Elementos centrais da regulação em telecomunicações II: Aspectos

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Elementos centrais da regulação em telecomunicações II: Aspectos teóricos e práticos da regulação
pública
Esta série de tutoriais apresenta os Elementos Centrais da Regulação em Telecomunicações.
Este tutorial parte II pretende discutir as vantagens e limitações do modelo de regulação em
telecomunicações, à luz de concepções econômicas de cunho heterodoxo. Isso é feito a partir da revisão da
literatura e síntese analítica dos principais modelos que norteiam a regulação.
Nesse contexto, são indicadas as principais limitações inerentes a regulação pública em telecomunicações.
Com isso espera-se apontar os aspectos críticos para o aperfeiçoamento dos mecanismos de regulação, o que
inclui considerações sobre o impacto da dinâmica de mercado e tecnológica.
A rigor, o contínuo progresso técnico verificado tende a alterar (além das condições gerais dos negócios,
condicionantes estruturais que influenciam mercados específicos e aspectos internos à firma, apontadas na
parte I) os parâmetros de concorrência e de regulação setorial.
Marcello Muniz da Silva
Doutorando e Mestre em Engenharia Naval e Oceânica pela POLI/USP, Bacharel em Ciências Econômicas
pela FEA/USP e Coordenador do MBA em Gestão de Projetos e Inovação da Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas (FIPE).
Foi Pesquisador da Divisão de Economia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
(IPT) e Companhia de Processamento de dados do Estado de São Paulo (PRODESP). Participou do Projeto
Políticas Públicas do Projeto Gestão da Inovação no Setor de Telecomunicações do NPGT/USP - Financiado
pela FAPESP.
Atualmente é Pesquisador do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da Universidade de São Paulo
(NPGT/USP) e Consultor em Finanças Corporativas e Teoria Econômica. Participa também como autor em
livros e artigos relacionados à gestão de sistemas de informação, gerenciamento de projetos e finanças.
Email: [email protected]
Categoria: Regulamentação
Nível: Introdutório
Enfoque: Regulatório
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Duração: 15 minutos
Publicado em: 09/05/2005
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Regulação em Telecomuinicações - Parte 2: Progresso técnico e dinâmica em telecomunicações
Este documento discute os fundamentos da regulação pública em telecomunicações. A rigor, trata-se da
segunda parte do tutorial " Elementos Centrais da Regulação em Telecomunicações ". Em sua primeira
parte, denominada "Parte 1: Dimensões Críticas do Progresso Técnico" (http://www.teleco.com.br/tutoriais
/tutorialregp1/default.asp), foram abordados dois temas centrais intrinsecamente relacionados à formatação
de mecanismos públicos de regulação. Inicialmente, discutiu-se as fases recorrentes do progresso técnico
para, em seguida, explorar as chamadas dimensões críticas do progresso técnico. Essas discussões se
justificam em função do rápido dinamismo do mercado mundial e local de telecomunicações. Naquele
contexto, foi indicado que o progresso técnico, enquanto momento da concorrência intercapitalista em torno
de inovações, depende de três condicionantes básicos:
condições gerais dos negócios;
condicionantes estruturais que influenciam mercados específicos;
aspectos internos à organização da firma inovadora.
Conforme sugerido naquela ocasião, cada um destes fatores restringe as opções de investimento das
empresas ao longo do tempo e afetam os parâmetros relacionados a regulação pública. A discussão acerca
destas dimensões foi sintetizada em diversas tabelas e figuras ilustrativas, entre elas as intituladas: " Aspectos
condicionantes do desenvolvimento industrial " e " Sumário das dimensões críticas relacionadas ao
progresso técnico ". Já o quadro 1, Marco referencial da atual dinâmica tecnológica em telecomunicações
sintetiza alguns aspectos da dinâmica tecnológica do atual setor de telecomunicações, relacionando a
caracterização do setor de telecomunicações proposta por M. Fransman ¹ e com a tipologia de classificação
de setores industriais conforme proposta por K. Pavitt. ²
Retomando algumas das questões abordadas naquelas páginas de conteúdo, este tutorial procura discutir
questões teóricas e práticas relacionadas a regulação pública e os desafios associados a formulação,
implementação e controle de mecanismos destinados a atender ao atual configuração do setor de
telecomunicações.
¹ FRANSMAN, M . Mapping the Envolving Telecom Industry: The Uses and Shortcomings of the Layer Model.
Disponível em: <http://www.telecomvisions.com/articles/pdf/layermap.pdf > Acesso em: 17 Jan. 2003.
² PAVITT, K. What we know about the strategic management of technology. California Management Review, v.32,
n.4, p.3-26, Spring, 1990.
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Regulação em Telecomuinicações - Parte 2: Progresso técnico e regulação pública em
telecomunicações
Como é conhecido, durante os anos 90 o setor de telecomunicações brasileiro passou por intenso processo
de reestruturação produtiva e institucional. Sustenta-se que um dos elementos responsáveis pela ruptura do
monopólio-bilateral entre fornecedores de equipamento e as operadoras Estatais foi a autêntica revolução
tecnológica, calcada na difusão da microeletrônica. Esta possibilitou a ruptura dos padrões de negócios
permitindo estabelecimento de novos players, a oferta de novos produtos e serviços e profunda revisão do
papel do governo em telecomunicações. Ante a reforma patrimonial do Estado e o choque tecnológico, a
mudança estrutural do setor se baseou na criação e implantação de mecanismos públicos de regulação orientados pelo princípio de defesa da concorrência. ¹
No Brasil, o movimento coincide com a " era das reformas " que abrangeram profunda mudança no foco e
raio de ação governamental em meio à crise do modelo nacional-desenvolvimentista, responsável pelo
processo de industrialização por substituição de importações. A rigor, a ruptura de modelo se deu em meio a
diversas tentativas de atingir o equilíbrio macroeconômico. Durante os anos 1990, as políticas de
ajustamento macroeconômico foram conformadas pela abertura da economia e reforma patrimonial do
Estado, por meio das privatizações. Mais tarde, durante o Plano Real, estes instrumentos foram
complementados por outras medidas de ação governamental: reforma monetária, ajuste fiscal, uso da taxa de
câmbio como variável de ajuste, quedas das barreiras tarifárias e, sobretudo, eliminação de barreiras não
tarifárias, entre outras medidas. Nesse contexto, o equilíbrio macroeconômico teria prioridade sobre o
equilíbrio setorial e microeconômico - embora houvesse profunda reorientação no volume de
investimento setorial e em seu resultado. Este se traduziu na ampliação da oferta de bens e serviços em
muitos setores econômicos a qual provocou readução dos preços e aumento das quantidades produzidas.
