ceart curso de licenciatura e bacharelado em teatro tânia fa

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC
CENTRO DE ARTES - CEART
CURSO DE LICENCIATURA E BACHARELADO EM TEATRO
TÂNIA FARINON
MANIFESTAÇÕES TEATRAIS EM CAÇADOR:
UM OLHAR SOBRE O FINAL DA DÉCADA DE 1930 AO ANO DE 2014
FLORIANÓPOLIS/SC
2014
TÂNIA FARINON
MANIFESTAÇÕES TEATRAIS EM CAÇADOR:
UM OLHAR SOBRE O FINAL DA DÉCADA DE 1930 AO ANO DE 2014
Trabalho
de
Conclusão
de
Curso
apresentado ao Curso de Licenciatura e
Bacharelado em Teatro do Centro de Artes
da Universidade do Estado de Santa
Catarina, como resquisito parcial para
obtenção dos graus de Licenciada e
Bacharela em Teatro.
Orientadora: Profa Dra Vera Regina Martins
Collaço
FLORIANÓPOLIS/SC
2014
TÂNIA FARINON
MANIFESTAÇÕES TEATRAIS EM CAÇADOR:
UM OLHAR SOBRE O FINAL DA DÉCADA DE 1930 AO ANO DE 2014
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura e
Bacharelado em Teatro do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa
Catarina, como requisito parcial para obtenção dos graus de Bacharela e
Licenciada em Teatro.
Banca Examinadora:
Orientadora:
Membro:
Membro:
____________________________________
Profa Dra Vera Regina Martins Collaço
CEART – UDESC
_____________________________________
Prof. Ms. Diego de Medeiros Pereira
CEART - UDESC
_____________________________________
Prof. Ms. Juliano Borba
CEART - UDESC
Florianópolis/SC, 03 de dezembro de 2014
Ao meu pai que sempre colocou o meu
estudo em primeiro lugar. Estudou comigo,
ensinou-me a ser humilde e a amar Caçador
como ninguém.
Este trabalho é para meu herói, Estevo
Farinon, onde quer que esteja, sem o qual
eu não seria o que sou hoje.
AGRADECIMENTOS
Eu agradeço minha família. Agradeço minha mãe Mariliva Sonálio Farinon por
nunca se opor a nenhuma escolha minha. Obrigada por não me impedir de voar com
minhas asas. Obrigada minha irmã Thalia Farinon, um dos anjos enviados para
minha vida, por toda a paciência, sensatez e compreensão em ter que aceitar que a
distância não nos permitiria mais conviver como antes. Obrigada há tantas tias, mas
uma em especial: Leocadia Maria Farinon, que acabou por desempenhar tantas
outras funções na minha vida. Tia, madrinha, amiga, irmã, mãe e pai. Foi quem
tantas vezes me ajudou financeira e emocionalmente e é a quem hoje agradeço
imensamente, do fundo do meu coração, pois sem seu apoio nada disso teria se
tornado real.
Eu agradeço àqueles que tiveram “culpa” na minha decisão pelo teatro. Eu
agradeço Hélio Pires pelos convites para que eu começasse a frequentar o grupo.
Eu agradeço Efigênia Loeff Zardo por cumprir um papel tão especial nessa minha
trajetória. Eu agradeço Lucinei Xavier Paes, por, além de ter contribuído muito para
a minha pesquisa, também contribuir na formação de quem sou hoje. Obrigada João
Paulo de Almeida pela confiança, pela disposição e por me levar a decidir uma
primeira temática do meu TCC. Obrigada a Ivair Nilton Fusinato (Pinduca) pelos
elogios anos atrás, mas que permanecem comigo para lembrar que se eu não
acredito em mim, alguém já acreditou. Além, é claro, de toda a disponilibidade em
contribuir para a minha pesquisa. Obrigada a Marcos de Souza, (in memorian), por
também ter sido uma dessas pessoas que acreditou em mim e me fez enxergar
outros horizontes. Obrigada também ao “Rei” Júlio César Corrente, o Imperador do
Arquivo Público de Caçador por ter sido tão disponível e flexível para que esta
pesquisa pudesse ser realizada. Obrigada Avito Corrêa, essencial nessa história e
nessa pesquisa. Obrigada Elírio Galelli que contou como foram seus passos na
cidade na década de 1980. Obrigada Daniel Schiavini que se dispõs a fornecer
informações para esta estranha. Obrigada Íria Zandavalli que surgiu no meu
caminho e contribuiu de maneira rica para a confecção deste trabalho. Obrigada a
Adilson José Panatta por toda receptividade desde quando entrei para o grupo
Temporá e por me permitir escrever esta história sem a ajuda do qual não seria
possível. Obrigada a todo o grupo Temporá. Obrigada a todo o grupo Vento Negro.
Agradeço aos amigos. Agradeço a Elaine Pasqualotto que me hospedou nos
dias que prestei vestibular, que me guiou, incentivou, ouviu e aconselhou. Obrigada
a Sayo Ribas que depois da distância tornou-se mais perto do que nunca: minha
confidente e conselheira. Obrigada, claro, a Rosiane Cardozo, a minha amiga que
há quinze anos (é isso mesmo produção?) compartilha de sonhos, medos,
descobertas, perdas, inseguranças e também alegrias, conquistas e segredos.
Descobrimos o teatro juntas e hoje eu agradeço por estar tão presente, por me
conhecer tão bem e por estar sempre prestando todas as infomações de que
necessito para a minha pesquisa em tempo recorde. Eu agradeço às mulheres da
Pensão da Dona Lourdes que passaram pela minha vida nestes quatro anos e meio,
mas que também ficaram na minha vida. Eu agradeço cada uma que deixou um
pedacinho de si comigo e que levou um pedacinho de mim.
Eu agradeço aos meus colegas da turma 2010/1. Em especial à turma X, é
claro, porque a turma X é a melhor. Brincadeira. Eu agradeço a turma por inteiro
porque já nos mesclamos tanto que ninguém mais sabe definir de qual turma é.
Obrigada Rachel Chula por me fazer acreditar desde o dia da matrícula que “nunca
é tarde”. Obrigada “amiguinha” Luíza Souto que com seu jeito bossaxé me
conquistou e que entende meus conflitos. Obrigada Beatriz Cripaldi, por chorar
comigo, por morar comigo, por rir comigo e por estar comigo em tantos momentos,
em especial este que é a conclusão de uma etapa. Beàjo. E obrigada ao amigo que
me cativou no dia em que olhou para a minha alma e descobriu que tudo o que eu
precisava era de um abraço. Obrigada Rafael Reüs Meira por ser a energia positiva
em pessoa, por sorrir com a alma, por abraçar de verdade, por falar com sinceridade
e por ser esse incrível ser que contagia por onde passa.
Por fim, obrigada a todos os professores que contribuíram para a minha
formação durante estes cinco anos que fiquei dentro da UDESC. Obrigada Vicente
Concílio com quem tive o primeiro contato ainda na prova prática do vestibular.
Grata pelos momentos de riso e pelos conselhos nas crises. Obrigada a Juliano
Borba e Diego de Medeiros que, por serem convidados para estarem na minha
banca, foram realmente mestres que me auxiliaram muitas vezes ao longo do curso
e por quem sempre tive uma identificação e uma admiração pelo trabalho. E, claro,
agradeço imensamente a minha orientadora Vera Regina Collaço por todo este mais
de um ano de convivência quinzenal. Agradeço por me guiar e focar num rumo certo
para minha pesquisa. Obrigada por apoiar, criticar, puxar as orelhas e também por
incentivar, elogiar e apontar o trabalho sempre para frente. Muito obrigada.
Obrigada a essa estranha força que nos leva para frente e nos faz levantar a
cabeça mesmo em dias ruins. Essa força que alguns chamam de Deus. Eu chamo
de amor.
Obrigada a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a
conclusão deste trabalho. Obrigada àqueles que contribuíram para a história do
teatro de Caçador tornando este trabalho rico e possível. Obrigada a todos que
acreditam na arte e a levam para além dos muros das grandes cidades provando
que a arte ultrapassa muitas barreiras, porque ela precisa de muito pouco para
existir. Ela precisa de pessoas, de vontade e de amor.
Mude suas opiniões, mantenha seus
princípios.
Troque suas folhas, mantenha suas raízes.
Victor Hugo
RESUMO
O presente trabalho é o resultado da investigação sobre as manifestações teatrais
ocorridas no município de Caçador, no Estado de Santa Catarina, desde o fim da
década de 1930 até o ano de 2014 e busca relatar quais espetáculos passaram pelo
município nesse período e também quais foram as produções realizadas pelos
próprios caçadorenses. Os dados para a pesquisa foram coletados nos jornais da
cidade impressos a partir de 1939. Além da pesquisa na imprensa foram feitas
entrevistas e coletadas fontes imagéticas (fotografias e materiais de divulgação de
peças). A partir da década de 1980 grupos teatrais passam a ser criados com a
colaboração de professores da Fundação Educacional do Alto Vale do Rio do Peixe
- FEARPE (criada em 1971 em Caçador) e na década de 1990 é criado o grupo
teatral Temporá existente até hoje e estudado neste trabalho. Além deste, o trabalho
conclui com um breve panorama sobre o outro grupo existente na cidade, Vento
Negro, fundado no ano de 2000 e atuante na cidade; e outros grupos criados
recentemente, mas com pouco material ainda para pesquisa. Trata a pesquisa de
resgatar mais de 70 décadas da história teatral de Caçador e de Santa Catarina.
Palavras-chave: História do Teatro Brasileiro. História do Teatro Catarinense.
Grupo Temporá. Grupo Vento Negro
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 – Cidade de Caçador na década de 1920 ...... ..........................................17
Imagem 2 – Francisco Correa de Mello .................................................................... 19
Imagem 3 – Estrada de Ferro.................................................................................... 20
Imagem 4 – Inauguração da Estrada de Ferro de Caçador ...................................... 21
Imagem 5 – Caboclos da Guerra do Contestado ...................................................... 22
Imagem 6 – Adeodato preso em Florianópolis .......................................................... 23
Imagem 7 – Almoço no dia da emancipação de Caçador ......................................... 25
Imagem 8 – Museu do Contestado ........................................................................... 27
Imagem 9 – Fundação Municipal de Caçador ........................................................... 28
Imagem 10 – Vista aérea da cidade de Caçador ..................................................... 29
Imagem 11 – O humorista Nhô Bastião .................................................................... 39
Imagem 12 – Receita Líquida do Grupo Teatral Moacir Sampaio ............................. 43
Imagem 13 – Cena do filme Guerra dos Pelados no ano de 1970 ........................... 46
Imagem 14 – Peça O Santo Milagroso ...................................................................... 53
Imagem 15 – Peça O Santo Milagroso ..................................................................... 54
Imagem 16 – Peça Toda Donzela tem um pai que é uma fera ................................. 54
Imagem 17 – Peça Toda Donzela tem um pai que é uma fera ................................. 55
Imagem 18 – Peça Toda Donzela tem um pai que é uma fera ................................. 55
Imagem 19 – Plateia infantil no Auditório do Contestado .......................................... 60
Imagem 20 – Peça Bailei na Curva no Auditório do Contestado ............................... 63
Imagem 21 – Peça Bailei na Curva no Auditório do Contestado ............................... 64
Imagem 22 – Peça O Pirata ...................................................................................... 64
Imagem 23 – Avito Corrêa com Vicente Telles e Gilberto Nunes.............................. 72
Imagem 24 – Peça O Contestado ............................................................................ 73
Imagem 25 – Elenco de O Contestado ..................................................................... 74
Imagem 26 – Paixão de Cristo no Estádio Municipal de Caçador ............................. 76
Imagem 27 - Paixão de Cristo no Estádio Municipal de Caçador.............................. 77
Imagem 28 – O Auto de Natal na Cabanha Rancho Fundo em Caçador .................. 78
Imagem 29 – Auto de Natal com a atriz Carolina Kasting em Caçador ..................... 79
Imagem 30 – Material de Divulgação de O Contestado – A Fúria Cabocla .............. 80
Imagem 31 – Material de Divulagação de O Auto da Compadecida ......................... 81
Imagem 32 – Material de Divulgação de O Bicho de Sete Cabeças ......................... 82
Imagem 33 – Ensaio Aberto de O Marinheiro .......................................................... 83
Imagem 34 – Peça O Pequeno Príncipe ................................................................... 86
Imagem 35 – Material de Divulgação de O Show do Batatão ................................... 87
Imagem 36 – Material de Divulgação de Trempe Ridente ........................................ 87
Imagem 37 – Peça Deus lhe Pague no Auditório do Contestado.............................. 88
Imagem 38 – Ficha Técnica de Deus lhe Pague ....................................................... 88
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
1 CAÇADOR: um resgate da história e da cultura do município ........................ 17
1.1 PRIMÓRDIOS: TRILHAS DE UMA HISTÓRIA DE COMBATE E POSSE ....... 18
1.2 CAÇADOR E A GUERRA DO CONTESTADO ................................................ 19
1.3 COLONIZAÇÃO PÓS-GUERRA ...................................................................... 23
1.4 DA EMANCIPAÇÃO AOS DIAS ATUAIS ......................................................... 24
1.4.1 O Ensino Superior em Caçador .............................................................. 26
1.4.2 Espaços culturais de Caçador ................................................................ 27
2 TEATRO EM CAÇADOR: trilhas de sua história ................................................ 30
2.1 OS PRIMEIROS MOVIMENTOS TEATRAIS NA CIDADE DE CAÇADOR ...... 31
2.1.1 O circo-teatro ........................................................................................... 32
2.1.2 A primeira Companhia a se apresentar em Caçador ............................ 33
2.1.3 Um grupo local se propõe a atuar em Caçador..................................... 34
2.2 O CIRCO-TEATRO E OS AMADORES ANIMAM O TEATRO NA CIDADE .... 35
2.2.1 E os amadores continuam trabalhando... .............................................. 35
2.3 A COMPANHIA DE NHÔ BASTIÃO EM CAÇADOR E OUTROS REGISTROS
............................................................................................................................... 37
2.3.1 A comicidade continua ganhando prestígio.......................................... 40
2.4 OUTROS REGISTROS DE GRUPOS AMADORES EM CAÇADOR E NA
REGIÃO ................................................................................................................. 42
2.5 DÉCADA DE 1970 E O FILME A GUERRA DOS PELADOS – Virando artistas
de cinema .............................................................................................................. 44
2.6 OUTROS ESPETÁCULOS CHEGAM A CAÇADOR E REGIÃO ..................... 48
2.6.1 Espetáculos que chegam na década de 1980 ....................................... 50
3 A FOMENTAÇÃO DO TEATRO EM CAÇADOR ................................................. 52
3.1 ELÍRIO GALELLI E O GRUPO DE TEATRO UNIVERSITÁRIO ...................... 52
3.2 AVITO CORRÊA E SUA CONTRIBUIÇÃO TEATRAL ..................................... 57
3.2.1 Travessuras e Termópilas ....................................................................... 59
3.2.2 Reticências ............................................................................................... 62
3.2.3 A VI Festa Catarinense de Teatro ........................................................... 66
3.2.4 Apresentações vindas de fora na década de 1990 ............................... 67
3.3 GRUPO TEATRAL TEMPORÁ ........................................................................ 69
3.3.1 O início...................................................................................................... 70
3.3.2 A Paixão de Cristo ................................................................................... 75
3.3.3 Auto de Natal ............................................................................................ 77
3.3.4 Contestado - A Fúria Cabocla ................................................................. 79
3.3.5 Outras produções e prêmios .................................................................. 80
3.3.6 O grupo atualmente ................................................................................. 84
3.4 GRUPO TEATRAL VENTO NEGRO ............................................................... 85
3.4.1 O início...................................................................................................... 85
3.4.2 Produções do grupo ................................................................................ 85
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 91
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 94
13
INTRODUÇÃO
O momento de escrever o Trabalho de Conclusão de Curso é, para o
acadêmico, o último desafio antes da colação de grau. É o momento de colocar no
papel aquilo que mais lhe anseia discutir e escrever, pois é a etapa de construir sua
própria pesquisa e deixar sua contribuição para a comunidade científica e para a
sociedade. Por se tratar do trabalho que demanda mais tempo dentro da graduação
(cerca de um ano ou mais), é primordial para o graduando que o tema abordado seja
de interesse e afinidade, bem como possivelmente trazer questões inéditas para que
possam (ou não) ser respondidas.
Desde quando iniciei minha graduação na UDESC, em 2010, preocupei-me
em ressaltar de onde eu era e qual a situação cultural da minha região. A diferença
de uma capital para uma cidade do interior é considerável nessa área (e em outras
tantas). Desta forma, meu desejo sempre fora o de devolver, de alguma maneira, o
conhecimento adquirido na academia para a sociedade e, principalmente, para a
minha terra natal. E é isso que intenciono com minha monografia.
Relato aqui a pesquisa que fiz sobre as raízes da prática teatral da cidade de
Caçador (SC) onde nasci e cresci e, consequentemente, sobre as minhas próprias
raízes, minha própria história, sendo esta uma pesquisa inédita dentro da área
abordada e extremamente necessária, pois um regresso também é um progresso.
Caçador, cidade localizada no meio-oeste de Santa Catarina, emancipou-se
no ano de 1934 e possui hoje cerca de setenta e cinco mil habitantes. Foi em
Caçador, que tive meu primeiro contato com o teatro. No ano de 2006 participei do
espetáculo A Paixão de Cristo com o grupo de teatro Temporá. A partir daí passei a
fazer parte deste grupo e me envolvi ativamente com outros projetos culturais da
cidade. Além da Fundação Municipal de Cultura, envolvi-me com um segundo grupo
de teatro existente na cidade: o Vento Negro. Em paralelo, eu consegui desenvolver
alguns trabalhos com os dois grupos e muitos dos participantes do Vento Negro eu
conheci no próprio grupo Temporá.
Os dois grupos amadores continuam ativos na cidade. Sendo o primeiro,
Temporá, criado há mais de vinte anos e o segundo, Vento Negro, criado no ano
14
2000. Temporá caracteriza-se pelas montagens a céu aberto (Paixão de Cristo e
Auto de Natal) e também pela peça de onde derivou o nome do grupo: O
Contestado, de Romário José Borelli. Por sua vez, o Vento Negro tem em seu
currículo peças infantis e comédias (O Pequeno Príncipe e O Show do Batatão) e
também peças de teatro empresarial.
Colocado isto, apresento aqui o objetivo central da minha pesquisa: investigar
as manifestações teatrais ocorridas em Caçador, Santa Catarina, desde o ano de
1939 até o ano de 2014 trazendo à tona as diversas movimentações na cidade,
tanto as vindas de fora quanto às fomentadas por grupos amadores de dentro da
cidade.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, primeiramente pautei-me nos
estudos já publicados acerca do estado de Santa Catarina (história e cultura) e
também do município de Caçador, pois compreender o contexto histórico em que a
cidade está inserida foi o primeiro passo para abordar o principal tema da pesquisa:
o teatro em Caçador. Sobre outros estudos do teatro em uma cidade do oeste
catarinense é possível encontrar a dissertação de Clodoaldo Calai, que trata da
trajetória do teatro na cidade de Concórdia. Outra pesquisa que também relaciona a
cidade e o teatro (desta vez no planalto catarinense) é a dissertação de Loren
Fischer Schwalb, que aborda o teatro de rua na cidade de Lages e, para tal, faz um
recorte das décadas de 1970 a 1990, estudando o teatro realizado no espaço aberto
da cidade. Para Schwalb,
Escolher a cidade como campo de estudo é uma aventura
desafiadora, pois se trata de um objeto dinâmico, em
constantes transformações. Compreender o espaço da cidade
e as atividades que nela podem ocorrer, requer um olhar que
possa captar a complexidade deste universo repleto de fluxos e
diálogos (SCHWALB, 2009, p. 21).
