deveria ser um “Estado mínimo em relação aos direitos sociais e
trabalhistas e um Estado passivo em relação aos lucros dos capitalistas e a lei de mercado”7.
Dessa forma, surge como resposta ao implemento do Estado Social, de forma a combatê-lo e
possibilitar que o capitalismo pudesse se desenvolver sem as amarras do estado
intervencionista.
Entretanto, o Estado do Bem-Estar Social entrou em recessão na década de 70, após
as crises do petróleo8. Por conseguinte, os neoliberais, passaram a encontrar o terreno
necessário para a implantação de suas idéias, principalmente para combater a grande inflação
5
HEILBRONER, Robert L. A História do Pensamento Econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 236.
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In Pós-Neoliberalismo: As políticas Sociais e o Estado
Democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 9-10.
7
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O Estado Neoliberal e seu Impacto Sócio-Jurídico. In Globalização,
Neoliberalismo e Direitos Sociais. Rio de Janeiro: Destaque, 1997 p. 80.
8
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In Pós-Neoliberalismo: As políticas Sociais e o Estado
Democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 10.
6
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
que assolava as economias capitalistas, encontrando seus principais executores os governos
Reagan nos Estados Unidos e Thatcher na Inglaterra, bem como com o processo de
globalização iniciado pelas empresas multinacionais dos países do Hemisfério Norte9,
incrementado principalmente pela modernização tecnológica dos meios de produção e
telecomunicação. Com a queda do muro de Berlin e a derrocada do Estado Soviético, o
neoliberalismo lançou-se de forma intensiva pelas economias mundiais, na medida em que
seu principal oponente, o Estado intervencionista do Bem-Estar Social, perdeu forças, na
medida em que a Europa Oriental deixou de lhe ofertar supedâneos para a manutenção de seu
modelo estatal, embora ainda possua resquícios na Europa.
Dessarte, o liberalismo vem crescendo a cada dia, tentando se infiltrar nas políticas
econômico-sociais dos governos, através da desestatização da economia, pelos processos de
privatização e concessão ou permissão de serviços públicos, bem como da supressão dos
direitos trabalhistas pelo processo de flexibilização10, como forma de retirar o Estado do
dirigismo econômico, outorgando-o apenas o controle indireto dessas atividades, através da
regulação.
No Brasil, durante a década de 80 e a abertura política, a Constituição Brasileira foi
outorgada em 05 de outubro de 1988, trazendo uma vasta gama de princípios do Estado Social
em consonância com princípios capitalistas neoliberais, denotando a característica social da
década de 80 e a forte influência neoliberal que estava se fortalecendo no mesmo período,
possibilitando ao Estado desenvolver tanto políticas sociais, quanto neoliberais, de acordo
com a ideologia do governo sedimentado no poder pela democracia popular. Entretanto,
9
GUERRA, Sidney. Soberania e Globalização: O Fim do Estado Nação? In GUERRA, Sidney e SILVA,
Roberto L. Soberania: Antigos e Novos Paradigmas. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. p. 334-335.
10
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O Estado Neoliberal e seu Impacto Sócio-Jurídico. In Globalização,
Neoliberalismo e Direitos Sociais. Rio de Janeiro: Destaque, 1997. p. 86-93.
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
cumpre observar que, embora não Constituição seja híbrida, não é possível suprimir os
princípios sociais esculpidos no texto Constitucional, em nome de política de sobrevivência
em uma economia globalizada, como bem afirma GRAU
A substituição do modelo de economia de bem-estar consagrado na
Constituição de 1988 por outro, neoliberal, não poderá ser efetivada sem a
prévia alteração dos preceitos contidos nos seus arts. 1º, 3º e 170. Em outros
termos: essa substituição não pode ser operada sub-repticiamente, como se
nossos governantes pretendessem ocultar o seu comprometimento com a
ideologia neoliberal.11
Visto a evolução dos pensamentos econômicos acerca da intervenção estatal, passase a analisar a intervenção do Estado Brasileiro nas atividades econômicas, nos moldes do
texto Constitucional.
