Daiana Evangelista Rodrigues

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PREVALÊNCIA DO CÂNCER CÉRVICO-UTERINO EM
MULHERES INDÍGENAS ATENDIDAS PELA CASA DE
SAÚDE DO ÍNDIO DE PORTO VELHO (RO), BRASIL
CERVICAL CANCER IN BRAZILIAN INDIGENOUS
WOMEN AT PORTO VELHO, RONDÔNIA, BRAZIL
Daiana Evangelista Rodrigues1
Rejane Corrêa Marques2
RESUMO: No intuito de evidenciar o perfil epidemiológico da prevalência
do câncer cérvico-uterino e de suas lesões precursoras na população
indígena da região, foram investigados os resultados de 55 exames para
detecção de lesões do colo do útero em mulheres indígenas. O período de
realização destes exames abrange os anos de 1999 a 2003. Todos os
resultados dos exames referentes ao período estavam disponíveis na Casa de
Saúde do Índio de Porto Velho (CASAI-PVH). A idade média foi de 36
anos. A faixa etária predominante no estudo foi de 36 a 45 anos. Além
disso, observou-se que de acordo com o estado civil, 51 mulheres (92,72%)
são casadas. Quanto aos resultados dos exames propriamente ditos, foram
verificados um caso (1,8%) de carcinoma invasor do colo do útero, cinco
casos (9,1%) de NIC I, um (1,8%) de NIC II e um (1,8%) de NIC III no
período de 1999 a 2003.
PALAVRAS-CHAVE: Epidemiologia, saúde da mulher indígena, câncer
cérvico-uterino.
INTRODUÇÃO
O câncer cérvico-uterino representa 15% de todos os
tumores malignos em mulheres no Brasil. A taxa de mortalidade que
em 1979 era de 3,44 por 100.000 mulheres, saltou para 4,45 por
100.000 mulheres em 1998, evidenciando um aumento de 29% em
relação à mesma taxa (INCA, 2002). Ele foi responsável por 7,83%
dos óbitos ocorridos por câncer em mulheres no Brasil, entre os anos
1
Acadêmica de Enfermagem/Centro de Estudos em Saúde do Índio de
Rondônia – CESIR.
2
Docente do Departamento de Enfermagem/Centro de Estudos em Saúde
do Índio de Rondônia - CESIR.
2
de 1979 e 1983 e por 7,22% dos óbitos no período de 1995 a 1999.
No estado de Rondônia foi responsável por 12,93% e 11,38% dos
óbitos por câncer em mulheres, respectivamente nos períodos de
1979 a 1983 e 1995 a 1999. É importante enfatizar que no estado de
Rondônia, o câncer de colo do útero foi a principal causa de óbito
por câncer entre as mulheres neste período (BRASIL, 2002a).
O perfil de saúde da mulher indígena é muito pouco
conhecido, inclusive questões atinentes à saúde reprodutiva, como o
câncer de colo uterino. A literatura internacional vem apontando
índices preocupantes de prevalência de câncer cérvico-uterino em
mulheres indígenas. No Brasil, a literatura que trate especificamente
sobre o assunto ainda é muito escassa, dificultando o entendimento
do complexo e multifacetado quadro de saúde das mulheres
indígenas. Os fatores de risco relacionados para o câncer cérvicouterino chamam atenção do ponto de vista da saúde de comunidades
indígenas, pois, nesta população são observados elevados níveis de
fecundidade, multiparidade, início da vida reprodutiva relativamente
cedo e intervalos intergenésicos curtos (Coimbra Jr. & Garnelo,
2001; Lima et al, 2001; Taborda et al., 2000).
O conhecimento sobre questões básicas da saúde da mulher
indígena, como o câncer de colo de útero, é de suma importância
para a construção de uma satisfatória infra-estrutura física e
organizacional dos serviços de saúde, além de ajudar na construção
do perfil epidemiológico das populações indígenas no Brasil
(Coimbra Jr. & Garnelo, 2001). Estes fatos justificam a necessidade
da realização de pesquisas visando preencher a lacuna causada pela
carência de estudos nessa área.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram investigados os resultados de 55 exames para
detecção de lesões do colo do útero em mulheres indígenas, onde 49
são do tipo citopatológico e seis do tipo histopatológico ou biópsia.
