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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
AS CONTRADIÇÕES DA DUPLA CONDIÇÃO ESTRATÉGICA DE
ALMEIRIM NA FRONTEIRA DA REGIÃO AMAZÔNICA BRASILEIRA
ANA REGINA FERREIRA DA SILVA1
Resumo:
O município de Almeirim, na região Amazônica, possui dupla condição estratégica: está
situado na faixa de fronteira brasileira e sedia, no distrito de Munguba, o Complexo Industrial do Jari.
É estratégico tanto para a guarda da Nação quanto para o grande capital por suas riquezas minerais.
Porém, Munguba possui boa logística urbana e a sede do município apresenta sérios problemas
estruturais. Considerando essa complexa realidade, objetivamos analisar a dupla condição
estratégica do município e seus possíveis benefícios que remetam a um desenvolvimento capaz de
resolver as contradições socioterritoriais da realidade local. Levantamentos bibliográfico, documental
e de campo garantiram suporte metodológico a este trabalho.
Palavras chaves: Almeirim, fronteira, mineração.
Abstract:
The municipality of Almeirim city in the Amazon region has dual strategic condition: is situated
on the Brazilian border areas and thirst, in Munguba district, Jari Industrial Complex. It is strategic for
both the custody of the Nation as for big business for its mineral wealth. But Munguba has good urban
logistics and the county seat presents serious structural problems. Given this complex reality, we
aimed to analyze the dual strategic condition of the municipality and its possible benefits remitting to a
development capable of solving the socio-territorial contradictions of the local reality. Bibliographical
lifting, documentary and field surveys guaranteed methodological support to this word.
Key words: Almeirim, border, mining.
1. Introdução:
O município de Almeirim possui localização privilegiada, pois além de fazer
parte da grandiosa biodiversidade amazônica, está situado na faixa de fronteira
brasileira e seu subsolo é rico em substâncias minerais. Por um lado, esse ente
federativo apresenta condições particulares que o coloca enquanto espaço em
situação periférica dadas pela tradicional ideia de fronteira, encarada como sinônimo
1
Acadêmica de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Bolsista Capes vinculada ao Projeto Transfronteirizações na América do Sul: dinâmicas territoriais,
desenvolvimento regional, integração e defesa nas fronteiras meridional e setentrional do Brasil
(Edital CAPES PRÓ-DEFESA). E-mail de contato: [email protected]
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de lugar distante ou simples limite de demarcação geográfica, e que ganha maior
força quando esse espaço se localiza no extremo norte da fronteira amazônica.
Por outro lado, a fronteira brasileira vem recebendo atenção do governo
federal a partir de uma nova visão de desenvolvimento, que a concebe como espaço
geográfico estratégico em potencial a ser integrado globalmente, a fim de viabilizar
fluxos de várias ordens tendo em vista as ações do capital internacional. Por isso, a
partir do início do século XXI, vários instrumentos institucionais vêm sendo criados, e
outros já existentes reformulados, visando à integração e o combate ao desequilíbrio
regional. De outra forma, a região do Vale do Jari, da qual Almeirim é integrante, foi
descoberta como apta à exploração de empresas mineradoras por possuir solo rico
em substancias minerais, desde a década de 1970 até os dias atuais.
Portanto, o município possui dupla condição estratégica: para o Estado
brasileiro, por sua função na guarda e na segurança da Nação e para o mercado
global por sua aptidão mineral. Porém, agentes municipais públicos declararam que
o município não recebe qualquer prerrogativa dos governos federal e estadual por
ser ente federativo da fronteira brasileira. Já os investimentos privados realizados
no distrito de Munguba em benefício particular aprofundam as contradições
socioeconômicas não apenas internamente ao município de Almeirim como em seu
entorno, na região do Vale do Jarí.
Desse modo, considerando que o município de Almeirim se constitui a base
territorial de uma realidade social complexa e contraditória que expressa uma forma
diferenciada de organização, objetivamos analisar a dupla condição estratégica de
Almeirim para o Estado brasileiro e para o mercado global, identificando os possíveis
benefícios que remetam a um desenvolvimento socioterritorial capaz de resolver as
contradições socioeconômicas da realidade local.
