UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE LUIZ MANOEL GREGOLIM JUNIOR PRESENÇA DO SAGRADO NA MÚSICA CAIPIRA DE RAIZ BRASILEIRA – ANÁLISE DE COMPOSIÇÕES DE TIÃO CARREIRO E PARDINHO São Paulo 2011 1 LUIZ MANOEL GREGOLIM JUNIOR PRESENÇA DO SAGRADO NA MÚSICA CAIPIRA DE RAIZ BRASILEIRA – ANÁLISE DE COMPOSIÇÕES DE TIÃO CARREIRO E PARDINHO Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito à obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião. Orientador: Prof. Dr. Carlos Ribeiro Caldas Filho São Paulo 2011 2 G819p Gregolim Junior, Luiz Manoel Presença do Sagrado na música caipira de raiz brasileira: análise de composições de Tião Carreiro e Pardinho / Luiz Manoel Gregolim Junior – 2011. 60 f.; 30 cm Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011. Bibliografia: f. 57-59 1. Música Caipira 2. Folclore brasileiro 3. Catolicismo popular I. Título II. Tião Carreiro III. Pardinho LC BT83 CDD 378.071 3 LUIZ MANOEL GREGOLIM JUNIOR PRESENÇA DO SAGRADO NA MÚSICA CAIPIRA DE RAIZ BRASILEIRA – ANÁLISE DE COMPOSIÇÕES DE TIÃO CARREIRO E PARDINHO Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito à obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião. Aprovada em 10 de fevereiro de 2011 BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Carlos Ribeiro Caldas Filho - Orientador Universidade Presbiteriana Mackenzie ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Sousa Universidade Presbiteriana Mackenzie ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Ney de Souza Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 4 Ao povo caipira, gente humilde, simples, alegre, que ouve e toca a viola, cuida dos bichos e da terra e vive e ama o sertão 5 AGRADECIMENTOS A Deus, que me fez caipira e concedeu o privilégio de estudar a minha cultura de modo mais profundo. Ao meu mestre e orientador Prof. Dr. Carlos Ribeiro Caldas Filho pela paciência e compreensão nesse período de estudos. Aos membros da Banca de Qualificação, Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Sousa e Prof. Dr. Ney de Souza, pela atenção, crítica e sugestões ao meu trabalho. Ao amigo e incentivador Reverendo Roberto Silva Fonsêca. Às Igrejas Presbiterianas de São Carlos e Rocha Eterna de Jaú. Aos meus pais, que me ensinaram amar a Deus, respeitar o ser humano e a natureza, e me apoiaram, oraram e acompanharam cada passo nas idas e vindas do Interior à Capital durante os meus estudos. A Vanessa, que no meio dessa caminhada se tornou minha esposa e soube ser uma incentivadora dos estudos, mulher compreensiva e companheira em todo momento. Ao amigo de mestrado Reverendo André Jorge Catalan Casagrande, pelo companheirismo, auxílio e incentivo. À Universidade Presbiteriana Mackenzie, Instituto Presbiteriano Mackenzie, pela oportunidade e pela bolsa de estudos. Aos colegas e amigos de mestrado e aos professores das Ciências da Religião. A minha irmã Carolina (in memoriam), que amava a natureza e nossas raízes. Às sobrinhas Janaína e Yara, ao sobrinho Joãozinho, a minha irmã Daniela e ao meu cunhado João e outras pessoas que de algum modo contribuíram para a minha dissertação. Deixo o meu muito obrigado! 6 “Quão pouca coisa é necessária para a felicidade! O som de uma sanfona. Sem música a vida seria um erro.” “E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.” Friedrich Nietzsche 7 RESUMO A presente dissertação versa sobre a Presença do Sagrado na Música de Raiz Caipira Brasileira, mais especificamente analisa as músicas da dupla caipira Tião Carreiro e Pardinho. Dessa forma realiza-se um estudo histórico da música caipira, das tradições caipiras e da cultura caipira. Na mesma perspectiva histórica é feita uma pesquisa sobre a vida e a obra da dupla Tião Carreiro e Pardinho, e por fim apresenta-se uma análise da presença do sagrado nas músicas caipiras desta e de outras duplas. Esta dissertação procura observar as manifestações religiosas encontradas na música caipira, como também outras faces religiosas presentes nas músicas da dupla em destaque. Em se tratando da presença do sagrado, a diferença dessa dupla das demais está no fato de conter em suas músicas outras manifestações da religiosidade brasileira além do catolicismo popular. Palavras-Chave - Música caipira - Tião Carreiro e Pardinho - Catolicismo popular Folclore caipira - Viola 8 ABSTRACT This dissertation examines the Presence of the Sacred in Brazilian Country Roots Music mainly focused on songs of the duo Tião Carreiro and Pardinho. By this way, a historical study of hillbilly music, hillbilly traditions and hillbilly culture is done. Through the same historical perspective is carried out a research on the life and work of the duo Tiao Carreiro and Pardinho, and finally analyzes the presence of the sacred in its music and in other duo artists music. With this dissertation, we attempt to observe the religious expression found in Brazilian country roots music, but also other religious events found in the music of the highlighted duo. In regard to the presence of sacred in songs the difference from this duo to the others duo artists is the fact that its songs contain other manifestations of religiosity beyond Brazilian popular catholicism. Key Words - Brazilian Country Music – Tião Carreiro and Pardinho – Popular Catholicism – Hillbilly Folk - Viola 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................12 CAPÍTULO I RAÍZES HISTÓRICAS DA MÚSICA CAIPIRA........................................................... 13 1.1 A PALAVRA CAIPIRA.......................................................................................... 13 . 1.2 O PERSONAGEM CAIPIRA.................................................................................14 1.3 A MÚSICA CAIPIRA.............................................................................................16 1.4 A RAIZ RELIGIOSA..............................................................................................20 1.5 OS RITMOS E DANÇAS......................................................................................21 1.5.1 O cururu.............................................................................................................21 1.5.2 A catira..............................................................................................................22 1.5.3 Folia de Reis......................................................................................................22 1.6 AS DUPLAS CAIPIRAS E OUTROS PERSONAGENS.......................................24 1.7 CONCLUSÃO.......................................................................................................26 CAPÍTULO II TIÃO CARREIRO E PARDINHO - VIDA E OBRA....................................................27 2.1 BIOGRAFIA..........................................................................................................27 2.2 FORMAÇÃO DA DUPLA......................................................................................29 2.3 DISCOGRAFIA.....................................................................................................29 2.4 SERTÃO EM FESTA............................................................................................32 2.5 CONCLUSÃO.......................................................................................................33 CAPÍTULO III TONICO E TINOCO - VIDA E OBRA.........................................................................34 3.1 BIOGRAFIA..........................................................................................................34 3.2 FORMAÇÃO DA DUPLA......................................................................................40 3.3 DISCOGRAFIA.....................................................................................................40 3.4 CONCLUSÃO.......................................................................................................43 10 CAPÍTULO IV A FÉ CANTADA ....................................................................................................... 45 4.1 A PRESENÇA DO SAGRADO NAS MÚSICAS DE TIÃO CARREIRO E PARDINHO................................................................................................................ 45 4.2 A PRESENÇA DO SAGRADO NAS MÚSICAS DE TONICO E TINOCO ..........48 4.3 O DIFERENCIAL RELIGIOSO EM SUAS MÚSICAS.......................................... 52 4.4 CONCLUSÃO...................................................................................................... 54 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 56 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 57 11 INTRODUÇÃO Esta dissertação procura analisar a música caipira no seu aspecto religioso. Para isso limitou-se à análise de músicas caipiras de Tião Carreiro e Pardinho, nas quais verifica-se a presença do sagrado em pelo menos três aspectos: a devoção tradicional caipira, o catolicismo popular e a religiosidade afro em outras músicas. Para que isso fosse possível, primeiramente o trabalho foi construído fazendo-se um levantamento histórico da cultura caipira, do personagem caipira e da música caipira. Em outro momento observando e considerando a cultura caipira, limitou-se o estudo a duas duplas, Tião Carreiro e Pardinho, pelo fato já mencionado antes, e Tonico e Tinoco, por serem os genuínos representantes da música caipira tradicional, sendo que as duas duplas estão entre as que mais se destacam no gênero musical aqui estudado. É importante dizer que a cultura caipira, como qualquer outra, sofre influências e mutações, porém há elementos de preservação dessa tradição. Em “A interpretação das culturas”, Clifford Geertz cita: Não dirigido por padrões culturais – sistemas organizados de símbolos significantes – o comportamento do homem seria virtualmente ingovernável, um simples caos de atos sem sentido e de explosões emocionais, e sua experiência não teria praticamente qualquer forma. A cultura, a totalidade acumulada de tais padrões, não é apenas um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela – a principal base de sua especialidade (Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1978. p. 58). Dessa forma vamos adentrar no campo sagrado da música caipira. 