O período de realização destes exames abrange os anos de 1999 a
2003. Todos os resultados dos exames referentes a este período
estavam disponíveis na Casa de Saúde do Índio de Porto Velho
(CASAI-PVH). A coleta dos dados foi realizada na própria CASAI
através de um instrumento próprio, planilha, com os tópicos
necessários para o estudo. A CASAI de Porto Velho é referência para
3
populações indígenas provenientes do Distrito Sanitário Especial
Indígena (DSEI) de Porto Velho e Vilhena, e, ocasionalmente para
populações de DSEI de estados vizinhos. Porém, a maioria das
mulheres do estudo, pertence a grupos étnicos localizados na
abrangência do Pólo Base (os Pólos Base são como subdivisões dos
DSEI’s) de Porto Velho e Humaitá.
O estudo foi realizado com o objetivo de evidenciar o perfil
epidemiológico da prevalência de câncer cérvico-uterino e de suas
lesões precursoras na população indígena da região.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A idade média entre as mulheres foi de 36 anos (s=16,43)
com mínima de treze anos e máxima de 79 anos. A faixa etária
predominante dentre as mulheres do estudo foi de 36 a 45 anos
(30%), seguida pela faixa etária de 16 a 25 anos (24%) e pela de 26 a
35 anos (20%). A freqüência destas faixas etárias apresenta certa
semelhança com a observada em outro estudo realizado com
indígenas, neste estudo foi verificada a predominância das faixas
etárias compreendidas entre 15 e 34 anos (Taborda, et al. 2000).
Quarenta e nove (89%) exames são citopatológico do colo do
útero e seis (11%) são biópsias de colo uterino. Porém, não foi
verificado que as biópsias tenham sido realizados para confirmação
de diagnósticos citopatológico de neoplasia intraepitelial cervical
grau II (NIC II) e neoplasia intraepitelial cervical grau III (NIC III)
como preconiza o Ministério da Saúde (BRASIL, 2002b).
A distribuição das mulheres de acordo com o estado civil nos
mostra que 51 (92,72%) das mulheres do estudo são casadas, duas
são solteiras, uma separada e uma viúva. A maioria das mulheres do
estudo (52,7%) pertence à etnia Karitiana. Segundo os profissionais
da CASAI isto se deve a maior proximidade entre a própria
instituição e as aldeias onde moram as mulheres desta etnia, em
comparação com as mulheres de outras etnias que residem em
aldeias mais distantes. Provavelmente este dado represente
diferenciação na acessibilidade da população indígena aos serviços
da CASAI de Porto Velho. Ou mesmo, represente, uma maior
acessibilidade, das etnias menos freqüentes neste banco de dados, a
outras CASAI’s do estado que estejam realizando este serviço.
4
O número de exames coletados ao longo dos anos do período
utilizado variou muito, isto pode ser explicado pela não realização
periódica e sistematizada dos exames de rastreamento do câncer de
colo do útero, pois foi verificado que os exames são realizados
somente quando as próprias mulheres manifestam interesse no
decorrer de consultas ginecológicas.
Dentre os nossos dados pudemos observar um caso (1,8%)
de carcinoma invasor, um caso (1,8%) de alterações celulares de
significado incerto em células escamosas e glandulares (Ascus e
Agus), cinco casos (9,1%) de NIC I, um (1,8%) de NIC II, um
(1,8%) de NIC III e 44 (80%) casos de doença inflamatória do colo
do útero.
A tabela 1 mostra que o acometimento mais freqüente em
todas as faixas etárias foi a doença inflamatória do colo do útero,
com 44 casos que correspondem a 80% dos resultados. É possível
que este resultado guarde relação com o motivo para a realização dos
exames, pois essas mulheres poderiam estar sofrendo com algum tipo
de sintoma que por si só poderia ser indicativo de doença
inflamatória, já que as lesões precursoras, assim como o próprio
câncer cérvico-uterino em fase inicial são geralmente assintomáticos.
Estes resultados são consistentes com dados do estudo
realizado com índias da tribo Parakanã, onde averiguou um caso de
carcinoma epidermóide, um caso de neoplasia intraepitelial grau I
(NIC I) e um caso de neoplasia intraepitelial grau II (NIC II) em uma
amostra numericamente semelhante a nossa (Brito et al. 1996). Já o
estudo com mulheres da Reserva Parque Indígena do Xingu
encontrou resultados em uma freqüência um pouco menor.