Sendo assim, fez-se imprescindível o estudo específico do município que teve
como base principal o material publicado pelo historiador, jornalista e arqueólogo
Nilson Thomé (1949-2014), que, nascido em Caçador, dedicou sua vida a estudos e
pesquisas sobre a cidade, região e, principalmente, à Guerra do Contestado.
Depois de findado o levantamento bibliográfico e investigada a história, a
pesquisa preocupou-se em encontrar registros de manifestações teatrais em
15
materiais visuais (fotografias, críticas, vídeos), sendo o principal deles o jornal.
Foram encontrados jornais de Caçador a partir do ano de 1939 (cinco anos após a
emancipação do município) e foi, portanto, esse ano o ponto de partida da minha
pesquisa. Os jornais foram pesquisados em dois ambientes distintos: Biblioteca
Pública do Estado de Santa Catarina, localizada em Florianópolis e Arquivo Público
de Caçador. No primeiro foi possível encontrar os jornais do ano de 1939 até o ano
de 1949 e no segundo os jornais de 1950 até os anos atuais. Minha pesquisa na
imprensa delimitou-se entre 1939 e o fim da década de 1990. Sobre os anos não
pesquisados na imprensa foi possível obter informações e materiais através das
pessoas entrevistadas e que tiveram participação na vida cultural da cidade. Ao todo
foram quatro entrevistas feitas pessoalmente e quatro entrevistas feitas por e-mail.
Coletado todo esse material, foi possível também somar com o material encontrado
no meu próprio acervo, dos anos que participei dos movimentos teatrais no
município. Foi necessário, assim, que eu me deslocasse para minha cidade natal e
por lá permanecesse por algumas vezes para conseguir concluir a busca em todos
os jornais bem como entrevistar pessoas, visitar os grupos e coletar materiais, o que
estendeu minha pesquisa para um prazo maior de conclusão.
Sobre a divisão do meu trabalho, este é dividido em três capítulos, tratando o
primeiro capítulo de situar o leitor quanto ao município de Caçador e sua história,
fazendo um panorama dos anos antes de sua emancipação, pós-emancipação,
principais eventos ocorridos e demais informações sobre as mudanças no município.
No segundo capítulo trato de relatar, sequencialmente, os espetáculos
teatrais que passaram pela cidade registrados na imprensa do município desde o
ano de 1939. Além dos espetáculos vindos de fora, abordo as produções realizadas
por grupos amadores no município e na região. Todos encontrados na imprensa.
Essa varredura no segundo capítulo vai do fim da década de 1930 até a década de
1980.
O terceiro, e último capítulo, engloba o trabalho produzido por dois
diretores/professores que viveram na cidade nas décadas de 1980 e 1990, Elírio
Galelli e Avito Corrêa. Do segundo diretor abordo toda a reverberação que seu
trabalho produziu no município, sendo uma delas a criação do grupo de teatro
Temporá, existente até os dias de hoje. Juntamente com as informações, aglutino
depoimentos de outras pessoas/artistas que contribuíram e contribuem para a
16
cultura teatral do município, entre eles Ivair Fusinato (Pinduca) e Lucinei Paes. Esta
última, dentre tantas ações que exerceu em Caçador, também colaborou na
fundação do grupo de teatro Vento Negro, no ano de 2000, existente até os dias
atuais.
A ideia inicial do meu tema era aprofundar nos trabalhos dos grupos teatrais
Temporá e Vento Negro e discutir a relação do teatro amador e do teatro
profissional. Era também a intenção privilegiar um relato maior sobre as pessoas
que fizeram parte da história contando suas experiências e trajetórias com detalhes
para o leitor. Mas como tudo muda constantemente, mudou também o foco da minha
pesquisa, delimitando-se em fazer o levantamento histórico de mais de setenta
décadas, o que não permitiu, portanto, que o meu Trabalho de Conclusão de Curso
englobasse todos os aspectos por mim desejados, mas se privasse ao seu foco
principal para que garantisse um trabalho aprimorado e com consistência para o
leitor e para a história do teatro catarinense.
17
1 CAÇADOR: um resgate da história e da cultura do município
Caçador é um rio pequenino
Que deu nome a minha cidade
E você que aqui se encontra
Com certeza está bem à vontade1
(Oswaldo Olsen)
Os primeiros versos do Hino de Caçador tratam justamente da origem do
nome da cidade: o rio que passa por ela. A origem do nome vem de Francisco
Correa de Mello (1823-1933), considerado primeiro morador do local e reconhecido
como “O Caçador” em virtude de “ser exímio atirador e manuseador de armadilhas”
(THOMÉ, 1982, p. 53). Antes de denominar-se Caçador, o município era conhecido
como Rio Caçador sendo a cidade cortada pelos Rio do Peixe e Rio Caçador.
Imagem 1 – Vista da cidade de Caçador na década de 1920.
Fonte: Arquivo Histórico de Caçador
1
Hino de Caçador
18
A cidade de Caçador detém o título de capital industrial do Oeste catarinense
com mais de 230 estabelecimentos comerciais tendo como principal fonte
econômica a madeira2 tendo uma população estimada em aproximadamente 75 mil
habitantes (censo 2014) e é considerado o décimo quinto município mais populoso
de Santa Catarina.3
1.1 PRIMÓRDIOS: TRILHAS DE UMA HISTÓRIA DE COMBATE E POSSE
Era na região perto do entroncamento dos rios do Peixe e Caçador que
viviam, no século XVI, nativos das etnias Kaingang e Xocleng. Há vestígios, no
entanto, que remetem a elementos das antigas tradições (Taquara, Umbu e
Humaitá) que habitavam a região antes mesmo do descobrimento da América. Entre
esses elementos estão artefatos de pedra como facas, pontas de projéteis,
furadores e até estatuetas antropomórficas.
No ano de 1881, Francisco Corrêa de Mello, descendente de família lusobrasileira, instalou-se às margens do Rio Caçador sendo considerado o primeiro
morador do local. Cita Nilson Thomé em seu livro dedicado à família Correa de Mello
que "foi na margem esquerda do Rio do Peixe [...] que Francisco Correa de Mello se
instalou em 1881, e ali permaneceu até o ano de 1910 sem ter posse legitimada
sobre suas terras" (THOMÉ, 1982, p. 33). Após ele, seguiram-se outras famílias
estabelecendo-se um pequeno povoado. Francisco Correa de Mello ficou ali até a
data de sua morte (1933), um ano antes da emancipação de Caçador.
2
Fonte: http://www.cacador.sc.gov.br/portalhome/index.php/cidade. Acesso em: 18 nov. 2014.
3Fonte:http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=420300&search=santa-
catarina|cacador|infograficos:-informacoes-completas. Acesso em: 18 nov. 2014.
19
Imagem 2 - Francisco Correa de Mello.
Fonte: http://www.cacador.net/portal/Paginas.aspx?cdPagina=16
1.2 CAÇADOR E A GUERRA DO CONTESTADO
Caçador fica na região que fora reivindicada pela Argentina entre os séculos
XVIII e XIX. O Tratado de 1898, que delimitou a fronteira Brasil-Argentina, favoreceu
o Brasil fazendo com que o país investisse na posse das terras. Entre os anos de
1904 e 1905 o “[...] então Ministro da Viação e Obras Públicas, o catarinense Lauro
Müller, promoveu a vinda ao Brasil do famoso empreendedor Percival Farquhar, que
fundou a Brazil Railway Company” (THOMÉ, 1992, p. 51), empresa que passou a ter
o controle da construção da estrada de ferro que ligava São Paulo ao Rio Grande do
Sul.
20
Imagem 3 - Trem no oeste catarinense (eixo São Paulo – Rio Grande do Sul).
Fonte: Arquivo Público de Caçador
No entanto, questões acerca dos limites territoriais continuaram em voga,
desta vez dentro do próprio país, entre os Estados do Paraná e Santa Catarina. O
Estado do Paraná afirmava ser seu o território da margem direita do Rio do Peixe, e
Caçador ficava bem no centro da região disputada, que era rica em erva-mate e
araucária. E assim, os dois estados criavam um clima de combate. Como afirma o
historiador Delmir José Valentini "[...] de ambos os lados, grupos eram incentivados
a ocuparem espaços, na tentativa de estabelecerem jurisdição sobre a área" (2000,
p. 41), pois era esta uma estratégia para garantir a posse, ocupando e extraindo o
máximo possível de cada metro de terra contestado.
Enquanto isso a estrada de ferro era construída e no ano de 1910, "[...] era
oficialmente inaugurada a Estação de Rio - Caçador, com a chegada do primeiro
trem de tráfego regular até este ponto da linha" (THOMÉ, 1982, p. 27), tornando
Caçador mais um ponto onde os trilhos da estrada de ferro cortavam (trilhos estes
que ainda são presentes dentro do município.
21
Imagem 4 – Estação Ferroviária de Caçador inaugurada em 1910.
Fonte: http://www.cacador.net/portal/Paginas.aspx?cdPagina=16
A região, que permanecia no conflito de terras entre o Paraná e Santa
Catarina, contava agora com mais um problema: a desapropriação das terras
concedidas pelo governo brasileiro para a companhia norte-americana em troca da
construção da estrada de ferro. Quinze quilômetros de cada lado da estrada, não
importando se havia moradores de longa data, pois se estes não tinham sua posse
formalizada burocraticamente, eram simplesmente desalojados. Assim, "[...]
expulsos os brasileiros, abriam-se espaços para a empresa estrangeira explorar a
madeira e colonizar as terras" (VALENTINI, 2000, p. 47), pois a companhia, além da
estrada, construiu também uma serralheria na cidade de Calmon, substituindo a mão
de obra dos trabalhadores pelas máquinas o que gerou desemprego e miséria na
região que aglomerava além de pessoas expulsas de suas terras, desempregados e
também ex-trabalhadores da própria construção da estrada de ferro vindo de outros
estados.
A crença desse povo desalojado e desempregado (aqui denominados de
sertanejos4) era muito forte nos chamados “monges”. Os monges eram andarilhos
que passavam de tempos em tempos realizando rezas, bênçãos, aconselhando e
batizando.
São três os monges mais conhecidos que passaram pelo oeste
catarinense: João Maria de Agostini, João Maria de Jesus e José Maria. Este último
4
Sertanejos, caboclos, jagunços, pelados e revoltosos são algumas das denominações dadas para o
povo que habitava a região Oeste de Santa Catarina e esteve envolvida na Guerra do Contestado.
22
ficou à frente do povo em suas reivindicações por terra e em 1912, ao ir com o povo
para o Irani, como forma de apaziguar a relação que estava se esquentando na
região de Curitibanos, foi morto num ataque feito pelas tropas paranaenses do
Coronel João Gualberto no combate do Irani, considerada a batalha que deu início a
Guerra do Contestado. O ataque foi feito porque o governo paranaense entendeu
aquela “invasão” como um mandado do estado de Santa Catarina (já que a disputa
por aquelas terras ainda estava em trâmite).
Imagem 5 – Caboclos da Guerra do Contestado.
Fonte: http://www.historiabrasileira.com/files/2010/02/guerra-do-contestado.jpg
O conflito, mesmo sem “São”5 José Maria à frente do povo, prosseguiu por
quatro anos. Destaca Silvio Coelho dos Santos, antropólogo catarinense, que
Seus seguidores [de São José Maria] passaram a instalar
"redutos", a formar piquetes para ação militar, e a criar todo
quadro de atividades destinadas a manter ocupadas as tropas
legais que contra eles logo foram enviadas. [...] Vários
combates foram travados, sendo que os revoltosos [os
seguidores do monge] inicialmente obtiveram diversas vitórias.
(SANTOS, 1999, p. 19-20).
Nos redutos vivia-se em igualdade e solidariedade. Tudo era dividido com
todos. Líderes passaram a chefiar os grupos, sendo o último deles Adeodato, o qual,
5
Os caboclos acreditavam na santidade dos monges e por isso eles eram denominados de São João Maria
e de São José Maria.
23
depois de findada a Guerra, foi condenado a trinta anos de prisão (sendo morto
numa tentativa de fuga alguns anos depois de ser preso). A divulgação sobre os
fatos da Guerra trata de condenar os sertanejos. Segundo Valentin, “encontrou-se
nos caboclos os culpados, condenando-os ao silêncio, pela condição de vencidos”
(2000, p.176), pois toda a divulgação da guerra naquela época foi feita sob a
perspectiva militar, sendo estudada ao longo desse século por outros olhares, do
lado do caboclo e do lado religioso, por exemplo. Ainda assim, chegar a uma
verdade absoluta ao tratar-se da história é um tanto utópico, mas tentar chegar o
mais próximo dela é sim possível e necessário.
Imagem 6 - Adeodato preso em Florianópolis no fim da Guerra do Contestado. 1916.
Fonte: http://cafehistoria.ning.com/photo/adeodato-manoel-ramos?xg_source=activity
1.3 COLONIZAÇÃO PÓS-GUERRA
Depois da Guerra preocupou-se, o governo do Estado, em ocupar as terras
catarinenses que, após o Acordo de 1917, passaram a ser definitivamente do Estado
de Santa Catarina. Como afirma Oswaldo Cabral, foi depois do acordo que
24
[...] cuidou o Estado de dar-lhe organização administrativa,
restabelecendo juridicamente municípios já de fato
anteriormente existentes sob a jurisdição paranaense, criando
outros que dantes neles se incluíam e incorporando aos
municípios catarinenses limítrofes áreas que até então eram as
mais conturbadas, por se encontrarem justamente nas linhas
até onde cada um dos Estados disputava a sua soberania
(CABRAL, 1987, p. 325).
O fato é que a colonização do oeste catarinense ocorreu praticamente por grupos
de colonos vindos do Rio Grande do Sul, sem a interferência das demais regiões de
Santa Catarina criando, assim, uma lacuna dentro do próprio estado. “Se o
catarinense do Oeste, [...] não conhecia as praias do litoral, muito menos o homem
de origem luso-paulista das estâncias de gado do planalto ou do comércio e da
pesca, conhecia seus irmãos do Oeste” (CORRÊA, 1997, p.182). Lacuna esta que é
possível ser percebida ainda nos dias atuais, uma vez que por serem regiões bem
diferentes também sofreram influências culturais distintas. Enquanto o litoral sofreu a
influência portuguesa e é habituado a receber muitos turistas no verão, o oeste
catarinense viveu sob a influência da cultura gaúcha, alemã, italiana, entre outras.
Voltando para o fim da década de 1910, o Estado de Santa Catarina criou
então quatro municípios para a ocupação definitiva do território conquistado: "Mafra
(desmembrado de Rio Negro), Porto União (desmembrado de Porto União da
Vitoria), Cruzeiro (hoje Joaçaba), e Chapecó" (THOMÉ, 1978, p. 47). E Caçador, que
ainda era um distrido e não um município, era administrado por alguns Municípios,
como Porto União, Curitibanos, Campos Novos e Cruzeiro.
1.4 DA EMANCIPAÇÃO AOS DIAS ATUAIS
Foi no ano de 1934 que, pelo Decreto Estadual 508, foi criado o Município de
Caçador, o qual havia sido elevado à Vila, em 1924, e fora Distrito, até 1933, de
outros Municípios. Na época de sua emancipação, Caçador havia criado três novos
distritos, contudo, hoje em dia apenas o Distrito de Taquara Verde. O primeiro
25
prefeito nomeado foi Leônidas Coelho de Souza, no ano da emancipação da cidade
(THOMÉ, 1978).
Imagem 7 – Almoço de comemoração da emancipaçao do município.
Fonte: Arquivo Público de Caçador
Após a emancipação, o crescimento da cidade passa a ser baseado na
agricultura e indústria madeireira. As primeiras serrarias surgiram ainda na década
de 1920 e na agricultura surgiram plantações de trigo e uva. Com a indústria veio
também o comércio da cidade e a criação dos colégios (sendo o Colégio Aurora o
primeiro a ser fundado, seguido do colégio Paulo Schieffler).
A década de 1950 foi de crescimento significativo para o município, pois além
da produção de trigo e uva que era levada para outras regiões pela estrada de ferro,
também a madeira foi bem explorada nesse período “com cerca de 200 serrarias
existentes na cidade nesta época. A maioria da madeira utilizada na construção de
Brasília, entre 1957 e 1960, é proveniente de Caçador”6. Além disso, a população
aumentava com a chegada de mais imigrantes e colonos. No fim da década de 1960
e começo de 1970 a indústria madeireira sofreu uma forte crise, pois a floresta de
6
Disponível em: http://www.cacador.net/portal/Paginas.aspx?cdPagina=16. Acesso em: 19 nov. 2014.
26
araucárias fora devastada. A alternativa estava no reflorestamento, mas isso se
daria em um processo lento levando muitas serrarias à falência naquela época.
1.4.1 O Ensino Superior em Caçador
Foi no início da década de 1970 que o “Ensino Superior teve início em
Caçador com a implantação da FEARPE - Fundação Educacional do Alto Vale do
Rio do Peixe, fundada em 1971 por iniciativa do Bispo Dom Orlando Dotti" (THOMÉ,
1978, p.97). Foi, pois, um marco para o município que passou a ter uma
Universidade a partir da iniciativa das comunidades e tinha como objetivo promover
o crescimento cultural e técnico-científico da cidade e Região. Nos anos 90 a
FEARPE passou a ser a Universidade do Contestado (UnC), tendo seus Campi
distribuídos em cidades como Canoinhas, Concórdia, Curitibanos e Mafra7.
Recentemente, em 2009, o Campus de Caçador se desligou dos demais e tornou-se
a Universidade do Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP) que oferece 18 cursos de
graduação, entre bacharelado e licenciatura, e também cursos à distância e de pósgraduação8.
É importante frisar que a implantação da Universidade no município foi de
suma contribuição para o teatro caçadorense, pois foi a partir da iniciativa de
professores que ministravam aulas na Universidade e que dedicavam suas horas
vagas para a formação de grupos teatrais, que começou a movimentação que
desencadeou nos grupos existentes hoje.
Na década de 1990, a Universidade (que ainda se denominava FEARPE)
inaugurou o seu teatro, como destacou o jornal Reporter Acadêmico
A Fundação Educacional do Alto Vale do Rio do Peixe –
FEARPE, inaugura em Caçador o maior teatro do Estado e o
primeiro ambiente de gênero do interior catarinense – O
Auditório Cultural do Contestado. [...]
7
Disponível em:
http://www.unc.br/index.php?option=com_content&view=article&id=54&Itemid=62. Acesso em: 19
nov. 2014
8 Disponível em: http://www.uniarp.edu.br/home/institucional/historico/. Acesso em: 19 nov. 2014.
27
A necessidade de uma obra neste sentido levou a FEARPE a
planejar uma construção adequada para possibilitar a
realização de promoções artítico-culturais, de cunho educativo
e social, e para que a comunidade fosse atendida nesta
carência (Repórter Acadêmico, Caçador, março de 1991).
Desta forma, faz-se necessário enfatizar e localizar o leitor quanto ao
progesso dentro da cidade, pois estes influenciaram nas movimentações ocorridas
ao longo das décadas que serão estudadas nos próximos capítulos desta pesquisa.