3. O Estado e a Economia
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado Brasileiro retornou
aos ditames da democracia, tendo como fundamento maior o princípio da dignidade da pessoa
humana e como principal objetivo, a realização da justiça social. Para que a dignidade
humana fosse respeitada e a justiça social alcançada, o Texto Constitucional trouxe uma série
de princípios informadores das condutas dos governantes que, a partir de sua promulgação,
voltaram a ser eleitos pelo povo. Esses princípios constitucionais trazem consigo uma grande
carga valorativa dos ideais de diversas doutrinas, adotando ideais sociais e liberais, conforme
afirmado anteriormente.
11
GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 37.
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
Para que a justiça social seja alcançada, o Estado necessita do auxílio da economia,
na medida em que é a ciência econômica quem desenvolve os estudos acerca dos fatos
econômicos capazes de gerar a riqueza necessária para o desenvolvimento da sociedade, seja
através de políticas públicas desenvolvidas pelo estado, seja através da própria iniciativa
privada. É a economia, portanto, “que estuda como o indivíduo e a sociedade decidem
(escolhem) empregar os recursos produtivos escassos na produção de bens e serviços, de
modo a distribui-los entre as várias pessoas e grupos da sociedade, a fim de satisfazer as
necessidades humanas” 12. A economia, dessa forma, é uma ciência que estuda os fatos
econômicos como eles acontecem e como devem ser empregados para a realização da
distribuição das riquezas entre os indivíduos da sociedade. É uma ciência explicativa. Parte do
fato econômico e tenta explica-lo nos moldes dos princípios econômicos.
Por outro lado, o Direito, como instrumento regulador das condutas sociais, como
ciência deontológica do mundo do dever-ser, analisa o fato econômico sob um aspecto
normativo, regulando-o, na tentativa de se promover a justiça social. Essa inter-relação entre o
Direito e a Economia auxilia o Estado na persecução de seus objetivos, possibilitando aos
cidadãos viverem com dignidade, nos moldes do princípio da dignidade da pessoa humana e
da justiça social. Tem-se, desse modo, uma ordem econômica, baseada no conjunto de
princípios explicativos da realidade econômica, ao lado de uma ordem jurídica, composta pelo
conjunto de normas de conduta e que, ao se relacionarem, formalizam-se na ordem jurídicoeconômica13.
12
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de e GARCIA, Manuel Enriquez. Fundamentos de Economia.
São Paulo: Saraiva, 1998. p. 2.
13
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras Linhas de Direito Econômico. 5. ed. São Paulo: LTR,
2003. p. 176-180.
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
Embora a ordem econômica seja destinada ao conjunto de princípios que regem os
fatos do mundo do ser econômico, a Constituição Federal, em seu capítulo VII, estabelece os
parâmetros para a regulação da ordem econômica, constituindo-se em uma ordem jurídicoeconômica, na medida em que toma os fatos do mundo do ser e lhes aplica uma regra de
conduta, transpassando-o para o mundo do dever-ser14. Destarte, observa-se a inclusão de
normas versando sobre as atividades econômicas no Texto Constitucional, o que tem levado
muitos autores a denomina-la de Constituição Econômica15, na medida em que traz os
“ princípios jurídicos fundamentais da organização económica de determinada comunidade
política”. 16
Desse modo, pode-se afirmar que a Constituição Federal, ao trazer princípios da
ordem jurídica para regular a ordem econômica, denota o caráter interventivo do Estado na
economia, rompendo com as amarras do Liberalismo puro e adotando o seu caráter de Estado
Social, o que se passa a expor.