Carcinoma invasor de colo uterino em 1% das mulheres de seu
estudo, além disso, encontraram 1% de NIC I, 1% de NIC II e 1% de
NIC III (Taborda, et al. 2000).
Tabela 1: Distribuição dos diagnósticos citopatológico ou
histopatológico da cérvice uterina segundo a faixa etária na CASAI
de Porto Velho (RO), Brasil, no período de 1999 a 2003.
FAIXA
Doença
ETÁRIA Ascus e inflamatória do
agus
colo do útero
15 ou
-
3
RESULTADOS
NIC I
NIC II
NIC III
-
-
-
Carcinoma
Normal
Invasor
-
-
Total
3
5
menos
16 a 25
-
12
1
-
-
-
-
13
26 a 35
-
11
-
-
-
1
-
12
36 a 45
-
10
4
1
-
-
1
16
46 a 55
-
4
-
-
-
-
-
4
56 a 65
-
2
-
-
-
-
1
3
66 ou mais
1
2
-
-
1
-
-
4
Total
1
44
5
1
1
1
2
55
NIC I: Neoplasia intraepitelial cervical grau I; NIC II: Neoplasia intraepitelial cervical grau II; NIC III: Neoplasia intraepitelial
cervical grau III ou carcinoma in situ; Ascus: Alterações celulares de significado incerto em células escamosas; Agus:
Alterações celulares de significado incerto em células glandulares.
Apesar de termos encontrado carcinoma invasor do colo do
útero em faixa etária inferior a que é apontada pelo Ministério da
Saúde como predominante para incidência do câncer invasor na
população em geral (BRASIL, 2002b). Nossos resultados são
semelhantes aos resultados do estudo de Taborda, et al. (2000).
Quanto às lesões precursoras (NIC I, II e III), nossos resultados estão
elevados em relação aos outros estudos utilizados para comparação,
provavelmente isto se deve ao fato de que as mulheres do nosso
estudo realizaram o exame por apresentarem queixas ginecológicas,
enquanto nos outros estudos, as mulheres foram avaliadas em um
programa de rastreamento, independentemente de apresentarem
queixas ginecológicas ou não.
Os nossos achados (Tabela 1) estão em consonância com os
dados do Ministério da Saúde quanto a faixa etária predominante
para incidência das lesões precursoras do câncer cérvico-uterino, que
segundo ele é a faixa etária de 35 a 49 anos (BRASIL, 2002b).
Outros achados importantes referem-se a infecções por
Gardnerela vaginalis (9,09%), Cândida sp (1,81%), e HPV (3,63%).
É importante ressaltar que informações sobre tais infecções são
relevantes porque elas podem predispor ao surgimento do câncer do
colo do útero. Nossos achados não são semelhantes aos de outros
estudos com mulheres indígenas. Provavelmente isto se deve a
diferença entre os estudos quanto à seleção das mulheres
participantes da pesquisa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pudemos observar semelhança com a literatura quanto a
freqüência das faixas etárias e a porcentagem da incidência do
6
carcinoma invasor, porém em relação à prevalência do HPV
verificou-se resultado inferior ao apontado pela literatura (Brito et al.
1996; Noronha et al., 1999; Nonnenmacher et al., 2002; Taborda, et
al. 2000). Na comparação dos resultados de lesões precursoras não
houve semelhança com outros estudos, porém foi observada
semelhança com os dados do Ministério da Saúde quanto ao pico de
incidência das lesões precursoras (BRASIL, 2002b).
Para traçar o perfil da morbi-mortalidade por câncer cérvicouterino, bem como, da incidência de suas lesões precursoras ou
mesmo prevenir a sua ocorrência, é necessário a existência de um
programa de rastreamento sistematizado com maior abrangência
dentro da área de cobertura da CASAI de Porto Velho, pois somente
a análise de um número de exames condizente com o número de
mulheres em idade reprodutiva, independentemente de apresentarem
queixas ginecológicas ou não, é capaz de evidenciar a prevalência
dessa neoplasia ou de suas lesões nas populações indígenas atendidas
pela CASAI de Porto Velho. Além disso, são de suma importância,
informações sobre hábitos de vida, métodos anticoncepcionais,
número de partos, entre outras, para traçar o perfil epidemiológico da
saúde reprodutiva destas populações e, assim, facilitar a
compreensão tanto dos resultados quanto dos fatores de risco
envolvidos.
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