1.4.2 Espaços culturais de Caçador
A Fundação Municipal de Cultura de Caçador fica localizada na antiga
estação ferroviária da cidade. No ano de 1941 a estação, que fora inaugurada em
1910, ficou completamente destruída depois de um incêndio, sendo reconstruída um
ano mais tarde e chamada de Caçador-Nova (desta vez mais moderna, de alvenaria
e não mais de madeira). Uma réplica da antiga estação foi construída e comporta
atualmente o Museu Histórico e Antropológico da Região do Contestado, tendo uma
locomotiva estacionada nos trilhos que passam ao seu lado9.
Imagem 8 – Museu do Contestado em Caçador.
Fonte: Arquivo Público de Caçador
9
Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/revis/revis16/img5_16.pdf. Acesso em:
19 de novembro de 2014
28
Imagem 9 – Estação Ferroviária onde funciona a Fundação Municipal de Cultura.
Fonte: Arquivo Público de Caçador
Aulas de dança, teatro e música são oferecidas gratuitamente pela Fundação
Municipal de Cultura, sendo as aulas divididas entre o espaço da Casa da Cultura e
o da Estação. Caçador se destaca pela Banda Marcial Municipal Aurora que iniciou
suas atividades em 1969 a partir do trabalho dos irmãos maristas do Colégio Aurora.
Hoje tem como Maestro o Professor Ricardo Cavalett e conta com cerca de 110
músicos10.
Na dança, o Município oferece aulas gratuitas à população, mas vem se
destacando na fomentação de aulas de dança em escolas privadas. Algumas
companhias já foram destaque na cidade como Domínio Grupo de Dança,
coordenado pela dançarina Silvia Bragagnolo (que atualmente tem uma escola de
dança cigana em Florianópolis). Em Caçador hoje, além da Fundação, são
fornecidas aulas de dança no SESC e também em algumas escolas de dança
particulares, tendo destaque o Studio D - Corpo em Movimento, que oferece aulas
10
Disponível em: http://bandamarcialaurora.blogspot.com.br/. Acesso em: 19 nov. 2014.
29
de dança o dia todo e tem recebido muitos prêmios em Festivais de dança da
Região (além de organizar uma Mostra de Dança no final de cada ano).
Assim,
apresentado
o
município,
suas
principais
11
características
e
transformações ao longo dos anos, sigo para os dois próximos capítulos da minha
pesquisa que abordam o tema central desta pesquisa: o teatro em Caçador.
Imagem 10 – Vista aérea de Caçador atualmente (2014). Ao lado esquerdo a Catedral São Francisco
de Assis. Fonte: Arquivo Público de Caçador
11
Informações com base na minha própria vivência no município
30
2 TEATRO EM CAÇADOR: trilhas de sua história
Neste capítulo abordo os indícios de manifestações teatrais em Caçador a
partir do ano de 1939 até o início da década de 1980. Nesse momento da história
são encontrados registros de grupos teatrais que passavam pela cidade e se
apresentavam por um determinado período; e também registros de grupos
amadores formados no próprio município ao longo deste recorte temporal. O
recorte, neste capítulo, portanto, vai até meados da década de 1980, pois é a
partir dessa década que diretores passam a solidificar grupos teatrais no
município surgindo mais tarde o grupo de teatro Temporá, o qual analiso com
maior destaque no próximo capítulo, encerrando com uma breve análise do
grupo Vento Negro.
As fontes para a escrita deste capítulo tiveram como base importante os
jornais publicados em Caçador complementadas por entrevistas, vídeos e textos
sobre a história cultural da cidade no período contemplado. A cidade de Caçador,
como explanado anteriormente, foi emancipada no ano de 1934 e os registros em
jornal do município surgem a partir de 1939. É esse, então, o ano de partida da
pesquisa histórica sobre as manifestações teatrais no município. O primeiro jornal
encontrado foi A Imprensa que tem edições encadernadas na Biblioteca Pública
do Estado de Santa Catarina do ano de 1939 até o ano de 1949 (exceto o ano de
1946 que não foi localizado). No Arquivo Histórico de Caçador encontram-se
jornais devidamente encadernados e arquivados a partir do ano de 1950, sendo o
Jornal de Caçador encontrado do ano de 1950 até o ano de 1971; a Imprensa
Catarinense, que surgiu em 1968, parou em 1972 e retornou no ano de 1976 até
o ano de 1993; Diário do Oeste que foi publicado entre 1972 e 1976 (abordando
outras cidades do oeste catarinense além de Caçador); e o jornal Folha da
Cidade, que surgiu em 1991 e é publicado diariamente até os dias de hoje.
31
2.1 OS PRIMEIROS MOVIMENTOS TEATRAIS NA CIDADE DE CAÇADOR
O panorama geral do teatro brasileiro no fim da década de 1930 era de
espetáculos que, originados na então capital brasileira, Rio de Janeiro, esgotavamse naquela cidade, saíam de cartaz e espalhavam-se pelo país em busca de um
novo público. Mas não abrangiam muito além de outras capitais e cidades mais
populosas. Os espetáculos que chegavam até as cidades do interior do país também
tinham esse caráter itinerante, adaptavam-se os espetáculos para sair em excursão
e comédias eram maioria em seu repertório. Afirma Décio de Almeida Prado, crítico
e ensaísta, ao se referir ao teatro que viajava pelo país, que “[...] se a nossa forma
era a do teatro itinerante, como objetivo não havia praticamente outro senão o de
divertir, ou seja, suscitar o maior número de gargalhadas no menor espaço de tempo
possível” (PRADO, 1988, p. 20). Pertencia, então, ao gênero da comédia a maioria
das companhias que pelo país circulavam e é justamente sobre uma companhia de
comédias que tratam as primeiras notas de teatro encontradas em A Imprensa,
primeiro periódico de Caçador. Parque Theatro Diversões era uma companhia
itinerante e a presença da comicidade já estava explicito em seu próprio nome.
Parque Th. Diversões [...] tem proporcionado ao público horas
agradáveis de gostosas gargalhadas, pelas engraçadíssimas
peças theatraes que tem “Salim” como figura obrigatória. Salim
é de facto um numero, na graça e no bem desempenho de
quem o encarna. (A Imprensa, Caçador, 02 maio 1939).
Em outra nota, ainda no mesmo mês, o jornal destaca que, além de levar à cena
o drama Farrapo Humano e a engraçada comédia Salim na Escola, “o popular Salim
Sargolim recitou um acrostico de sua autoria dedicado ao povo de Caçador, que foi
muito applaudido” (A Imprensa, Caçador, 23 abril 1939).
A promessa de horas de riso e a homenagem ao povo da cidade eram
estratégias para atrair o público e fazer com que este se identificasse com o
espetáculo e assim aproveitasse os momentos de gargalhadas que a companhia
ofertava.
32
2.1.1 O circo-teatro
Ainda no ano de 1939 há o registro de mais três companhias itinerantes. Essa
era uma época em que o circo-teatro esteve muito presente nas pequenas e médias
cidades brasileiras, o qual unia práticas circenses com comédias teatrais.
Essa forma de espetáculo tem suas origens na Europa, no final do século
XVIII quando as apresentações, de origem militar, passaram a ser apresentadas em
praças públicas por grupos de ex-cavaleiros militares (nas quais além da montaria,
caça e combate aos animais, eram incluídas acrobacias equestres). Em paralelo, as
companhias ambulantes sempre foram presentes nos centros e apresentavam-se
nas praças, barracas, palcos improvisados com números de acrobacia, equilibristas,
malabaristas, atores, manipuladores, entre outros. Nesse cenário, “Astley, excavaleiro militar, foi responsável por unir grupos ambulantes e ex-cavaleiros, além
de ser considerado o inventor da pista circular” (SILVA, 2007, p.35). Já a
denominação circo apareceu pela primeira vez com a companhia Royal Circus de
Hughes (ex-cavaleiro que deixou a companhia de Astley para montar a sua própria).
Os espetáculos circenses se proliferaram por toda a Europa durante o século
XIX, e data do início deste mesmo século a chegada de famílias européias circenses
na América do Sul. Segundo Ermínia Silva (2007), pesquisadora do circo-teatro no
Brasil, os primeiros artistas circenses que chegaram na América Latina:
[...] não estavam vinculados a nenhum tipo de contrato de
trabalho e nem a exibições em locais definido, chegando no fim
do século XVIII e início do século XIX para apresentarem-se
nas ruas, esquinas e praças exibindo habilidades físicas e
destreza com os animais (SILVA, 2007, p.49).
O primeiro registro da chegada de uma companhia de circo formalmente
organizada no Brasil data de 1834 em Minas Gerais e trata da Companhia de
Giuseppe Chiarini que deslocou-se da Argentina até Minas Gerais (SILVA, 2007, p.
58). Além desta, outras companhias migrantes foram ficando em solo brasileiro e
aqui também modificando e adaptando seus espetáculos entre o fim do século XIX e
início do século XX. Para poder acompanhar a relevância e o trabalho desenvolvido
pelas companhias de circo-teatro recomendo a leitura prazerosa e instrutiva do
33
trabalho de Ermínia Silva. Aqui me limito a expor dados de suas origens, pois esse
teatro vai percorrer todo o país em diferentes períodos históricos e, vai ser esse
teatro que o público de Caçador vai conhecer no início das atividades teatrais na
cidade.
Em Caçador, tem-se o registro, em 26 de fevereiro de 1939, do Circo Estrella
Americana que tinha seu espetáculo dividido em três partes, como divulgado pelo
jornal A Imprensa: “a primeira parte constará da apresentação de variedades12 por
toda a companhia. Na segunda parte lidarão 4 bravos touros. Finalizará o
espectaculo uma chistosa comédia” (A Imprensa, Caçador, 26 fev. 1939).
No mês de maio do mesmo ano, apresentou-se na cidade o Circo Imperial
que, além dos habituais números circenses (saltos, acrobacias e palhaços), teve a
encenação de um drama, como relata o jornal: “Ontem com boa assistencia foi
levado a scena no palco deste circo, o empolgante drama em 5 actos Honrarás tua
mãe” (A Imprensa, Caçador, 21 maio 1939).
Estes foram então os primeiros registros de companhias de circo-teatro que
se apresentaram no município de Caçador.
2.1.2 A primeira Companhia a se apresentar em Caçador
No mês de setembro de 1939 a Companhia Ribeiro Cancella visita Caçador
pela segunda vez. Segundo a imprensa local, esta companhia já tinha visitado a
cidade um ano antes, em 1938, sendo esta, portanto, a primeira companhia teatral
que se apresentou em Caçador. Diz o periódico, que dedicou meia página à esta
companhia:
É a segunda vez que recebemos esta visita. Desta como da
passada, a Companhia trouxe um optimo repertorio e um
conjunto artistico muito bom. As peças representadas têm tido
franco sucesso [...]. Cancella continua mantendo de pé o velho
renome e os louros conquistados na ribalta dos grandes theatro
do Rio e S. Paulo. [...] O publico da nossa terra tem uma
obrigação contrahida com Ribeiro Cancella, pois foi ele quem
pela primeira vez, com um conjuncto artistico como o que
12
Espetáculo em que eram apresentados diversos números artísticos como números musicais,
ilusionismo, declamação, acrobacia, obras dramáticas, entre outros.
34
constitue a sua Companhia, se atreveu nos visitar [...] (A
Imprensa, Caçador, 17 set. 1939).
Trata o jornal de expor ao público caçadorense a importância da Companhia
de Ribeiro Cancella para o panorama teatral brasileiro, sendo que Cancella já era
afamado nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, embora na época em que
esteve em Caçador, a Companhia de Cancella encontrava-se em processo de
decadência física e artística. Além de convidar o público caçadorense para prestigiar
a companhia pelo seu talento e bom repertório, o jornal convocava o público por um
apelo de lealdade a esta que foi a primeira companhia a se apresentar no município
de Caçador.
O jornal trata também de traçar comparações entre o que foi apresentado em
1939 e em 1938. Relatou o jornal que
o velho Cancella, parece até que remoçado, pois, fala mais
alto, sem mastigar os vocabulos como quando cá esteve anno
passado. Agora não: - vóz clara, dicção perfeita como nos dias
de triumpho da sua mocidade artística (A Imprensa, Caçador,
17 set. 1939).
Na década de 1920 a Companhia de Ribeiro Cancella aportou na ilha de
Santa Catarina e, segundo Vera Collaço (2007) em seu livro Se a Moda pega..., foi
criticada pela imprensa local que apontava as qualidades e também o que
desagradava o público. A companhia ficou na ilha por dezesseis dias e apresentou
nove revistas ao todo, sendo a companhia mais criticada na década por excessos
“imorais” (dizia a imprensa, por exemplo, que a revista Não vou no Pacote tinha um
tempero forte demais) (COLLAÇO, 2007, p. 26-27).
2.1.3 Um grupo local se propõe a atuar em Caçador
No primeiro dia do mês de outubro de 1939 consta uma nota de bons votos
ao Grupo Dramático fundado no Club S. João que levaria à cena “o emocionante
drama em 4 actos: A orphã de Goya” ( A Imprensa, Caçador, 01 out. 1939).
35
Esse seria então o primeiro registro de uma produção teatral no município.
Infelizmente nenhuma outra nota consta nos jornais sobre este grupo e nem sobre a
apresentação do espetáculo.
2.2 O CIRCO-TEATRO E OS AMADORES ANIMAM O TEATRO NA CIDADE
Pelo pouco tempo de emancipação de Caçador é possível afirmar que havia
uma movimentação teatral na cidade. Antes mesmo da década de 1940 iniciar há o
registro de quatro companhias itinerantes que passaram pelo município. Além das
companhias de fora há o registro da formação de um grupo local demonstrando que
havia algo que movia a cidade para a diversão que o teatro e as variedades
proporcionavam.
No ano de 1941 são destacados espetáculos de circo (Circo 9 irmãos, por
exemplo) e também o Circo Irmãos Garcia. Consta em maio de 1941 uma nota de
estreia do circo-teatro, onde o jornal destaca o sucesso que o Circo Irmãos Garcia
estava fazendo em outras cidades: “O elenco é de primeira e estamos certos de que
o nosso público gostará do repertório e dos artistas que muito se têm destacado em
outras praças” (A Imprensa, Caçador, 04 maio1941).
É possível perceber aqui a atenção dada à divulgação dos espetáculos para
atrair o público local. Era necessário estimular o futuro espectador para apreciar o
que era desfrutado em outras praças13, pois se não houvesse público,
provavelmente, a companhia não retornaria à cidade.
2.2.1 E os amadores continuam trabalhando...
Ainda sobre o ano de 1941 foi encontrada uma nota de bons votos e
felicitações pelo drama Cego de amor (1916), de Carlos Cavaco, apresentado por
um grupo de amadores da cidade. A nota não detalha nome de grupo nem o local de
apresentação, apenas cita o nome de alguns integrantes e também do ensaiador:
13
Praças aqui se refere às localidades, cidades, províncias, distritos, entre outros.
36
Com grande sucesso foi levado ontem à cena o magnifico
drama em tres atos, de Carlos Cavaco, Cego de Amor. Os
amadores desempenharam-se cabalmente dos seus papeis.
[...] O esforço feito pelo conjunto que teve como ensaiador o
snr. Francisco Busato, merece a admiração e os aplausos do
nosso publico, pois, já não é a primeira vez que nos delicia com
espetaculos desta natureza, tão uteis ao desenvolvimento
cultural do nosso meio (A Imprensa, Caçador, 19 set. 1941).
Pela primeira vez é informado o nome de um ensaiador/diretor. O termo que
denomina aquele que é responsável em termos gerais por coordenar o espetáculo
teatral tem três vocábulos na língua portuguesa: ensaiador, diretor e encenador.
Segundo João Roberto Faria (2012), em seu livro História do Teatro Brasileiro,
nas primeiras décadas do [século] XX, a crônica jornalística
brasileira dedicava-se, nos seus folhetins, ao comentário dos
espetáculos, empregava ou o termo francês – metteur en
scène – ou o português – ensaiador (FARIA, 2012, p. 479).
Além do uso do termo ensaiador, a imprensa dá a entender que não é o
primeiro trabalho do grupo na cidade e que alguma outra apresentação dramática já
havia acontecido no município.
Sobre o autor da peça, Custódio Carlos de Araújo Cavaco (1891-1961), sabese que ele escreveu também o drama O veneno dos ciúmes (ou antes denominado
A Carta Anônima), e foi um dos dramaturgos gaúchos analisados por Antenor
Fischer em sua tese A Literatura Dramática do Rio Grande do Sul (de 1900 a 1950).
Cego de amor teve edições em Porto Alegre, São Paulo e duas (em castelhano) em
Buenos Aires. Segundo Fischer (2007), “trata-se de mais um dramalhão romântico
[...] Nesse drama também não faltam os longos discursos que falam da estação do
ano, dos passarinhos, das cascatas murmurantes” (FISCHER, 2007, p. 74). Nota-se
então que o segundo registro de uma produção teatral local é também de um drama.
Do primeiro nada consta sobre a autoria, mas deste percebe-se que a escolha foi
por um dramaturgo do sul do Brasil e contemporâneo à época analisada.
Nada mais é encontrado nos jornais referente ao teatro no ano de 1941 e
também em todo o restante da década de 1940. O que se percebe é o crescente
37
anuncio de filmes exibidos nos dois cinemas da cidade: o Cine Luz e o Cine
Primavera.
2.3 A COMPANHIA DE NHÔ BASTIÃO EM CAÇADOR E OUTROS REGISTROS
Quem inaugura os registros da década de 1950 é a Companhia do humorista
Nhô Bastião: Politeama Oriente. São encontradas notas divulgando os espetáculos e
depois comentários sobre a estreia no ano de 1952.
Para Caçador a Politeama Oriente reservou uma série notável
de grandes peças famosas em todo o país e no mundo,
segundo declarações do consagrado artista Luiz Benvenuto, a
Companhia de Nhô Bastião, o humorista por excelência, tudo
faz para que o povo dessa cidade possa guardar grandes
recordações de seus espetáculos.
O luxuoso pavilhão de Nhô Bastião está em vias de conclusão
tudo fazendo crer que em meados da semana que hoje se
inicia, teremos a inauguração da temporada da Politeama
Oriente em nossa cidade, aliás é o que o povo vem
aguardando com muita ansiedade (Jornal de Caçador, 27 jan.
1952).
A companhia de Nhô Bastião fazia sucesso pelo país sendo ele aclamado
como o “humorista por excelência” e sendo seu trabalho aguardado ansiosamente
pelo público caçadorense.
Num segundo momento o Jornal de Caçador destaca como foi a estreia e
quais seriam os próximos espetáculos da companhia. A comédia escolhida para a
estreia foi Futebol em Família, de Corrêa Varela. O jornal destaca sobre a estreia:
Finalmente estreou sexta-feria a noite o Politeama Oriente, o
mais luxuoso teatro de emergência que percorre o Brasil e que
tem como figura central o consagrado humorista NHÔ
BASTIÃO. Realmente os excelentes artistas [...] confirmaram
as suas qualidades excepcionais e o público que teve a
oportunidade de assistir o espetáculo do dia primeiro, não
poupou aplausos, aliás merecedíssimos. A peça que NHÔ
BASTIÃO reservou para a sua estreia nesta cidade [...]
agradou extraordinàriamente pela magnífica representação dos
artistas da Companhia. Luiz Benvenuto é realmente um artista
de grandes recursos e agradou enormemente (Jornal de
Caçador, 03 fev. 1952).
38
A imprensa ainda abordou a escolha do espetáculo do dia (A Mulher do Zé
Bedeu, comédia de Corrêa Leite) e enfatizou que a escolha dos demais espetáculos
seriam sempre para agradar o espectador. O jornal encerra a nota dizendo que “as
bilheterias estarão abertas para a reserva de poltronas numeradas, a fim de evitar
aglomerações de última hora” (Jornal de Caçador, 03 fev. 1952), mostrando,
portanto, o interesse da companhia em vender ingressos antecipadamente e a
preocupação com o conforto do seu público.