Tal é o caso do setor de telecomunicações que contou com grande fluxo de investimentos externos
diretos.
Embora a busca de um novo arranjo institucional para o setor de telecomunicações tenha atendido a um
modelo orientado ao investimento privado regulado pelo Estado, a ruptura do paradigma do setor de
telecomunicações não se conforma com as teorias econômicas tradicionais, baseadas no princípio da
otimização e no princípio do equilíbrio. ² Como será indicado neste tutorial, para se entender a dinâmica
atual do setor há que se abrir espaço para concepções de cunho heterodoxo. Ao fazer isso são valorizadas
questões de natureza institucional e, como indicado na parte 1 deste tutorial, elementos relacionados a
dinâmica tecnológica. Naquela ocasião foi argumentado que, sob este ponto de vista, a mudança no modelo
pôde ser enquadrada no que Schumpeter denominou de " destruição criadora " a qual, ante a difusão
tecnológica, converge rapidamente para a estrutura denominada " acumulação criativa ".
Em termos específicos, os marcos teóricos que respaldaram o modelo de criação da Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), compreendem a teoria dos mercados contestáveis (Baunol, 1982), teoria da
agência (Laffont e Tirole, 1993) e a economia institucional (North, 1990; Erggetsson, 1990), além das
contribuições da escola francesa da regulação. ³ Baseado nestas concepções e afetado pela onda irresistível
de inovações, o atual modelo apresenta vantagens e limitações que emergem da natureza intrínseca das
relações estabelecidas entre operadoras, fornecedores e órgão regulador. A rigor, estas relações se
estabelecem na presença das chamadas falhas de mercado (bens públicos, externalidades, mercados
incompletos, falhas de informação, etc.)
Feitas estas considerações preliminares, o presente tutorial pretende discutir as vantagens e limitações do
modelo de regulação em telecomunicações, à luz de concepções heterodoxas acima indicadas. Isso é feito a
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partir da revisão da literatura e síntese analítica dos principais modelos que norteiam a regulação pública.
Nesse contexto, é feita análise quanto da atuação das diversas instituições que atualmente sustentam o setor,
indicando as limitações inerentes a regulação em telecomunicações. Com isso espera-se apontar os aspectos
críticos para o aperfeiçoamento dos mecanismos de regulação, o que inclui considerações sobre o impacto
da dinâmica tecnológica que tende a alterar (além das condições gerais dos negócios, condicionantes
estruturais que influenciam mercados específicos e aspectos internos à firma) os demais parâmetros de
concorrência e de regulação setorial.
¹ CAMPANÁRIO, M. A.; SILVA, M. M.; ROVAI, R. L. Inovação tecnológica e políticas públicas em
telecomunicações. In: SBRAGIA, R.; GALINA, S. V. R. (Org.). Gestão da inovação no setor de telecomunicações.
São Paulo: PGT/USP, 2004. v.1: p. 41-83.
² O princípio do equilíbrio sustenta que os mercados sempre tendem a um equilíbrio estrutural por meio dos
mecanismos de oferta e demanda. O princípio da otimização apóia-s na concepção hedonista que os agentes sempre
tentam maximizar o seu nível de satisfação dada a sua dotação orçamentária.
³ Para uma leitura acerca dessas concepções teóricas ver, respectivamente, os trabalhos de BAUMOL, W. J.
Contestable markets: An uprising in the theory of industry structure. The American Economic Review, Nashville,
v.72, n.1, p. 1-15, March 1982.; LAFFONT J.J.; TIROLE J. A theory of incentives in procurenment and regulation.
Boston: MIT Press, Cambridge 1993.; NORTH, D.C. Institutions, institutional change and economic performance.
Cambridge: Cambridge University Press, 1990.; EGGERTSSON, Thráinn, Economic Behavior and Institutions.
Cambridge , Cambridge University Press, 1990.
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Regulação em Telecomuinicações - Parte 2: Funções de governo e sua orientação: aspectos teóricos e
históricos
Do ponto de vista econômico, a ação governamental atende a certas funções básicas. Estas tendem, por sua
vez, a afetar os rumos do crescimento e os parâmetros do desenvolvimento econômico. A literatura aponta
para três funções básicas: função estabilizadora, função alocativa e função distributiva.
A função estabilizadora é exercida por meio de instrumentos de política fiscal (forma de gasto do
orçamento público e política tributária) e política monetária (política de crédito, interferências na oferta e
demanda de moeda e sua inflência sobre o nível de juros) de caráter anti-cíclico. Ou seja, a função
estabilizadora, por meio da política fiscal e a política monetária, procura minimizar os efeitos dos ciclos
econômicos - estes entendidos como oscilações nos níveis gerais de produto, emprego, renda e nível geral
de preços da economia. No Brasil, ao longo dos anos 1980 e grande parte dos anos 1990, o foco da política
econômica se centrava principalmente, mas não exclusivamente, na função estabilizadora. Os diversos
planos econômicos lançados ao longo desse período refletem nitidamente esta prioridade.
A função distributiva atende a certos preceitos ou critérios socialmente aceitos de distribuição de renda.
Sejam ou não efetivas, as políticas de renda levadas a cabo pelo governo do Presidente Lula representam um
bom exemplo da função distributiva. Parte do orçamento do governo é destinada a programas sociais
(Programa Fome Zero, Bolsa Família, Bolsa Escola, etc.) desejados socialmente - haja vista que uma das
bandeiras da campanha presidencial foi a busca de combate à fome no país. Durante o governo FHC, esta
função, ligada a política de ajuste fiscal, ficou por conta da criação do Fundo Social de Emergência (FSE),
lançado antes do Plano Real.
A função alocativa visa desviar o emprego de uma parcela dos recursos da economia (capital, trabalho e
recursos naturais diversos) para oferta e ou provisão de bens e serviços tidos públicos. Devido as certas
características de mercado, estes bens e serviços não são ofertados na quantidade e ou preços ótimos do
ponto de vista social. São exemplos da função alocativa muitos dos programas de governo que afetam
seguimentos e ou setores que ofertam infra-estrutura (saneamento básico, transporte, energia e
telecomunicações). Devido ao volume de recursos exigidos para execução de projetos, prazos de maturação
dos empreendimentos, complementariedades de investimento e externalidades ligadas à oferta nesses
mercados, a relação custo-benefício tende a afastar o volume investido do necessário ao atendimento das
demandas sociais. Um bom exemplo dessa falha foi a crise vivida pelo setor de geração e distribuição de
energia elétrica no ano de 2001. Quem se lembra do temor do famoso "apagão" vivido no ano 2001 e que
ainda restringe o crescimento nacional?.