2. Um município estratégico na fronteira brasileira
O Brasil limita-se internacionalmente com nove países da América do Sul e
com um departamento ultramarino francês, a Guiana Francesa. A extensa faixa de
fronteira brasileira é regulamentada pela Lei 6.634, de 02 de maio de 1979 e pelo
Decreto 85.064, de 26 de agosto de 1980, considerando-se um polígono de 150 km
de largura a partir da linha limítrofe do território brasileiro ao longo de 15.719 km de
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fronteira terrestre. São 588 municípios federados territorializados nesta área com
cerca de dez milhões de habitantes. Essa longa extensão territorial estendida de
norte a sul é dividida em três grandes arcos: Arco Norte, Arco Central e Arco Sul
compostos por 172 sub-regiões. É na primeira sub-região, Oiapoque-Tumucumaque,
que se situa o município de Almeirim pertencente ao estado Pará (BRASIL, 2009).
No Pará, cinco municípios são integrantes da faixa de fronteira (Alenquer,
Almeirim, Faro, Óbidos e Oriximiná). Esses municípios, em razão de suas
respectivas localizações, segundo a compreensão do governo federal, exercem
papel na segurança estratégica das fronteiras brasileiras, seja pela presença
humana ou pela instalação de bases de vigilância em seus territórios. Essa é a
primeira, entre outras particularidades, que os difere de outros municípios
brasileiros.
O tema fronteira ganhou ressignificação nas últimas décadas vista não mais
apenas como marco de separação entre diferentes nações ou como sinônimo de
limite que, segundo Machado (1998), é usado para circunscrever uma demarcação
territorial institucional exercida através de acordos diplomáticos entre países, a fim
de fixar normas e regulamentos para resguardar o território nacional, restringindo-o
ao livre transporte entre as diferentes escalas adjacentes à região fronteiriça.
Para Coelho (1992), estudos contemporâneos concebem a fronteira como
espaço aberto à mútua convivência social sujeito a novos acontecimentos, tais como
os processos de cooperação das fronteiras de integração, permeada pelo
dinamismo das relações comerciais, políticas e comunitárias. Ou seja, são espaços
de reprodução das relações de produção na sociedade e compostos por formas e
conteúdos sociais produzidos historicamente nesses lugares, apresentando
múltiplas possibilidades de interação e construção social coletivas, ainda que as
sedes dos entes federados estejam distante umas das outras.
Nesse sentido, o governo brasileiro tem incorporado essa nova concepção
atribuindo à sua faixa de fronteira um olhar com vistas ao desenvolvimento e a
integração regional a partir de duas referencias. A primeira com base na política dos
2
1) Oiapoque-Tumucumaque; 2) Campos do Rio Branco; 3) Parima-Alto Rio Negro; 4) Alto Solimões; 5) Alto Juruá; 6) Vale do
Acre-Purus; 7) Madeira-Mamoré; 8) Fronteira do Guaporé; 9) Chapada dos Parecis; 10) Alto Paraguai; 11) Pantanal; 12)
Bodoquena; 13) Dourados; 14) Cone Sul Mato-Grossense; 15) Portal do Paraná; 16) Vales Coloniais Sulinos: 17) Fronteira da
Metade Sul do RS (BRASIL, 2005).
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Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID) e a segunda com base no
Programa de Reestruturação da Faixa de Fronteira (PDFF).
3. Estratégias de desenvolvimento e integração regional
O ENID foi lançado como estratégia para o desenvolvimento do País como
produto de estudos que substanciaram o Plano Plurianual 2000-2003 do governo
brasileiro visando, entre outros objetivos, traçar soluções para a redução das
disparidades regionais e sociais. A concepção básica dos Eixos é articular as
diversas regiões do País, e este com os demais países sul-americanos, estimulando
a implementação de redes e fluxos entre as nações adjacentes, a fim de inserir o
Brasil na competitividade do mercado internacional e, também, assegurar sua
liderança em nível regional. Para isso, o Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) viabiliza obras de infraestrutura para garantir fluxos de transporte no território
nacional e, assim, atender às diretrizes estratégicas estabelecidas.