Mas, foi em Sorocaba, interior de São Paulo, no ano de 1929, que o então
denominado “Circo Teatro Nhô Bastião” surgiu. Idealizado por Francisco Silvério de
Almeida, assumiu alguns anos depois o nome de Politeama Oriente e transformou o
pequeno circo em um pavilhão com cobertura de zinco saindo em excursão pelos
estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. 14 Sobre
Politeama Oriente, destaca Iria Maria Freiberger Zandavalli15, nascida em Caçador
no ano de 1942 e moradora do município até o ano de 2002, que
era maravilhoso [...] o Politeama Oriente era como se fosse um
circo, mas não era um circo. Politeama Oriente era uma
companhia de teatro que quando [..] vinha na tua cidade ficava
um mês, dois meses e eles apresentavam uma peça melhor
que a outra [...]. O custo das peças era acessível. As peças
aconteciam segunda, quarta, sexta, sábado e domingo.
Depois disso Nhô Bastião só retornou a Caçador no ano de 1961. No mês de
março de 1952 o Jornal de Caçador divulgou uma nota parabenizando Léa
Benvenuto, filha de Luiz Benvenuto, ator e diretor do Politeama Oriente. Assim,
destacou o jornal que na data a artista “receberá [...] merecidas homenagens por
parte de todos artistas do Politeama Oriente, que vêm em Léa o despontar de um
futuro brilhante” (Jornal de Caçador, 16 mar. 1952). Existe, portanto, uma admiração
e um reconhecimento pela companhia.
Em novembro de 1961, Polietama Oriente volta a apresentar em Caçador e a
imprensa salienta que “no seu primeiro espetáculo nesta cidade, 50% da renda bruta
14
Disponível em: http://www.clicfolio.com/clicfolio/ler_texto.php?cod=28193&id=8125. Acesso em:
07 jul. 2014.
15 Iria Maria Freiberger Zandavalli. Entrevista concedida a Tânia Farinon, em 16 de abril de 2014.
Florianópolis, SC. Entrevista. Sempre que forem citadas falas de Iria Zandavalli estarei me
referindo a esta entrevista, com isso evito repetições no corpo do texto.
39
reverterá em benefício de nossos irmãos catarinenses, flagelados pelas últimas
enchentes verificadas” (Jornal de Caçador, 12 nov. 1961). Mais uma vez um grupo
de fora beneficia a população com a doação de parte da arrecadação do espetáculo.
Além da contribuição social, a companhia adquiria simpatia e confiança do público
que iria prestigiá-lo.
Imagem 11 – Nhô Bastião
Fonte: Jornal de Caçador
Nessa mesma nota do jornal, encontra-se uma referência ao cômico
Serelepe, filho do cômico Nhô Bastião, onde a imprensa convida o público para rir a
valer com o jovem cômico. No ano seguinte, em 1962, uma nota divulgou o
falecimento de Nhô Bastião:
Na cidade de Ponta Grossa, Paraná, faleceu dia 04 do
corrente, às 20,30 horas, o consagrado artista do Teatro
Nacional, José de Almeida, o conhecido e aplaudido <<Nhô
Bastião>>, pessoa vastamente querida em Caçador, onde por
três vezes esteve com seu Politeama proporcionando ótimos
espetáculos à população.
Inegavelmente perde o Teatro Nacional um de seus mais
brilhantes componentes, cobrindo-se de luto face a tão
irreparável desaparecimento. [...] (Jornal de Caçador, 10 jun.
1962).
40
A imprensa destacou a importância que teve Nhô Bastião e a Politeama
Oriente para o município de Caçador e também o vazio que deixava. Depois da
morte de Nhô Bastião, o filho mais velho do cômico assumiu a companhia e adotou
o nome de Serelepe para este. O Teatro Serelepe sobreviveu no Rio Grande do Sul
por cerca de vinte anos e, em 1981, estabeleceu-se em Curitiba/PR, de onde saia
para excursões pelo estado e, durante as férias escolares, fixava-se em Curitiba. Em
1988, a família Benvenuto e Almeida retornou ao Rio Grande do Sul e uniu-se ao
Teatro do Bebé e em 1994 conseguiu montar seu próprio teatro, o atual Teatro de
Lona Serelepe dando continuidade ao projeto que iniciou em Sorocaba em 1929.
2.3.1 A comicidade continua ganhando prestígio
Em abril de 1954 passou por Caçador o circo Irmãos Queirolo o qual
permaneceu por alguns dias na cidade. A matéria encontrada no Jornal de Caçador
anuncia as atrações do circo, entre elas a figura do cômico Chic Chic, os acrobatas
Diabos Brancos e além disso, divulgou a doação de parte do dinheiro arrecadado
para o hospital da cidade. Afirma o jornal que:
A exemplo do que fez nosso prezado amigo NHÔ BASTIÃO,
por ocasião da temporada de sua Companhia em nossa
cidade, o sr. Carlos Luares, secretário geral do circo IRMÃOS
QUEIROLO, declarou à reportagem do JORNAL DE
CAÇADOR, que [...] parte dos espetáculos (renda) será em
benefício do Hospital de Caridade, o que não deixa de merecer
os nossos melhores encomios e deliberação dos Diretores do
CIRCO IRMÃOS QUEIROLO (Jornal de Caçador, Caçador, 11
abril 1954).
Mais uma vez, portanto, uma companhia de fora reverte parte de sua
arrecadação em prol de uma entidade social. Esse trabalho social convertia-se num
gesto duplo: divulgar o trabalho da companhia junto à sociedade local e trazer mais
público para prestigiar o trabalho, visto que parte da arrecadação seria para fins
beneficentes.
Entre as décadas de 1950 e 1960, Íria Zandavalli conta que eram os colégios
que ofereciam alguns espetáculos na cidade e também grupos que chegavam à
cidade (mesmo com as estradas precárias, ela frisa) apresentando-se, na maioria
41
das vezes, dentro do espaço do cinema existente na cidade, o Cine Luz. Afirma Íria
Zandavalli que certa vez esteve Procópio Ferreira, ator e diretor, no município.
O Procópio Ferreira quando esteve em Caçador [...] apresentou
O Avarento [...] ele já fumava muito e daí deu um tipo de uma
bronquite nele. Foi parar no hospital. E tu sabe que de noite ele
se arrumou, medicaram bem ele e ele foi apresentar.
Fora o relato de Íria Zandavalli, nenhum outro registro sobre essa suposta
apresentação de Procópio Ferreira em Caçador foi encontrada. Sendo este registro
de memória o único existente.
No ano de 1971 a imprensa divulgou a passagem em Caçador dos Reis do
Riso, Nhô Belarmino e Nhá Gabriela. O jornal informou dados sobre o espetáculo:
“Sábado – dia 7/8/71. Às 20,00 horas na praça de Esportes Caçador” (Jornal de
Caçador, 31 julho 1971). Sobre a apresentação e a resposta do público, nada mais
foi citado.
Nhô Belarmino e Nhá Gabriela eram, na verdade, Salvador Graciano e Júlia
Alves e eram uma dupla de música caipira vinda do Paraná. O cineasta Geraldo
Piolli lançou em 2007 um documentário sobre a dupla que se conheceu e se casou
em Curitiba, nos anos de 1940. Depois de casados,
[...] Belarmino e Gabriela passaram a fazer – com seu jeito
caipira e simples de se expressar, contando histórias ao
público, seja em circos, auditórios de emissoras radiofônicas ou
apresentações nas noites [...]. Belarmino morreu em 1984 e
Gabriela em 1996. O sucesso da dupla foi registrado entre os
anos de 1940 e 70.16
A dupla caipira, portanto, passou pelo município no final de sua carreira,
quando devia ser reconhecida pelo interior do país e quando estava encerrando a
vida artística itinerante.
16Disponível
em:
http://www.revistas.uepg.br/index.php?journal=folkcom&page=article&op=viewFile&path%5B%5D
=645&path%5B%5D=473. Acesso em: 10 out. 2014
42
2.4 OUTROS REGISTROS DE GRUPOS AMADORES EM CAÇADOR E NA
REGIÃO
Registros de grupos amadores formados na cidade no decorrer dos anos
foram encontrados. No entanto, nenhum destes grupos se repetiu e, na maioria
deles, apenas uma nota é encontrada. A efemeridade destes grupos é uma
característica do teatro amador, visto que o mesmo é feito por pessoas que se
interessam em fazer teatro e se aperfeiçoar, mas não são profissionais e, portanto,
vivem de outra profissão. O teatro acaba sendo uma distração e fica em segundo
plano para quem não vive dele, sendo abandonado com muita frequência. Outro
ponto a ser considerado é que os atores amadores poderiam migrar de grupo ou
então o próprio grupo trocar seu nome devido à saída de alguns atores ou do diretor.
No ano de 1952, O Grupo Teatral de Amadores Moacir Sampaio publicou
uma nota no Jornal de Caçador, divulgando a apresentação da peça O Feitiço, de
Oduvaldo Vianna, no palco do Cine Luz. Feitiço foi escrita pelo comediógrafo
Oduvaldo Vianna em 1932 e, segundo Wagner Martins Madeira em seu artigo O
Legado de Oduvaldo Vianna, a comédia de costumes
[...] soube misturar ingredientes saborosos numa linguagem
que oscila entre o ingênuo e o cordial, um registro leve que à
primeira vista reflete crenças e hábitos brasileiros, mas que se
aplica em última análise para qualquer cultura. [...] É um
exemplo de “peça bem-feita”, na linhagem das comédias
francesas do século XIX (MADEIRA, 2004, p. 28-29).
Além disso, O Feitiço se tornou a peça de Oduvaldo Vianna mais
representada e mais traduzida. Em outra publicação na imprensa o grupo expõe o
valor da arrecadação total e de todos os gastos pagos pelo grupo, como mostrado
na imagem abaixo:
43
Imagem 12 – Resultado Líquido do Grupo Teatral Moacir Sampaio
Jornal de Caçador, Caçador, set 1952
Em janeiro de 1954 outro grupo teatral divulgou o seu trabalho: Clube de
Amadores Teatral de Ipoméia
Sob a direção de J. Santi estreará sábado próximo, dia 16, às
20,30 horas [...] cujo programa se constituirá do seguinte: 1ª.
parte: UMA ANEDOTA – Episódio dramático em 1 ato. 2ª.
parte: Os dois jucas – Gozadíssima comédia em 1 ato. 3ª.
parte: Um Êrro Judiciário – Comovente drama em três atos [...]
Não deixem de assistir (Jornal de Caçador, Caçador, 10 jan.
1954).
O jornal não esclareceu qual o local da apresentação, apenas apresentou a
data, horário e a programação. No entanto, Ipomeia, nome dado ao grupo, refere-se
a uma localidade próxima a Caçador, hoje um distrito. Deduz-se então que o grupo
apresentaria na sua localidade e utilizou o jornal mais próximo para divulgar e
convidar o público para prestigiar o trabalho.
Em 11 de abril de 1954 o Teatro Amador Hermínio Almeida divulgou no Jornal
de Caçador o local e data em que seria apresentada a peça Os Transviados, de
Amaral Gurgel. O jornal especifica que a apresentação ocorreria no Salão Paroquial
em Caçador, mas o grupo amador era da cidade de Videira, município das
proximidades de Caçador. Mais um grupo criado nas redondezas fomentando a
cultura da região.
44
No ano de 1960 outro grupo de teatro de amadores apresentou-se em
Caçador. Desta vez vindo da cidade de Curitibanos (SC). Na divulgação a matéria
retomou a história da origem do teatro desde a antiga civilização helênica passando
pela Idade Média. Em seguida apresentou o desempenho das músicas executadas,
do poema declamado e da encenação de A Rosa de Tanemburgo:
Cenários adequados e ótima interpretação contribuiram para
vivo realce do drama <<Rosa de Tanemburgo>>, relacionado
com sucessos ocorridos na família dos Condes de Montfort, ao
tempo das cruzadas. [...] diremos que todos se houveram
esplêndidamente e que a habilidade dos intérpretes, atendendo
fiélmente às necessidades da expressão dramática, constituiuse no ponto alto do espetáculo.
Ao finalizar rendemos nossa homenagem àqueles que, como o
Grupo Teatral de Amadores de Curitibanos, procuram com o
maior esfôrço a honra insigne de servir ao País e à cultura
(Jornal de Caçador, 7 abr. 1960).
Além disso, a matéria também citou o nome de todos os envolvidos no
espetáculo, tanto dos atores, quanto do responsável pelo fundo musical, pintura e
construção do cenário.
2.5 DÉCADA DE 1970 E O FILME A GUERRA DOS PELADOS – Virando artistas
de cinema
Em 1970, o cineasta Sylvio Back (1937- ) chegou em Caçador para produzir o
filme A Guerra dos Pelados, seu segundo longa-metragem. O filme tinha por mote o
contexto da Guerra do Contestado, ocorrida entre os anos de 1912 e 1916, no
entanto a elaboração do roteiro foi feita com base no romance Geração do Deserto
escrito por Guido Wilmar Sassi (lançado em 1964). Assim como no romance, o filme
utilizou personagens fictícios, como por exemplo a dupla Nenê e Zeferina17
(KAMINSKI, 2006).
A imprensa de Caçador não dialogou com o processo de construção do filme.
Tanto que não se encontra nos jornais locais qualquer referência as gravações de
Sylvio Back. O olhar da imprensa despertou no final dos trabalhos de filmagens, a
17Informações
obtidas
no
artigo
de
Rosana
Kaminski.
Disponível
http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/historia/article/view/7935/5580. Acesso em 30 set. 2014
em:
45
partir das possibilidades de repercussão que o filme poderia alcançar a nível
nacional e internacional. Em agosto de 1970 o Jornal de Caçador publicou:
O filme a Guerra dos Pelados, já se encontra na fase final de
montagem, faltando apenas a mixagem de ruídos e a música
que será composta por Sérgio Ricardo.
A Guerra dos Pelados, que foi filmado em Caçador, está
cotado a representar o Brasil no maior festival de cinema do
mundo, FESTIVAL DE CANNES [...].
Esteve em nossa cidade, na última sexta-feira, um dos
diretores, Reinaldo Camargo, que manteve contatos para
realizar a estreia nacional do filme em nossa cidade, que
deverá ocorrer em fins de outubro. [...]
A Guerra dos Pelados, filme nacional e de grande aceitação,
mantém em seu quadro três dos maiores diretores
cinematograficos, que são: Silvio Back, Enzo Baroni e Sérgio
Ricardo, que é o compositor da música deste filme.
Nos meios artísticos e cinematograficos, esta fita tem
despertado as maiores atenções, principalmente pelas
paisagens e fotografias.
Através das telas brasileiras e estrangeiras o nome de Caçador
será divulgado, conseguindo assim nosso município ser
reconhecido além das fronteiras do Brasil. [...] (Jornal de
Caçador, Caçador, 23 ago. 1970).
O sentimento de orgulho pelo reconhecimento da cidade ficou nítido na nota
da imprensa. O filme foi um acontecimento na cidade, e na década de 1990 uma
matéria relembrando a época de gravação do filme foi publicada no jornal Folha da
Cidade. A imprensa destacou o papel dos moradores que participaram do filme
como figurantes:
Caçador viveu no início de 1970 um clima de grande euforia e
muita movimentação na cidade, devido às filmagens do filme “A
Guerra dos Pelados” [...]. No filme nomes “globais”, como
Stênio Garcia, Jofre Soares, Átila Iório, Dorotheé-Marie
Bouvier, Emanuel Cavalcanti, Maurício Távora, Otavio Augusto,
Zózimo Bulbue, Jorge Karam, Lala Schineider, Edson D’Ávila e
Sall Wolokita. Além da curiosidade da população caçadorense
da época, em conhecer grandes nomes do cinema e da
televisão brasileira, o interesse pela história do Contestado,
que até então poucos conheciam, foi despertado. Muitos
moradores da cidade também atuaram como figurantes. Entre
os inúmeros figurantes esteve Íria Zandavalli, que lembra com
saudades da movimentação havida, durante aqueles vários
meses na cidade. [...] Conforme explica fez o papel de esposa
46
do Capitão Matos Costa, vivido por Maurício Távora, um
personagem importante na trama focalizada por Back. Embora
em poucos minutos, Iria teve seu nome e sua imagem
imortalizados pelo cinema nacional (Folha da Cidade, Caçador,
22 maio 1993).
Iria Zandavalli conta mais sobre essa experiência em entrevista concedida
para a realização deste trabalho em abril de 2014. Diz ela que, na época tinha um
salão de beleza que ficava próximo ao hotel onde a produção ficava hospedada,
[...] já tava rolando o filme e a gente já ia assistir porque a
gente nunca viu como era feito um filme de perto. Enzo Baroni
fazia parte da produção [...] e pediu então pra gente fazer parte
dessa ponta do filme. [...] e fomos pra Calmon [cidade vizinha à
Caçador]. Chegamos lá, [..] passamos o dia e a filmagem não
saiu [...].
Imagem 13 – Imagem do filme Guerra dos Pelados, onde os atores estão posando para uma foto
(cena do filme) com o figurino e os acessórios dos personagens. Íria Zandavalli é a segunda da
esquerda para a direita. Fonte: Jornal Folha da Cidade, 22 maio 1993.
Conta Iria que, pelo fato de ter ficado o dia inteiro para filmar e a filmagem
não sair, ela relutou em ir novamente para a gravação, mas aceitou fazendo até a
produção mudar o cardápio de pão com banana para arroz com galinha. Sobre a
experiência da gravação Zandavalli comenta que
47
[..] foi um tal de pra frente e pra trás naquele trem [...]. Da
direita, daí entra, sai... sabe que depois eu sonhava que tava
andando de trem e sempre naquele trecho. [...] Porque a cena
do filme é quando eu tiro a foto com o capitão Matos Costa [...].
A gente não tem prática nenhuma né? E ele avisou acho que
umas 8 vezes “não olhe pra câmera, não olhe pra câmera”, e
ele não era muito manso. Numa cena eu puff [ele disse] “olhou
pra câmera” eu disse: “não olhei!” Claro que olhei. [...] Agora o
vestido era minha paixão [...] era verde com preto [...] cheio de
botõezinhos e por dentro tinha uma renda que aparecia por
fora [...] era um sonho o vestido. Sapateei, implorei, pedi [para
ficar com o vestido], mas não, eles não podiam porque o
figurino era da globo né? Era alugado, mas pelo menos eu
vesti uma roupa que a Fernanda Montenegro usou. [...] Até
antes de sair o filme nós assistimos aquele chamado copião.
Três, quatro cenas que eles mandam revelar. Então, a cena
que eu participei eu já assisti antes do filme ficar pronto. Aí
depois quando o filme passou mesmo em Caçador foi uma
noite de gala.
Assim como Iria Zandavalli, muitos outros figurantes que participaram eram
contatados em Caçador mesmo, e sem remuneração, como afirma Zandavalli. No
ano de 1971, outra nota no Jornal de Caçador descreve sobre a exibição do filme
para o público caçadorense.
A Guerra dos Pelados, poderá ser vista em nossa cidade nos
próximos dias 9 e 10 de julho, em 4 sessões (duas por dia). As
referidas sessões serão em benefício da Comissão Municipal
de Assistência ao Menor (COMAM).
Outrossim, segundo conseguimos apurar, o filme A Guerra dos
Pelados será exibido aqui especialmente, pois somente
retornará a Caçador comercialmente no próximo ano. (Jornal
de Caçador, Caçador, 29 maio 1971).