Durante o processo de industrialização por substituição de importações a função alocativa era exercida por
meio da produção direta de bens e serviços por parte do Estado. No final dos anos 1980 e durante o início
dos anos 1990, com o Presidente Collor, a oferta nesses mercados seria provida de maneira induzida pelo
setor privado. Esta prática seria aprofundada na era FHC com as privatizações e criação e introdução de
mecanismos de intervenção pública por meio das agências reguladoras (ANP, Aneel, Anatel, etc.).
Como procuro demonstrar, o caráter destas funções depende da orientação do governo quanto a intervenção
pública nos mercados (de bens e serviços, de trabalho, monetário, cambial, etc.). Estas tendem a afetar a
performance da economia e orientando o volume e fluxo setorial dos investimentos privados em setores
prioritários.
Nesse sentido há três orientações teóricas possíveis: ortodoxia, postura moderada e heterodoxia. Cada uma
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destas é inspirada em uma corrente predominante do pensamento econômico. A rigor, os governos tendem a
se inclinar mais ou menos em direção de cada uma dessas orientações de política econômica.
Segundo a vertente ortodoxa os mercados são eficientes e prescindem de mecanismos de intervenção
pública. A interação entre oferta e a demanda são responsáveis pela a alocação ótima dos recursos. O Estado
não deve interferir nas atividades produtivas sob pena de gerar distorções indesejáveis. Já a postura
heterodoxa sustenta que países em desenvolvimento exigem intervenções de ampla capilaridade no
funcionamento do sistema econômico.
A postura moderada defende um procedimento seletivo e temporário nas eventuais intervenções públicas.
Nessa linha se raciocínio se insere a política industrial e tecnológica que "... pode ser entendida como a
criação, implementação, coordenação e controle estratégico de instrumentos destinados a ampliar a
capacidade produtiva e comercial do setor industrial, com o objetivo de garantir condições sustentáveis
de concorrência aos mercados domésticos e estrangeiro ". ¹ (Campanário e Silva, 2004:14)
Estas medidas, embora tenham variado em profundidade e grau, foram muito utilizadas durante o processo
de industrialização por substituição de importação. Assim, durante a fase nacional-desenvolvimentista
(1950-1980) o Estado atuava na provisão de infra-estrutura de maneira direta por meio de uma série de
mecanismos de intervenção na oferta e demanda. De fato, o Estado atuava na: produção e comercialização
de insumos básicos (minérios, química, energia, etc.); manutenção e intervenções no "sistema de poupança e
financiamento" por meio de bancos de investimento e outras agências; oferta de serviços e atuação das
empresas públicas nas áreas de saneamento, saúde, transporte, telecomunicações, etc.; controle de preços e
de comércio exterior; criação e manutenção de um sistema de concessão de subsídios e isenções fiscais;
administração da política monetária, cambial (seletiva), fiscal, de preços mínimos, etc.; "elaboração e
execução"de políticas industriais e agrícolas ativas; política de comercio exterior, política industrial e
agrícola; além de atuar por meio de outros mecanismos diretos de intervenção (manutenção de estoques
reguladores, controle de preços, políticas de controle de salários, etc.).
Este modelo seria totalmente revertido com a abertura e reforma patrimonial pública e privada dos anos
1990. De fato, após o esgotamento do processo de industrialização por substituição de importações houve
uma radical mudança no raio de ação governamental. Em parte essa mudança de orientação é resultado da
crise fiscal, ajustamento externo, inflação crônica e baixas taxas de crescimento. Após várias tentativas, a
estabilização foi implementada à luz da revisão do papel do Estado na economia. Nesse contexto,
emergiriam as crenças quanto aos benefícios da liberalização dos mercados as quais foram cristalizadas no
Consenso de Washington.
O Consenso postulava que a abertura tende a reduzir as ineficiências estáticas geradas pelo mau emprego e
desperdício de recursos; tende a reforçar os processos de aprendizado e sua difusão; economias mais
orientadas ao comércio exterior conseguem enfrentar melhor choques adversos provenientes de fluxos de
capital e comércio; sistemas econômicos voltados para o mercado mostram-se menos inclinados a atividade
com fins rentistas destinando maior volume de recursos à produção; o incremento da pressão competitiva
gera ganhos de produtividade setorial; os persistente déficits comerciais podem ser financiados pela entrada
de capital externo.
Nesse contexto, a estabilidade monetária, ajuste fiscal, privatizações e desregulamentação foram perseguidas
de forma sistemática dentro de uma estratégia consciente de desenvolvimento econômico. As privatizações
nos setores de infra-estrutura vinculariam-se a este novo "modelo de desenvolvimento" de caráter
marcadamente ortodoxo, auxiliados pela regulação pública.
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¹ CAMPANÁRIO, M. A.; SILVA, M. M. Fundamentos de uma nova política industrial. In: FLEURY, M. T. L.;
FLEURY, A. (Org.). Política industrial 1. São Paulo: Publifolha, 2004. v.1: p. 13-45.
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Regulação em Telecomuinicações - Parte 2: O setor de telecomunicações antes das privatizações
Até os anos 1990, o setor de telecomunicações, juntamente com os setores de energia, saneamento e
transportes eram caracterizados pela forte presença do Estado. Cabia a este, por meio de um conjunto de
empresas, atender a oferta, definir o nível de investimento e a política setorial de preços. Nesse contexto, o
setor de telecomunicações se caracterizava como monopólio natural: uma única firma atuando no mercado
local oferta a menor custo - dadas a estrutura de demanda e o nível de desenvolvimento tecnológico.
O padrão tecnológico era definido como circuit-switched system. Este era dominado pela presença de
grandes centrais telefônicas que disponibilizavam certo tempo de conectividade entre pontos fixos apoiada
em padrão analógico. Não havia grande diferenciação de serviços. Estes eram baseados em um fluxo de voz
com origem e destinos fixos, serviços de fax e 0800. Trata-se de um padrão técnico de uni-serviço onde a
performance das operadoras locais se traduzia na busca de diminuição dos preços da assinatura e na escala
dos serviços prestados. Além disso, as inovações tecnológicas se baseavam na melhora de processos e nos
sistemas de distribuição e ou, de maneira mais precisa, na implantação, manutenção e incremento no uso de
redes e centrais telefônicas.