A política Enid encontra complementaridade nas diretrizes da Iniciativa para a
Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana (Iirsa), política que objetiva
impulsionar a integração física, política, social e econômica entre os doze países sulamericanos. No ano de 2009 a Iirsa passou a Conselho Sul-Americano de
Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN), criado pelos Chefes de Estado da
UNASUL3 (RUCKERT; CARNEIRO FILHO, 2015). Sua orientação política é dada
pelos Eixos de Integração e Desenvolvimento (EID), princípios tidos como referência
que convergem em um conjunto de projetos de infraestrutura com vista ao mercado
mundial. Ambas estratégias articulam empreendimentos direcionados à escala
territorial regional/local articulados às escalas nacional e internacional.
O asfaltamento da BR-156 e a construção da ponte binacional sobre o rio
Oiapoque no Amapá, o qual é integrante do Escudo Guyanes4, um dos eixos da
Iirsa, são exemplos da articulação política entre Enid e Iirsa visando à integração
A UNASUL – União das Nações Sul-Americanas - é uma organização intergovernamental composta pelos doze Estados soberanos da
América do Sul fundada em 2008 sob a perspectiva das diretrizes da integração sul-americana, conjugando o MERCOSUL e a Comunidade
Andina de Nações (RUCKERT; CARNEIRO FILHO, 2015).
3
4
O Escudo Guyanés é também o nome da formação geológica mais antiga e estável do planeta, que cobre a maior parte da área do Eixo.
Abrange a região Oriental da Venezuela (Estados Sucre, Anzoátegui, Monagas, Delta, Amacuru e Bolívar), o arco norte do Brasil (estados do
Amapá e Roraima) e a totalidade dos territórios da Guiana e Suriname e apresenta uma superfície total de 2.699.000 km² (Iirsa, 2004, p.99).
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das regiões em escala nacional e também transfronteiriça claramente identificados
como parte de um processo que reafirma o interesse de valorização do capital.
4. Desenvolvimento regional para a faixa de fronteira
A segunda referencia do governo brasileiro para o desenvolvimento regional
foi pensada também a partir de estudos com a colaboração da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) que culminaram no PDFF, o qual é integrante do
Ministério da Integração Nacional (MI) sob a responsabilidade direta da Secretaria
de Programas Regionais (SPR), que também conta em sua estrutura com o Grupo
de Trabalho Interfederativo (GTI) de Integração Fronteiriça.
O relatório desse estudo mostrou que a concepção de fronteira tendo a
defesa nacional como elemento primordial era adotada a princípio pelo PDFF que
assim impunha limites às relações transfronteiriças. Porém, a análise mostrou que
as ameaças lá existentes são provenientes de situações de miséria, da
vulnerabilidade, do crime organizado e da falta de integração com os povos vizinhos,
distanciando segmentos da população ao exercício da cidadania.
Desse modo, essa frágil situação social “coloca o desenvolvimento regional
como estratégia prioritária para a soberania brasileira e a integração continental”
(BRASIL, 2009, p.5) e apresenta-se como desafio ao governo federal para a
mudança em sua forma de atuação na faixa de fronteira. Nesse sentido, o Estado
brasileiro lançou, notadamente nas últimas décadas, diversos instrumentos
institucionais que visam ao desenvolvimento de ações na região fronteiriça brasileira
visando, para além da soberania e ocupação territorial, encaminhar atividades
prioritárias e propor parceria com os vizinhos sul-americanos.
No campo da segurança, temos: o Plano Estratégico de Fronteiras sob
coordenação do Ministério da Justiça (MJ) e do Ministério da Defesa (MD); o
programa Estratégia Nacional de Fronteira - ENAFRON no âmbito da Secretaria
Nacional de Segurança Pública (SENASP) do MJ; o Sistema Integrado de
Monitoramento das Fronteiras Terrestres (SISFRON) coordenado pelo Exército
brasileiro; A operação Ágata, uma ação conjunta do Exército, Marinha e Aeronáutica
ao encargo do Estado Maior das Forças Armadas (EMCFA) do MD.