12 CAPÍTULO I RAÍZES HISTÓRICAS DA MÚSICA CAIPIRA A música caipira de raiz é um símbolo, emblema e identidade das regiões Sudeste e Centro-Sul do país. É a forma mais simples de expressão da literatura oral-popular brasileira, é poesia musicada. É literatura lírico - narrativa que nasce na espontaneidade dos cantores e atravessa as gerações. As primeiras formas da música caipira chegaram ao nosso país juntamente e com as primeiras caravelas. Ela encontra na religiosidade e na arte dos jesuítas os meios de sua expansão. Essa cultura passa pelo processo de mestiçagem com os indígenas e africanos, surgindo então outras formas de cantoria e danças. Dessa mistura surgem o cururu e o cateretê, primitivos da música caipira; o recortado, de origem indígena e traços africanos; a toada, expressão melodiosa; e o pagode, ritmo esse criado e que teve como expoente o violeiro Tião Carreiro, uma mistura do recorte mineiro com a catira, a tradicional moda de viola, que traz a forma romanceada do cantar da música caipira. A música caipira percorre a história do Brasil, envolve-se e desenvolve-se com as culturas dos indígenas e dos africanos. As composições caipiras sempre trazem do campo, e por que não da cidade, um ar nostálgico, com um fundo de tristeza e de saudade, um desabafo, um grito. Assim pulsam em sua essência as emoções das três etnias, o português saudosista, o indígena exilado em sua terra e o afro-brasileiro machucado pela escravidão. Na música caipira de raiz, o narrador é o caboclo, místico sonhador, sábio na simplicidade da vida, os brasileiros confessos e sentimentais. Ainda hoje a música caipira sofre menosprezo e preconceitos, mas é fato que atualmente a música caipira, por meio da moda de viola, experimenta um renascimento, uma redescoberta, e também sofre mudanças através das influências. Por um lado a música caipira sobrevive, se adapta e se redefine, por outro, quando acontece isso ela perde sua essência e simplicidade. 1.1 A PALAVRA CAIPIRA 13 A palavra caipira está definida no “Dicionário Aurélio”, um dos mais populares da nossa língua portuguesa, da seguinte forma: “caipira (do tupi Ka'apir ou Kaa pira, que significa ‘cortador de mato’); nome que os indígenas guaianás do interior do estado de São Paulo, no Brasil, deram aos colonizadores brancos, caboclos, mulatos e negros”. É também uma designação genérica dada, no país, aos habitantes das regiões situadas principalmente no interior do sudeste e centro-oeste do país. Entende-se por “interior”, todos os municípios que não pertencem às grandes regiões metropolitanas nem ao litoral onde existe o caiçara. O termo caipira teve sua origem e costuma ser utilizado com mais frequência no estado de São Paulo. Seu congênere em Minas Gerais é capiau (palavra que também significa cortador de mato), na região Nordeste, matuto, e no Sul, colono (FERREIRA,1986). A origem da palavra caipira é controvertida. Segundo o “Dicionário do Folclore Brasileiro”, de Luiz Câmara Cascudo, a palavra significa: homem ou mulher que não mora em povoação, que não tem instrução ou trato social, que não sabe vestir-se ou apresentar-se em público. Habitante do interior, tímido e desajeitado. Há, porém, outras tantas definições, talvez a mais contextualizada e que melhor definiria o caipira seria, segundo dizia Cornélio Pires, o lavrador, o roceiro. 1.2 O PERSONAGEM CAIPIRA O caipira da região sudeste, em São Paulo, é figura marcante desde o começo da história. O modo de viver caipira é o mais antigo da classe rural brasileira, remonta à época da colonização. Como Antônio Cândido mostrou em seu clássico estudo sobre o caipira, “Os Parceiros do Rio Bonito”, não havia grande diferença nos modos de viver entre os paulistas dos primeiros séculos e os dos bairros caipiras até meados do século XX. Tanto que até o final do século XVIII, os termos “paulista” e “caipira” eram, na prática, equivalentes: “Por toda parte do Estado de São Paulo havia as mesmas práticas festivas, a mesma literatura oral, a mesma organização da família, os mesmos processos agrícolas, o mesmo equipamento material” (CÂNDIDO 1971, p. 83). Quando o Brasil se urbanizou, no final desse processo pelo qual passou, o setor rural também foi atingido pelas mudanças, deixando o sertão vazio, pois as 14 oportunidades de progresso e conquistas, muitas vezes ilusórias, estariam na cidade. Nessa mudança o caipira sofreu e muitas vezes acabou com o pouco recurso que tinha, embora muitos venceram durante esse processo. A música caipira expressa a frustração do caipira, como no exemplo desses dois versos, o primeiro e o último da música de Geraldo Viola e Dino Guedes, chamada “Caboclo na Cidade”: Seu moço eu já fui roceiro no triângulo mineiro onde eu tinha meu ranchinho. Eu tinha uma vida boa com a Isabel minha patroa e quatro barrigudinhos. Eu tinha dois bois carreiros, muito porco no chiqueiro e um cavalo bom, arriado. Espingarda cartucheira, quatorze vacas leiteiras e um arrozal no banhado. Voltar pra Minas Gerais sei que agora não dá mais acabou o meu dinheiro. Que saudade da palhoça eu sonho com a minha roça no triângulo mineiro. Nem sei como se deu isso quando eu vendi o sítio para vir morar na cidade. Seu moço naquele dia eu vendi minha família e a minha felicidade! Há também o exemplo daqueles que se orgulham de suas origens, enveredam outros caminhos. A música caipira demonstra isso em forma de ato heróico, como mostra essa música de Sulino e Moacyr dos Santos, chamada “Peão da Cidade”, que relata a história de um doutor da cidade que no passado foi peão: Eu vi com meus próprios olhos em um circo de rodeio Na chegada dos peão que vieram pro torneio Soltaram tanto foguete, parecia um bombardeio Na hora da montaria o negócio ficou feio Toparam um burro famoso que eu nem sei da onde veio Era só sentar no lombo cada pulo era um tombo Ninguém parou no arreio Surgiu um moço grã-fino no meio da multidão Pelo traje eu vi que era um homem de posição Cabelo bem penteado e roupa de exportação Com as unhas todas cortadas e anel de ouro na mão Pra montar naquele burro ele pediu permissão Pode ser que eu também caia mas pretendo dar trabalho Pra fama desse burrão Os peão que beijou a terra falaram com gozação Os grã-finos da cidade quando quer bancar o peão Não para nem amarrado no lombo de um pagão Se esse grã-fino montar pode preparar o caixão O burro tirou do lombo caboclo de profissão Não foi um e nem foi dois vamos ver o pó-de-arroz Bater a cara no chão O moço entrou na arena e calçou a espora de prata Pôs o paletó na cerca e apertou bem a arriata Sentou no lombo do burro e bambeou o nó da gravata Cortou o burro na espora e ainda surrou de chibata 15 Depois de pular bastante quase que o burro se mata O moço saltou de lado e o burrão ficou deitado Em cima das quatro patas Ganhou aplausos do povo e ganhou beijo das meninas O moço contou sua vida bebendo numa cantina Eu já fui peão de fama lá no estado de Minas O dinheiro do papai foi quem mudou minha sina Eu tenho na minha casa um diploma da medicina Tô morando na cidade mas a malvada saudade Até hoje me domina Observando as duas músicas caipiras, no estilo moda de viola, fica muito clara a fascinação pelas coisas do sertão, os valores marcantes que o caipira carrega em si, e também o conflito interior ao se deparar com a miséria e a infelicidade na primeira música, e a saudade e o orgulho daqueles que, mesmo alcançando o sucesso, não se esquecem do seu passado. A figura do caipira vem sofrendo mudanças, vem sendo estilizada, enfraquecendo o jeito de ser caipira. “Através das músicas, procurava-se passar a imagem de que o caipira era alguém fora de lugar, sem instrução, sem condições de se comunicar direito e que, por isso, era considerado inferior aos ‘doutores’ da cidade” (TINHORÃO, 1991). O rótulo de desinformado, atrasado, veio justamente da elite que dominava o país, o que pode ser entendido como tentativa de descaracterização pelas classes dominantes, que se sentiam incomodadas. O pioneiro caipira Cornélio Pires dizia que há caipiras de várias línguas e cores, o caipira preto (ex-escravo que aderiu ao modo de viver da terra), o caipira branco (mestiço originário do estrangeiro branco), o caboclo (descendente de índios catequizados) e o mulato (descendente de preto com branco e caboclo). Mas a mistura não acaba por aí, há também o caipira imigrante, primeiramente o imigrante italiano e depois o alemão, espanhol, russo e japonês. 1.3 A MÚSICA CAIPIRA O povo brasileiro não tem um padrão único cultural, mas a falta dessa homogeneidade não é prejudicial. A troca e interação das culturas é um processo que altera as características pré-estabelecidas, muitas vezes, isso modifica o sentido 16 de determinada cultura. Como sabemos, o Brasil é um país imenso, uma das razões da riqueza cultural. O berço da música caipira é o solo brasileiro, rico em tradições e costumes. Sendo assim, a cultura brasileira tem muitas características e a música caipira é uma delas. A música caipira nasceu de forma espontânea, sua literatura tem a forma lírico-narrativa. Seria difícil precisar seu surgimento. Os estudos revelam que ela chegou ao nosso país com as caravelas. A origem da musica caipira é a origem do nosso país. A viola era moda em Portugal na época de Cabral. Então ela se desenvolve em nosso país com o passar do tempo, mas não seria criada ou inventada aqui no Brasil. Nessa disseminação, a música caipira passa pelo processo de transformação e ganha outras formas e estilos em contato com indígenas, africanos, contribuindo assim para a formação de cantos e danças, tais como o cateretê, o cururu e o recortado, que tem origens indígenas e traços africanos. Outros exemplos são a toada e o pagode, inventado por Tião Carreiro, que seria uma mistura do recortado mineiro com a catira e a moda de viola. O papel dessa transformação não ficou somente com os brancos e os indígenas, pois os africanos deram mais qualidade à música caipira, contribuindo ritmicamente. Dessa forma compreende-se melhor por que a música caipira imprime profundamente um tom nostálgico. Essa última retrata fielmente uma novela, é uma literatura musicada no estilo romanceado. Podemos afirmar que a música caipira é de origem branca nas formas e rimas, porém africana, europeia e indígena nos sentimentos. Darcy Ribeiro afirma que os mestiços se encarregaram de espalhar os costumes e sentimentos pelos eitos dos sertões. A música caipira revela sua alma formada pelas etnias que compõem o Brasil, e expressa o sentimento do português saudoso, o índio agredido em seu ambiente, o africano escravizado e, por que não, o sem-terra que sonha com seu pedaço de chão. A narrativa na música caipira é de caboclo, com toda sua sabedoria. Essa música é feita com o uso do próprio dialeto caipira, que surgiu no século XVIII. Na