Nesta fase, que vai de 1972, com a criação do sistema Telebrás, até o início das privatizações, em meados
dos anos 1990, o paradigma de ação do governo adere as funções alocativas de governo. Estas se dão por
meio da aplicação de fundos públicos e da prática de subsídios cruzados assimétricos entre as operadoras
estaduais. Mais tarde a função alocativa é subjugada pela função estabilizadora, orientada a suavizar os
aumentos do nível geral de preços por meio do controle estrito das tarifas de telefonia. Neste período o
modelo explicativo é bastante coerente com os modelos econômicos tradicionais baseados nas teorias
econômicas tradicionais de inspiração neoclássica.
Em linhas gerais, a oferta de serviços de telecomunicações é marcada pela presença de externalidades e
indivisibilidades. O atendimento do Plain Old Telecommunications Services (PLOTS), ou antigo setor de
telecomunicações tal como apontado pela literatura, é marcado por custos irrecuperáveis ou irreversíveis
(sunk costs) devido a forma de uso (uni-serviço) das redes de telefonia. Outras fontes de ineficiência são
representadas pela presença de falhas de mercado dadas pelas economias de escala, mercados incompletos
(não existiam estímulos para atender a certos seguimentos da cadeia de valores setorial), barreiras à entrada
devido ao elevado volume de investimento inicial e sua relação com o tamanho do mercado e bens públicos.
Esses fatores restritivos são agravados pela presença de assimetrias de informação entre os diversos agentes
(operadoras, fornecedores e clientes) que atuam neste mercado. Em função dessas características, o setor
encontrava-se sujeito a obrigações jurídicas de fornecimento. Os investimentos em telecomunicações afetam
a performance de outros setores da economia, sendo a relação de custo-benefício privado inferior à social
(desejável). Isso gerava um volume de investimento inferior ao socialmente desejável, não fora a ação
estatal. Um desenho esquemático do modelo PLOTS é apresentado na figura 1.
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Figura 2: Modelo Plain Old Telecommunications Services (PLOTS).
Fonte: Campanário, Silva e Rovai (2004).
Em linhas gerais o modelo que sustentava o antigo setor de telecomunicações no Brasil era marcado pelo
monopólio estatal; presença de barreiras à entrada; baixa concorrência externa, escala de produção, padrão
tecnológico analógico e reduzida produtividade setorial. As políticas públicas atendiam a necessidade de
financiamento por meio de sistema assimétrico de tarifas, empréstimos e orçamento público. O uso do poder
de compra do Estado era crítico.
Quanto a operação havia fortes restrições ao capital externo. Apesar da insipiente cobertura dos serviços, os
resultados mais marcantes do modelo eram dados pela sua fragilidade financeira e de concorrência, baixo
índice de universalização de serviços; dependência de fornecedores especializados externos, presença de
ineficiência de gestão e, no plano tecnológico, debilidade do sistema de inovação setorial.
Durante esta etapa a inovação tecnológica e seus estímulos eram induzidos de maneira centralizada no
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD); metrologia básica; inovações
incipientes (centrais Trópico, telefones a cartão); desafio de incorporar 3G; fragilidade frente à abertura do
setor, novas tecnologias baseadas em TI que passaram a ameaçar o modelo setorial.
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Regulação em Telecomuinicações - Parte 2: Revolução digital e o novo setor de telecomunicações
Com os avanços tecnológicos liderados pela Tecnologia de Informação, o setor de telecomunicações
gradativamente abandona o padrão circuit-switched systems, transmissor de voz, fornecido por parceiros do
antigo monopólio bilateral, e adota inovações, rapidamente introduzidas pelas novas tecnologias, com
destaque para o que se pode designar como packet-switched systems, que consiste em "empacotar"
mensagens diversas, contendo voz, dados e imagem, transmitidas pela rede, para posteriormente reagrupar o
seu conteúdo no destino, em qualquer lugar do planeta.
Nesse contexto, as redes passam a ser altamente sofisticadas em termos de sensoriamento, armazenamento,
processamento e distribuição de dados, com uma gama enorme de serviços que agregam valor ao conteúdo
da mensagem original. Os exemplos são inúmeros como apontam Gaffard e Krafft (2000): identificação da
origem da conexão, rota de chamadas, transferência de dados, imagem por demanda, serviços on line; etc.
Mais recente é o fenômeno da "convergência" mais conhecido como PANS (Pretty Amazing New Services):
telefonia na Internet, serviços em telefonia celular, celular com transmissão de imagem, acesso móvel a
Internet, telefonia fixa via Internet, entre outros.
Figura 2: Modelo Plain Old Telecommunications Services (PANS).
Fonte: Campanário, Silva e Rovai (2004).
O crescente volume de redes, equipamentos e softwares dão suporte a um gama variada de serviços que
requerem uma compatibilidade maior de interconectividade nos mercados locais e global. Isso requer novos
padrões e normas regulatórias, nos campos tecnológico e econômico. De fato, a ruptura do modelo PLOTS
por meio da introdução de TI nos serviços de telefonia fez com que o setor de telecomunicações
abandonasse o padrão circuit-switched systems. Sob o packet-switched systems a performance d os s erviços
passa a se traduzir na oferta de gama diversificada de produtos e serviços (diferenciação passa a dar a
tônica). De fato, sob o novo padrão tecnológico as centrais telefônicas perdem importância e o
desenvolvimento de hardwares e softwares passam a sustentar a transmissão digital realizando, inclusive
operações inteligentes. O padrão é agora multi-serviço: "empacota" estoques e fluxo de informação de
maneira digitalizada (voz, som, dados e imagem), com forma, origem e destinos múltiplos fixos e móveis.
No Brasil a ruptura do PLOTS e estabelecimento do PANS se deu por meio do alinhamento com política de
estabilização, abertura com o processo de privatizações. Nesse contexto, o investimento privado, baseado
nas novas tecnologias permitiu a ocorrência de maior integração horizontal com a entrada de novos players.
O Estado regulador passou a induzir a modernidade tecnológica por meio de metas de universalização e
digitalização de serviços. Especificamente, o novo marco regulatório e o processo de privatização deu
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grande ênfase aos princípios da concorrência estipulando metas de atração de capital externo e
investimentos com critérios de qualidade, universalização e digitalização, e incentivos fiscais dando espaço a
diversificação de serviços.