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Nessa linha, o Programa Calha Norte (PCN) merece destaque, pois foi criado
no ano de 1985 e dentro de um processo histórico mudou a perspectiva de atuação
exclusivamente do ponto de vista militar, agindo também com vistas à ação civil
(SILVA, 2011). O PCN redimensionou seus objetivos e reorientou suas ações aos
municípios que assiste, com a aplicação de recursos no campo social, como
transporte, economia, esporte, educação, e saúde além de segurança e defesa.
Como atuação direta da Presidência da República, a Comissão Permanente
para o Desenvolvimento e a Integração da Faixa de Fronteira (CDIF), sob
coordenação da subchefia de Assuntos Jurídicos foi instituída no ano de 2010,
(BRASIL, 2011), que entre outras medidas, encaminha a construção do Plano Brasil
Fronteira
adotando
metas
que
objetivam
promover
o
desenvolvimento
socioeconômico sustentável da faixa de fronteira, bem como, sua integração cultural
e comercial ao País e aos vizinhos sul-americanos, materializando, no longo prazo,
perspectivas adjacentes aos objetivos da Iirsa/Cosiplan e do Enid.
5. Almeirim e sua territorialidade na faixa de fronteira brasileira
Almeirim (Foto 01) destaca-se por ser o terceiro maior município do estado do
Pará em extensão territorial (72.954, 798 km²), porém, com baixa densidade
demográfica (0,46), considerando que a estimativa da população no ano de 2014 foi
de 33.466 pessoas (BRASIL, 2015). O município faz divisa com seis municípios
paraenses (Óbidos, Alenquer, Monte Alegre, Prainha, Porto de Moz e Gurupá), com
um no Amapá (Laranjal do Jari) e com o Distrito Sipaliwini de Jurisdição Tapahony
no Suriname. Porém, devido a sede do município, situada à margem do rio
Amazonas, posicionar-se em uma distância de mais de 400 km do limite
internacional, não há grande interação com aquele país vizinho.
No município encontram-se grandes extensões de áreas protegidas, pois
quatro unidades de conservação integram seu território: o Parque Nacional
Montanhas de Tumucumaque e a Estação Ecológica do Jari sob jurisdição federal; e
sob jurisdição estadual, a Reserva Biológica Maicuru e a Floresta Estadual do Paru
(SILVA, 2011). Almeirim divide também área territorial, juntamente com outros
municípios paraenses e amapaenses, com as reservas Indígenas Parque do
Tumucumaque, que integra os povos Apalaí, Wayana, Katxuyana, Txikuyana, entre
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outros e Rio Paru D’Este, integrando os povos Apalaí, Wayana. O município possui
quase 80% de sua área territorial sob proteção jurídica5.
Fotografia 1 - CIDADE DE ALMEIRIM - paisagem vista ao se chegar de
barco via rio Amazonas, onde se destaca o nome do município grafado na
entrada da cidade.
Autoria: Ana Regina Silva, 15/03/2011
Na classificação geral dos municípios brasileiros localizados na faixa de
fronteira, Almeirim é um município lindeiro6, pois se limita com o país vizinho, o
Suriname, porém, sua sede está localizada fora da faixa de fronteira. No nível das
interações transfronteiriças é classificado como Zona Tampão (Brasil, 2005).
As
áreas
denominadas
zonas-tampão
são
definidas
como
“zonas
estratégicas, onde o Estado central restringe ou interdita o acesso à faixa e à zona
de fronteira” (BRASIL, 2009, p.145) e por isso o governo cria parques naturais
5
Em termos jurídicos, em que pese a importância dessas áreas de proteção para a conservação ambiental e para a cultura
indígena, a questão da legalidade levanta discussões e polêmicas entre estudiosos, ambientalistas, políticos, governantes e a
sociedade local sobre a falta de participação social na gestão das terras do próprio município, já que representa um entrave,
em sentido amplo, para várias administrações municipais, sobretudo no Pará e no Amapá (SILVA, 2011).