época a língua geral foi proibida pela Coroa portuguesa, então passou a se falar o 17 português com sotaque indígena Nheegatu, como as palavras: "muié", "cuié", "zóio", "orêia", "falá", "dizê", "comê". A fala caipira não é errada, mas sim uma variante da lingua caipira. O poeta caipira José Furtuna, um dos patriarcas, descendente de calabreses, dizia que a moda caipira é um subproduto da imigração principalmente africana e europeia. O cantor Tinoco era filho de espanhol e de índia e atribuía o sucesso de bom cantador justamente a essa mistura de raças. A música caipira, para ser verdadeira, não tem grossura e nem vulgaridade, dizia o violeiro Pena Branca, já falecido e que fez dupla com o seu irmão Xavantinho, também falecido. A moda caipira fala de um amor puro, não fala de desejos lascivos e pensamentos impuros. A calidez do sexo é tocada com pudor e recato. Um exemplo disso seria a música de Elpídeo dos Santos “Você Vai Gostar”: “Orgulhoso, vou levar você de braço dado atrás da procissão. Vou com meu terno riscado, uma flor do lado e meu chapéu na mão” Por ter base na literatura oral, a música caipira funciona com um registro eterno, Ad perpetuam rei memoriae. Os fatos e as situações são eternizados nas canções como marca do registro da história e do patrimônio espiritual das comunidades, das pessoas e das famílias. A presença poética não poderia ser esquecida nessa formação. O poeta é aquele que enxerga além, antes de todo mundo, e na música caipira é aquele que encarna os anseios pessoais ou coletivos para transformar em moda caipira. Em algumas canções o poeta se revela de forma heróica, como no exemplo de parte da música “Na Barba do Leão”, do compositor Lourival dos Santos, o maior parceiro de músicas do cantor e compositor Tião Carreiro: “Passo por cima das nuvens/Esbarro no trovão. Danço no meio da chuva/Bem no meio do clarão” Mas, apesar de toda sua importância, a música caipira, assim como a cultura caipira, ainda é maltratada em nosso país pelo menosprezo e preconceito vindos geralmente da arrogância da elite, embora hoje viva um renascimento, sendo resgatadas muitas canções antigas no estilo de moda de viola pelos cantores sertanejos contemporâneos, conhecidos como sertanejos universitários. 18 Embora não estamos a abordar aqui a música sertaneja e a neo sertaneja ou sertaneja universitária, necessitamos entender um pouco dessa diferença que, para muitas pessoas, não existe. Percebe-se que a música caipira está para a sertaneja a mesma distância que o samba de raiz para os grupos de pagode populares. No livro “O que é música sertaneja”, Caldas entende que música caipira é aquela canção anônima e tem a ver com folclore, enquanto por música sertaneja, ele classifica aquela que já é produzida no meio urbano-industrial. Ele apresenta as características da música caipira: 1) Possui a função de facilitar as relações sociais entre a comunidade possibilitando maior sociabilidade entre os caipiras. Note-se ainda que, nas sociedades rurais em desagregação, essa música já não tem mais essa função. 2) O anonimato da composição. Na música caipira quase nunca se sabe quem fez a letra e a música. Isso, no entanto, é produto do amadorismo presente no folclore, que determina sendo prejudicial ao artista. 3) A criação coletiva da canção. Este é um acontecimento muito comum na música caipira. Das festas populares, em que se reúnem centenas e às vezes até milhares de pessoas, o artista popular e seus parceiros criam em cima do acontecimento elaborando letra e melodia reportando-se à festividade em si, ou apenas usando-a como tema para dar vazão a sua criatividade, a sua inspiração. Existe hoje um número muito grande dessa modalidade musical de criação coletiva, mas apenas a Festa do Divino, a dança de São Gonçalo ou a Folia de Reis, por exemplo, são citadas. Na verdade, o nome ou os nomes dos compositores terminam sendo substituídos pelo da cidade ou povoado onde foi criada a canção. É por isso que ouvimos falar da “Cana-verde de Piracicaba”, do “Recortado de Olímpia”, do “Cururu de Tietê” e assim por diante. O nome ou os nomes dos seus compositores perderam-se no tempo por falta de registro. Assim, ela incorpora-se ao folclore da região. 4) Na música caipira há sempre o acompanhamento vocal. Isto porque os rituais religiosos e as músicas de trabalho e de lazer do canto rural profano guardam tradição da presença das cantorias coletivas. Além disso, essa música é produto das relações sociais entre as pessoas que compõem o universo da “cultura rústica”, como denominou o Professor Antônio Candido. Nesse caso, o autor da canção reproduz, através de sua arte, as concepções coletivas e o estilo de vida do caipira paulista. 5) A música caipira não teria a mínima chance de sucesso na indústria fonográfica. O tempo de duração das canções é geralmente muito longo, e isso às vezes a torna monótona. Adaptá-la às exigências da Indústria Cultural aparentemente seria a solução. Isso, no entanto, a descaracterizaria, adulterando sensivelmente suas formas originais, perdendo, portanto, a própria identidade enquanto produto lúdico da cultura rústica. 6) O último traço que identifica a música caipira envolve questões técnicas, mas é imprescindível citá-lo. Seus componentes formais, ou seja, instrumentos musicais (viola, triângulo, adufe, rabeca, reco-reco de chifre, surdo, tarol e pandeiro), tessitura musical e andamento a tornam mais rítmica do que melódica, a despeito da forma anasalada de cantar, herança da cultura musical africana absorvida pelo paulista. (CALDAS, 1987, p. 2528) 19 Essas características apresentadas por Caldas explicam que, para ele, a música caipira tem relação com o folclore. É uma música com funções sociais e que representa a tradição do povo em que está inserida. Embora a música caipira passe por transformações, em muitos lugares interioranos a tradição é cultivada e passada de pais para filhos, os violeiros fazem seus seguidores também. Pelo tempo de existência, a música caipira está perpetuada, como se pode verificar abaixo no verso do violeiro Zé Mulato, em homenagem ao violeiro Tião Carreiro e à tradição da música caipira: E hoje, por onde eu passo eu encontro violeiro Com menos de 30 anos imitando o Tião Carreiro Tocando e ponteando a viola quase sempre pagodeiro Ergue a espada e segue os passos do nosso grande guerreiro Que tombou mas não morreu sua semente cresceu Descansa em paz, companheiro. 1.4 A RAIZ RELIGIOSA A viola conta com a contribuição dos jesuítas, que através das atividades religiosas e artísticas, espalharam esse estilo musical. O folclorista Gilberto Rezende afirma que os jesuítas usaram a catira para ensinar os índios a rezar e esses assumiram de tal forma a cantoria que depois de um tempo já a faziam sem mais rezar. A música caipira vem sempre acompanhada de algum ritual religioso, de trabalho ou de lazer. Esta música é característica da região Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, podendo ser encontradas em todo o Brasil formas similares, até hoje, na religião popular, sendo que a Dança de São Gonçalo, a Folia do Divino e a Folia de Reis são exemplos deste tipo de música. Para o autor, a lógica da música caipira é a da festa e da celebração realizadas nas comunidades do interior, em que a ritualização do cotidiano é marcada por dois elementos: o ciclo da natureza e o das comemorações litúrgicas do catolicismo popular (MARTINS, 1975, p. 103-161). Nesse cenário religioso, a música caipira se faz presente e se perpetua nas regiões rurais do Brasil, cenário em que alguns movimentos sociais ganharam força: O campo religioso se constitui de forma significativa a partir da influência da Igreja Católica sob a perspectiva da Teologia da Libertação, que enfatiza uma prática religiosa ligando fé e vida, comprometida com a transformação social (PIANA, 2007, p1). 20 Existe um acervo de músicas com referências religiosas que estão presentes nos movimentos sociais, mas que talvez ainda não foram recolhidas de forma ampla. Uma riqueza simbólica com a expressão emotiva do povo, mística e que vai além da teoria religiosa, pois são músicas que brotaram na prática da promoção social. Nesse cenário político e religioso dos movimentos sociais, se faz presente a música caipira. É muito comum ainda hoje em muitas cidades do interior a realização das missas caipiras, ou ainda na região central do interior de São Paulo as missas que marcam o inícío das safras de cana-de-açúcar, com a presença de violeiros que cantam sua devoção. 1.5 OS RITMOS E DANÇAS 1.5.1 O cururu Embora possa ser encontrado no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a tradição e origem do cururu é do interior de São Paulo, precisamente das margens do Rio Tietê. No Centro-Oeste é típica das festas dos santos padroeiros, principalmente do Divino Espírito Santo e de São Benedito. Alguns pesquisadores afirmam que é uma dança de origem tupi-guarani, de função ritualística. Outros a consideram uma dança que recebeu igual influência do misticismo indígena, dos ofícios jesuítas e dos negros africanos. Inicialmente como dança de roda e usada pelos jesuítas na catequese, foi evoluindo para dança de festa religiosa e atualmente pode ser só cantada, em versos e desafios. A origem do nome também é controversa. Há duas teorias: uma que diz que vem de "caruru", uma planta que era cozida com o feijão servido antes do início das orações e da dança; e outra que remete a origem ao sapo-cururu. Atualmente, no Centro-Oeste ainda é dançada nas festas do Divino e de São Benedito. Em São Paulo, ela é mais um desafio de violeiros. São usados a viola-decocho, o reco-reco e o ganzá. Cada violeiro desafia o outro, como um repentista. O tempo é marcado pela viola e pelo público, que acompanha cada verso e resposta. 21 Nas festas religiosas o cururu é cantado e dançado somente pelos homens. O ponto alto da apresentação é o momento em que o Divino "pousa", quando o cururueiro (ou canturião) canta e saúda sua chegada. Nesse momento ele deve mostrar sua habilidade em citar versos bíblicos e a partir deles criar histórias cujo rumo ele determinará, como uma narrativa. Entretanto, hoje os temas são mais livres, podendo incluir conteúdo político, social e até esportivo. 