Resenha sobre o filme “Aquarius”, dirigido por Kleber Mendonça Filho (2016). Luciana Berbel Rodrigues1 O filme conta a história da personagem Clara, uma jornalista e escritora - crítica da música brasileira - aposentada que mora em um edifício na beira da praia em Recife. Clara teve câncer de mama depois de ter tido seus três filhos e perdeu o marido em seguida. Desde então ela vive no mesmo apartamento, possui uma empregada com quem se dá bem e recebe visitas dos filhos, netos e amantes. A trama central do filme se desenvolve a partir da tentativa da construtora Bonfim de comprar o seu apartamento para construir um novo edifício, mais moderno, e a insistente recusa de Clara. Todos os outros moradores cederam às ofertas da construtora e Clara vive num edifício “fantasma”, como diz a filha, rodeada de críticas pela sua insistência em permanecer no local e lutar pela preservação de suas memórias. O filme retrata bem o cotidiano da personagem e a partir daí apresenta também a realidade brasileira de forma envolvente e crítica. Vários temas polêmicos estão presentes neste cotidiano, como: distorções da mídia, homossexualidade, drogas, liberdade sexual, desilusão amorosa, câncer de mama, ambição, nepotismo, redes sociais, etc. A trilha sonora, em grande parte brasileira, expõe os sentimentos dos personagens e se ajusta às cenas de forma coerente. A luta feminina também é retratada, pois apesar de Clara ser bem sucedida e autônoma, ela é sobretudo uma mãe, viúva, que carrega as marcas do câncer de mama, não só no corpo, pois em vários momentos é retratado o constrangimento na hora do sexo. Fica claro o antagonismo de ideais dentro de uma mesma classe, apesar de mostrar a desigualdade da sociedade brasileira em vários momentos do filme (a divisão da cidade por bairros pobres e ricos, por exemplo). Clara preza pelo seu sossego, sua escolha de permanecer no lugar onde passou mais de trinta anos de sua vida; enquanto Diego - o responsável pela nova obra - cínico, porém educado, tenta vencê-la no cansaço, sabotando sua paz para obter o sucesso desejado. Não se trata de uma crítica ao capitalismo em sí, mas sim a desumanização das relações que se estabelece diante dos interesses econômicos. Num dos diálogos de Clara com Diego ela diz: 1 Acadêmica do curso de História da Universidade Federal da Grande Dourados. Trabalho apresentado à disciplina “Epistemologia das Ciências Humanas” no 8° semestre. É impressionante o que se diz, que falta educação. E sempre se referem a gente pobre. Mas falta de educação não tá em gente pobre não, tá em gente rica e abastada como você, sabe? Gente de elite, que se fala "de elite", que se acha privilegiada, que não entra em fila. Gente como você, que fez "curso de Business" nos Estados Unidos mas não tem formação humana, não criou caráter, sabe? Quer dizer... O seu caráter é o dinheiro. Portanto, meu amor, você não tem caráter. Só o que você tem é essa carinha de merda (MENDONÇA FILHO, 2016). A luta se trava também, de forma meio romantizada, entre antigo e moderno, que vai desde a preferência de Clara por fitas e vinis e a dificuldade de lidar com pen drives, até o próprio edifício, que deve ser derrubado para dar lugar a um novo, moderno. A substituição do antigo pelo novo neste sentido representa de certa forma a perda de valores e memórias, a modernização da sociedade e sua desumanização.