6
Os lindeiros são aqueles que: a) seu território faz divisa com o país vizinho e sua sede fica no limite internacional,
apresentando ou não conurbação com uma localidade desse país, a exemplo de cidades gêmeas; b) o território faz divisa com
o país vizinho, mas sua sede não se localiza no limite internacional; c) o território faz divisa com o país vizinho, mas sua sede
se encontra fora da faixa de fronteira. Os não lindeiros são aqueles que se localizam na retaguarda da faixa, possuindo ou não
sede nesta (Brasil, 2005).
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nacionais, unidades de conservação, terras indígenas e outras áreas protegidas,
mesmo que existam relações culturais e de tipo comercial em nível local.
Daí a importância estratégica do município, cujo território tem o privilégio de
conter abundantes riquezas naturais, florestais e minerais, parte do bioma
amazônico e a presença de populações indígenas, que vêm recebendo melhor
atenção governamental para a preservação de suas culturas. São fatores que
convergem para sua definição como zona-tampão e que, portanto, contribuem para
que cumpra seu papel estratégico na vigilância e na defesa da fronteira brasileira.
Entretanto, segundo agentes públicos do município, o conjunto de iniciativas
adotadas pelo governo para a faixa de fronteira não tem chegado à Almeirim:
Eu acho que essa diferença por ser município de fronteira é só no que a
gente imagina, porque não vejo nenhuma ação, tanto do governo federal
como do governo estadual, que nos diferencie estrategicamente (Pedro
Damião, secretário de educação. Entrevista concedida em 15/03/2011).
Eu creio que Almeirim não recebe nenhum investimento por ser fronteira,
pois eu estou [a par] de toda a arrecadação, das verbas que entram dos
programas, e não tem nada sobre isso. Deve ser por falta de conhecimento
desses programas todos aí, que a gente não sabe ainda. Agora que eu
estou sabendo disso (Antonio Barros, secretário de administração e
planejamento. Entrevista concedida em 16/03/2011).
De fato, em levantamento realizado no Portal da Transparência do governo
federal, vimos que até o ano de 2011 o município havia sido assistido, em atenção à
fronteira, apenas pelo Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras, projeto do
Ministério da Saúde que encerrou suas atividades no ano de 2014 (SILVA, 2011).
Porém, essa situação é reforçada pela falta de maior conhecimento dos gestores
municipais sobre as políticas públicas, especialmente as de orientação regional e
específicas à faixa de fronteira.
6. Almeirim e o uso de suas riquezas minerais
Na região do Vale do Jari, no distrito de Munguba, se localiza o Complexo
Industrial do Jari implementado a partir da década de 1970 pelo milionário
americano Daniel Ludwig, objetivando fornecer celulose ao mercado mundial. Após
sucessivos entraves econômicos nos anos 1980 e 1990 o programa foi repassado
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ao grupo ORSA, uma das principais organizações brasileiras no setor de madeira,
celulose, papel e embalagens com atuação também no mercado de produtos
florestais não madeireiros, reunindo a ação integrada das empresas Jari Celulose,
Papel e Embalagens S.A, Orsa Florestal e Ouro Verde Amazônia (SILVA, 2011).
A atividade industrial iniciou com a instalação da Caulim da Amazônia S.A.
(Cadam) em 1978, no distrito de Munguba, porém, a mina do caulim está situada no
Morro do Felipe, no município de Vitória do Jari – AP, descoberta em 1967, cujo
minério é transportado por um mineroduto submerso no rio Jari até a fábrica, para
beneficiamento e exportação (PORTO, 2005). Desse modo, esse espaço atraiu
grandes investimentos infraestruturais, entre os quais, a instalação de company
towns nos distritos de Monte Dourado e Munguba e edificados alojamentos
chamados silvivilas dentro da floresta para alojar os trabalhadores
Houve também grande investimento de logística urbana com a construção de
centros de saúde, termoelétrica, supermercados, escolas, entre outros benefícios
destinados ao atendimento dos trabalhadores do complexo industrial. Entretanto, as
melhorias das transformações ocorridas nesse espaço não foram iguais para todos,
pois o próprio surgimento de cidades como Laranjal do Jari e Vitória do Jarí ocorreu
como consequência da atuação do referido complexo industrial É o que depõe o
chefe de departamento do distrito de Monte Dourado (prefeitura de Almeirim – PA),
que também é morador de Laranjal do Jari:
Quando fizeram o projeto, eles não pensaram o outro lado da coisa. Surgiu
Laranjal e Vitória como reflexo negativo do projeto, porque eles não
pensaram sobre como fazer uma cidade mais detalhada, mais estruturada.