Os resultados do modelo foram, em primeiro momento, o aumento da pressão competitiva (boom) que se
reverteu em baixa demanda em serviços (bust). Marca ainda certa debilidade na integração horizontal da
cadeia de valores setorial e baixa competitividade em seguimentos intensivos em C&T e I. Devido a
incentivos diversos, o país se converteu em plataforma de exportação de commodities (celular). A inovação
setorial é incipiente pois os instrumentos não contemplaram políticas tecnológicas para o setor. Em função
disso, se verifica defasagem de regulamentos (classificação componentes e tarifas) sendo o complexo de
inovação nacional periférico baseado em inovações em software dependente de incentivos fiscais e
dependência da importação de hardwares e equipamentos diversos.
Atualmente, as inovações tecnológicas são agora orientadas por TI e pelo desenvolvimento de softwares
com aplicações diversas assume relevância. Desta forma a estrutura de mercado é rompida permitindo a
entrada de novos players o que permite modificar, de maneira induzida, o paradigma de ação governamental
deslocando suas atribuições para a função alocativa, baseada na provisão privada dos serviços por meio de
incentivos. Por fim, o modelo setorial é aderente ao modelos econômicos heterodoxos (escola
schumpeteriana, escola institucional, etc.), os quais são apresentados a seguir.
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Regulação em Telecomuinicações - Parte 2: Conceitos e elementos associados à regulação pública:
teoria agente-principal
No contexto da abertura e da busca da estabilização macroeconômica, as privatizações no setor de infraestrutura objetivavam: incentivar e garantir investimentos no volume necessário às demandas sociais;
ampliar o bem-estar dos consumidores e usuários dos serviços por meio da universalização na oferta dos
serviços; promover a formação de preços de tarifas e de assinaturas compatíveis; gerar incrementos na
qualidade nos serviços, etc.. Em suma, as privatizações visavam aumentar a eficiência econômica
(produtiva, alocativa, técnica, gerencial, dinâmica), além de garantir maior regularidade e qualidade nos
serviços, etc.
A regulação assume papel crucial ao afetar as condições de oferta por meio do acesso a novos fornecedores,
extrair e reorientar a aplicação de rendas de monopólio e fomentar o mercado, por meio da implementação,
execução e controle de mecanismos administrativos destinados a introduzir, de forma induzida, condições
orientadas à concorrência. Assim entendida, a introdução de mecanismos públicos de regulação se justificam
como meios de promover o atendimento de metas sociais e economicamente desejáveis. Em linhas gerais, a
missão da regulação deve visar:
a eficiência econômica, ou seja, a garantia da oferta ótima de serviço e menor diferença entre preço e
custo;
evitar abusos do poder de monopólio nos mercados locais e nacionais;
introduzir critérios que garantam a qualidade dos serviços;
assegurar o acesso universal a um preço compatível dos serviços;
criar e manter canais de interação entre agentes fornecedores, intermediários e consumidores.
Do ponto de vista tecnológico, os mecanismos de regulação devem atender aos seguintes critérios de
eficiência:
estimular a inovação tecnológica por meio da introdução de mecanismos que permitam identificar as
oportunidades de novos serviços;
assegurar a padronização tecnológica e compatibilidade de equipamentos;
padronizar a tecnologia, garantir a segurança e defesa do meio ambiente;
remover obstáculos e promover incentivos à inovação.
A tarefa de incorporar estes fundamentos e aplicá-los é complexa. Um dos problemas que impedem que isso
se efetive tem muito a ver com a assimetria de informações e uso do poder econômico por parte dos agentes
envolvidos no processo. Isso conduz a outros desafios: trata-se de minimizar o risco moral e seleção adversa
tal qual apontado pela teoria agente-principal. A rigor, a teoria da agência lida com aspectos internos e
externos à firma na sua tomada de decisões.
O modelo básico da teoria considera a existência de dois atores. Estes são denominados principal e agente.
Ambos se relacionam por meio das transações de mercado. O principal é um ator cujo retorno depende da
ação de um agente ou de uma informação que é propriedade exclusiva deste. Essa relação introduz dois
problemas sobre como devem se organizar as firmas e sua relação com o mercado afetando, inclusive, os
padrões de investimento e de determinação dos níveis de emprego de recursos. Trata-se do risco moral e da
seleção adversa. Como será indicado abaixo, a relação entre órgão regulador e empresa regulada sempre
envolve assimetrias de informação - as quais são agravadas pela evolução tecnológica que afeta a dinâmica
dos mercados.
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Muitas vezes o órgão regulador tem a tarefa de fazer a firma cumprir objetivos sociais, distintos dos
objetivos dos perseguidos pela firma. Isso sempre ocorre sem que o órgão regulador (principal) tenha pleno
controle e conhecimento das atividades da firma regulada (agente). As informações dizem respeito a
aspectos relacionados a aquisição de insumos, organização da produção, tecnologias empregadas e outros
parâmetros do processo de geração de valor e formação de preços de tarifas. Desta maneira, o agente pode
manipular certas informações de que dispõe sobre seus processos internos para, interferir a seu favor nos
mecanismos de regulação e assim obter ganhos. Trata-se do uso informações privilegiadas (internas à firma)
em sua relação com o agente regulador (principal).
O estabelecimento de mecanismos que minimizem o risco moral (que consubstancia uso de informações
privilegiadas) é mister uma vez que seu uso pode favorecer a empresa regulada contra os interesses da
coletividade, representada pelo órgão regulador. Ocorre que, dada a diversidade de agentes e a nova
estrutura de mercado em telecomunicações (PANS), baseada na tecnologia digital, o conjunto de
informações relevantes não foi e dificilmente poderá ser totalmente assimilada pelos órgãos reguladores e
mesmo pelas empresas reguladas ao competir no mercado - embora os resultados de comportamentos
oportunistas possam ser minimizados, incluindo a captura do órgão regulador por grupos interesse espúrio.
A assimetria trás outras conseqüências indesejáveis e imprevistas, interferindo na eficiente alocação de
recursos. Trata-se do fenômeno conhecido como seleção adversa - conceito que também lida com o
problema da assimetria informacional. Porém, o foco central não trata mais as relações contratuais
(exógenas), mas sim da adesão ou não a determinada transação. A seleção adversa trata, entre outros
fenômenos, dos mecanismos que interferem na alocação dos fatores no interior da firma fazendo com que os
níveis de investimento e mesmo de capital e trabalho empregados estejam aquém do ótimo sob o ponto de
vista social.