E assim foi o movimento na cidade e na região durante o período de
gravações e exibição do filme. Para a cidade foi um acontecimento, uma chance do
município e região serem conhecidos nacionalmente e até internacionalmente como
a imprensa afirma. E, para a população foi também um momento de sair da rotina e
sentir a televisão e o cinema muito mais próximo do que das telas do cinema.
48
2.6 OUTROS ESPETÁCULOS CHEGAM A CAÇADOR E REGIÃO
Em meados da década de 1970 nenhuma manifestação teatral é encontrada
na imprensa de Caçador e região. Apenas em 1978 a imprensa divulgou a
apresentação da peça infantil O Rapto das Cebolinhas. Como informado pelo jornal:
A Prefeitura Municipal de Caçador e a Ação Comunitária
estarão promovendo dia 26 de abril, nesta cidade, uma peça
Teatral Beneficente, que será apresentada pela equipe <<ViraLata, do Teatro Carlos Gomes de Blumenau.
A peça tem por título <<O RAPTO DAS CEBOLINHAS>> numa
adaptação de Maria Clara Machado, realizar-se-à no Ginásio
de Esportes Juventude, em três períodos às 10:30, às 12:30 e
às 19:30.
No final do espetáculo, serão distribuídos entre as crianças,
prêmios da Coca-Cola.
A renda reverterá em benefício das Comissões de Bairros, e os
ingressos estarão à venda pelo preço de 10,00 para adultos e
5,00 para crianças. (A Imprensa Catarinense, Caçador, 18 mar
1978).
No dia 26 de abril, data da apresentação da peça, a imprensa faz mais uma
divulgação do espetáculo. Sobre o público e a apresentação nada mais é
encontrado no jornal, no entanto, Lucinei Xavier Paes18, entrevistada para este
trabalho, destacou a peça acima citada como o primeiro espetáculo teatral que teve
oportunidade de assistir. Paes descreve o quanto a peça infantil foi um marco,
mostrando ali o que ela queria para sua vida.
Aos catorze anos, eu assisti uma peça que, para mim foi uma
das que mais me marcou porque foi ali que eu pude ver o que
que era o teatro em si né? Pelo menos o que era possível eu
assistir naquela época. Foi o grupo de Blumenau chamado
Grupo Vira-Lata, um dos grupos [...] mais antigos daqui dos
últimos tempos em Santa Catarina com mais de trinta anos de
existência e a peça era “O Rapto das Cebolinhas” de Maria
Clara Machado. [..] eu não sei como, talvez através da escola,
fiquei sabendo, fui assistir e simplesmente quando eu vi eles
estavam com uma espécie de uma van, naquela época não era
isso que se chamava, mas eu olhei aquela van, eu olhei aquele
18
Lucinei Xavier Paes. Entrevista concedida a Tânia Farinon, em 12 de fevereiro de 2014.
Caçador, SC. Entrevista. Sempre que forem citadas falas desta atriz e diretora estarei me
referindo a esta entrevista.
49
grupo, eu assisti aquela peça com os olhos, com os ouvidos,
com o paladar, com o olfato, com o tato, eu me deixei permear
por aquele espetáculo, pelo trabalho daqueles atores que
circulavam o estado de Santa Catarina e fiquei totalmente
encantada e daí chegando em casa eu disse para minha mãe:
“Mãe, se eles me convidarem para ir junto eu vou embora.”
Porque eu descobri ali o que eu queria da minha vida. Eu já
sabia, mas ali foi a confirmação19.
Em novembro de 1979 a Impressa Catarinense divulgou a apresentação de
outro espetáculo de fora no município. Desta vez o grupo era da cidade de Joaçaba
e apresentaria a peça TRANSE. Sobre o grupo e a apresentação o jornal destacou:
O Teatro de Joaçaba – TEJO, grupo teatral renomado,
apresentar-se-á às 20,00 horas no Salão Paroquial da Catedral
em Caçador.
TRANSE é uma penetração mais íntima, mais profunda sobre o
espectador. [..] TRANSE é uma infiltração mais profunda no
individualismo do homem do nosso tempo, deixando, às vezes,
estourar seus pensamentos, à mostrar seus complexos,
recalques e principalmente suas dúvidas e seu medo. É uma
peça não dirigida aos sentimentos do espectador e sim a seu
cérebro, indo de encontro a identificação palco-plateia, atorespúblicos. [..] Você pode ser envolvido junto conosco em
TRANSE que irá nos sacudir e nos deixar calados e quietos,
por ser esta peça, uma arma de reflexão, que poderá nos
desmoralizar pelo seu valioso conteúdo, principalmente de
verdades, que sempre procuramos esconder, sem coragem de
nos abrir. [...] (A Imprensa Catarinense, Caçador, 10 nov.
1979).
A matéria segue falando desse caráter da peça a ser apresentada e também
instigando o público a assistir e refletir sobre o espetáculo. Comparando com outras
divulgações de trabalhos encontrados, esta é a primeira que, além de convidar,
instiga e provoca o futuro espectador a pensar e refletir sobre sua própria vida.
19
Pode-se considerar a apresentação do grupo blumenauense uma inspiração para Lucinei Xavier
Paes que, mais tarde, optou pelo caminho do teatro, foi embora de Caçador para estudar artes
cênicas, e retornou à cidade sendo responsável por fomentar o teatro no município. Mas isso será
visto mais claramente no próximo capítulo onde conto a sua história e trajetória artística.
50
2.6.1 Espetáculos que chegam na década de 1980
O primeiro registro de uma manifestação teatral na década de 1980 foi do
grupo teatral de Roberto Mengaini, de Curitiba. Segundo a imprensa, a
apresentação foi uma promoção da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
(APAE) de Caçador.
Na tarde de quarta-feira, dia 20, a cia de teatro apresentou a
peça infantil “Joãozinho, o astronauta”, no Salão Paroquial de
autoria de Lyad de Almeida.
Na noite de quinta-feira, no Cine Avenida, foi encenada a peça
de Millor, “O Homem do princípio ao fim” (A Imprensa
Catarinense, Caçador, 23 maio 1981).
O jornal ainda acrescentou que essa não era a primeira vez que o grupo se
apresentava em Caçador e que “anteriormente, encenou ‘Oração para uma negra’,
‘A próxima vítima’, ‘Nega de Maloca’, ‘Dona Patinha vai ser miss’, e ‘Maria Minhoca”
(A Imprensa Catarinense, Caçador, 23 maio 1981), fazendo sucesso nas outras
apresentações também.
Em março de 1986 a divulgação é de um espetáculo de prevenção às drogas
promovido mais uma vez pela APAE. O jornal A Imprensa Catarinense divulgou a
data, local e nome do grupo teatral, mas não especificou de onde era o grupo (se do
próprio município de Caçador ou de fora: “Nesta segunda-feria à noite, às 21:15
horas, no salão da Paróquia N. Sra. Rainha (Santelmo) o grupo teatral José Maria
de Almeida encenará a peça ‘Em busca da paz” (A Imprensa Catarinense, Caçador,
15 mar. 1986).
Sobre o espetáculo a matéria aprofunda falando sobre “o consumo cada vez
maior de drogas que viciam e matam nossos jovens a cada dia que passa [...]” (A
Imprensa Catarinense, Caçador, 15 mar. 1986). Além disso, considerações acerca
do gênero e das unidades aristotélicas aparecem na divulgação:
A peça é vigorosa, tem absoluta unidade de ação de tempo e
de lugar: é quase um clássico. Ela contém momentos de
intenso lirismo, quase poética. As vêzes cômica caindo para
um drama suave mas emocionante até as lágrimas (A
Imprensa Catarinense, Caçador, 15 mar. 1986).
51
Apesar da citação sobre as três unidades que Aristóteles descreve em sua
Poética, o restante das informações são confusas e imprecisas, tornando a matéria
até cômica diante de tantos paradoxos.
O último registro encontrado na imprensa da década de 1980 foi o do grupo
teatral Anchieta Teatral Produções, o qual apresentou duas peças no município,
desta vez a promoção foi da Comissão Municipal de Assistência ao Menor
(COMAM). A cidade de origem da companhia teatral não é divulgada, mas sabe-se
que não é do município pelo título da matéria: “COMAM traz a Caçador Grupo
Teatral.” Duas foram as peças apresentadas pela compahia:
“O Castelo da Bruxolândia”, peça infantil e “O Cavaleiro Negro
Contra Gumercindo Tavares”, peça adulta.
O Castelo da Bruxolândia será apresentada dia 10, terça-feira,
às 10,15 e às 15,30 horas no Colégio Aparecida e dia 11,
quarta-feira também em duas sessões, no mesmo horário, na
FEARPE [Fundação Educacional do Alto Vale do Rio do Peixe].
Cavaleiro Negro Contra Gumercindo Tavares terá somente
uma sessão: será dia 11, às 20,30 horas no Colégio Aparecida
(A Imprensa Catarinense, Caçador, 7 jun. 1986).
Uma consideração a ser feita é que os últimos registros encontrados na
imprensa tratam-se de espetáculos promovidos por instituições como a APAE e a
COMAM, com o intuito tanto de arrecadar fundos para sua ações assistenciais,
quanto de levar cultura e conhecimento para as crianças do município. Nota-se,
portanto, uma carência no município, tanto da vinda de grupos de fora quanto da
formação de novos grupos no município.
O cenário do município mudava. O Ensino Superior já existia com a
implantação da Fundação Educacional do Alto Vale do Rio do Peixe (FEARPE), em
1971. E foi nesse contexto que um professor universitário, vindo de fora da cidade,
começava a unir alunos interessados em estudar teatro e formar um grupo no
município. Era o impulso que faltava naquele momento e que será estudado com
mais ênfase no próximo capítulo.
52
3 A FOMENTAÇÃO DO TEATRO EM CAÇADOR
André era um completo amador. Mas não é
que ele não sabia fazer nada direito. É que
ele amava tudo o que fazia.
(autor desconhecido)
3.1 ELÍRIO GALELLI E O GRUPO DE TEATRO UNIVERSITÁRIO
Em 25 de março de 1980 (coincidentemente a data do aniversário de
Caçador) mudou-se para o município Elírio Luiz Galelli para dar aulas na Fundação
Educacional do Alto Vale do Rio do Peixe (FEARPE). Nascido em Encantado (RS),
Elírio Galelli é licenciado em Filosofia, bacharel em Ciências Contábeis e bacharel
em Direito. Em Caçador, Elírio Galelli fundou, em 1981, o Grupo de Teatro
Universitário com alunos da FEARPE e outros integrantes de fora do âmbito
acadêmico. Duas foram as peças montadas pelo grupo: O Santo Millagroso de
Lauro Cezar Muniz e Toda Donzela tem um pai que é uma fera, de Glaucio Gil.
A permanência de Elírio Galelli em Caçador se deu até o ano de 1989,
quando então mudou-se para a cidade de Xanxerê (SC). No período em que esteve
no município, Elírio Galelli presenciou a ida de alguns grupos teatrais à cidade,
muitos deles com finalidade beneficente. Afirma Elírio Galelli20 que esteve por três
ou quatro vezes em Caçador o grupo de Curitiba denominado Teatro Paranaense de
Comédia. Dois dos espetáculos aconteceram no Clube 7 de Setembro (ainda
existente no município) e um outro espetáculo ocorreu em um dos antigos cinemas.
Além destes, recorda Elírio Galelli, “alguns espetáculos de teatro eram apresentados
no centro comunitário, ao lado da catedral, um deles [...] era do grupo Excelsior de
Xanxerê e a peça era Quando as máquinas param de Plínio Marcos, direção de
Celito Pandolfi [o qual fora aluno de Elírio Galelli em Vale Vêneto (RS)]”. Também
recorda de um espetáculo realizado pelo historiador e pesquisador Vicente Telles 21
20
Elírio Luiz Galelli. Entrevista concedida a Tânia Farinon via internet, 28 de agosto de 2014. Sempre
que forem citadas falas deste diretor estarei me referindo a esta entrevista, com isso evito repetições
no corpo do texto.
21
Vicente Telles é músico, compositor, folclorista, pesquisador da história do Contestado e da
memória cabocla, incentivador de estudos sobre o tema e de produções culturais correlatas, é
residente em Irani-SC.
53
realizado num sábado à tarde, ao lado da ferrovia de Caçador (atualmente o Parque
Central da cidade), onde foi encenada uma luta da Guerra do Contestado entre
caboclos e o exército juntamente com a entonação de cantos e do acordeon de
Vicente Telles.
Retomando os espetáculos ensaiados e apresentados pelo grupo, Elírio
Galelli conta que o primeiro espetáculo, O Santo Milagroso, foi apresentado no
cinema da cidade com lotação de público nas três noites de apresentação. Conta
ainda que o local designado primeiramente para a apresentação era a antiga capela
do colégio Aurora, mas no dia do ensaio geral o então diretor da FEARPE passou
para assistir e não conseguia ouvir nada em função da reverberação no espaço. O
diretor da FEARPE alugou, no dia seguinte, o cinema da cidade para ser feita a
estreia do espetáculo que teve que se adaptar “sem ensaio e com iluminador quase
morrendo prá acertar os focos”, acrescenta Elírio Galelli.
Imagem 14 – O Santo Milagroso, Salão Paroquial. Arquivo Pessoal de Ivair Fusinato
54
Imagem 15 – O Santo Milagroso, Salão Paroquial. Arquivo Pessoal de Ivair Fusinato
Toda donzela tem um pai que é uma fera foi apresentada no Salão Paroquial,
ao lado da Catedral. Este espetáculo foi apresentado por cinco noites, com casa
cheia em todas elas. Elírio Galelli diz que a faculdade liberava os alunos e os
colégios que tinham turmas à noite também o faziam, contribuindo, assim, para o
sucesso em todas as apresentações.
Imagem 16 – Espetáculo Toda Donzela tem um pai que é uma fera, Arquivo Pessoal de Ivair
Fusinato (à esquerda)
55
Imagem 17 – Espetáculo Toda Donzela tem um pai que é uma fera, Arquivo Pessoal de Ivair
Fusinato (à direita)
Imagem 18 – Espetáculo Toda Donzela tem um pai que é uma fera, Arquivo Pessoal de Ivair
Fusinato (à esquerda)
56
Outras peças foram ensaiadas nesse mesmo período como relata Daniel
Antonio Schiavini, ator que participou do grupo de Elírio Galelli e mais tarde do grupo
de Avito Corrêa. Schiavini ensaiou com o grupo as peças Este ovo é um galo, de
Lauro César Muniz; Aurora da minha vida, de Naum Alves de Souza e Dois fragas e
um destino, de João Bethencourt, no entanto, nenhuma dessas peças foi ao palco.
Schiavini22 aponta a dificuldade que era para construir um trabalho em equipe:
O grupo tinha dificuldade de conciliar os ensaios com o
trabalho e os estudos, e tínhamos pouco incentivo, dificuldade
até de conseguir um local para ensaiar. Quando os ensaios
começavam, alguns atores desistiam e os trabalhos cessavam
até achar os substitutos. Quando os achavam (e era difícil, pois
pela cultura local da época, poucos tinham coragem de se
expor em público), os que haviam permanecido se entediavam
de ver os novatos tentando chegar junto e desistiam também.
Então, a peça naufragava e a gente escolhia outro texto que
cujos personagens aproveitassem as características dos atores
que ficaram e começava do zero. Pouco tempo depois, o
professor Elirio foi transferido de cidade e o grupo se desfez.
Sobre os ensaios, estes eram feitos nas salas da FEARPE por volta das
22h30, após o encerramento das aulas, indo até a uma hora da manhã. Alguns fins
de semana e feriados também eram utilizados. Eis uma característica do teatro
amador que, por ser composto de pessoas que exercem outras funções durante o
dia (trabalham em outros empregos e estudam), acaba sendo construído em
horários alternativos depois de um dia exaustivo ou nos dias de folga.
Por fim, Elírio Galelli cita um dos problemas que os municípios pequenos
enfrentam no quesito produção cultural: a falta de profissionais com formação
acadêmica correspondente para que aceite produzir textos consagrados, pois, para
ele, são estes que devem chegar primeiro ao público. Completa ainda que:
É evidente que se deve dar oportunidade aos novos [textos],
mas com alguma parcimônia. Seria o mesmo que o aluno de
medicina aprender a fazer cirurgia e nunca ter estudado
anatomia. O nosso povo precisa conhecer os clássicos, os
22
Daniel Antônio Schiavini. Entrevista concedida a Tânia Farinon via internet, 16 de abril de 2014.
Sempre que forem citadas falas deste ator estarei me referindo a esta entrevista, com isso evito
repetições no corpo do texto.
57
textos de autores consagrados e reconhecidos, depois é
possível percorrer outras estradas.
Ainda falando da falta de profissionais no interior, Elírio Galelli compara a
quantidade de professores de educação física, por exemplo, presentes em todos os
municípios em contraponto com a falta de músicos, regentes, professores e diretores
de teatro nos municípios. Para ele, este é um dos três principais problemas das
produções teatrais no interior do estado, sendo os demais:
a falta de uma política pública voltada à cultura e maior
facilidade de captação de recursos privados, cujas
transferências poderiam ser facilitadas por legislação menos
perversa; [e] além das deficiências de políticas, de
profissionais, de espaços adequados, ainda temos um estado
que quase nunca cultivou a geração de bons públicos, fiéis,
apreciadores do bom teatro.
Elírio Galelli comenta a falta de espaços adequados para ensaios e
apresentações e critica a postura dos municípios que financiam apenas produções
que não afetem a “moral e os bons costumes” e que, claro, enalteçam os mais
poderosos.
Atualmente Elírio Galelli faz parte do grupo Excelsior em Xanxerê, o qual já
conta com 36 anos de atividade e mais de 50 espetáculos apresentados. Com o
teatro em Caçador, Galelli manteve apenas a amizade com alguns atores e esteve
por algumas vezes assistindo aos espetáculos dirigidos por Avito Corrêa, que será
apresentado na sequência.
3.2 AVITO CORRÊA E SUA CONTRIBUIÇÃO TEATRAL
Semelhante à história de Elírio Galelli, Avito Corrêa chegou ao município no
ano de 1990 para dar aulas na Fundação Educacional do Alto Vale do Rio do Peixe
(FEARPE). Avito Corrêa formou-se em Pedagogia na sua cidade natal, Itajaí (SC),
em 1981, mas sua ligação com a educação foi, na maioria das vezes, envolvendo o
teatro. Começou a fazer teatro em 1973, quando ainda estudava na oitava série do
ensino fundamental e montou o grupo teatral Os Robinsons. Em 1974, o grupo
58
participou de um festival em Blumenau e, no dia seguinte, devido às críticas o grupo
se desestruturou, pois, segundo Avito Corrêa:23
a grande maioria saiu, a partir daquela crítica [...]. Então a partir
daquilo ali também, foi o meu início bastante complicado, e eu
entendi que pra continuar a fazer teatro, tem que ter uma coisa:
persistência.
Em 1976 o grupo voltou a apresentar e ganhou o Festival Sul Brasileiro de
Teatro com a peça A Grande Estiagem de Isaac Godin Filho. Paralelamente ao
curso superior, Avito Corrêa continuou a fazer teatro e depois de formado trabalhou
em Itajaí com o projeto Teatro nas Escolas, atendendo três escolas na área urbana
e duas na área rural. Três anos depois ele foi trabalhar como orientador educacional
em São José dos Cedros onde teve muita ligação com jovens propiciando a
montagem de três espetáculos: O Pirata, O Grande Marido, de Eurico Silva e Terra
Quente, da autoria do próprio Avito Corrêa.