O pessoal vinha, trabalhava na empresa, e quando ela não os queria mais,
mandava embora. Como eles não tinham pra onde ir, a alternativa foi
fundarem essas duas cidades na beira do rio. Porque não se tinha para
onde ir, aqui não podia ficar porque era privado. As casas só eram para
quem era funcionário da empresa, então quem não era teria que voltar para
casa. (Magnandes Costa Cardoso, chefe do departamento do distrito de
Monte Dourado-Prefeitura de Almeirim. Entrevista realizada em
16/03/2011).
Além disso, se Laranjal do Jari e Vitória do Jari surgiram pela necessidade de
sobrevivência das pessoas que não conseguiram emprego no Complexo do Jari, em
Almeirim existe a outra face dessa realidade. A sofisticada logística composta pelas
agrovilas e demais equipamentos urbanos de prestação de serviços construídos em
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Monte Dourado para atendimento público criou uma situação bastante peculiar entre
esse distrito e a sede municipal, que vivem em separado, realidades bem distintas.
Segundo o senhor Pedro Damião, secretário municipal de educação desse
município, em entrevista concedida em 15/03/2011, a situação de Almeirim é atípica,
pois, na prática, trata-se de dois municípios. Ele relatou que em Monte Dourado
existem sempre os melhores serviços prestados em razão dos investimentos das
empresas do Grupo Orsa, apesar de que sua gestão é da prefeitura. Sendo que a
sede do município apresenta sérios problemas socioambientais, infraestrutura
precária, saneamento básico inexistente e outros oriundos da falta de políticas
públicas eficazes para o atendimento da população.
Esse processo não é diferente de outros ocorridos em várias regiões
brasileiras em que a exploração da atividade mineral é permeada por tensões e
conflitos, ainda que o empreendimento ofereça potencial desenvolvimento
socioeconômico ao local onde se instalou. As transformações ocorridas, como no
caso de Almeirim, são de caráter estrutural em amplo sentido, envolvendo migração,
desemprego, urbanização precária, défict habitacional, entre outros. Além do que é
comum os casos de dependência entre o município e as empresas, que, ao
decidirem encerrar suas atividades devido ao esgotamento dos recursos, falência ou
outras causas, deixam o município ainda mais pobre do que quando o encontraram.
7. Considerações finais
Evidenciamos aqui a dupla condição estratégica de Almeirim por sua
localização privilegiada e por suas riquezas naturais do ponto de vista da concepção
do Estado brasileiro e na concepção do capital industrial mineral, respectivamente.
Porém, mesmo que haja, da parte do executivo federal, uma série de instrumentos
institucionais criados e sendo encaminhados em atenção especial aos municípios
situados na faixa de fronteira objetivando combater os desequilíbrios regionais e
sociais, são iniciativas que permanecem longe de prestar a assistência adequada ao
município de Almeirim, conforme se planeja ano após ano.
No outro aspecto, o planejamento das empresas mineradoras para uso e
transformação do espaço do município para atender às demandas do capital, ocorre
considerando apenas suas próprias necessidades de obtenção de lucro. Por isso o
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distrito de Monte Dourado é equipado com melhores serviços de atendimento ao
público, já que deve atender às necessidades do Grupo Orsa. Por isso também que
outros núcleos urbanos foram criados pela própria população excluída na região do
Vale do Jari como forma de resistência e sobrevivência à situação que se desenhou.
Isso quer dizer que entre as promessas de levar desenvolvimento à região,
existe o aprofundamento das desigualdades socioeconômicas, não apenas em
escala
regional
como
também
internamente
no
município
de
Almeirim,
estabelecendo uma relação contraditória com o planejamento estratégico do
governo federal proposto para garantir a inclusão socioeconômica e a integração
como forma de combate às desigualdades regionais e sociais.
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