O importante aqui é que a organização e a estrutura de mercado refletem, em alguma medida, o risco moral e
a seleção adversa. Em linhas gerais, o órgão regulador deve privilegiar a busca da eficiência de mercado e
alocativa. O risco moral e a seleção adversa podem conduzir à captura do regulador em função da assimetria
informacional entre este (representante do interesse coletivo) e a firma regulada (executante do serviço
privado). Portanto, a captura da agência por agentes que orientam a ação do órgão regulador (empresas,
consumidores e governo), derivados da assimetria informacional entre regulador e empresa(s)
regulada(s), é questão crítica quando da análise das políticas públicas. Associadas a problemas de
informação, o risco moral e seleção adversa, remontam diretamente a aspectos da economia institucional.
Sob uma perspectiva atual, como estas questões aparecem no caso da regulação em telecomunicações?
O órgão regulador surge como peça central na atração de investimentos ao setor de infra-estrutura. Os
agentes de mercado também têm que ter seus interesses assegurados e contemplados de alguma forma nos
contratos de concessão. O equilíbrio de interesses é uma tarefa dificílima. A captura é uma possível ameaça
e pode ser realizada por concessionárias, usuários, governo (por meio de interesses políticos imediatos)
ou pela estrutura técnica da própria agência. Contudo, um bom modelo de regulação deve ter como norte
de sua gestão o interesse público (embora, o público em geral, os usuários, consumidores constituam
grupos de interesse difuso e tenham pouco poder de pressão e precisem ser incorporados ao processo). A
presença atuante dos diversos interesses no interior da agência tende a criar um equilíbrio que dispensa
mecanismos de controle complexos.
Para que os investimentos se expandam é necessário que os órgãos de regulação funcionem de maneira
eficiente - o que inclui a obtenção e uso eficiente das informações de mercado. Nesse sentido, muitos
especialistas têm indicado que o objetivo do órgão regulador é estabelecer a gestão de contratos de longo
14
prazo. A rigor, o órgão regulador se presta a validar os investimentos privados segundo critérios
cuidadosamente estabelecidos. Estes também devem ser estruturados para estabelecer garantias aos
investidores e consumidores dos serviços ao longo do tempo. Sem a formulação de regras claras, adequadas,
estáveis e a ação de um órgão regulador forte não há como garantir um volume adequado de qualidade de
serviços e de inversões privadas. Ademais, a internacionalização das relações econômicas exige que as
regras sejam exercidas de maneira eficiente e independente sob o risco de afetar de maneira negativa as
decisões de investimento privado.
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Regulação em Telecomuinicações - Parte 2: Conceitos e elementos associados à regulação pública: uso
da informação e tecnologia
Essa linha de ação coloca restrições aos modelos econômicos ortodoxos que se baseiam em um conjunto
restrito de axiomas gerais. De acordo com estes modelos: (i) os agentes consumidores maximizam utilidade
sujeitos a restrições de caráter orçamentário e (ii) as firmas maximizam lucro, dada a função de produção
(que capta a tecnologia de produção), definindo a quantidade de insumos que irão empregar no processo
produtivo. São admitidas quatro rígidas estruturas de mercado (concorrência perfeita, monopólio, oligopólio
e concorrência monopolística) a partir das quais o equilíbrio entre oferta e demanda de mercado é sempre
atingido e estável.
Ainda segundo os modelos ortodoxos, unindo compradores a vendedores, os mercados possibilitam a
determinação simultânea dos preços e quantidades das mercadorias transacionadas. Além disso, os mercados
envolvem a troca de serviços, direitos de propriedade, pagamentos e informações. As organizações obtêm
informações sobre os preços, características dos insumos, preferências de consumo e tecnologias utilizadas
na produção além de outras informações relacionadas aos mercados onde atuam.
Os mercados, atuando em ambientes físicos ou virtuais, possuem três funções fundamentais: (i) promover
encontro entre vendedores e compradores; (ii) facilitar a troca de informações relacionadas às transações;
(iii) prover uma infra-estrutura institucional, bem como uma base legal e reguladora. Em uma economia
moderna, as primeiras funções são providas por agentes privados. A infra-estrutura institucional é
tipicamente fornecida pelo aparato jurídico e regulatório público, muitas vezes com interferência
governamental.
A eficiência de um mercado depende em grande medida da qualidade, quantidade, natureza e capacidade de
captar, processar e distribuir informações sobre os preços e características das mercadorias transacionadas.
No mundo dos mercados eletrônicos, informação é qualquer dado que pode ser digitalizado ou codificado
em um fluxo de bits, trazendo finalidade de uso (objetivo) e atingindo um propósito com determinada
intensidade (relevância).
A informação é, em muitos aspectos, um bem público, não excludente. North atesta, no entanto, que existem
"... the transaction costs involved in acquiring the necessary information about the levels of attributes of
each exchange unit, the location of buyers (sellers), and so forth " (1990: 29). Sendo escassa, a informação
pode gerar custos e abrir espaço para agentes oportunistas, o que demandaria intervenção pública. Ademais,
haveria seis razões que justificam a atuação de instituições públicas nos mercados: falhas de concorrência;
bens públicos, mercados incompletos; externalidades; desequilíbrios macroeconômicos; falhas de
informação.
Na ausência de custos de transação (CT) os mercados concorrenciais alocam de forma eficiente os recursos
escassos. As teorias econômicas de inspiração tradicional admitem que, na ausência de custos de transação,
o auto-interesse sempre guia os membros da sociedade ao estabelecimento de contratos (transferência de
direitos), estruturas políticas e direitos de propriedade que maximizam a riqueza individual e social. No
entanto, ao considerar a existência de CT, há que se reformular conceitos de eficiência econômica ou de
mercado. Os aspectos críticos das modelagens ortodoxas e heterodoxas e sua relação com o setor de
telecomunicações (PANS) são discutidos a seguir.
