3 Alternativo O Estado do Maranhão - São Luís, 11 de dezembro de 2011 - domingo Divulgação Poemas Maktub: a poesia de Cassas Um corpo que cai Se um dia resolver me atirar do restaurante do 9º andar do Edifício BEM não culpem os amigos a demora do garçom (Afinal de contas o garçom nunca chegou atrasado para a minha sede) Nem reclamem os parentes o excesso de gergelim no cuxá a colherada de ketchup no estrogonofe que o cozinheiro por excesso de zelo exagerasse na conta do tempero Se um dia resolver me atirar do restaurante do 9º andar do Edifício BEM não digam nunca por favor que caí com medo das alturas (Com desejo tão vão o que eu ia dizer no céu?) o Reprodução/Capa livr ra Gullar; Estrela do Céu Perdido, de Lago Burnett; Canção da Expectativa, de José Chagas; Campo sem Base, de Nauro Machado; A Viagem Humana, de Manoel Caetano Bandeira de Mello; bem como, A Canção Inicial, de José Sarney, cada uma por distinta razão, ora mais literária, ora mais histórica e, até mesmo, como semente biográfica da mais complexa contribuição cultural em seguida consumada. Rossini Corrêa* Especial para o Alternativo om epígrafe de Nauro Machado, prefácio de Josué Montello, orelha de Franklin de Oliveira, opiniões críticas de Walmir Ayala, Fábio Lucas e José Chagas e quarta capa de Gilberto Mendonça Teles, Nauro Machado e Stella Leonardos, exatamente há três décadas, paginado e envelopado com selo da Civilização Brasileira, Luís Augusto Cassas, que já frequentara históricas antologias literárias maranhenses, realizou a sua estreia em livro autônomo de poesia, com a publicação de República dos Becos. Sim, três décadas passadas, com a distância permitida pelo tempo, revisitar a obra em questão só pode ser a tomada multifocal de perspectiva, que a coloque em face de si mesma e no espelho do numeroso mural poético esculpido verso a verso, livro a livro, por Luís Augusto Cassas. Neste sentido, não poucas singularidades merecem a inteligência dos destaques em República dos Becos, o festejado livro inaugural que ora completa Bodas de Pérola, a saber: C 1. A quase antinomia de ser um dos melhores livros jamais escritos pelo Autor, dentro de uma obra poética que não parou, com 3.A da pluralidade de avenidas poéticas reunidas com harmonia de dicção em um só livro: aqui, a dor da tensão existencial, ali, a voz de modulação lírica, acolá, a percepção humana dos dramas sociais. E sempre: a solução cortante e surpreendente de cada um dos poemas, em ponto de fuga reiterado quanto ao abismo da previsibilidade, que constitui o cadafalso da emoção verdadeira. momentos mais ou menos felizes de criação, como acontece com todos os artistas, de crescer quantitativa e qualitativamente, em permanente busca das culminâncias do verbo. 2.A circunstância de ser uma das dez principais obras de estréia da poesia maranhense no século XX, para ser colocada, sem desdouro de ninguém, junto a Alguma Existência, de Bandeira Tribuzzi; Clamor da Hora Presente, de Nascimento Morais Filho; Um Pouco Acima do Chão, de Ferrei- 4.E, no mínimo, o testemunho de que, originário da topografia ludovicense de A República dos Becos, desde então, permanecendo fiel a si mesmo, soube Luís Augusto Cassas ser, simultaneamente, ave em vôo aberto em busca do cosmológico. Trint’anos passados e o Poeta, mergulhador dos becos da condição humana, pode ter a certeza de que acendeu estrelas na república do sonho e do canto. Está escrito! Tampouco creditem o desejo de atirar o corpo (e talvez a alma) do 9º andar do Edifício BEM apenas porque o elevador estava repleto: e eu possesso e inquieto de não saber esperar as coisas tivesse subitamente descoberto lá embaixo os automóveis mais fascinantes e faiscantes que a própria vida Não digam isso por favor: ficará horrível para os meus antepassados?! Se um dia resolver me atirar do terraço do 9º andar do Edifício BEM peço encarecidamente a todos os conhecidos: pai mãe avô e namorada amigo de infância e amigo-da-onça que não culpem a Cidade: a Cidade de São Luís Rei de França de La Touches e La