1.5.2 A catira A catira, também chamada de cateretê, é uma dança que ocorre ao som de viola e tem seu ritmo marcado com as batidas dos pés e das mãos. É uma dança típica do interior do Brasil e encontrada principalmente nos estados do Mato Grosso, Paraná, Minas Gerais, Goiás e São Paulo. A catira traz em sua formação as culturas indígenas, africanas e europeias.Tradicionalmente a dança é realizada por homens formando duplas e pares, geralmente com seis ou dez componentes, ainda conta com a presença da dupla de violeiros que cantam a moda para a execução da dança. Essa mescla de cultura que dá origem à dança ocorre entre os bandeirantes no período do seu acampamento. Mas é certo que desde a catequisação de Anchieta as danças eram presentes entre os indígenas, e possivelmente nesse encontro de danças e de violas trazidas pelos europeus e usadas na catequisação, o ritmo tenha se fundido. 1.5.3 Folia de Reis A Folia de Reis é originária de Portugal, em celebrações do Natal pelos católicos. Chegou ao país juntamente com as caravelas, participa da formação cultural brasileira e se perpetua. Tradicionalmente a Folia de Reis ocorre tendo como cenário o Natal, em que é explorada a visita dos Reis Magos. Os desfiles dos foliões são realizados desde o 22 início de dezembro e perduram até o fim de janeiro em algumas regiões, mas a data mais importante é o dia 6 de janeiro. Na cultura brasileira, os festejos eram comemorados por grupos que visitavam as casas tocando músicas alegres em louvor aos “Santos Reis” e ao nascimento de Cristo. Essa tradição é muito viva hoje em dia, e é comum encontrar grupos nas cidades do interior do Brasil conservando a tradição. Percebe-se também a preocupação em informar a população sobre a Folia de Reis. Em seguida cito um texto distribuído por algumas pessoas que acompanhavam o grupo de Folia de Reis na cidade de Brotas, interior de São Paulo, durante o período de Natal do ano de dois mil de sete, intitulado “O que é Folia”: Em algumas regiões as canções de Reis são por vezes ininteligíveis, dado o caos sonoro produzido. Isto ocorre quase sempre porque o ritmo ganhou, ao longo do tempo, contornos de origens africanas com fortes batidas e com um clímax de entonação vocal. Contudo, um componente permanece imutável: a canção de chegada, onde o líder (ou Capitão) pede permissão ao dono da casa para entrar, e a canção da despedida, onde a Folia agradece as doações e a acolhida, e se despede. No Sul de Minas um grupo de Folia de Reis é composto da Bandeira ou Estandarte, que é decorado com figuras alusivas ao menino Jesus, ou mesmo com palavras relativas à data. Outro componente importante é o Bastião, que se veste de modo característico, mascarado e sempre porta uma espada. Este tem a função de folião propriamente dito, levando alegria por onde a folia passa, e como que abrindo caminho para a passagem da Folia que de certa forma representa os próprios Reis Magos. O Bastião tem também a função de citar textos bíblicos e recitar poesias alusivas. Na sequência o grupo de vozes se organiza em mestre, ajudante, contralto, tipe, retipe, contratipe, tala, ou finório. Na verdade esses nomes se referem a uma organização das vozes em tons e contratons, durante a cantoria, o que leva à formação de um coro muito agradável aos ouvidos. O mestre, por sua vez, tem papel especial de iniciar o canto, que é feito em versos e de improviso, agradecendo os donativos da casa visitada. 23 Os outros componentes então repetem os versos, cada qual em sua voz, na cadência definida pelo mestre, acompanhados pelos instrumentos que portam. 1.6 AS DUPLAS CAIPIRAS E OUTROS PERSONAGENS O caminho “da roça ao rodeio” apresentado por Rosa Nepomuceno (2000) constitui fonte fundamental para que se possa conhecer e acompanhar o surgimento de figuras-chave, de compositores, de cantores, de duplas e outros personagens. Uma das primeiras figuras mencionadas é João Pacífico, que chega a São Paulo em 1924, com 15 anos, e se torna expoente do que veio a se chamar música caipira. Sua trajetória condensa o processo daqueles caipiras que vão tentar a vida na capital e que vivenciam o processo de transformação da cidade e da música. Foram esses migrantes que, com sua viola de cinco pares de cordas duplas de arame, levaram para as cidades os cateretês, os cururus, as modas de viola. Junto com as modas de viola também difundiram crenças e lendas sobre o violeiro. Os versos da música caipira contam as aventuras das pessoas que tocavam gado – os tropeiros –, que faziam a ligação entre povoados isolados. Os cantadores são aqueles que ficam divertindo os membros da comitiva, chorando saudades, narrando “causos”. O itinerário das comitivas aponta a trilha de cidades onde a música caipira se desenvolveu. Sorocaba foi a cidade que abrigou a maior feira de muares, iniciada em 1733. Em torno desse evento, que existiu por 164 anos, foram criados outros serviços para receber os visitantes. No rastro do café também passavam lavradores, tropeiros, boiadeiros, violeiros, aventureiros, benzedores, artesãos e biscateiros, entre outros. “Onde tinha café, tinha dinheiro, emprego e a mais vibrante moda de viola.” Nesse triângulo Botucatu-Piracicaba-Sorocaba difundiu-se a música caipira. Nomes como Tonico e Tinoco, Raul Torres, Carreirinho e Angelino de Oliveira são apresentados no livro. Cornélio Pires foi o folclorista fundamental na divulgação da cultura caipira do século XX. Produziu 25 livros, entre eles “Musa Caipira” (1910), “Quem Conta um Conto” (1919) e “Conversas ao Pé do Fogo” (1921). 24 Fez palestras, representou roceiros em monólogos criados por ele, montou caravanas de violeiros, cantadores e humoristas, apresentando-se em palcos e picadeiros. Foi Cornélio Pires quem, em 1929, prensou o primeiro disco de música e humor caipira. Levou para São Paulo cantadores e violeiros da região de Piracicaba, interessado que estava em gravar a autêntica música caipira. Os discos que produziu apresentavam anedotas, desafios, declamações, cateretês, modas de viola, e foram vendidos pelo interior com enorme sucesso. Foi também ele quem descobriu várias outras figuras, como Batista Júnior (pai de Linda e Dircinha) e Nhá Zefa (Maria Di Léo), preferida de Cornélio, nascida na capital e filha de italianos. Tanto o caipira quanto o sertanejo estavam fugindo da pobreza e desembarcavam em São Paulo e no Rio de Janeiro com esperança de mudar de vida. Eles traziam consigo uma força muito grande para enfrentar o trabalho duro e “sobreviver ao desterro”. Alvarenga (mineiro) e Ranchinho (paulista) compõem outra dupla famosa que atuou como caipira no filme “Fazendo Fitas” (1935), de Ariovaldo Pires, o Capitão Furtado, figura também importante no campo de música caipira e sobrinho de Cornélio Pires. Vejamos como Rosa Nepomuceno conta o surgimento de outros tipos famosos: No Arraial do Capitão Furtado, em 1943, apareceu um trio simplezinho, malvestido, formado pelos irmãos Perez e mais um primo que tocava sanfona. Lá das plantações de café e algodão das fazendas de Botucatu, os filhos de um imigrante espanhol chegavam dispostos a sair da situação de extrema pobreza em que viviam (…). Venceram o concurso para substituir os principais violeiros do programa (de rádio) e arrumaram o emprego. Capitão comentou que aquele nome espanhol não combinava com uma dupla tão original e brasileira. Sugeriu o nome Tonico e Tinoco, e assim passaram a ser apresentados. Dois anos depois gravaram o primeiro disco, ‘Em vez de me agradecê’ (…). Teriam, a partir daí, a carreira mais brilhante e estável das duplas caipiras (NEPOMUCENO, 2000, p. 135). Os momentos gloriosos da música e do humor caipira foram, segundo Rosa Nepomuceno, os anos 1940 e 1950, já nos anos 1960 a música sertaneja perdeu espaço. Acompanhando a trajetória da música de inspiração rural, Rosa Nepomuceno vai ressaltar os primeiros passos do ressurgimento da música caipira. 25 Chitãozinho e Xororó surgem em 1970; Milionário e Zé Rico estouram em 1975; Sérgio Reis, Rolando Boldrin e Almir Sater são figuras da nova safra. 1.7 CONCLUSÃO Neste capítulo será explorado o tema “música caipira” desde suas origens. Percorremos sua história, vimos personagens importantes e aqui chegamos para refletir e constatar o que se passa com essa cultura brasileira. Analisando pessoalmente o contexto da música caipira na minha região, interior de São Paulo, e certamente o que se passa hoje aqui reflete em toda região em que a música caipira se faz presente, percebe-se que a música caipira tem uma parte antiga e uma parte que muda. Encontramos três correntes, a música caipira suburbana, dos jovens sertanejos; a urbana, dos violeiros eruditos; e por fim a rural, grupo de raiz. A suburbana é formada pelas duplas de jovens sertanejos, com música temática suburbana, mantendo apenas a formação de dueto em terça como identidade caipira. A urbana, em que a viola é tratada como um instrumento de solo, com muita técnica musical. São os músicos das orquestras, das salas de concertos. A rural, os chamados raizeiros, admiradores e cultivadores da tradição caipira genuína, com a dupla cantando com viola e violão. Seus temas são a roça, a lida do campo, a fé, os bichos, a natureza e as coisas simples. Dada a ameaça de extinção, é cada vez mais importante – e urgente – resgatar e resguardar o tesouro constituído pelo repertório da música caipira como um valor estético e cultural, reconhecido e avalizado pelo mais rigoroso dos críticos: o tempo (HAMILTON RIBEIRO, 2006, p. 244). 26 CAPÍTULO II TIÃO CARREIRO E PARDINHO - VIDA E OBRA A proposta deste capítulo é compreender a vida e a obra desta dupla caipira. O material pesquisado conta com dados informativos coletados em sites específicos de assuntos sobre a dupla, de acervo pessoal e de livros. O objetivo é visitar o mundo pessoal de cada violeiro, compreender sua carreira artística, sua expressão religiosa. Dessa forma foi feito um levantamento histórico sobre Tião Carreiro e Pardinho. 