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Regulação em Telecomuinicações - Parte 2: Regulação em telecomunicações: síntese analítica
Pelo exposto há duas observações a fazer quanto à questão da regulação pública. A primeira diz respeito ao
problema de assimetria de informações discutido acima. Sem a definição de regras e papeis claros, o que
envolve a fixação de uma política coerente para o setor, definida pelo Ministério de Comunicações e
acompanhada segundo critérios bem definidos pela Anatel, o investimento privado ficará aquém do esperado
pela sociedade. A fixação de regras tem que ser acompanhada da introdução de mecanismos eficazes de
controle social. Isso prescinde de aparelhamento dessas instituições para que possam cumprir de maneira
efetiva suas atribuições. Um maior esclarecimento dos papeis das agências também é mister. Nesse contexto,
a política setorial deve ser completa visando incorporar nos mecanismos de regulação a dinâmica de
mercado. Isso nos que remete a uma segunda observação.
Esta, diz respeito a questões natureza formal quanto ao enquadramento do progresso técnico. Ao tratar do
progresso técnico, a abordagem heterodoxa rejeita a dicotomia noção de equilíbrio estático com mercado
auto-regulado. Como demonstrado, o processo de geração de inovações envolve o conjunto dessas forças
que têm origem nas condições de oferta (supply push) e de demanda (technology pull) as quais condicionam
a configuração de mercado.
No quadro abaixo, os modelos de inspiração ortodoxa e heterodoxa são comparados em termos de nove
variáveis indicando sua respectiva aderência aos modelos PLOTS e PANS. Como sugerido, as principais
preocupações das teorias de cunho heterodoxo são com os processos dinâmicos que marcam a
concorrência inter-capitalista. Neste contexto, o padrão de comportamento da firma e os resultados de
mercado nem sempre são determinados conjuntamente . A rigor, a regulação pública é uma necessidade
exigida não apenas na presença de falhas de mercado, ela surge em meio a própria evolução nos processos
de produção e distribuição de valor. Isso indica que a estrutura heterodoxa é mais aderente ao atual modelo
de configuração setorial em telecomunicações PANS.
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Quadro 1: Comparativo entre a modelagem ortodoxa e modelagem heterodoxa.
VARIÁVEL ANALÍTICA
MODELAGEM ORTODOXA
MODELAGEM HETERODOXA
Reação
imediata,
ajuste
é
instantâneo atendendo de maniera
Não
instantânea;
decisões
Resposta às mudanças nos imediata as mudanças nos preços
complexas; escolhas levam tempo,
dados econômicos
relativos,
preferências
dos
ajuste é progressivo.
consumidores,
choques
tecnológicos, etc..
Automático; resposta passiva a Dinâmico; ajustamento se dá de
alterações nos dados de mercado.
maneira contínua.
Qualidade do equilíbrio
Informação
transações
relacionada
Estrutura de mercado
Tempo de
mudança
econômicos
às
Perfeita, simétrica, agentes não
incorrem em custos, ilimitada Imperfeita, assimétricas, onerosa.
capacidade de processamento.
Altera-se ao longo do tempo.
Conhecida. Há quatro estruturas
Depende da evolução das firmas
bem
definidas:
concorrência
que sobreviverem à concorrência.
perfeita, monopólio, concorrência
Envolve
assimetria
técnica,
monopolística e oligopólio.
financeira, etc.
ajustamento à
Lógico. Não traduz o processo de
Histórico
nos
dados
ajustamento.
Endógena; depende da forma de
obtenção, acumulação e uso de
conhecimentos
(codificado
e
Exógena; não reflete;
tácito).
Origem e conseqüências da
empresas escolhem os melhores
inovação tecnológica
Fator que explica uma série de
métodos produtivos.
fenômenos (padrões de comércio,
mudanças nas estruturas de
mercado, etc.)
Estruturas tecnológicas
Presença
transação
de
RESULTADOS
REGULAÇÃO
MERCADO
custos
Opera sobre padrões dados.
As firmas se diferenciam.
de Não considera custos de transação Considera custos de transação e
e diversidade institucional.
diversidade institucional.
Os mercados são eficientes e
prescindem de instrumento de ação
pública que devem ser usados
apenas para dar conta de falhas de
E mercado (falhas de informação,
DE economias de escala, mercados
incompletos, externalidade, bens
públicos, etc.).
A regulação é uma necessidade
exigida não apenas na presença de
falhas de mercado.
Sempre que possível, as funções
alocativa e distributiva devem
permear as decisões dos gestores
públicos.
ESTRUTURA ADERENTE AO ESTRUTURA ADERENTE AO
MODELO PLOTS.
MODELO PANS.
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Regulação em Telecomuinicações - Parte 2: Desafios ao desenvolvimento futuro do setor de
telecomunicações no Brasil
A partir do exposto, é possível dizer que existe um profundo desconhecimento da sociedade quanto ao papel
que deve ser desempenhado pelas agências reguladoras. Na verdade não se sabe para quê elas funcionam.
Em geral, as agências existem para fazer com que os serviços públicos sejam adequadamente prestados ou
provisionados - seja pelo setor público (modelo PLOTS) ou privado (modelo PANS). Nesse sentido, as
agências existem para defender os direitos dos consumidores por meio de mecanismos de defesa da
concorrência presentes nos contratos de concessão que fornecem parâmetros à atuação das operadoras de
telefonia fixa e móvel em meio a escassez de informação.
Como apontam diversos especialistas, no início do governo do Presidente Lula houve um movimento muito
forte contra as agências. Isso se deu devido a falta de conhecimento quanto ao seu papel e suas funções,
bem como pela orientação dada ao atual governo a estas questões.
De forma geral, as agências não têm capacidade de arbítrio em termos das tarifas. As mesmas foram fixadas
nos contratos de concessão e o que o órgão regulador deve fazer é com que sejam respeitadas as regras. No
processo de discussão foi estabelecido que o IGP-DI que tende a sofrer variações mais pronunciadas na
medida em que capta não apenas a variação dos preços produzidos internamente, mas também o
comportamento de preços atrelados ao câmbio - disponibilidade interna.
Uma agência é essencialmente um gestor de contratos. Além disso, elas não formulam políticas sendo
responsáveis pela sua implementação. Nesse sentido, o papel das agências é crítico para o setor, pois sem
regras estáveis e a garantia de respeito à elas, não há estímulos ao investimento privado. Assim, a ação de
um órgão regulador deve ser independente como meio de estimular a atração de investimentos privados. No
Brasil as agências foram pensadas em função de um mercado que estaria totalmente privatizado em função
da reforma patrimonial do Estado. A princípio parecia que todas as atividades produtivas seriam transferidas
à iniciativa privada. Assim, o objetivo de defesa da concorrência se colocou em um nível privilegiado no que
diz respeito ao funcionamento das agências.