4. A Intervenção Estatal no Domínio Econômico
Conforme já analisado, o Estado brasileiro erigido em 05 de outubro de 1988 adotou
princípios sociais, mesclados com princípios neoliberais, possibilitando aos governantes uma
grande discricionariedade em relação à política desenvolvida. Nada obstante a forte influência
neoliberal acometida no cenário interno e externo nas últimas duas décadas, o Estado Social
brasileiro precisa ser respeitado e protegido, mesmo em uma economia capitalista neoliberal.
14
GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 50-52.
15
Cf. FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense,
2004. p. 51; GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 5 ed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2000. p. 62.
16
VAZ, Manoel Afonso. Direito Económico. 4. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. p. 121.
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
Para tanto, adota-se o princípio da economicidade, o qual, segundo SOUZA, “(...) significa a
medida do ‘econômico’ segundo a ‘linha de maior vantagem na busca da justiça’” 17, atuando,
segundo o autor, como
instrumento de interpretação e decisão para harmonizar dispositivos
ideológicos originariamente passíveis de contradição, mas que, adotados e
admitidos pelo legislador constituinte, passam a ter convivência indiscutível,
sob pena de se resvalar para a admissão de inconstitucionalidade da própria
Constituição.18
Dessarte, o princípio da economicidade será o responsável pela harmonização dos
ideais capitalistas com os anseios do Estado Social, de modo a possibilitar e desenvolver as
políticas públicas necessárias para se alcançar a justiça social, justificando a intervenção do
Estado no domínio econômico, nos moldes do Texto Constitucional.
5. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica
O estudo acerca dos princípios é tema por demais tormentoso para o direito e não é
objeto do presente estudo tecer longas considerações acerca do seu significado, podendo-se
afirmar que os princípios são transpirações dos valores pretendidos pela sociedade e que
influenciam todo o direito, como pontos de equilíbrio e sustentação para todo o ordenamento
jurídico, como bem leciona MELLO
Princípio é mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste,
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondolhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.19
17
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras Linhas de Direito Econômico. 5. ed. São Paulo: LTR,
2003. p. 30.
18
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras Linhas de Direito Econômico. 5. ed. São Paulo: LTR,
2003. p. 32.
19
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed., rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 747-748.
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
Por serem alicerces do ordenamento, exercem forte influência nas políticas
governamentais referentes às atividades econômicas e, conseqüentemente, sobre a intervenção
federal, na medida em que esta não pode ser utilizada de forma indiscriminada pelo Estado.
Ao se analisar o Capítulo VII da Constituição Federal, o art. 170 informa que a ordem
econômica20 tem como seu fundamento a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa,
princípios inseridos no art. 1º do Texto Constitucional e que se constituem em fundamentos
do Estado brasileiro, tendo por fim assegurar uma existência digna, de acordo com o princípio
da justiça social. Dessa forma, a “Constituição estabelece a finalidade de toda atuação através
de políticas econômicas, qual seja a de assegurar a todos a existência digna, conforme os
ditames da justiça social” 21. Isto é, as atividades econômicas desenvolvidas pela sociedade
somente serão legítimas quando se respeitarem os princípios da dignidade da pessoa humana e
da justiça social, sob pena de sofrerem a intervenção do Estado para regularizar o respeito a
esses princípios. É a busca pelo bem-estar da sociedade, compreendido
como o conjunto de condições sociais que permitem e favorecem nos seres humanos
o desenvolvimento de sua pessoa. Será representado pela soma dos objetivos que
constituem a qualidade de vida, como as condições de saúde, habitação, de
educação, recreação, segurança social, alimentação, enfim, tudo o que contribui para
a melhoria de vida do povo, para a realização das potencialidades da pessoa
humana.22
Embora os conceitos de dignidade da pessoa humana e justiça social sejam
pragmáticos, a Constituição trouxe no mesmo art. 170 uma série de princípios que, uma vez
respeitados, possibilitariam à sociedade viverem com dignidade e justiça social.23 Conclui-se,
20
Ordem jurídico-econômica.
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
p. 126.
22
SOUZA, Neomésio José de. Intervencionismo e Direito: Uma abordagem das repercussões. Rio de Janeiro:
Aide, 1984. p. 83.