Em 1990, já em Caçador dando aulas na FEARPE, Avito Corrêa foi convidado
para ser coordenador da parte cultural da Universidade. Fazia isso durante o dia e
dava aulas durante a noite. Fez um trabalho com alunos da oitava série do Colégio
Aparecida e à noite, após as aulas na FEARPE, Avito Corrêa formou um grupo com
alunos da Universidade e outros integrantes. Desse grupo participou o ator Ivair
Nilton Fusinato24, mais conhecido como Pinduda, que também havia trabalhado com
Elírio Galelli anteriormente. Sobre a primeira impressão que teve de Avito Corrêa, o
ator conta:
Eu quando conheci o Avito, eu a princípio [...] pensei: mas o
que que esse maluco?... Ele pegou num violão lá, tentou tocar
um violão, não tocava nada e tal... eu sai de lá assim [...]. O
Avito com aquele jeitão dele, pensei: mas isso aí não vai dar
em nada! Mas me surpreendeu [...] a maneira que ele fazia as
23
Avito Darci Corrêa. Entrevista concedida a Tânia Farinon em 29 de maio de 2014. Florianópolis,
SC. Sempre que forem citadas falas deste diretor estarei me referindo a esta entrevista, com isso
evito repetições no corpo do texto.
24 Ivair Niton Fusinato. Entrevista concedida a Tânia Farinon em 15 de fevereiro de 2014. Caçador,
SC. Sempre que forem citadas falas deste ator estarei me referindo a esta entrevista. Ivair Fusinato,
mais conhecido por Pinduca, é ator desde a década de 1980 em Caçador, mas tem desde pequeno
uma facilidade para se expor publicamente, recitar e criar poesias. Vindo de origem humilde, sempre
esteve envolvido com a arte de alguma forma, sendo um poeta e uma figura essencial para o estudo
do teatro caçadorense das últimas décadas que, no entanto, não será abordado com profundidade
neste trabalho em virtude do enfoque do mesmo, não podendo, portanto, abranger toda a vida
profissional desse humorista, artista e poeta caçadorense.
59
coisas, de reunir, de fazer acontecer, porque o Avito ele busca,
ele vai de atrás, ele faz um corpo a corpo, ele consegue unir os
atores e tudo, daquele jeito dele. Ele faz acontecer.
E assim, fazendo acontecer, do trabalho teatral de Avito Corrêa resultaram,
em Caçador, alguns grupos teatrais que conviveram em diferentes contextos.
3.2.1 Travessuras e Termópilas
O trabalho de Avito Corrêa em Caçador ramificou-se e teve grande
abrangência na cidade. Grupos foram se formando e convivendo. Avito Corrêa,
quando trabalhou com a oitava série do Colégio Aparecida montou com eles a peça
infantil A Viagem de um Barquinho, e com eles montou o grupo denominado
Travessuras. Sobre a apresentação a imprensa relatou:
O Grupo teatral “Travessuras” [...], estará estreando na próxima
sexta-feira, dia 08 de novembro, no Auditório Cultural do
Contestado. A peça a ser é “A Viagem de um Barquinho,” que
vem sendo trabalhada desde o início do ano pelo professor
Avito, da FEARPE.
Trata-se de um projeto que visa estimular o adolescente a
participar do teatro, ao mesmo tempo em que tem a intenção
de angariar fundos para a formatura dos próprios alunos do
Colégio”, salientou o professor.
A peça de autoria de Silvia Ortoff, já foi apresentada em várias
cidades do Estado e já recebeu vários prêmios a nível nacional
(Imprensa Catarinense, Caçador, 01 nov 1991).
Ainda no mesmo mês a imprensa divulgou mais duas apresentações do grupo
afirmando que “depois do sucesso alcançado, [...] o grupo teatral Travessuras,
repete a dose com duas apresentações. Ontem no SESI e hoje às 18:00 horas,
novamente no Auditório do Contestado” (A Impensa Catarinense, Caçador, 23 nov
1991), e ainda pede a colaboração do público para que prestigie o espetáculo
colaborando para que o grupo consiga se apresentar em outras cidades.
60
Imagem 19 – Plateia prestigiando o espetáculo infantil As Aventuras de um Diabo Malandro no
Auditório do Contestado. Caçador. Arquivo pessoal de Avito Corrêa
Anos mais tarde o grupo Travessuras apresentou outro espetáculo infantil,
Aventuras do Diabo Malandro, dessa vez com outro elenco, mas utilizando o mesmo
nome do grupo. Além deste espetáculo infantil, a peça Saltimbancos foi encenada
por alunas de Educação Artística da Universidade (que na época passou a
denominar-se Universidade do Contestado - UnC). Ambas as apresentações
ocorreram no Auditório do Contestado sob a direção de Avito Corrêa. O jornal da
própria Universidade Repórter Acadêmico divulgou as peças:
“Aventuras do Diabo Malandro” mostra o egoísmo do homem
na terra, mesmo estando em outro planeta, onde suas
maldades competem com o diabo de um outro planeta,
deixando a platéia do lado do diabo, pois suas peraltices de
moleque envolvem o público com boas risadas.
“Saltimbancos” é um místico de trabalho cênico, música, de
artes plásticas, onde as meninas do curso de Educação
Artística vão mostrar no palco, um pouco do que aprenderam
na UnC e “com certeza será uma grande e agradável surpresa.
Veremos acadêmicas, que nunca pisaram no palco, se
revelando num grande espetáculo, mostrando toda a magia do
teatro infantil”, lembrou Avito (Repórter Acadêmico, Caçador,
nov/dez 1995).
61
No decorrer dos anos Avito Corrêa conseguiu associar vários trabalhos ao
mesmo tempo, mas optei por falar em separado de cada grupo, no entanto é
necessário que o leitor compreenda que entre os anos de 1991 e 1996 aconteceram
outros movimentos teatrais provocados por ele e que serão apresentados em
seguida.
Em 1992 o grupo teatral Termópilas, sob a direção de Avito Corrêa, formou-se
com os atores Adriano Silva, Daniel Schiavini e Silvia Bragagnolo. Schiavini (que
havia trabalhado com Elírio Galelli anos antes) conta que foi nessa época que teve
seu “batismo” no palco. Pouco antes da estreia o jornal publicou uma matéria
ressaltando a estreia de Morre um gato na China do grupo Termópilas e também da
peça O Contestado que seria apresentada pelo grupo Temporá, ambas com o
mesmo diretor.
Morre um Gato na China, está criando uma grande expectativa.
Segundo o Grupo Teatral Termópilas é um espetáculo
envolvente, que apesar de ser uma comédia existem
momentos que levam o público a emoções e mexe muito com a
sensibilidade.
Esperamos que o nosso público, que sempre vem prestigiando
essa atividade cultural participe, pois as dificuldades na
montagem de um espetáculo são tantas que só é compensado
com a energia do público presente. Porque teatro é um ato de
amor feito com paixão (Folha, Caçador, 11/12 jul 1992).
Nesta época dois jornais eram publicados na cidade. A Imprensa Catarinense
também divulgou o espetáculo em Caçador:
Ontem e hoje (sábado), às 21 horas, no Auditório Cultural do
Contestado, o grupo teatral Termópilas de nossa cidade,
apresenta a peça “Morre um gato na China”. [...]
De autoria de Pedro Bloch, “Morre um gato na China” é o
conflito de um homem que não pratica a bondade como virtude,
mas sim como necessidade fisiológica da alma, mostrando que
o homem, na criação inteira, precisa sentir e compreender não
somente as tragédias humanas, mas padecer até com os gatos
que morrem em todos os cantos da terra (Imprensa
Catarinense, Caçador, 11 jul 1992).
Além de Caçador, o grupo teatral Termóplias apresentou nas cidades de Rio
das Antas, Fraiburgo e Canoinhas. Avito Corrêa conta que este grupo foi criado para
que pudessem justamente viajar com o espetáculo. O ator Daniel Schiavini também
62
participou da montagem de A Infidelidade ao Alcance de Todos, anos mais tarde,
dirigida por Avito Corrêa, mas dessa vez com o grupo Reticências.
3.2.2 Reticências
O grupo Reticências formou-se a partir de uma oficina que Avito Corrêa
ofereceu na FEARPE. A oficina resultou numa colagem de poesias de Vinicius de
Moraes. Esse trabalho foi apresentado em Chapecó (onde Avito Corrêa residia antes
de ir para Caçador). E, como afirma Avito Corrêa, foi a partir desse espetáculo que
“surgiu, então, uma peça, ampliamos um pouco mais e fizemos O Homem e o
Trabalho, a relação do homem e do trabalho. Foi a primeira peça que a gente
apresentou em Caçador, com o Grupo Reticências”.
O segundo espetáculo escolhido para ser montado com o grupo Reticências
foi Bailei na Curva, de Júlio Conte. A peça teve sua estreia na cidade de Videira, na
Universidade do Oeste Catarinense (UNOESC). Avito Corrêa justificou para a
imprensa que a estreia fora de casa era melhor para os atores, pois estes se
sentiriam mais seguros. Bailei na Curva foi apresentada em Caçador pela primeira
vez em outubro de 1993. Sobre a estreia em Caçador a imprensa divulgou:
O Grupo Teatral Reticências apresenta nos dias 13, 14, 15, e
16 próximos [...] no Auditório Cultural o Contestado, a peça
“Bailei na Curva” com ingressos a CR$200,00.
Sob a direção de Avito Darci Correa, “Bailei na Curva” vem
sendo montada pelo Grupo Reticências a mais ou menos um
ano, onde já se apresentou nas cidades de Videira, Lebon
Régis e nos dias 1º e 2 passados, na cidade de Chapecó, e em
todas confirmou grande sucesso.
Originalmente a peça foi montada há oito anos pelo Grupo Do
Jeito que Dá, de Porto Alegre, autor da criação coletiva que
acabou levando o nome de “Bailei na Curva” e ganhando
admiradores por todo o país. Inclusive ganhando um prêmio de
Dramaturgia Nacional.
[...] Em Caçador, são cerca de 15 pessoas em cena, com uma
média etária de 20 anos contando a história de uma “geração
perdida”, nascida no início dos anos 50.
“Bailei na Curva” reúne em cena uma série de crianças de uma
mesma rua, desde o filho de um militar até o filho de um
militante e de um operário. A história passa pela amarga
experiência do golpe de 64, vive a loucura hippie dos anos 70,
63
com as crianças já crescidas, adolescentes e chega aos 80,
com todos encaminhados na vida. A peça procura retratar o
sentimento coletivo e individual dessa geração, que sobrevive
do jeito que dá neste incrível país [...] (Folha, Caçador, 09 out
1992).
Depois do sucesso alcançado, o grupo ficou desfalcado, pois muitos dos
atores mudaram de cidade e foi necessária a substituição desses. Avito Corrêa
conta para a imprensa que esse momento de ensaiar novamente a peça não foi
muito fácil já que os novos atores não estavam no mesmo ritmo que os atores que já
estavam na peça, “mas com muito empenho dos que entraram e paciência dos que
já estavam, o grupo volta a apresentar ‘Bailei na Curva’ com motivação renovada”
(Folha, Caçador, 17 set 1994). Estes anos foram de intenso movimento teatral em
Caçador, pois paralelamente ao Reticências com a peça Bailei na Curva, havia
também o Temporá com a peça O Contestado. Entre os dois grupos, conta Avito
Corrêa que havia um certo ciúme entre um e outro, pois quando um já estava
apresentando, o outro questionava e vice-versa. O fato é que esse foi um momento
único no município em que o teatro esteve, eu diria, nos seus anos dourados.
Imagem 20 – Peça Bailei na Curva. Atores Pascoal ( à esquerda), Paulo Cesar Melniski, Vancleia
Pereira e Silvia Bragagnolo. Fonte: Arquivo Pessoal de Avito Corrêa
64
Imagem 21 - Peça Bailei na Curva. Os atores Pascoal (à esquerda), Pinduca, Flor e Silvia
Bragagnolo. Arquivo Pessoal de Avito Corrêa
No ano de 1995 o grupo Reticências montou o espetáculo infantil O Pirata,
composto por cinco personagens. A peça “mostra a luta do bem contra o mal e, no
final, se convence o mal a ficar bem” foi o que divulgou a imprensa detalhando os
dias e horários da apresentação: “A peça será apresentada nestes dias 11 e 12, no
Auditório do Contestado, em três horários” (Folha, Caçador, 05 mai 1995).
Imagem 22 - Peça O Pirata. Os atores: Vancleia Pereira (o papagaio), Paulo Cesar Melniski
(o pirata) e Mariza Gladis Fontona (a bruxinha). Arquivo Pessoal de Avito Corrêa.
65
No ano de 1997 Reticências voltou a se apresentar com outra peça teatral: A
Infidelidade ao Alcance de Todos, de Lauro César Muniz. O jornal Folha dedicou
uma página inteira para a divulgação da peça incluindo falas do diretor da peça.
[...] Escrita por Lauro César Muniz nos anos 60, a peça foi
readaptada para os dias atuais e para a região. “As cenas
procuram abordar acontecimentos de nosso cotidiano”,
comenta Avito. Dividida em cinco quadros, a peça vai em cada
quadro questionar um tema. Em um deles irá falar sobre o
trabalho e se vale a pena ser honesto nos dias de hoje. [...]
“Esta é uma peça polêmica. Procuramos jogar bastante com
gestos e palavras, porque o gesto e as palavras bem usados
deixam a cena rica. As pessoas que forem assistir o espetáculo
vão gostar, porque terão a oportunidade de assistir uma
comédia inteligente que não vai fazer apenas rir, mas vai
questionar nosso dia a dia”, afirma o diretor (Folha da Cidade,
Caçador, 01 nov 1997).
A peça foi montada com três atores: Daniel Schiavini, Ivair Fusinato (Pinduca)
e Lucinei Xavier Paes25. Lucinei Paes se formou em Artes Cênicas em Curitiba e
retornou à Caçador quando foi convidada a atuar no espetáculo com Avito Corrêa.
Esse foi um trabalho muito importante para Lucinei Paes enquanto atriz porque,
segundo ela,
foi um espetáculo que foi muito bem aceito pelo público e eu
fazia/interpretava cinco mulheres. Então [...] eu tinha cerca de
um minuto, às vezes menos de um minuto, pra trocar o figurino
e trocar totalmente a minha personagem que ia desde a
favelada até uma madame da alta sociedade, uma mulher fútil,
uma pequena burguesa, dona de casa, enfim, e aí eu me
virava lá nos trinta, nos bastidores, pra poder dar conta e
entrava. E meu texto era gigantesco [...]
Os três atores contavam com a ajuda dos filhos do diretor e das esposas dos
atores e também do diretor, tanto nos ensaios quanto na coxia na hora da
apresentação. A apresentação em Caçador superou as expectativas, segundo a
25
Lucinei Xavier Paes, como já mencionada neste trabalho, é atriz, produtora, diretora e
professora de Teatro. Graduada em Artes Cênicas pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná – PUC, em Curitiba e pós graduada em arte-educação pela Universidade do Contestado UnC, em Caçador. Atua em Caçador junto à Prefeitura Municipal de Caçador, Fundação
Municipal de Cultura, colégios particulares, entre outros, desde 1996. Sua importância para o
fomento do teatro em Caçador é reconhecida em vários tópicos abordados neste Trabalho de
Conclusão de Curso, no entanto, não será possível fazer aqui um aprofundamento da vida
profissional desta pessoa que, para mim, poderia ser considerada a dama do teatro caçadorense.
66
imprensa, assim como nas cidades de Guaraciaba e São Miguel do Oeste onde a
peça também foi apresentada. A última apresentação da peça foi feita no dia 06 de
novembro de 1997 no Auditório Cultural do Contestado.
E assim o grupo Reticências encerrou sua trajetória em Caçador, cumprindo
seu papel. Nas palavras de Avito Corrêa, esse foi um momento em que a cultura
estava acontecendo sim e no campo teatral fez-se o possível para mostrar e
engrandecer a cultura.
3.2.3 A VI Festa Catarinense de Teatro
No ano de 1993 Caçador conquistou mais um espaço no campo teatral, pois
foi quando sediou a VI Festa Catarinense de Teatro. Segundo o jornal, no decorrer
da década de 1980 foram realizadas quatro edições do evento, sendo uma na
cidade de Joinville e as demais em Florianópolis. No ano de 1991 a sede foi a
cidade de Concórdia (SC) e em 1993 foi a vez de Caçador.
[...] aliando esforços do Movimento Teatral de Caçador,
Prefeitura, Federeação Catarinense de Teatro (FECATE), a
festa promete transformar a cidade em palco iluminado não
apenas nos cinco dias de sua duração, mas também em nome
expressivo na rota contínua das diversas companhias e grupos
teatrais de Santa Catarina e até mesmo do país (Folha,
Caçador, 20 nov 1993).
Para Avito Corrêa, um dos organizadores desse evento, naqueles anos
Caçador era “referência do movimento teatral em Santa Catarina. Era a cidade que
mais tinha gente fazendo teatro, movimentando.”26 Para a VI Festa do Teatro
Catarinense foram esperados cerca de 150 artistas e de 12 a 15 espetáculos para
apresenterem-se no Auditório do Contestado.27
26
A fala do diretor Avito Corrêa deve ser relativizada pois não temos nenhuma pesquisa
quantitativa que comprove sua afirmativa. E devo lembrar que na década de 1990 a UDESC já
possuía o Curso Superior de Teatro. É uma fala que olha o passado e vê o que deseja nele.
27 Sobre os espetáculos apresentados e sobre a recepção da plateia nenhuma matéria em jornal
foi encontrada.
67
3.2.4 Apresentações vindas de fora na década de 1990
Na década de 1990 houve uma fomentação significativa do teatro local, mas
Caçador recebeu também muitos espetáculos vindos de outros municípios. Será
feito aqui um breve apanhado dos espetáculos que se apresentaram em Caçador
encontrados nos jornais da cidade.
Catarsis foi apresentado em outubro de 1990, no clube Sociedade
Caçadorense das Bochas por um grupo de artistas argentinos. Segundo a imprensa
seriam feitas duas sessões: uma para adultos e a outra para crianças. “Para as
crianças [...] ‘Loucas Histórias’ e para adultos ‘Sociedade de Irmãos’” (A Imprensa
Catarinense, Caçador, 20 out 1990). Sobre a recepção das peças nenhuma matéria
foi encontrada.
No ano de 1992 foi a vez de O vôo dos pássaros selvagens apresentar em
Caçador, do grupo Arte e Expressão Dionysius, de Itajaí dirigida por Lorival de
Andrade. A peça foi bem divulgada pela imprensa e ocorreu no Auditório do
Contestado (FEARPE) nos dias 04 e 05 de abril. Sobre a peça a Folha destacou:
O vôo é lírico e trágico, romântico e visceral, ardente e
instigante, enforcando a sociedade como um todo e
questionando o amor convencional. A direção buscou transmitir
a sensualidade e o erotismo de uma relação anti convencional,
aqui representada por Mario e Maria. [...]
A busca frenética por uma realização emocional e a não
adequação aos limites impostos pela sociedade moralista
fazem da peça uma verdadeira viagem ao interior do ser
humano, que clama por liberdade, pelo prazer e pela satisfação
de seus desejos mais febris (Folha, Caçador, 29 mar 1992).
Após as apresentações da peça, a imprensa relatou os bons comentários
feitos à mesma e também elogiou o “bom comportamento” do público caçadorense.
Em 1993 o grupo Teatral Arlequim, da cidade de Rio Negrinho (SC),
apresentou duas peças teatrais, sendo uma infantil, Pintando o Sete (peça com
palhaços) apresentada em duas sessões e a outra para o público adulto, Retrato de
68
Família. As apresentações ocorreram no Teatro do Contestado e tiveram o “apoio do
Movimento Teatral de Caçador através do professor Avito Correia” (Folha, Caçador,
15 set 1993).