Durante a criação e implementação das agências diversas questões institucionais associadas ao
desmantelamento dos ministérios não haviam sido resolvidas a contento. A rigor, os quadros que
formulavam o planejamento estratégico que dirigiam os setores de infra-estrutura básica vinham de empresas
estatais. Essas empresas supriam os recursos humanos dos ministérios.
Em um contexto de escassez de informações e seu uso estratégico, um dos principais problemas associados
as agências é a carência de quadros próprios de pessoal qualificado. Este problema advém do
questionamento da constitucionalidade do emprego público para o exercício da atividade de regulação. Esta
é considerada atividade típica de Estado, requerendo para seu exercício servidores públicos de carreira. Em
contraste, os ministérios responsáveis pela formulação de políticas também precisam ser dotados de quadros
próprios capazes de formular políticas públicas condizentes com o dinamismo setorial. Segundo a literatura
especializada, os ministérios é que devem formular as políticas. Para tanto, devem estar em condições de
fazê-lo. Com a reestruturação dos ministérios e o advento das privatizações a capacidade gerencial de
formulação de políticas foi se esvaziando.
A rigor, o executivo do governo não tem que monitorar o órgão regulador que deve prestar contas de
maneira autônoma e transparente à sociedade. Ao gerir contratos de longo prazo há grande probabilidade de
não se atentar a questões críticas.
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Nesse intervalo de tempo há grande probabilidade de haver descontinuidades tecnológicas tal qual indicado
na figura 1 (Fases recorrentes de cada grande surto de inovação tecnológica) da parte 1 deste tutorial.
Assim, as políticas formuladas pelos Ministérios das Comunicações devem introduzir mecanismos que dêem
conta desse fato. Ao gerir contratos baseados nesses dados de mercado no fundo o órgão regulador trabalha
como um órgão que visa proteger os interesses da sociedade no futuro.
Em suma, os órgãos de regulação devem ser estruturados de maneira a estabelecer garantias aos investidores
de longo prazo o que inclui introduzir nas regras de concessão critérios que dêem conta de choques de
originados pelo progresso tecnológico. Estas devem, necessariamente, se orientar por princípios de natureza
heterodoxa. O que inclui duas grandes linhas de ação estratégica.
Inicialmente, se deve perseguir a eficiência e garantias à sociedade na provisão dos serviços. Esse
princípio deve se orientar para em cinco linhas de ação:
Ampliar a eficiência econômica, ou seja, a garantia da oferta ótima de serviço e menor diferença entre
preço e custo;
Evitar abusos do poder de monopólio nos mercados locais e nacionais;
Introdução de critérios que garantam a qualidade e a universalização dos serviços - o que inclui
diminuir a exclusão digital;
Assegurar o acesso universal a um preço compatível dos serviços;
Criar e manter canais de interação entre agentes fornecedores, intermediários e consumidores.
Finalmente, é preciso reduzir o gap tecnológico na cadeia de valores setorial. A ausência de
considerações acerca de aspectos ligados à inovação tecnológica indica que existe a necessidade de
aprimorar os mecanismos de controle social por meio da formulação de políticas públicas e de modelos de
operação das agências reguladoras. Sob o ponto de vista tecnológico os mecanismos de regulação devem
atender aos seguintes critérios de eficiência técnico-econômica:
Estimular a inovação tecnológica por meio da introdução de mecanismos que permitam identificar as
oportunidades de novos serviços.
Assegurar a padronização tecnológica e compatibilidade de equipamentos.
Padronizar a tecnologia, garantir a segurança e defesa do meio ambiente.
Remover obstáculos e promover incentivos à inovação em suprimentos e serviços.
Promover o acesso e uso de novas tecnologias compatíveis com as condições de demanda domésticas.
¹ A redação desta seção foi baseada em CONJUNTURA ECONÔMICA, Regulação sob consulta - Mesa redonda, Rio
de Janeiro, v.58, n.2, p.34-42, fev. 2004. e na publicação GAZETA MERCANTIL S.A. Panorama Setorial:
telecomunicações. São Paulo: Gazeta Mercantil, 2003.
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Regulação em Telecomuinicações - Parte 2: Teste seu Entendimento
1. Segundo o texto, assinale a alternativa errada:
Como é conhecido, durante os anos 90 o setor de telecomunicações brasileiro passou por intenso
processo de reestruturação produtiva e institucional. Sustenta-se que um dos elementos responsáveis
pela ruptura do monopólio-bilateral entre fornecedores de equipamento e as operadoras Estatais foi a
autêntica revolução tecnológica, calcada na difusão da microeletrônica.
Ante a reforma patrimonial do Estado e o choque tecnológico, a mudança estrutural do setor se baseou
na criação e implantação de mecanismos públicos de regulação – orientados pelo princípio de defesa
da concorrência.
A rigor, o órgão regulador se presta a validar os investimentos públicos segundo critérios
cuidadosamente estabelecidos. Estes também devem ser estruturados para estabelecer garantias aos
investidores e consumidores dos serviços ao longo do tempo.
2. Segundo o texto, do ponto de vista econômico, a ação governamental atende a certas funções
básicas; sendo duas delas apontadas nas afirmativas a seguir. Assinale a alternativa correta: I - A
função estabilizadora é exercida por meio de instrumentos de política fiscal (forma de gasto do
orçamento público e política tributária. e política monetária (política de crédito, interferências na
oferta e demanda de moeda e sua influência sobre o nível de juros. de caráter anti-cíclico. II - A
função alocativa visa desviar o emprego de uma parcela dos recursos da economia (capital, trabalho e
recursos naturais diversos. para oferta e ou provisão de bens e serviços tidos públicos. Devido as certas
características de mercado, estes bens e serviços não são ofertados na quantidade e ou preços ótimos
do ponto de vista social.
Afirmativas I e II estão corretas;
Afirmativa I está correta;
Apenas a afirmativa II está correta.
3. Considerando o texto a seguir, assinale a afirmativa errada: Do ponto de vista tecnológico, os
mecanismos de regulação devem atender aos seguintes critérios de eficiência:
estimular a inovação tecnológica por meio da introdução de mecanismos que permitam identificar as
oportunidades de novos serviços;
assegurar a padronização tecnológica e compatibilidade de equipamentos;
padronizar a tecnologia, garantir a segurança e defesa do meio ambiente;
remover obstáculos e promover incentivos à inovação
evitar abusos do poder de monopólio nos mercados locais e nacionais.
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