23
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V 21
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
portanto, que as atividades econômicas somente estarão conformes os princípios da existência
digna e da justiça social, acaso preservem os princípios previstos no art. 170 do Texto
Constitucional. Uma vez não sendo respeitados, compete ao Estado intervir na atividade
econômica, de forma a restabelecer o status quo ante, possibilitando o cumprimento dos
preceitos constitucionais.
6. Modalidades de Intervenção Estatal no Domínio Econômico
Os princípios inseridos na Ordem econômica são os alicerces necessários para que a
atividade econômica possa alcançar a dignidade da pessoa humana e possibilitar o bem-estar
social. Uma vez desrespeitados pelos agentes econômicos, competirá ao Estado intervir na
atividade econômica, para que o equilíbrio possa ser restabelecido. Neste caso, o Estado
deverá se utilizar de alguns instrumentos previstos na Constituição, dentre eles: a intervenção
direta na atividade econômica, nos moldes do art. 173, CF ou a intervenção indireta, nos
moldes do art. 174, CF24.
A intervenção direta ocorre quando o “próprio Estado assume o papel de agente
produtivo” 25, ou seja, quando o Estado atua como empresário. Através dessa modalidade de
intervenção, o Estado passará a desenvolver as atividades econômicas que seriam da esfera do
particular, de modo a restabelecer os princípios previstos no art. 170 da Constituição Federal.
Trata-se da exploração estatal da atividade econômica, através das empresas públicas ou
sociedades de economia mista, estando sujeito ao regime jurídico de direito privado, por atuar
defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das
desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas
de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
24
Classificação proposta por MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed. rev. e atual. Coimbra:
Coimbra Editora, 1988. p. 36-37.
25
MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. p.
36.
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
no setor destinado aos particulares26. Além do desrespeito aos ditames do citado artigo, ainda
se faz necessário a presença de outro requisito para essa modalidade de intervenção direta,
qual seja, a imperatividade da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, nos termos
do art. 173 da Carta Constitucional. São exemplos da intervenção direta do Estado no domínio
econômico a Caixa Econômica Federal, criada para financiar programas referentes à casa
própria e o Banco do Brasil, destinado a fornecer crédito a baixo custo para os produtores
rurais.
Por outro lado, o Estado pode ainda intervir na atividade econômica de forma
indireta, quando o “Estado limita -se a condicionar, a partir de fora, a actividade económica
privada, sem que o Estado assuma posição de sujeito económico ativo. É o caso da criação de
infraestruturas, da polícia econômica e do fomento”. 27 É através da intervenção indireta que o
Estado, através do seu poder normativo, regulador, exercerá as funções de fiscalização
(polícia econômica), incentivo (fomento) e planejamento (criação de infra-estruturas) da
atividade econômica, de acordo com o art. 174 da Constituição Federal.
A fiscalização se opera através do poder de polícia do Estado, coibindo a
concorrência desleal (art. 173, § 4º) através do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica – CADE, bem como da criação de agências reguladoras para fiscalizar a prestação
de serviços públicos concedidos ao setor privado.
“O fomento econômico consiste numa atividade administrativa de satisfação de
necessidades de caráter público, protegendo ou promovendo actividades de sujeitos privados
26
SILVA, Américo Luís Martins. A Ordem Constitucional Econômica. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 1996. p.
120-122.
27
MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. p.
37.
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
ou outros que directa ou indirectamente as satisfaçam.” 28 É o incentivo previsto no art. 174 da
Constituição Federal e que poderá ser realizado por meio de incentivos fiscais, criação de
contribuições de intervenção no domínio econômico (art. 149, CF) dentre outros.
Por último, o planejamento. Influência da econômica planificada inerente ao regime
socialista, este consiste no
estudo e estabelecimento de diretrizes e metas que deverão orientar a ação
governamental, através de um plano geral de governo, de programas globais,
setoriais e regionais de duração plurianual, do orçamento-programa anual e
da programação financeira de desembolso, que são seus instrumentos
básicos29.