2.1 BIOGRAFIA José Dias Nunes, conhecido como Tião Carreiro, nasceu em Montes Claros no dia 13 de dezembro de 1934 e veio a falecer em Sáo Paulo em 15 de outubro de 1993. Cresceu numa fazenda em Araçatuba, Interior do estado de São Paulo, começou a tocar violão ainda pequeno, com 8 anos de idade, quando também já cuidava do arado e dos afazeres na roça. Aprendeu a tocar viola caipira na adolescência, praticamente sozinho, sem nunca ter tido um professor. Isto porque em 1950, com apenas 13 anos, Tião Carreiro trabalhava no Circo Giglio, onde já cantava com seu primo Waldomiro, da dupla Palmeirinha & Coqueirinho. O dono do circo dizia que "dupla de violeiros tinha que tocar viola" enquanto que, na época, Tião tocava violão. No mesmo ano, o circo apresentava em Araçatuba a dupla Tonico & Tinoco. E enquanto os irmãos estavam no hotel, Tinoco havia deixado sua viola no circo e Tião aproveitou para "decorar a afinação escondido". Tião Carreiro cantou em diversas duplas, tendo adotado diferentes nomes artísticos, tais como Zezinho (com Lenço Verde), Palmeirinha (com Coqueirinho) e Zé Mineiro (com Tietezinho). Lenço Verde e Coqueirinho eram pseudônimos do mesmo parceiro, Waldomiro, que era primo de Tião Carreiro. Suas parcerias mais 27 famosas foram com Antônio Henrique de Lima (o Pardinho) e Adauto Ezequiel (o Carreirinho, falecido em 2009, que foi o professor de Tião Carreiro). Alcançou sucesso ao formar dupla com Pardinho, e foi o inventor do pagode de viola — não se confunda com o pagode do samba — Hoje em dia, esse termo é muito conhecido entre os violeiros. Dentre os maiores sucessos de Tião Carreiro estáo: “Pagode em Brasília”, que foi o primeiro pagode, criado juntamente com Teddy Vieira e Lourival dos Santos, em 1959, “Boi Soberano”, “Filhinho de Papai” e “Cochilou Cachimbo Cai”, entre outros. A discografia de Tião Carreiro soma mais de 45 discos, sendo considerada hoje em dia "cult" pelo admiradores de música sertaneja. É encontrada facilmente em qualquer loja de discos do Brasil. Tião ficou doente ainda no auge de sua carreira, com diabete. Veio a falecer no dia 15 de outubro de 1993 em São Paulo. Foi e ainda é considerado o rei do pagode. Antonio Henrique de Lima, conhecido como Pardinho nasceu em São Carlos, em 14 de agosto de 1932. Pardinho nasceu na Fazenda São Joaquim e em seguida mudou-se para a Fazenda Figueira Branca. Faleceu em Sorocaba, a 2 de junho de 2001. Foi um o grande pardeiro de Tião Carreiro. Pardinho começou cantando com o nome de Miranda e formou dupla com Zé Carreiro (da dupla Zé Carreiro & Carreirinho) em 1956, para concorrer em concurso para violeiros lançado pela R. A dupla ganhou o prêmio com o cururu “Canoeiro”. A partir daí, Antonio Henrique adotou o pseudônimo de Pardinho e começou a criar seus próprios sucessos. Pardinho fez sucesso com o companheiro Tião Carreiro com a dupla Tião Carreiro & Pardinho. A discografia de Pardinho e Tião Carreiro soma mais de 45 discos, encontrados facilmente em qualquer loja de discos do Brasil. Embora tenha se mudado muito jovem de São Carlos, entre 13 e 14 anos, Pardinho sempre visitava a cidade no dia 15 de agosto, pois era devoto de Nossa Senhora Aparecida da Babilônia. Em janeiro de 1963, casou-se com Lucília Pires de Lima, e o casal passou a lua-de-mel no município. Tiveram dois filhos, Carlos Henrique e Rosângela Aparecida de Lima, que lhes deram duas netas, Lívia e Daniele de Lima. 28 2.2 FORMAÇÃO DA DUPLA Em 1954, Tião Carreiro conheceu Pardinho no Circo Rapa Rapa, em Pirajuí (SP), quando Tião ainda tinha o pseudônimo de Zé Mineiro. Lá, eles cantaram pela primeira vez. Em 1956, resolveram tentar a sorte em São Paulo, onde conheceram Teddy Vieira, que, ouvindo a dupla, batizou José Dias Nunes de Tião Carreiro . Em novembro de 1956, gravaram o primeiro disco juntos com destaque para as músicas “Cavaleiro do Bom Jesus” (João Alves, Nhô Silva e Teddy Vieira) e “Boiadeiro Punho de Aço” (Teddy Vieira e Pereira). A dupla Tião Carreiro e Pardinho é considerada uma das principais da música sertaneja de raiz, sendo seus artistas de primeira linha no gênero. Encenaram também duas peças teatrais, “O Mineiro e o Italiano”, um melodrama baseado na música, e “Pai João”, o drama de um velho carreiro. Gravaram o filme “Sertão em Festa”, com grande sucesso. Tião Carreiro e Pardinho chegaram a gravar quase 30 LPs, todos remasterizados em CDs, que continuam em catálogo e os quais apresentaremos a seguir. 2.3 DISCOGRAFIA 1961 Rei do Gado - Tião Carreiro e Pardinho 1962 Meu Carro é Minha Viola - Tião Carreiro e Carreirinho 1963 Casinha da Serra - Tião Carreiro e Pardinho 1964 Linha de Frente - Tião Carreiro e Pardinho 1964 Repertório de Ouro - Tião Carreiro e Pardinho 1965 Os Reis do Pagode - Tião Carreiro e Pardinho 1966 Boi Soberano - Tião Carreiro e Pardinho 1967 Pagode na Praça - Tião Carreiro e Pardinho 29 1967 Os Grandes Sucessos de Tião Carreiro e Pardinho 1967 Rancho dos Ipês - Tião Carreiro e Pardinho 1968 Encantos da Natureza - Tião Carreiro e Pardinho 1968 Tião Carreiro e Pardinho e Seus Grandes Sucessos 1969 Em Tempo de Avanço - Tião Carreiro e Pardinho 1970 Sertão em Festa - Tião Carreiro e Pardinho 1970 Show - Tião Carreiro e Pardinho 1970 A Força do Perdão - Tião Carreiro e Pardinho 1971 Abrindo Caminho - Tião Carreiro e Pardinho 1972 Hoje Eu Não Posso Ir - Tião Carreiro e Pardinho 1973 Sucessos de Tião Carreiro e Pardinho 1973 Viola Cabocla - Tião Carreiro e Pardinho 1973 A Caminho do Sol - Tião Carreiro e Pardinho 1974 Modas de Viola Classe "A" - Tião Carreiro e Pardinho 1974 Esquina da Saudade - Tião Carreiro e Pardinho 1974 Tangos em Dueto - Tião Carreiro e Pardinho 1975 Modas de Viola Classe "A" - Volume 2 - Tião Carreiro e Pardinho 1975 Duelo de Amor - Tião Carreiro e Pardinho 1976 Rio de Pranto - Tião Carreiro e Pardinho 30 1976 Os Grandes Sucessos de Tião Carreiro e Pardinho - Volume 2 1976 É Isto que o Povo Quer - Tião Carreiro em solos de viola caipira 1977 Pagodes - Tião Carreiro e Pardinho 1977 Rancho do Vale - Tião Carreiro e Pardinho 1978 Terra Roxa - Tião Carreiro e Pardinho 1978 Viola Divina - Tião Carreiro e Paraíso 1979 Disco de Ouro - Tião Carreiro e Pardinho 1979 Golpe de Mestre - Tião Carreiro e Pardinho 1979 Pagodes - Volume 2 - Tião Carreiro e Pardinho 1979 Tião Carreiro em Solo de Viola Caipira 1979 Seleção de Ouro - Tião Carreiro e Paraíso 1980 Homem Até Debaixo D´Água - Tião Carreiro e Paraíso 1981 Prato do Dia - Tião Carreiro e Paraíso 1981 4 Azes - Tião Carreiro & Paraíso e Pardinho & Pardal 1981 Modas de Viola Classe "A" - Volume 3 - Tião Carreiro e Pardinho 1982 Navalha na Carne - Tião Carreiro e Pardinho 1983 No Som da Viola - Tião Carreiro e Pardinho 1984 Modas de Viola Classe "A" - Volume 4 - Tião Carreiro e Pardinho 1985 Felicidade - Tião Carreiro e Pardinho 31 1986 Estrela de Ouro - Tião Carreiro e Pardinho 1988 A Majestade "O Pagode" - Tião Carreiro e Pardinho 1992 O Fogo e a Brasa - Tião Carreiro e Praiano 1994 Som da Terra - Tião Carreiro e Pardinho 1994 Som da Terra - Tião Carreiro e Pardinho - Volume 2 - Pagodes 1994 Som da Terra - Tião Carreiro e Pardinho - Volume 3 - Modas de Viola 1996 Saudades de Tião Carreiro - Diversas Duplas 1998 Sucessos de Ouro de Tião Carreiro e Pardinho - As Românticas 1999 Popularidade - Tião Carreiro e Pardinho 2001 Warner 25 Anos - Tião Carreiro e Pardinho 2003 Os Gigantes - Tião Carreiro e Pardinho 2006 Warner 30 Anos - Tião Carreiro e Pardinho 2.4 SERTÃO EM FESTA O filme “Sertão em Festa” é estrelado por Tião Carreiro e Pardinho, Simplício, Saracura, Nhá Barbina, Francisco Di Franco, Marlene Costa e Clenira Michel, com músicas de Tião Carreiro e Pardinho, Duo Glacial, Mariazinha e Zenilton, Luiz Gomes e os Catireiros de Sorocaba/Piracicaba, direção de produção Sergio Ricci, assistente de direção Enzo Barone, roteiro de Osvaldo de Oliveira e Enzo Barone, história original de Cornélio Pires, dirigido por Osvaldo de Oliveira, ano 1970. Simplício, sua esposa Nhá Serena, sua irmã Nhá Barbina e sua filha Luciana vivem tranquilamente num sitio no interior. Arlindo, o filho mais velho, formado em engenharia na capital, chega ao sitio com um corretor de imóveis e vende o imóvel 32 do pai por uma verdadeira fortuna, pois as terras possuem um imenso lençol petrolífero. A imensa fortuna e a transferência para uma enorme mansão na capital provocam uma profunda transformação na vida da pobre família. Luciana é obrigada a se separar de seu noivo, Chico; Simplício de seus amigos, Saracura, o português do armazém, e os violeiros Tião Carreiro e Pardinho. Apesar de todo luxo em que vive, a vida na cidade torna-se insuportável para Simplício. Seus amigos, ao saber disso, resolvem ir para a cidade e trazer de volta para o interior a pobre família. Pronto! A confusão está armada! Imagine só esse bando de caipiras, acostumados à vida pacata do interior, bem no meio da cidade grande, a capital! É confusão na certa para deixar qualquer um bem doido, uma verdadeira festa, festa no sertão. 2.5 CONCLUSÃO Tião Carreiro e Pardinho formaram uma das duplas mais importantes da música caipira. Os artistas gravaram mais de 40 discos juntos, e hoje são referência na música caipira. Neste capítulo encontram-se as informações mais importantes e curiosas da dupla. A vida de cada um abordada na biografia, a formação da dupla e seu legado. 33 CAPÍTULO III TONICO E TINOCO - VIDA E OBRA A dupla sertaneja Tonico & Tinoco era considerada uma das mais importantes da história da música brasileira e uma das de maior referência. Em 60 anos de carreira, Tonico e Tinoco realizaram quase mil gravações, divididas em 83 discos. As gravadoras a que eles pertenceram já lançaram no mercado um total de 60 CDs. Tonico e Tinoco venderam mais de 150 milhões de cópias, realizando cerca de 40.000 apresentações em toda a carreira. O gosto pela música veio dos avós maternos, Olegário e Izabel, que alegravam a colônia com suas canções ao som de uma antiga sanfona. A primeira música que aprenderam foi “Tristeza do Jeca”, em 1925. Em 15 de agosto de 1935 fizeram a primeira apresentação profissional. Cantaram na Festa de Aparecida de São Manuel, onde milhares de pessoas de todo o Brasil visitam o segundo santuário dedicado à Padroeira do Brasil. Ao lado de seu primo primo Miguel, formavam o Trio da Roça. 3.1 BIOGRAFIA Em 1931, Tonico e Tinoco moravam em Botucatu (SP), na fazenda Vargem Grande, de Petraca Bacci, com os pais, Salvador Perez - um espanhol de Léon, chegado ao Brasil ainda criança, em 1892, e Maria do Carmo, uma brasileira descendente de negros com bugres. No fim do ano agrícola de 1937, os Pérez decidiram, com outras famílias, tentar a vida na cidade de Sorocaba (SP). As irmãs Antonia, Rosalina e Aparecida foram trabalhar na fábrica de tecidos Santa Maria. Tonico foi ser servente na Pedreira Santa Helena, fábrica do cimento Votorantim. Tinoco virou engraxate na Estação Sorocabana e Chiquinho engajou-se na construção da Rodovia Raposo Tavares, que liga o sul de São Paulo ao Mato Grosso do Sul. A crise econômica do país chega ao auge. Getúlio Vargas implanta a 34 ditadura do Estado Novo. Adolf Hitler invade e ocupa a Tchecoslováquia e depois a Polônia. Começa a Segunda Guerra Mundial. A vida em Sorocaba fica insuportável, nada dá certo para os Pérez e eles decidem retornar ao campo, agora para a fazenda São João Sintra, em