No ano seguinte, em 1994, o grupo teatral Acontecendo por aí apresentou a
peça Histórias de Tanto Amor, com a mesma direção de O Vôo dos pássaros que
apresentou-se dois anos antes.
A peça participou do 8º Festival Universitário Nacional de
Blumenau, do qual obteve uma premiação (melhor iluminação)
e duas indicações (melhor ator e melhor diretor).
O texto é composto de cinco contos dos autores: Guy de
Maupassant, Anton Thecov, Clarice Lispector, Mário de
Andrade e Franklin Cascaes. A adaptação de direção fica a
cargo de Lourival de Andrade (Folha, Caçador, 28 set 1994).
Ainda em 1994 outros dois espetáculos passaram por Caçador, um deles com
atores da Rede Globo, o que foi bem enfatizado pela imprensa local.
Artistas da Rede Globo de Televisão, Patrícia Sabrit (a Cacau
da novela Olho no Olho) e Maurício Branco (o Felipe da novela
de Corpo e Alma), estarão no dia 25 desse mês no Auditório
Cultural do Contestado. [...]
O espetáculo “Se você me ama” conseguiu ser um campeão de
bilheteria em todo o país, falando do adolescente e seus
problemas comuns, dos jovens e seus conflitos, das
encucações do sexo, drogas e romance [...] (Folha, 06 ago
1994).
O jornal ainda ressaltou o sucesso que a peça teve por mais de um ano em
cartaz em São Paulo. Sobre a apresentação e o retorno da plateia, nenhuma
publicação foi encontrada nos jornais.
O outro espetáculo vindo de fora que passou por Caçador foi a peça
Paralelos, do grupo Teatro Sim... Porque não?
Paralelos é o resultado de um trabalho a partir da encenação
de cinco pequenos textos de Harold Pinter [...].
Escritos na década de 50, caracterizam-se por mascarar o
absurdo com um desenvolvimento dramático naturalista.
Parecem ser formados por falas absolutamente cotidianas,
aparentemente banais. Tudo é muito normal. Só que debaixo
69
dessa aparência real [...] esconde-se uma ameaça, uma culpa
ignorada, uma desesperança (Folha, Caçador, 02 nov 1994).
A apresentação foi uma promoção do Comitê da Cidadania Contra a Fome e
a Miséria, da Caixa Econômica Federal de Caçador, tendo como objetivos promover
a arte e arrecadar fundos em favor dos menos favorecidos.
Por fim, o último espetáculo vindo de fora na década de 1990, encontrado na
imprensa foi do humorista Pedro Bismark, o Nerso da Capitinga, com o espetáculo
Trem de Doido reunindo várias histórias entre inéditas e outras do início da carreira.
A direção do espetáculo foi de Lucia Martins e Toninho Dutra e apresentou-se no
Auditório do Contestado em 13 de maio de 1995, conforme anúncio do jornal Folha
(Caçador, 05 maio 1995).
A década de 1990 foi um período de grande fomentação do teatro, tanto pelos
grupos que foram criados através das iniciativas de Avito Corrêa quanto por grupos
de outras cidades que por Caçador passaram (alguns pela intervenção do próprio
Avito Corrêa). Avito Corrêa conta que o tempo em que esteve em Caçador
foi um momento [...] que me deu muito orgulho de estar lá em
Caçador, e que deu muito fruto lá, estando lá. E não morreu
quando eu saí. Então o que mais me orgulha em Caçador é
isso: que eu cheguei lá e não tinha nenhum grupo de teatro, eu
saio de lá com muitos grupos de teatro, [...] então é isso que
mais me orgulho. [...] Eu fui embora, mas não foi embora o
teatro. O teatro permaneceu lá, as ideias ficaram lá, o
empenho.
Avito Corrêa fala também das três palavras mágicas que utiliza para a
formação de um grupo: a persistência, a humildade e a responsabilidade. Por toda
essa persistência, o teatro de Caçador só tem a agradecer os bons frutos que Avito
Corrêa deixou, pois, com certeza, nada seria o mesmo sem a passagem desse
apaixonado por teatro e por novos desafios em nosso município.
3.3 GRUPO TEATRAL TEMPORÁ
70
Outro grupo criado a partir dos trabalhos de Avito Corrêa em Caçador foi o
Temporá. Este grupo será abordado separadamente, pois foi o único grupo criado
por Avito Corrêa que permanece atuando até os dias de hoje.
3.3.1 O início
Foi com um grupo de estudantes que faziam Serviço Social na FEARPE que
iniciou a ideia de montar O Contestado, do autor Romário José Borelli. Avito Corrêa
ensaiava com um grupo de estudantes com uma predominância maior de mulheres
e pensou que poderia usar aquelas vozes para as músicas da peça, já que elas
adoravam cantar. Mas só com mulheres não se poderia montar O Contestado. Avito
Corrêa sugeriu então que as mesmas chamassem namorados, primos, irmãos e
colegas para ensaiar também.
Para se conseguir a autorização para encenar o texto de Borelli houve a
intervenção de Lucinei Xavier Paes, hoje atriz, professora e diretora, que na época
estudava Teatro em Curitiba. Lucinei Paes é natural de Caçador e nessa época, em
que estudava em Curitiba, costumava ir para Caçador visitar a família quando, por
indicação de alguns amigos, acabou fazendo uma oficina na FEARPE com Avito
Corrêa. Lucinei Paes conta que cedeu a Avito Corrêa um LP das músicas do
Contestado gravadas no Teatro Guaíra na década de 1970, em Curitiba, que ela
possuía desde os quinze anos de idade. Além disso, ela conseguiu também falar
com o autor da peça em Curitiba e pediu para o mesmo o texto para que Avito
Corrêa pudesse montar. Sobre a conversa com o autor da peça, relata Lucinei
Paes28:
Eu marquei um encontro com o Borelli lá na Reitoria da Federal
e nós ficamos por duas horas conversando e ele não queria dar
o texto porque ele tinha medo do que iam fazer com o texto
dele. E certo estava ele. Porque é uma obra de arte o trabalho
dele, fruto de uma pesquisa profunda, fruto de um trabalho
árduo da vida dele e realmente tem que ter cuidado mesmo. E
ele conversou comigo por duas horas e eu me comprometi com
ele. Nossa, só faltou me ajoelhar dizendo pra ele que eu
28
Lucinei Xavier Paes. Entrevista concedida a Tânia Farinon em 12 de fevereiro de 2014. Caçador,
SC. Sempre que forem citadas falas deste ator estarei me referindo a esta entrevista, com isso evito
repetições no corpo do texto.
71
garantia, que o espetáculo ia ser tratado com todo o respeito
que a história do Contestado e a dramaturgia criada pelo Borelli
mereciam.
Após duas horas de conversa, Borelli cedeu então seu texto ainda com
relutância. Avito Corrêa conta que conversou naquela época por telefone com o
autor e chegou a discutir com ele, pois Borelli tinha receio em entregar seu texto por
outras experiências frustantes. Mas Avito Corrêa foi incisivo e garantiu a Borelli que
pagaria todos os seus direitos de autor e que queria que ele visse o trabalho pronto
antes de fazer seus julgamentos.
O grupo foi então oficialmente fundado por: Avito Darci Corrêa, Adilson José
Panatta, Vitor Czerniakc, Ricardo Pelegrinallo, Ademar Godoy, Luciane Pereira,
Marinez Panceri, Maria Helena Furlin, Orli Tibes, Olmiro Cividini, José Canonica,
Gladis Fontana, Angélica Comazzeto, Mariza Gladis Fontana, Leodemir Espíndola,
entre outros. A escolha do nome do grupo Temporá se deu a partir da própria obra
de Borelli. Conforme afirma Adilson José Panatta29, um dos fundadores e que ao
longo dos anos dentro do grupo desmpenhou e desempenha várias funções além de
ator, como por exemplo, coordenador, produtor, tesoureiro e diretor:
o foco era a o contestado, sua história, seu povo e sua
linguagem. Após vários debates, surgiu a ideia de se dar [o
nome do grupo] Temporá, que do caboclo significa temporal:
muito vento, chuva, algo que mexe com o que vem pela frente.
E, assim, em 1992 aconteceu a estreia do espetáculo O Contestado na
cidade de Concórdia (SC). O jornal Folha publicou sobre a estreia:
A peça O Contestado [...] estreiou com grande sucesso na
cidade de Concórdia no último sábado, alcançando um
sucesso acima das expectativas do próprio diretor. Foram
quase duas horas de espetáculo e o público nem sequer se
mexia para não perder nenhum detalhe. Após a apresentação
houve debates e todos permaneceram, onde houve só elogios
do público presente. Inclusive o cineasta Gilberto Nunes que
trabalha com cinema e teatro a vinte anos nos Estados Unidos,
e está na região pesquisando para a produção de um filme
sobre o conflito do contestado. Após a representação
29
Adilson José Panatta. Entrevista concedida a Tânia Farinon via internet em 10 de outubro de 2013.
Sempre que forem citadas falas deste ator estarei me referindo a esta entrevista, com isso evito
repetições no corpo do texto.
72
conversou muito tempo com o diretor Avito sobre o espetáculo,
inclusive à possibilidade de participação de pessoas do grupo
Temporá [...] na filmagem que irá fazer [...] (Folha, Caçador,
11/12 jul 1992).
Imagem 23 – Avito Corrêa (à esquerda) com o historiador Vicente Telles (ao centro) e o
cineasta Gilberto Nunes (à direita). Fonte: Folha, Caçador, 18 nov 1992.
Depois do sucesso na estreia fora de casa, foi a vez do grupo apresentar para
o público da própria cidade. O jornal Folha da Cidade divulgou o sucesso que foi a
apresentação na cidade:
O Grupo Teatral Temporá de Caçador, mostrou que santo de
casa faz milagre, pois em sua estréia em nossa cidade no
último dia 18 lotou com quase mil pessoas no auditório Cultural
do Contestado, ficando ainda mais de 300 pessoas do lado de
fora que infelizmente não conseguiram ingresso devido a super
lotação, melhor que o sucesso de público, foi o sucesso do
espetáculo [...].
O espetáculo durou aproximadamente 2 horas, mostrando as
suas 32 cenas no qual fazem parte 23 pessoas 5 técnicos e 18
atores que se desdobram em 98 personagens, entremeando
entre cenas crônicas e emocionantes, 10 músicas muito bem
interpretadas pelos músicos e atores no palco (Folha da
Cidade, Caçador, 19/20 set 1992).
73
A imprensa ainda divulgou outras duas apresentações do grupo que
aconteceriam no fim do mês na cidade e as apresentações que estavam marcadas
para fora de Caçador. Quando apresentaram na cidade de Rio das Antas, o jornal
fez um apanhado das cidades por onde o espetáculo já havia passado e por onde
ainda iria se apresentar:
O grupo já percorreu as cidades de Maravilha, Pinhalzinho,
Videira e Chapecó. Amanhã o grupo se apresenta em Rio das
Antas, no Clube Avaí, às 20 horas. No dia 22, em Ituporanga;
24, em Arroio Trinta; no dia dois de dezembro, em Salto Veloso
e, no dia cinco em Marcelino Ramos (Folha, Caçador, 18 nov
1992).
Imagem 24 – Cena da peça O Contestado apresentada pelo grupo Temporá em Rio das
Antas (SC). Folha, Caçador, 18 nov 1992
A última apresentação do grupo no ano de 1992 foi em dezembro tendo o
jornal divulgado que “essa é a última apresentação do espetáculo ‘O Contestado’
neste ano. O grupo já prepara nova montagem para 1993, prometendo sucesso
ainda maior do que o alcançado com a peça ‘O Contestado’” (Folha, Caçador, 12
dez 1992). E, em 1993, uma nova temporada iniciou.
No final de 1997 Avito Corrêa mudou-se para Chapecó onde assumiu a
Secretaria Municipal da Cultura. No ano de 2000 Avito Corrêa montou novamente O
74
Contestado com o grupo Temporá. Avito Corrêa se locomovia de Chapecó para
Caçador para os ensaios, geralmente nos finais de semana. Essa montagem contou
com a participação de muitos membros da antiga montagem e também de Lucinei
Paes, entre outros que não estavam na primeira montagem.
Imagem 25 – Elenco de O Contestado posando para foto. Fonte: Folha, Caçador, 12 dez
1992.
A peça O Contestado foi sempre uma marca do grupo Temporá e foi
constantemente ensaiada ao longo dos anos do grupo, no entanto, nem sempre
obteve sucesso para apresentar-se. O elenco da peça O Contestado necessitava ser
grande e com isso a dificuldade em conciliar ensaios e também a permanência do
mesmo elenco. Além disso tudo, o outro grande problema que o grupo enfrentou, e
que ainda enfrenta, é a falta de um diretor para o grupo. Em geral, cada trabalho é
realizado de uma maneira e a direção fica a critério de algum ator mais experiente
75
do grupo ou algum profissional convidado de fora do grupo para a direção de um
espetáculo específico.
Por vezes Avito Corrêa retornou à Caçador para dirigir o grupo. Além de dirigir
novamente O Contestado em 2000, levou para Caçador, em 2003, a proposta da
encenação de A Paixão de Cristo e repetiu a direção por mais alguns anos desse
espetáculo a céu aberto que se popularizou na cidade agradando muito o público
caçadorense.
3.3.2 A Paixão de Cristo
Avito Corrêa conta que no ano de 2001 montou A Paixão de Cristo na cidade
de Chapecó e que no ano seguinte
foi um ônibus de Caçador assistir o espetáculo [...] feito num
estádio de futebol, [...] aí assistiram e ficaram encantados,
levaram a proposta para a prefeitura [de Caçador], e em 2003
eu fiz lá em Caçador, eu fiz em Caçador num dia e no outro dia
fiz em Chapecó.
E depois de 2003, Avito Corrêa continuou conciliando a apresentação por
quatro anos seguidos em Caçador, dirigindo também nos anos de 2004, 2005 e
2006. As apresentações da Paixão de Cristo aconteciam no estádio municipal e
sempre com verba do poder público. A presença do público era significativa e a
entrada não era cobrada. Sobre a apresentação de 2006 o jornal Folha da Cidade
relatou:
Mais de 4 mil pessoas assistiram ao espetáculo, lotando o
Estádio Municipal Carlos Alberto da Costa Neves.
A peça foi feita por três equipes distintas. “Uma equipe fica
responsável pela parte musical e os comentários, outra é
formada pelos personagens que possuem texto e um terceiro
grupo de figurantes que subdivide-se em dois, que são: o povo
em geral e as dançarinas que fazem as coreografias da peça.
[...].” Relata Avito. (Folha, 16 e 17 abril 2006).
No ano de 2007 o grupo assumiu uma direção coletiva da Paixão de Cristo,
no entanto, nesse mesmo ano chegou na cidade Ney Pollazzi, diretor e amante do
teatro, vindo de São Paulo, que logo entrou em contato com o grupo. A direção
76
coletiva gerou alguns conflitos e o grupo optou pela direção de Ney Pollazzi (que
havia dirigido A Paixão de Cristo na região metropolitana de São Paulo)30.
Imagem 26 – Cena da Paixão de Cristo no Estádio Municipal de Caçador. Atores: Daniele Fortunato e
Hélio Pires. Direção de Avito Corrêa. Fonte: Folha, Caçador, 2006.
Nos anos de 2008, 2009 e 2010, a direção da Paixão de Cristo ficou a cargo
de Ney Pollazzi, que também dirigiu outros trabalhos do grupo. No ano de 2011 a
direção foi feita pelo ator e diretor Kleber Ribeiro que residia (e reside) em Videira
(SC) e que fez teatro em Caçador e também em São Paulo. Em 2012 quem dirigiu
foi o ator Aldo Marghotti e, no ano seguinte, outro diretor de Videira dirigiu a
encenação. Neste ano de 2014, o grupo não apresentou A Paixão de Cristo, pois a
prefeitura de Caçador não aceitou o novo orçamento do grupo, ficando a cidade sem
o espetáculo a céu aberto que ocorria há 11 anos.
30
No ano de 2006 participei da Paixão de Cristo dirigida por Avito Corrêa e ingressei no grupo
Temporá, portanto as informações colocadas aqui a partir de 2006 são sob minha própria
perspectiva.
77
Imagem 27 -A Paixão de Cristo, 2010. Ator: Adilson Panatta. Arquivo do Grupo Temporá.
3.3.3 Auto de Natal
O Auto de Natal foi outro espetáculo a céu aberto muito bem aceito pelo
público de Caçador. O primeiro Auto de Natal ocorreu em 2001 e o espaço utilizado
desde então é a Cabanha Rancho Fundo, uma pousada que possui toda a estrutura
para uma encenação do nascimento de Cristo (hospedaria e manjedoura, por
exemplo) e Lucinei Paes conta como foi o início de tudo:
No ano de 2000 eu fui para Treze Tílias e assisti o Auto de
Natal. O Auto de Natal foi uma atitude bem pioneira porque nós
montamos com pessoas da comunidade de Caçador, usando a
estrutura da Secretaria de Educação, o Coral do departamento
de cultura [...] Então ele nasceu dentro da Secretaria de
Educação no ano de 2001 e aí nós apresentamos lá na
Cabanha Rancho Fundo [...] e por três anos nós fizemos esse
espetáculo com pessoas da comunidade [...] sem o
envolvimento de nenhum grupo teatral. Então era um trabalho
da Educação e Cultura da Prefeitura de Caçador. Aí no ano de
2004 que nós convidamos um dos grupos que existe aqui pra
fazer parte [...].
78
No ano de 2004, portanto, o grupo Temporá passou a encenar o Auto de
Natal. Em 2004 e 2005 Lucinei Paes permanceu na direção juntamente com
Sócrates Fusinato (filho do ator descrito anteriormente Ivair Fusinato) e nos anos
seguintes a direção intercalou-se entre uma proposta coletiva (João Paulo de
Almeida e Efigênia Zardo em 2006), pessoas convidadas ou por um dos próprios
atores do grupo (em geral, Adilson Panatta).
Imagem 28: Auto de Natal, 2004. Arquivo grupo Temporá.
No ano de 2005 o Auto de Natal teve a participação da atriz Carolina Kasting
rendendo um bom público da cidade. No Auto de Natal, diferente da Paixão de
Cristo, existe a cobrança dos ingressos que são sempre a preços populares. O Auto
de Natal completa este ano sua décima edição.
79
Imagem 29: Auto de Natal, 2005. Atores: Adilson Panatta (esquerda), Gustavo Zardo (centro)
e Carolina Kasting (direita). Arquivo pessoal de Adilson Panatta.
3.3.4 Contestado - A Fúria Cabocla
O Contestado foi a obra que, além de batizar o grupo Temporá, mais vezes foi
montada por este. Dentre as montagens, a de mais importância e enfoque foi a
apresentada ao ar livre que mesclou cenas e músicas da peça, projeções
explicativas da história em telões e muitos efeitos especiais: Contestado – A Fúria
Cabocla. O espetáculo, apresentado em outubro de 2005 no Largo da Ferroviária na
cidade de Caçador, contou com cerca de 300 atores (entre eles dois atores globais)
e atraiu mais de 30 mil espectadores. O grupo realizou e produziu o espetáculo
juntamente com a Três Produtora usando “recursos multimídias, efeitos especiais,
simulação de ferrenhas batalhas com cargas de cavalaria e o uso de um trem e um
avião - que explode na arena.”31 A direção geral foi de Adílcio Cadorin e de Romário
Borelli na direção cênica e roteirização. O espetáculo teve o patrocínio da empresa
31
Disponível em: http://www.ocalmonense.jex.com.br/noticias/contestado+furia+cabocla
Acesso em: 13 nov 2014.