Desse modo, o planejamento é a previsão governamental de aplicação dos recursos
públicos destinados a implementar suas políticas públicas, sendo determinante para o setor
público e suas empresas públicas, sociedades de economia-mista, autarquias e fundações; e
indicativo para o setor privado. Portanto, observa-se que o Estado possui uma série de
instrumentos capazes de interferir na atividade econômica, de modo a possibilitar a
efetividade dos princípios constitucionais previstos no art. 170, de modo a garantir à toda
sociedade uma existência digna, nos moldes dos ideais da justiça social.
7. Considerações Finais
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, implementou-se o Estado
Social brasileiro, embora sedimentado nos ideais capitalistas com forte influência da doutrina
neoliberal. Esse Estado Social se caracteriza pela forte concentração de poder e pela
implementação de políticas públicas voltadas para a persecução dos objetivos estampados no
28
MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. p.
349.
29
SILVA, Américo Luís Martins. A Ordem Constitucional Econômica. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 1996. p.
135.
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
art. 3º da Constituição Federal. Para tanto, utiliza-se do seu poder de intervenção nas
atividades econômicas, de modo a regular a economia, para que se alcance os ditames da
dignidade da pessoa humana e da justiça social.
Essa regulação está disciplinada no Título VII da Constituição Federal, trazendo no
art. 170 os princípios inerentes à ordem econômica, os quais procuram ofertar meios para que
a sociedade possa ter uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Agindo
como verdadeiro guardião desses princípios, o Estado poderá intervir na atividade econômica
de forma direta, atuando como empresário e se sujeitando às normas de direito privado, desde
que necessário à segurança nacional ou haja relevante interesse coletivo. Poderá ainda,
intervir de forma indireta, atuando como agente regulador das atividades econômicas, através
da sua fiscalização, incentivo e planejamento.
Por derradeiro, cumpre afirmar que a função primordial da intervenção estatal na
ordem econômica, é possibilitar ao Estado controlar as atividades econômicas, de forma a
implementar suas políticas públicas, necessárias ao desenvolvimento da sociedade brasileira,
ofertando-lhe a possibilidade de viver com dignidade, de uma forma justa e solidária.
Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
BIBLIOGRAFIA
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In Pós-Neoliberalismo: As políticas Sociais
e o Estado Democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O Estado Neoliberal e seu Impacto Sócio-Jurídico. In
Globalização, Neoliberalismo e Direitos Sociais. Rio de Janeiro: Destaque, 1997.
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 2004.
GALBRAITH, John Kenneth. O Pensamento Econômico em Perspectiva: Uma História
Crítica. São Paulo: Pioneira, 1989.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988. 5 ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 2000.
GUERRA, Sidney. Soberania e Globalização: O Fim do Estado Nação? In GUERRA, Sidney
e SILVA, Roberto L. Soberania: Antigos e Novos Paradigmas. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
2004.
HEILBRONER, Robert L. A História do Pensamento Econômico. São Paulo: Nova Cultural,
1996.
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 21. ed. rev. Rio de Janeiro: Guanabara,
1986.
HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed. São Paulo: Altas, 1995.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed., rev. e atual.
São Paulo: Malheiros, 2000.
MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra
Editora, 1988.
SILVA, Américo Luís Martins. A Ordem Constitucional Econômica. Lumen Juris: Rio de
Janeiro, 1996.
SOUZA, Neomésio José de. Intervencionismo e Direito: Uma abordagem das repercussões.
Rio de Janeiro: Aide, 1984.
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras Linhas de Direito Econômico. 5 ed. São
Paulo: LTR, 2003.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de e GARCIA, Manuel Enriquez.
Fundamentos de Economia. São Paulo: Saraiva, 1998.
VAZ, Manoel Afonso. Direito Económico. 4 ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora,
1998.
Download