São Manuel (SP). A volta, contudo, possibilitou aos irmãos Perez a primeira chance de cantar numa rádio. O administrador da fazenda, José Augusto Barros, levou-os para cantar na Rádio Clube de São Manuel - ainda hoje lá, na Rua Coronel Rodrigues Alves, no centro da cidade. Assim, até o final de 1940, eles trabalham na roça durante a semana e aos domingos cantam na emissora da cidade. Só por amor à arte, sem ganhar. As dificuldades levaram os Pérez a uma derradeira migração. Em janeiro de 1941 chegam a Sçao Paulo de mala e cuia - quatro sacos com os “trens” de cozinha e duas trouxas de roupa. Pela falta de profissão, as meninas vão trabalhar em casa de família, Tinoco, num depósito de ferro-velho, Chiquinho consegue emprego na metalúrgica São Nicolau e Tonico, sem outra alternativa, compra uma enxada e vai ser diarista nas chácaras do bairro de Santo Amaro. Os tempos duros da cidade grande tinham lá sua compensação, principalmente aos domingos, quando a família ia ao circo, na Rua Lins de Vasconcelos no então pacato bairro do Cambuci. Num desses espetáculos, os irmãos conheceram pessoalmente Raul Torres e Florêncio, a dupla de violeiros mais famosa de São Paulo e que depois, com Rielli na sanfona, formaram na Rádio Record o famoso trio Os Três Batutas do Sertão. Em São Paulo, inscreveram-se no programa de calouros comandado por Chico Carretel (Durvalino Peluzo), na Rádio Emissora de Piratininga. O capitão Furtado, que estava sem violeiro em seu programa “Arraial da Curva Torta”, na Rádio Difusora, promoveu então concurso para preencher a vaga: os dois irmãos, formando a dupla Irmãos Perez, cantaram o cateretê "Tudo tem no sertão" (Tonico). Classificados para a final, interpretaram “Adeus Campina da Serra”, de Raul Torres e Cornélio Pires (este último um radialista e pesquisador que foi pioneiro no 35 estudo da vida sertaneja, especialmente a paulista, e que deixou uma extensa obra a respeito). Quando terminaram, o auditório aplaudiu em pé, em meio a lágrimas. Todos pediam bis àquela dupla que cantava diferente, com afinação, fino e alto. Todos os outros violeiros foram abraçá-los. O cronômetro marcava 190 segundos de aplausos, contra apenas 90 segundos da dupla segundo colocada. No dia seguinte o Trio da Roça estava contratado pela Rádio Difusora, que naquele período havia sido comprada pela Tupi FM, parte de ofensiva do jornalista Assis Chateaubriand para formar uma poderosa rede de veículos de comunicação os Diários e Emissoras Associados. Três meses depois o contrato foi renovado por dois anos e o salário foi acertado em cruzeiros, a nova moeda que aposentara os réis. Eram 1.200,00 uma fortuna, comparado ao salário mínimo da época, de 280,00. Já sem o primo Miguel, eles eram apenas os irmãos Pérez. Um dia, durante um ensaio do programa “Arraial da Curva Torta”, o Capitão Furtado - de batismo Arioswaldo Pires, sobrinho de Cornélio Pires, apresentador do programa e também lendário divulgador da música sertaneja - disse que uma dupla tão original, com vozes gêmeas, não poderia ter nome espanhol. Batizou-os, na hora, de Tonico & Tinoco. A divulgação nos programas da rádio transformava a dupla em sucesso imediato, fazendo surgir dezenas de convites para shows. A primeira apresentação foi no Cine Catumbi, em São Paulo, hoje transformado em uma casa de forró sertanejo. Depois rumaram para o interior, em excursões que demoravam semanas. Apresentavam-se em cinemas, clubes e até em pátios vazios de armazéns. Quando terminaram a primeira excursão, no Circo Biriba, em Ribeirão Preto, fizeram a partilha do lucro: quatro mil e quinhentos cruzeiros para cada um. A dupla estreou em disco, na Continental, em 1944, com o cateretê "Em vez de me agradecê" (Capitão Furtado, Jaime Martins e Aimoré), que foi lançado em 1945. Na gravação ocorreu um fato inusitado, pois eles gravaram a canção e, em seguida, quando foram gravar o lado B do disco, soltaram a voz tão alto, da forma como cantavam lá na roça, e estouraram o microfone . 36 Como o processo de gravação era algo muito caro, o disco saiu apenas com um lado, mas como punição a dupla precisou ficar seis meses fazendo aula de canto para educar a voz e voltar a gravar. Por isso que o lançamento do primeiro 78 rpm para o segundo é curto, pois a dupla gravou a primeira moda ainda em 1944. Bem-sucedidos com essa gravação, que serviu de teste, os irmãos gravaram seu primeiro disco completo, a moda de viola “Sertão do Laranjinha”, motivo popular adaptado pela dupla e Capitão Furtado, e “Percorrendo o meu Brasil" (com João Merlini), que foi sucesso imediato. No ano seguinte (1946) a fama definitivamente chegou com "Chico Mineiro" (Tonico/Francisco Ribeiro). Com o sucesso de “Chico Mineiro” a dupla consagrou-se definitivamente e tornou-se a mais famosa do Brasil. Uma curiosidade: quando Tonico & Tinoco foram gravar “Chico Mineiro” a gravadora havia informado que esse seria o último disco da dupla, pois eles já haviam gravado cinco discos e existia sempre uma reclamação dos ouvintes com relação à dupla. O motivo era que os fãs não entendiam o que eles estavam dizendo, a pronúncia deles nas letras das músicas. Foi então que surgiu “Chico Mineiro” e tudo mudou. Com o dinheiro que eles ganharam com essa música conseguiram comprar sua primeira casa para viver com a família. Desde então, tornaram-se a dupla sertaneja mais famosa do país. Ao final da Segunda Guerra Mundial, o número de emissoras de rádio saltou para 117, e os aparelhos receptores eram 3 milhões. Tonico & Tinoco estão agora na Rádio Nacional de São Paulo, onde nasceu um de seus mais marcantes programas. Um dia, o auditório estava ocupado com um ensaio e como eles precisavam entrar no ar, puxaram os microfones para fora e fizeram a apresentação do corredor. O locutor Odilon Araújo perguntou de onde o programa estava sendo transmitido e Tinoco respondeu: "Da beira da tuia". O nome ficou. Apesar da popularidade, o trabalho para a dupla sertaneja era garantido, porém limitado a circos somente. Felizmente nessa época, apenas em São Paulo havia cerca de 200 circos que iam ao interior para apresentação dos ídolos sertanejos do rádio. Em 1961 estreiam no cinema com o filme “Lá no Meu Sertão” de Eduardo Llorente, baseado na vida e obra de Tonico & Tinoco. No final de 1960 a dupla 37 recebera um golpe quase mortal, quando Tonico, tuberculoso desde 1940, precisou ser internado num hospital em Campos do Jordão (SP), cedendo lugar para o irmão Chiquinho tanto nos shows, quanto nos programas de rádio e gravações de discos. Tonico fez uma cirurgia e um tempo depois deixou o hospital com a certeza que não voltaria mais a cantar. Tinoco, através da Rádio Nacional, onde faziam o programa, pediu que os fãs rezassem pela saúde de Tonico, o qual ficou curado, e voltou a cantar com mais força e beleza. Em devoção a Nossa Senhora Aparecida, a quem a dupla atribuiu sua cura, construíram na Vila Diva em São Paulo (SP) uma capelinha que recebe romeiros e devotos até hoje. Em 1965 filmam “Obrigado a Matar”, de Eduardo Llorente, um filme baseado na lenda do Chico Mineiro. No ano de 1969, novas mudanças na carreira de Tonico & Tinoco, eles estreiam na Rádio Bandeirantes onde permanecem até 1983. No cinema, em 1969, fizeram “A Marca da Ferradura”, de Nelson Teixeira Mendes. Em 1970 Tonico e Tinoco resolvem lançar um LP intitulado “Recordando Raul Torres” em homenagem ao cantor. Conseguiram a autorização para gravar as músicas, entre elas, “Moda da Mula Preta”, “Pingo d´Água” e “Chico Mulato” (Raul Torres/João Pacífico), mas, infelizmente, Raul Torres não chegou a ouvir as gravações, tendo falecido dois meses antes. Gravaram “Transamazônica” (Tonico/Caetano Erba), em referência à famosa estrada do norte do Brasil, e “Minha Terra, Minha Gente” (Tonico), em homenagem a sua terra natal, São Manuel (SP). Filmaram ainda naquele ano “Os Três Justiceiros”, de Eduardo Llorente, uma espécie de bangue-bangue, sem muito sucesso. Em 1972, já com um enorme prejuízo, filmam “Luar do Sertão”, de Osvaldo de Oliveira, e desistem da carreira de ator. Quase faliram nessa incursão pelo cinema. Mazzaropi fazia sucesso e fortuna pois produzia, distribuía e fiscalizava seus filmes. Já Tonico e Tinoco, sem condições de ter um fiscal na porta de cada cinema em que seus filmes eram exibidos, foram passados para trás, arcando com um prejuízo imenso. Em 1979, precisamente no dia 6 de junho, Tonico e Tinoco fazem o que nenhum caipira havia sonhado: apresentam-se no Teatro Municipal de São Paulo, num show de três horas que reúne um público recorde de 2.500 pessoas. Da beira da tuia, celeiros centenários onde cantavam no passado, os irmãos Perez chegavam 38 a um dos mais famosos teatros do mundo, que até então só abria suas portas para óperas, balés e concertos eruditos. Permaneceram na Continental até 1982, emplacando vários sucessos. Naquele ano resolvem ir para a gravadora Copacabana, onde mudam seu repertório, passam a gravar músicas mais alegres, arrasta-pés divertidos e Nadir Perez, esposa de Tinoco, passa a assinar várias músicas com a dupla. No ano de 1983 estreiam o programa “Na Beira da Tuia” na TV Bandeirantes e lançam o filme “O Menino Jornaleiro”, só que dessa vez como coprodutores. Em 1984 participam do filme “A Marvada Carne”, de André Klotzel, como convidados especiais Em 1989 voltam para a Copacabana e gravam “Mãe Natureza” (Tinoco/José Carlos). Nesse disco Tonico já se encontrava bastante debilitado mas continuava sua carreira. No ano de 1994, com a produção de José Homero e Chitãozinho gravam na Polygram seu último trabalho, em que destaca-se “Coração do Brasil” (Joel Marques/Maracaí), com participação especial de Chitãozinho & Xororó e Sandy & Júnior, e “Chora Minha Viola” (Nilsen Ribeiro/Geraldo Meirelles). Apresentaram o programa “Na Beira da Tuia” nas seguintes emissoras Bandeirantes (1983), SBT (1988) e Cultura (Viola, Minha Viola). Realizaram grandes eventos, como: A Grande Noite da Viola, no Maracanãzinho/Rio de Janeiro (1981), Teatro Municipal de São Paulo (1979), Semana Cultural Tonico e Tinoco no Centro Cultural de São Paulo (1988) e Troféu Tonico e Tinoco (1992). No mesmo ano, realizaram um show com Chitãozinho e Xororó na cidade de São Bernardo do Campo (SP), onde foram prestigiados por mais cem mil espectadores. Entre as inúmeras premiações destacam-se: 4 Roquetes Pinto, Medalha Anchieta (Comenda da Cidade de São Paulo), Ordem do Trabalho (ministro do Trabalho Almir Pazzianoto), Ordem do Mato Grosso (Comendador), Troféu Imprensa, 2 Prêmios Sharp de Música e o Prêmio Di Giorgio. O slogan "A Dupla Coração do Brasil" surgiu em 1951, quando o humorista Saracura resolveu batizálos assim pela interpretação de todos os ritmos regionais. 