Ravardières que (às vezes) por constrangimento geográfico ilha as pessoas em seu desejo de (a)mar Também não quero zoada de lágrima batendo em lenço branco se um dia resolver me atirar do 9º andar do Edifício BEM Nem a presença especulatória de detetives na minha missa de sétimo dia metendo os narizes nas promissórias do meu passado ante a perspectiva – até fascinante – de que me suicidei por causa dos credores (minha dívida sempre foi para comigo mesmo morto eu: morta a dívida) Se um dia resolver me atirar do restaurante do 9º andar do Edifício BEM peço não digam nada a ninguém Mas se em não contendo a língua resolverem falar digam apenas: ele desejava colher na noite a estrela mais bonita e seu corpo se despedaçou sobre os sobradões Luis Augusto Cassas (“República dos Becos”) *Professor e Advogado em Brasília. Filósofo do direito, Rossini Corrêa é autor de Saber Direito – Tratado de Filosofia Jurídica, de Jusfilosofia de Deus e de Crítica da Razão Legal. Pertence à Academia Brasiliense de Letras. Crítica As Canções investe na memória afetiva Divulgação Neusa Barbosa Do Cineweb O documentarista Eduardo Coutinho gosta de investigar os avessos. Prefere os bastidores às fachadas. Dos apartamentos de um prédio em Copacabana (Edifício Master), à religião (Santo Forte), à velhice (O Fim e o Princípio), aos sonhos de sindicalistas dos anos 70/80 (Peões) e ao próprio teatro (Moscou), muitos temas passaram pelo crivo de sua curiosidade, tão reveladora quanto respeitadora da intimidade. Um verdadeiro paradoxo, mas Coutinho é isso mesmo. A antítese do reality show. Seu foco mais recente é o cancioneiro brasileiro, não em si, mas as músicas que ficam na memória e sintetizam os momentos mais dramáticos da vida das pessoas. No filme As Canções, que estreia em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, são 18 personagens, de um total de 42 filmados. Todos deviam estar sozinhos e sentados diante da câmera essa era a regra do diretor. Mas ele mesmo a transgride, deixando no filme alguns momentos em que os personagens se levantam e ficam em cena, às vezes já se despedindo, porque é aí que se revelam mais significativos. O campeão de escolhas musicais é, como o diretor já esperava de antemão, Roberto Carlos. Coutinho pensou um dia em fazer um filme só sobre as músicas do cantor e compositor, mas desistiu - as negociações dos direitos seriam infernais. Aliás, As Canções é o primeiro filme de Coutinho que exige esse tipo de negociação. Como sempre, a grande atração é humana. E o melhor está na história que cada um conta para explicar porque aquela determinada canção é a trilha de sua vida. Como o homem que canta Esmeralda, de Carlos José, e chora lembrando da mãe de 85 anos - que, ao contrário do que se poderia imaginar, está viva. O mesmo homem, pouco depois, comenta o choro, para ele mesmo, inexplicável. Outra mulher reconstitui um complicado caso de amor, que a levou a seguir o amado, suspeito de traição, num táxi - e foi aconselhada pelo taxista a não flagrá-lo ali. Um fã de Jorge Ben Jor utiliza a câmera para recordar as várias etapas de sua complicada e afinal feliz paixão por uma certa Jacira e pede, no fim, para louvar a Deus. Uma bela mulher encerra o filme, cantando Retrato em Branco e Preto, de Chico Buarque, chave do epílogo de sua longa e tumultuada história de amor. Não há grandes peripécias a contar nestas vidas, todas muito comuns e parecidas com as da platéia que as verá. Por isto é que uma sessão de As Canções terá tudo para se parecer com uma silenciosa terapia em grupo, em que ninguém precisa contar nada, só acompanhar no escuro. Cada um com a sua canção, ou canções, na cabeça, quem sabe concordando com algumas ouvidas na tela. Coutinho mesmo, que jurou em entrevistas que não tem a música de sua vida, é ouvido cantarolando Fascinação junto com uma de suas personagens. O que certamente também não estava no script. Uma das persoangens do filme de Eduardo Coutinho As Canções, que enfoca as músicas do cancioneiro brasileiro que ficam na memória da população