80
Reunidas, apoio da Prefeitura Municipal de Caçador, das prefeituras da região do
Vale do Contestado e da Universidade do Contestado -UNC.
Imagem 30 - Material de divulgação de Contestado – A Fúria Cabocla. Caçador, 2005.
3.3.5 Outras produções e prêmios
No ano de 2007 o então diretor do grupo, Ney Pollazzi sugeriu que o grupo
montasse a peça O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. O elenco foi
escolhido e os ensaios começaram. A estreia aconteceu em setembro de 2007, no
Auditório da Universidade do Contestado. A peça foi produzida pelo grupo e, como
relatou a imprensa “só se tornou possível graças ao esforço do elenco e da
produção. Até cenário e figurinos foram confeccionados pelos próprios atores”
(Informe, Caçador, 22 e 23 set 2007). No ano de 2008 um projeto foi aprovado pela
Secretaria de Desenvolvimento Regional de Caçador (10ª SDR) em parceria com o
Funcultural – Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, com apoio de
algumas empresas da cidade para a circulação da peça em municípios da região
como Calmon, Rio das Antas e Macieira.
81
Imagem 31 - Material de divulgação O Auto da Compadecida. Arquivo pessoal de Tânia Farinon
O diretor Ney Pollazzi foi responsável também por outras produções do grupo:
Bicho de 7 Cabeças, O Marinheiro, O Namoro e ÓGeninha. Bicho de Sete Cabeças,
um exercício cênico produto de um curso de iniciação ao teatro ministrado pelo
diretor para o grupo Temporá, foi apresentado na Fundação Municipal de Cultura
para cerca de 50 convidados por apresentação. Segundo a divulgação, o exercício
foi
baseado em um modo de criação teatral em que a base é a
colaboração entre o diretor e a equipe de encenação. Nele o
texto “surge” ou é reinventado a partir dos atores e da pesquisa
de palco. “Na realizada [sic] trata-se de um exercício cênico
usado por mim durante as aulas do curso de iniciação teatral e
também em oficinas de interpretação. O exercício busca
despertar o ator criador existente dentro do aluno-ator”, explica
Polazzi (Folha da Cidade, Caçador, 08 dez 2008).
82
O Bicho de Sete Cabeças se expandiu e deixou de ser apenas um exercício
cênico para tornar-se um espetáculo e parte do repertório do grupo até os dias de
hoje. A estrutura vai se modificando conforme os atores vão se renovando e
trazendo outras propostas.
Imagem 32- Material de divulgação de O Bicho de Sete Cabeças, Caçador, 2008. Arquivo pessoal de
Tânia Farinon
O Marinheiro, de Fernando Pessoa e O Namoro, de Hilder Machado (peça
infanto-juvenil) foram montadas pelo grupo no ano de 2009 e ambas participaram do
I Festival de Teatro de Joaçaba (FESTEJO), que ocorreu em outubro de 2009. O
grupo promoveu um ensaio aberto de O Marinheiro na cabanha Rancho Fundo
(mesmo local onde é apresentado o Auto de Natal) antes da apresentação em
Joaçaba (SC) e, em seguida, um debate com o público presente. Na apresentação
em Joaçaba, no dia 17 de outubro de 2009 o grupo ganhou o prêmio de melhor
sonoplastia (feita pelo próprio diretor Ney Pollazzi).
83
Imagem 33 – Ensaio Aberto de O Marinheiro. Caçador, 2009. As atrizes Cristiane Damaceno
(caixão), Mel Sabini e Cristiane Bellé (sentadas da esquerda para a direita) e Tânia Farinon à
direita em pé. Arquivo Pessoal de Tânia Farinon.
O grupo ainda tem em seu histórico a comédia Ógeninha, adaptação de Na Roça
de Belmiro Braga, desde o ano de 2008. A peça, assim como O Bicho de Sete
Cabeças, sofre com a mudança de elenco, mas mantêm-se no repertório do grupo é
apresentada em eventos na cidade e região.
Além do palco, o grupo participou da série da RBS TV Santa Catarina em Cena,
que abordou como tema Os Monges e o Exército Encantado, no ano de 2007. Outro
trabalho para a televisão foi uma publicidade para o Ministério da Educação para a
segunda Olimpíada da Língua Portuguesa.
Em 2009, o Grupo recebeu o prêmio ITAÚ/UNICEF pela contribuição com a
cultura e educação de jovens e adolescentes. Dois anos depois, em 2011, Temporá
recebeu a Placa de honra da Câmara dos Deputados Federais de Brasília pelo
Centenário do Contestado.
84
3.3.6 O grupo atualmente
O grupo é administrado baseando-se no Código Civil de associações sem fins
lucrativos e as eleições para a diretoria ocorrem a cada três anos. Os ensaios
ocorrem ao menos uma vez por semana e não existe um local fixo para tal,
dependendo muito qual a produção do grupo em cada momento. Por exemplo, antes
da páscoa o foco é A Paixão de Cristo, portanto a maioria dos ensaios é feito no
local da apresentação: no Estádio Municipal de Caçador. Assim, como não existe
uma sede específica, também não há um local apropriado para o armazenamento de
todos os materiais do grupo, sendo esta “uma das principais dificuldades do grupo,
pois fica tudo guardado em vários espaços pela cidade e muitas vezes a mercê de
vândalos e outras intempéries”, salienta Adilson Panatta.
O ingresso no grupo se dá por uma seleção feita na prática. Figurantes em
grandes espetáculos ao ar livre que se destacam e mostram interesse são
selecionados para o teatro de palco. Vale ressaltar, portanto, que o grupo sempre
mantém um diálogo com a sociedade convidando-a muitas vezes, não somente para
assistir, mas para atuar em seus espetáculos que demandam um número de atores
muito maior do que o existente no grupo.
Esse foi um primeiro e breve apanhado de mais de 20 anos de atuação do
grupo no município de Caçador. O grupo Temporá procura manter-se em pé, apesar
de todas as dificuldades acreditando no teatro, na cultura e fazendo juz ao texto que
consagrou o grupo, “não se rendendo por dentro, não se conformando”.32
32
“Não se renda por dentro. Não se conforme”. Fala de Adeodato em O Contestado de Romário José
Borelli.
85
3.4 GRUPO TEATRAL VENTO NEGRO33
3.4.1 O início
No ano de 2000, Lucinei Xavier Paes montou junto a Secretaria de Educação
a peça O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry. Mas o elenco da peça
queria mais, queria tornar-se um grupo para desbravar outros horizontes e
desvincular-se da Secretaria. Então o Grupo de Teatro Vento Negro foi criado tendo
como fundadores e membros: Lucinei Xavier Paes, Ivair Fuzinato (Pinduca), Hélio
Pires, Gustavo Loeff Zardo, Vitor Czerniak, Kleber Ribeiro, Mariluci Gouveia, Adilson
José Panatta, Efigênia Loeff Zardo, Leodemir Espíndola e Janaína Reis. A proposta
do nome Vento Negro partiu da fundadora e diretora Lucinei Paes que se motivou
pelo conteúdo da canção gaúcha Vento Negro de Kleiton e Kledir, a qual destacava
a força da natureza. A meta do grupo também deveria ser essa, não ficar na
superficialidade, mas deixar rastros firmes e fortes, privilegiando os estudos, ações e
ensaios. Lucinei Paes foi fundadora e também presidente por um tempo do grupo,
no entanto, hoje não está ligada a nenhum grupo teatral.
3.4.2 Produções do grupo
33
As informações sobre o grupo Vento Negro foram concedidas via internet através de entrevista
feita com os integrantes do grupo, Efigênia Loeff Zardo e João Paulo Almeida, em 10 de outubro
de 2013.
86
Imagem 34 - O ator Gustavo Zardo em O Pequeno Príncipe. Caçador, 2001. Arquivo Cia Vento
Negro.
No ano de 2001, após muitos ensaios e oficinas, foi apresentado o primeiro
espetáculo do novo grupo: O Pequeno Príncipe. O espetáculo aconteceu na
Associação de Moradores do Bairro Berger e esteve lotado nos dois dias de
apresentação (com espetáculos pela manhã, tarde e noite).
Outras produções foram O Show do Batatão (que continua em atuação),
Trempe Ridente, A Cantora Careca, entre outros. Este último rendeu três prêmios no
Festival de Teatro de Joaçaba (FESTEJO), no ano de 2009. Além disso, o grupo
mantém apresentações na Semana Integrada de Prevenção de Acidentes do
Trabalho (SIPAT), oferece oficinas terapêuticas e apresenta peças no Centro de
Atenção Psicossocial para Álcool e outras Drogas (CAPSII e AD) e no ano de 2014
apresentou a peça Deus lhe Pague, de Joracy Camargo, escrita em 1933.
87
Imagem 35 - Material de Divulgação de O Show do Batatão. Arquivo Cia Vento Negro.
Imagem 36 - Material de Divulgação de Trempe Ridente. Arquivo Cia Vento Negro.
88
Imagem 37 - Os atores William Peres (à esquerda), Rodrigo Schapieski e Maah Mingotti na
peça Deus Lhe Pague. Caçador, 2014. Foto: Chris Reichardt.
Imagem 38 - Ficha Técnica de Deus Lhe Pague. Caçador, 2014. Disponível em:
http://ciaventonegro.blogspot.com.br/2014_06_01_archive.html
89
O grupo possui uma sala locada para ensaios, oficinas, entre outros eventos.
Quanto ao armazenamento dos materiais do grupo, estes ficam guardados nas
casas dos membros do grupo, pois o espaço locado não comporta depósito.
A administração do grupo está fundamentada em um Estatuto que rege a
hierarquia composta por Diretoria, Tesouraria e Conselho Fiscal. Questões
administrativas são resolvidas de acordo com a hierarquia, no entanto, certas
decisões são resolvidas com o grupo todo. A divisão dentro do grupo também ocorre
quando se refere aos espetáculos, pois alguns membros estão em um espetáculo e
não estão no outro, ou então atuam em um e fazem parte da produção ou da técnica
do outro, por exemplo.
Quando questionado sobre a forma de construção do espetáculo, os
entrevistados do grupo afirmam que, com a experiência destes últimos anos, é
possível surgir um espetáculo através da “construção coletiva, da iniciativa dos
atores”, tudo isso com a condução de um coordenador. Quanto ao uso do termo
coordenação, o grupo afirma que:
Usamos o termo coordenação, por respeito ao formado em
direção teatral [já que nenhum membro do grupo tem formação
em direção], mesmo porque, nosso conhecimento decorre da
auto-disciplina, da vivência grupal, do estudo individual e
coletivo e de suas trocas grupais. Porém, existe sim, à frente
de cada espetáculo, um membro que conduz as oficinas e
ensaios.
Os participantes do grupo são diversificados, tendo entre eles estudantes,
trabalhadores, jovens e adultos. O sistema adotado para a inserção de novos
membros foi através de oficinas oferecidas para iniciantes com duração de seis
meses. Os dias de ensaio e oficinas são em geral nas quartas, sábados e domingos
e em horários compatíveis com todos os membros do grupo.
Referindo-se ao futuro do grupo, os entrevistados afirmam não terem
pretensões para um futuro muito distante, pois “a integridade da CIA e de seus
membros é construída paulatinamente [...], objetivando sempre um trabalho de
consistência, seriedade e com a qualidade de qualquer espetáculo que gostaríamos
de sentar para assistir”. Este é, portanto, um dos alicerces do grupo: a qualidade. E
muito além da qualidade, o grupo priva pelo estudo e pelo crescimento durante o
90
processo, sem focar o pensamento apenas no produto, como relatam Efigênia Zardo
e João Paulo Almeida.
Entendemos que há um elemento primordial que move a CIA: a
paixão pelo Teatro. Aqui, não limitamos nosso pensamento ao
trabalho do texto e seu “produto” final (espetáculo), mas,
sobretudo, ao processo sobre o qual toda a ação se consolida:
estudo, crescimento grupal e suas relações, crescimento
individual: compreensão de si, do universo que circunda e
como se é sujeito nesse universo.
São dez anos de diferença entre a criação de um grupo (criado em 1990) e
outro (criado em 2000), portanto, justifico aqui a disparidade entre o material
escrito por mim em relação ao Temporá e ao Vento Negro. O que se percebe é
que os dois grupos permaneceram e permanecem convivendo na mesma cidade
e algumas vezes com membros presentes nos dois grupos. A criação de um
novo grupo surgiu justamente da necessidade de mudar, de buscar outros rumos,
de expandir os horizontes e de dar outro enfoque ao teatro. Convivem, portanto,
cada qual buscando diferentes formas de criar, de fazer, de atingir o público e de
fomentar a cultura teatral no município de Caçador.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Findado o Trabalho de Conclusão de Curso, resta avaliar se os objetivos foram
aqui alcançados. Dentro do foco da pesquisa histórica das mais de setenta décadas,
coletei todos os dados encontrados na imprensa e também utilizei dos depoimentos
de pessoas que viveram e presenciaram as épocas estudadas.
Muitos foram os materiais encontrados e foi imprescindível fazer a seleção do
que seria utilizado e o que deveria ficar guardado, quem sabe esperando uma outra
oportunidade para vir à tona. Desta forma, a relação das manifestações teatrais que
passaram pela cidade de Caçador e também as que foram produzidas no próprio
município, encontradas na imprensa entre os anos de 1939 até o final da década de
1990, estão aqui relatadas. A partir da década de 1980 até o ano de 2014 as
informações obtidas mesclam-se entre imprensa, depoimentos e fotografias
fornecidas pelos entrevistados e/ou ativistas na vida teatral do município.
Outro objetivo da pesquisa era abordar especificamente os dois grupos teatrais
da cidade: Temporá e Vento Negro, levantando detalhadamente a história, o
contexto e os processos de cada um. Como já colocado nesta pesquisa, a
delimitação do tema para o estudo de tantas décadas tornou esse aprofundamento
dos grupos inviável, pois seria necessário um tempo maior de aproximação e
acompanhamento dos grupos no município de Caçador, o que também não foi
possível devido à distância e ao tempo que teria que permanecer na cidade. O
tempo que pude passar no município foi utilizado para a pesquisa nos jornais do
Arquivo Público e para entrevistas com algumas pessoas pré-definidas e contatadas.
Há que se levar em conta também que o período que pude ficar na cidade de
Caçador sempre foi em período de férias (fevereiro e julho de 2014), o que não
permitiu esse maior contato com os grupos, já que os mesmos estavam em período
de recesso. É importante esclarecer também que, além dos dois grupos Temporá e
Vento Negro, outros grupos surgiram na cidade nos anos em que passei a morar em
Florianópolis, como por exemplo Cia Dionisius e o grupo Arte & Fatos. Ambos os
grupos não foram aqui estudados apesar de surgirem no período delimitado pela
pesquisa por não estarem vinculados com o foco inicial da pesquisa. Justifico aqui,
portanto, o não aprofundamento nos dois grupos teatrais (e demais grupos) e,
principalmente, nas pessoas que foram e são de suma importância para a
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fomentação do teatro em Caçador que, pelos mesmos motivos, não puderam fazer
parte deste trabalho como um tópico principal, mas permearam todo o trabalho com
seus relatos e sua contribuição para cada momento da história caçadorense,
podendo serem estes temas para futuras pesquisas no campo da história teatral
catarinense.
Com relação aos materiais visuais neste trabalho expostos, justifico aqui
também a falta de análise de algumas fotografias, pois as mesmas foram
conseguidas por entrevistados que, devido à distância, não pude mais entrar em
contato.
Ademais, a questão principal desta pesquisa que era escrever a história do
teatro em Caçador usando como referência os documentos encontrados e o
testemunho de seus participantes foi respondida, sendo, portanto, este Trabalho de
Conclusão de Curso a primeira pesquisa que coleta dados e relata a história do
teatro na cidade de Caçador. Materiais sobre a história e sobre a cultura da região
foram publicados, mas com foco no teatro caçadorense, nenhum outro trabalho foi
realizado, tornando esta pesquisa inédita e de suma importância por contribuir com a
história do teatro do Brasil, de Santa Catarina e, especialmente, do oeste
catarinense.
Sobre a minha relação com o teatro caçadorense nestes anos em que estive
e ainda estou afastada do município, posso apontar que sempre mantive um contato
com os grupos Temporá e Vento Negro, sendo acompanhando ensaios em alguns
finais de semana, assistindo espetáculos, ou até oferecendo oficinas de formação de
atores (o que aconteceu neste ano de 2014). As queixas continuam as mesmas:
falta de apoio, falta de espaço, falta de formação e atores transitórios. Os grupos
estão perdendo espaço e é necessária sempre uma força de vontade extrema para
manter vivo o teatro na cidade. Os “anos dourados” passaram definitivamente. Mas,
quando mesmo que não foi necessária muita força de vontade para manter o teatro
vivo? Este que nasce e morre todos os dias?
Esta não é uma configuração apenas do interior, mas também da capital onde
vejo que a batalha é diária: a luta pelo espaço, a divulgação, a necessidade de
público, o desejo, o “jogo de cintura”, a coragem, a criatividade e o amor pela arte
para passar por cima de todos os problemas e superar as dificuldades. Todo este
tempo que estive em Florianópolis e dentro da Universidade do Estado de Santa
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Catarina serviram de muito aprendizado, não somente acadêmico, mas pessoal,
profissional e social. E, independente do próximo passo a ser tomado, eu aprendi
que tudo é possível quando se quer e se vai atrás, e que optar pelo caminho da arte
e da educação é sempre um caminhar constante, um querer constante e um amar
constante.
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REFERÊNCIAS
Entrevistas:
Adilson José Panatta. Entrevista concedida a Tânia Farinon via internet em 10 de
outubro de 2013.
Avito Darci Corrêa. Entrevista concedida a Tânia Farinon em 29 de maio de 2014, na
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Florianópolis, SC.
Iria Maria Freiberger Zandavalli. Entrevista concedida a Tânia Farinon, em 16 de
abril de 2014 em sua residência. Florianópolis, SC. Entrevista.
Daniel Antônio Schiavini. Entrevista concedida a Tânia Farinon via internet, em 16
de abril de 2014.
Elírio Luiz Galelli. Entrevista concedida a Tânia Farinon via internet, em 28 de agosto
de 2014.
Efigênia Loeff Zardo e João Paulo Almeida. Entrevista concedida a Tânia Farinon via
internet, em 10 de outubro de 2013.
Ivair Niton Fusinato. Entrevista concedida a Tânia Farinon em 15 de fevereiro de
2014 em sua residência. Caçador, SC.
Lucinei Xavier Paes. Entrevista concedida a Tânia Farinon em 12 de fevereiro de
2014 em sua residência. Caçador, SC.
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Florianópolis 1920/1930. Florianópolis: Ed. da UDESC, 2007.
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http://www.clicfolio.com/clicfolio/ler_texto.php?cod=28193&id=8125. Acesso em: 07
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Jornais pesquisados:
A Imprensa. Caçador – de 1939 até 1949 – exceto o ano de 1946
Jornal de Caçador – de 1950 até 1971
Imprensa Catarinense – de 1968 até 1972; de 1976 até 1993
Diário do Oeste – de 1972 até 1976
Folha da Cidade – de 1991 até 1995.
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Locais de pesquisa:
Arquivo Histórico de Caçador
Biblioteca Pública de Santa Catarina
Setor de Santa Catarina – Biblioteca da Universidade Federal de Santa Catarina
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