39 A dupla passou por todas as mudanças na música sertaneja, mas jamais mudou seu estilo, muito copiado durante as décadas de 1950 e 1960 Tonico (João Salvador Perez) faleceu no dia 13 de agosto de 1994, após uma queda da escada do prédio onde morava. O último show da Dupla Tonico & Tinoco foi na cidade mato-grossense de Juína, no dia 7 de agosto de 1994. Tinoco encontrou forças no apoio que recebeu dos fãs e na saudade do companheiro que faleceu. Realizou mais de trinta apresentações contratadas antes da morte do irmão. Tinoco hoje beira os 90 anos e é o artista sertanejo há mais tempo na ativa. 3.2 FORMAÇÃO DA DUPLA A exemplo de outras crianças da época, os dois garotos mal aprenderam a falar já eram cantadores das modas de viola. Aprendiam as letras com Virgílio de Souza, violeiro das redondezas. Num baile Tonico conheceu e apaixonou-se por Zula, filha do administrador da fazenda, Antônio Vani. O pai proibiu o namoro e, magoado, Tonico compôs “Cabocla”. Como não havia rádio na região, o conjunto ficou famoso. Mas Tonico e Tinoco só cantavam em dupla nas horas vagas ou nas folgas do trabalho, quando a turma parava para tomar café. Cantavam as modas de viola de Jorginho do Sertão, um autor imaginário que utilizavam para assinar suas canções, que falavam da crise no país com as revoluções de 1930 e 1932. 3.3 DISCOGRAFIA (2004) Tonico e Tinoco - Nossas Primeiras Gravações • Revivendo • CD (2000) Rancho Vazio. Tonico e Tinoco Relembrando Anacleto Rosa Jr. • Globo/Continental • CD (2000) Tonico e Tinoco - Série Música Brasileira deste século por seus autores e intérpretes • Sesc-SP • CD (1999) Tonico e Tinoco • EastWest/Chantecler • CD 40 (1998) Tonico e Tinoco. Raízes Sertanejas • EMI • CD (1997) Coleção Luar do Sertão - Tonico & Tinoco • BMG • CD (1984) Na Beira da Tuia volume 2 • Chantecler • LP (1982) As Doze Mais • Chantecler • LP (1982) Viva a Viola • Copacabana • LP (1982) 40 Anos • Chantecler • LP (1982) Os Grandes Sucessos de Tonico e Tinoco • Chantecler • LP (1981) Loira Loirinha • Copacabana • LP (1981) O Menino Jornaleiro • Chantecler • LP (1981) 39 Anos. De Sul a Norte • Chantecler • LP (1980) Moreninha Linda • PolyGram • LP (1980) 38 Anos Tonico e Tinoco e seus Convidados • Chantecler • LP (1980) Boas Festas • Continental • LP (1979) Tonico e Tinoco querem todas as crianças felizes • Continental • LP (1979) A Viola no Teatro • Chantecler • LP (1978) Rancho Vazio • Continental • LP (1978) 36 Anos • Continental • LP (1978) Arraiá do Feijão Queimado • Chantecler • LP (1977) Tonico e Tinoco em Festa • Continental • LP (1977) Sertão sem Poluição • Continental • LP (1977) 35 Anos • Continental • LP (1976) Recordando Zé Carreiro e Carreirinho • Continental • LP (1976) 34 Anos de Glória • Continental • LP (1975) Vou Voltar a Mato Grosso • Continental • LP (1975) 33 Anos • Continental • LP (1974) Salve Campos do Jordão • Continental • LP (1974) 32 anos • Continental • LP (1973) Sucessos de José Fortuna • Continental • LP (1973) Azul Cor de Anil • Continental • LP (1973) 31 Anos • Continental • LP (1973) No Ponteio da Viola • Continental • LP (1972) Recordando na Viola • Continental • LP 41 (1972) 30 Anos • Continental • LP (1971) Recordando Raul Torres • Continental • LP (1971) Laço de Amizade • Continental • LP (1970) A Marca da Ferradura • Continental • LP (1969) Minha Terra, Minha Gente • Continental • LP (1969) Rei dos Pampas • Continental • LP (1969) 27 Anos • Continental • LP (1968) 26 Anos de Glória • Continental • LP (1967) Jubileu de Prata • RCA Victor • LP (1965) Tonico e Tinoco • Continental • LP (1965) Obrigado a Matar • Chantecler • LP (1965) Recordando o 78 nº 1 • Continental • LP (1965) Recordando o 78 nº 2 • Continental • LP (1964) Data Feliz • Chantecler • LP (1964) Vinte Anos de Continental • Continental • LP (1964) Artista de Circo • Chantecler • LP (1963) Lá no meu Sertão • Continental • LP (1963) Rancho de Palha • Chantecler • LP (1963) Tonico e Tinoco na Chantecler • Chantecler • LP (1962) Tonico e Tinoco na RCA Victor • RCA Victor • LP (1961) Tonico e Tinoco Cantando para o Brasil • Philips • LP (1961) Tonico e Tinoco no Cinema • Philips • LP (1961) Presépio • RCA Victor • LP (1959) A Dupla Coração do Brasil • Continental • LP (1959) A Saudade Vai • Continental • LP (1959) As 12 Mais de Tonico e Tinoco • Chantecler • LP (1958) Recordação Sertaneja • Continental • LP (1958) Na Beira da Tuia • Continental • LP (1957) Tonico e Tinoco com suas modas sertanejas • Continental • LP (1956) Maldita Cachaça/Aniversário de Casamento • Continental • 78 (1956) A Marca da Ferradura/Minas Gerais • Continental • 78 (1956) Amor de Artista/Velhas Cartas • Continental • 78 42 (1955) Milagre de Amor/Adeus Bela • Continental • 78 (1955) Eu e a Lua/Sereno da Madrugada • Continental • 78 (1955) Geada/Falcão de Penacho • Continental • 78 (1954) Garimpo/Violão de Luto • Continental • 78 (1954) Mágua de Cantadô/Meu Recado • Continental • 78 (1953) Chico Viola Morreu/Jangadeiro • Continental • 78 (1953) Pião de Uberaba/Pé de Ipê • Continental • 78 (1953) Canto para não Chorar/Adeus, Campina da Serra • Continental • 78 (1952) Rio Pequeno/Cabocla • Continental • 78 (1952) Carta/Casinha Branca • Continental • 78 (1951) Castigo/Balancê • Continental • 78 (1951) A Morte do Dr. Laureano/Cuiabana • Continental • 78 (1950) Mão Criminosa/Adeus Fronteira • Continental • 78 (1949) Desprezado/Rancho Vazio • Continental • 78 (1949) Camisa Preta/Morte da Caboclinha • Continental • 78 (1948) A Vingança do Chico Mineiro/Guiana • Continental (1947) A Cruz do Caminho/Tristeza do Jeca • Continental • 78 (1946) Destino de Caboclo/Ai, meu bem • Continental • 78 (1946) Cortando Estradão/Chico Mineiro • Continental • 78 (1946) Pião Vaqueiro/Adeus morena, adeus • Continental • 78 (1945) Em vez de me agradecê/Salada Internacional • Continental • 78 (1945) Tudo Tem no Sertão/Porto Esperança • Continental • 78 (1945) Sertão do Laranjinha/Percorrendo meu Brasil • Continental • 78 3.4 CONCLUSÃO Neste capítulo foi feita uma análise da vida e obra de Tonico e Tinoco, a principal dupla caipira, e com a obra mais extensa. Conclui-se que a história da música caipira necessariamente passa por Tonico e Tinoco. Embora haja outras duplas com expressão, foi necessário, para efeito de comparação, limitar o estuda a Tonico e Tinoco. 43 A escolha deu-se justamente por ser a mais expressiva dupla entre tantas outras. Sendo assim seria a dupla que poderia fornecer as comparações necessárias a Tião Carreiro e Pardinho. 44 CAPÍTULO IV A FÉ CANTADA Neste capítulo será feita a demonstração de algumas músicas selecionadas das duplas caipiras em questão, Tião Carreiro e Pardinho e Tonico e Tinoco. O objetivo neste ponto do trabalho é analisar as músicas e perceber as semelhanças e as diferenças na presença do sagrado na obra das duplas em estudo. 4.1 A PRESENÇA DO SAGRADO NAS MÚSICAS DE TIÃO CARREIRO E PARDINHO Neste capítulo será feita uma breve análise de algumas músicas escolhidas em que verifica-se a presença do sagrado na forma mais tradicional caipira que é o catolicismo popular, a devoção caipira e suas crenças. A primeira música é “Bom Jesus de Iguape”: Meu filho ficou doente, o doutor desenganou Eu saí desesperado procurando um curador Mas ninguém achou remédio que curasse sua dor E de Bom Jesus do Iguape meu filhinho se lembrou No prazo de poucas horas sua feição mudou Saltou da cama sorrindo foi pro terreiro e brincou Minha mulher comovida de alegria até chorou Viva o santo milagroso que é o pai dos sofredor Foi chegando o mês de agosto juntei a família inteira Nos saímos de a pé lá pro sertão das ribeiras Pra aquelas terras sombrias nós dormimos na esteira Pra ver o santo Iguape nós não sentimos canseira. Pra chegar lá em Iguape nós levamos muitos dias Vi a igreja enfeitada e os rebentar das baterias Meu filho cheio de fé todos os passos me seguia De joelhos pelo chão acompanhou a romaria. Pra subir a escadaria dei a mão pro meu filhinho Nos pés de são Bom Jesus terminou o seu caminho Beijou seu manto vermelho, sua coroa de espinho Lá na sala dos milagres eu deixei seu retratinho. Nesta música encontra-se a descrição de uma situação em que o filho do caipira acha-se-se enfermo e sem possibilidade de cura pela medicina convencional e pelo curandeirismo, mas o garoto se lembra de um santo cultuado, o Bom Jesus 45 do Iguape, na música chamado de “O pai dos sofredor”. A música é finalizada mostrando a gratidão ao santo pela graça alcançada. A segunda música chama-se “Cruz Pesada”: Pra gente ganhar o céu Com a cruz tem que cair Jesus caiu com a cruz Pra no céu poder subir Meus olhos estão chorando Não consigo esquecer Choro de portas abertas Para o mundo todo ver Dos meus olhos descem água Vem da fonte da paixão Os meus olhos são torneiras Ligadas no coração Se alguém matou por amor Peço a Deus pra perdoar A dor da separação É difícil suportal Eu já tive um desengano Paraei muito pra pensar Só não mata por amor Quem tem força pra chorar Nesta música o personagem vive um drama pessoal de natureza amorosa, parece não suportar mais a dor da separação, o mesmo recorre aos rituais de penitência tendo exemplo de sofrimento a Jesus para que consiga evitar o erro de matar, mas ao mesmo tempo ele se lembra de pessoas que não conseguiram evitar o erro, talvez como forma a todo tempo de sufocar sua vontade humana de vinagança, ira e traição. A música “Minha Prece” apresenta o sentimento de alguém que descobre o sentido da vida, muito semelhante às músicas encontradas nas igrejas evangélicas que enaltecem a mudança de vida, mas ao mesmo tempo não esquece do passado, como se este fosse um perigo a rondar a todo instante. Para evitar as coisas ruins já feitas, a proposta do personagem da música é o apego e a gratidão a Deus pela nova forma de se viver. “Minha Prece”: Senhor, senhor oh Deus poderoso. Já não sou nervoso, deixei de chorar. Senhor, vim agradecer o pedido que fiz. Tornei ser feliz em viver e amar. Ao perder meu amor eu vagava tão triste tão só. Procurava um consolo na vida já desiludido. Soluçando de saudade dela Eu fui na capela orei ao Senhor. 46 Voltou meu amor Deus de mim teve dó atendeu meu pedido. Soluçando de saudade dela Eu fui na capela orei ao Senhor. Voltou meu amor Deus de mim teve dó atendeu meu pedido. Senhor, senhor oh Deus poderoso. Já não sou nervoso, deixei de chorar. Senhor, vim agradecer o pedido que fiz. Tornei ser feliz em viver e amar. Tornei ser feliz... em viver e amar. Portanto constata-se que o maior tormento na vida deste personagem é o nervosismo com a perda do amor, mas com a mudança de vida e com a prece ouvida, esse amor volta e tudo fica em paz. Aqui verifica-se uma parceria muito comum nas religões, o homem se esforçando em fazer sua parte, e Deus o recompensando. A música a seguir é muito interessante. A letra descreve a hora do sofrimento e a provável morte que o personagem encontrará. Chama-se “Leito de Hospital”: Eu vivo num quarto triste num leito frio de um hospital Pra mim só a dor existe é muito sério este meu mal Estou condenado à morte eu já nem posso me levantar Eu sou um pobre doente que breve o mundo irá deixar Tem gente que tem saúde tem braços fortes pra trabalhar Porém vive reclamando falando que Deus não quer lhe ajudar Queria eu ter pernas firmes e andar na vida eu pudesse Iria onde existe a fome enxugar ás lágrimas de quem padece Tem dias que eu não suporto a dor que sinto no corpo meu Mesmo assim elevo o pensamento com humildade agradeço a Deus Por ter me dado esses olhos pra enxergar a realidade Uma mente pura e positiva para entender a luz da verdade No quarto onde eu me encontro mandei colocar na parede uma cruz E nela de braços aberto existe um homem chamado Jesus A dor que este homem sentiu ao morrer com as mãos pregadas Meu sofrimento comparado ao Dele para mim não representa nada Obrigado Senhor, obrigado mesmo eu estando enfermo assim Só te peço para reservar perto de Você um lugar pra mim O paciente sofredor, no seu leito, tem consciência de sua breve vida e de quem ele é, porém demonstra o exercício de sua fé a partir de uma imagem na parede do quarto, que o leva a refletir e a comparar seus sofrimentos com os de Jesus. O personagem não demonstra revolta, demonstra confiança e conforto, porém critica outras pessoas que se revoltam com a vida por causa dos problemas. Dessa forma este estudo limitou-se à análise das músicas de Tião Carreiro e Pardinho de cunho tradicional caipira, com a forte presença do catolicismo popular, a devoção caipira. 47 4.2 A PRESENÇA DO SAGRADO NAS MÚSICAS DE TONICO E TINOCO As músicas aqui selecionadas retratam explicitamente a devoção comentada anteriormente neste trabalho do rosto da devoção caipira, católica popular, a análise ocorre com o comentário de cada música, sendo a primeira: “A Paz” No coração fraternidade. Deus é o mensageiro, Ai de toda a humanidade. Com alegria, amor pra dar Ai vamo, vamo, amar, amar Paz à juventude, Dando toda a orientação. O amor nasce no peito, Em seu próprio coração. Com alegria, amor pra dar Ai vamo, vamo, amar, amar Deus criou o mundo, Cheio de paz e amor. A humanidade assim quis, Injustiça, guerra e dor. Com alegria, amor pra dar Ai vamo, vamo, amar, amar A mensagem da música como o próprio nome diz é de paz, ela fala sobre fraternidade, amor, alegria, cita a juventude como se apontasse para um futuro melhor e dela se esperasse a prática dessa paz, fala que Deus criou um mundo de paz, mas a humanidade faz a opção pela injustiça e pela guerra. A próxima música trata-se de uma devoção a Aparecida do Norte, como o nome demonstra: “Aparecida do Norte” Já cumpri minha promessa na Aparecida do Norte E graças a Nossa Senhora não lastimo mais a sorte Falo com fé: Não lastimo mais a sorte Já cumpri minha promessa na Aparecida do Norte. Eu subi toda a ladeira sem carência de transporte E beijei os pés da Santa da Aparecida do Norte Falo com fé: Da Aparecida do Norte Eu subi toda a ladeira sem carência de transporte. Não tenho melancolia, tenho saúde sou forte Tenho fé em Nossa Senhora da Aparecida do Norte Falo com fé: Da Aparecida do Norte Não tenho melancolia, tenho saúde sou forte Padroeira do Brasil Aparecida do Norte Eu também sou brasileiro sou caboclo de suporte Falo com fé: Sou caboclo de suporte Padroeira do Brasil Aparecida do Norte 48 Todo meado do ano enquanto não chega a morte Vou fazer minha visita na Aparecida do Norte Falo com fé: Na Aparecida do Norte Todo meado do ano enquanto não chega a morte. Esta música traz em si uma gratidão em forma repetitiva, demonstra sua devoção prometida até o dia de sua morte em cumprir a peregrinação ao santuário de Aparecida, atribui a ela vários feitos em sua vida. Fica explícita uma devoção muito forte e fervorosa nesta música. Aqui outra música de devoção a Aparecida, desta vez um relato de um feito, real ou não, não se sabe, pois as histórias, os enredos estão presentes na música caipira de maneira muito forte: “Esmola na Aparecida” Um ricaço industriar na Aparecida chegô. Com o seu carro de luxo perto da igreja parô. Com a roupa toda suja nessa hora ali passô. um senhor de meia-idade, o grã-fino lhe chamô. Escuita aqui meu caboclo, quanto dia ocê não come? Toma aqui este dinheiro vai matar a tua fome. O estranho respondeu: O senhor vai desculpá em dizê que seu dinheiro eu não vou podê aceitá. Eu não sou nenhum mindingo caboclo de muita fé pra cumprir minha promessa todo ano venho a pé. Obrigado pela esmola dinheiro eu tenho pra dá. Sou o maior fazendeiro do estado do Paraná. Novamente encontra-se a devoção a Aparecida, um detalhe é que a dupla em todas as suas apresentações sempre declarou essa devoção à santa, portanto a quantidade de músicas com essa demonstração é muito grande na vida de Tonico e Tinoco. “Exemplo de Fé” Dia oito de setembro Fui com grande devoção Na Aparecida do Norte Contei minha situação Sou pobre trabaiadô Tô passando privação O meu fio tá duente Não tenho nem um tostão. Pedi pra Nossa Senhora Com as força do coração Que levasse o meu fiinho Ou que desse a sarvação Ele nasceu alejado Arrastando pelo chão Minhas lágrimas rolava Por ver tanta judiação. 49 Ó Senhora Aparecida Eu tô aqui pra agradecê De longe venho de jueio Por meu pedido atendê Arrecebi seu milagre Acabou o meu sofrê O meu fio tá curado Eu troxe pra vancê vê. Ó Nossa Senhora E o bom Deus Nosso Senhô O meu fio tá curado Minha vida endereitô Atenda todos pedidos Dos duente sofredô Padroeira do Brasil Mãe de todos pecadô. Nesta próxima música, o caipira fala da bondade de Deus, citando alguns exemplos. A canção tem uma construção mais poética, contemplativa, observam-se os feitos da natureza atribuídos a Deus: “Deus é Bom” Deus é bom, é bom demais, Fez um mundo lindo, de amor e paz. Tudo de bom que o mundo tem, Deus dá de graça sem cobrar ninguém. Quanto que você paga pra vê o sor brilhar? O céu e as estrela e o lindo luar? Quanto que você paga somente pra ver A natureza verde depois que chover? Deus é bom ... O encanto das criança que nos faz sorrir, Mensage de amor que é tão bão de ouvir. Obrigado meu senhor, pelo bom viver Fazemos uma prece pra te agradecer. Deus é bom... A próxima música segue na mesma linha da anterior: “Dom de Deus” Amanhece lá no campo A natureza manifesta. Cantando dois passarinho Principiando a grande festa. Ai, no gaio da paineira Onde canta o sabiá. A melodia é o vento Espaiando pro lugar. No roçado o trabalho Em dueto a oração. Da enxada ao maquinário Ajudando a prantação. Da semente nasce o fruto Que a chuva faz crescer. A terra embala a vida O alimento pra viver. Quando chega de tardinha A vida vai se recolhendo. 50 Toca o sino da igrejinha O céu vai escurecendo. Depois a lua aparece A gente pega na viola. Em dueto vai cantando Que o mundo foi à escola. Caipira é sempre caipira Passe o tempo que passa. Aprendi com a natureza E nunca vai se mudar. Nossa voz canta bem alto Chega lá no firmamento. No verso vai nossa prece A Deus agradecimento. As duas músicas seguintes têm uma conotação da devoção a outros santos, São João e São Sebastião. A primeira remete às festividades juninas, celebrações caipiras muito presentes na vida do povo do interior. “Festa de São João” Viva São Pedro e Santo Antonio, Tudo reunido faz louvação. Acende a fogueira, sorta balão, Na linda noite de São João. Levanta a bandeira com devoção, Depois do terço vem o quentão. Dança a quadrilha lá no salão, E viva a festa de São João! Uma sanfona e um violão, Um cavaquinho faz marcação. Quanta alegria, quanta ilusão, Da minha infância, do meu sertão “Festa de São Sebastião” Que bom que bom A festança no sertão Bata palma minha gente Pra louvar São Sebastião! (bis) Inté os meus companheiros Nossa festa terminar E a noite vem caindo Amanhã pra trabalhar O dinheiro da festança Vai servir pro padre Lino Reformá a capelinha Que já está quase caindo. Que bom que bom A festança no sertão Bata palma minha gente Pra louvar São Sebastião! (bis) Adeus meus amiguinhos A festa se acabou Carrego minha viola 51 Que meu dedo calejou No peito a saudade E também satisfação Estar junto com vocês Cantando de coração. Que bom que bom A festança no sertão Bata palma minha gente Pra louvar São Sebastião! (bis) Ai ai ai viva a festa no arraiá Vamos embora minha gente Que a noite tá pra chegar! Ai ai ai viva a festa no arraiá Vamos embora minha gente Que a noite tá pra chegar! A seguir um clássico da música caipira baseado na passagem bíblica do Filho Pródigo, o qual dispensa outros comentários por ser muito direta: “Filho Pródigo” Eu tinha bom gado de corte, eu tinha bom gado leiteiro Eu tinha um cavalo baio e um abundante celeiro Eu era muito respeitado, eu fui campeão de rodeio E por toda a redondeza queriam ouvir meu ponteio Por causa de um par de olhos Azuis claros como luar Eu disse meu Pai vou embora Eu vou procurá-la Sem ela eu não posso ficar! Andei lado a lado com a morte por este mundo a vagar Eu que era amigo da sorte, fui companheiro do azar Então me tornei vagabundo a dor e a fome chegou Comi, maltrapilho e imundo, o pão que o diabo amassou Depois de muitas andanças Encontrei-me com ela num bar, ai Rindo e bebendo com outro E naquele lugar Decidi que eu ia voltar! No longo caminho da volta a tristeza e a solidão Sem saber seria bem-vindo por meu pai, também meu irmão Ao longe avistei minha casa, bateu forte o meu coração O pranto escorreu em meu rosto molhando a poeira no chão Meu pai com seus braços abertos , Disse: Meu Filho voltou , ai , ai, ai Três dias, três noites de festas O sino tocou Anunciando que a paz retornou. 4.3 O DIFERENCIAL RELIGIOSO EM SUAS MÚSICAS Consideramos até então que as duplas são conservadoradoras em sua religiosidade caipira, na devoção do catolicismo popular, no contexto tradicional. 52 A dupla Tião Carreiro e Pardinho, porém, é pioneira em transitar em outras expressões religiosas, e demonstra isso em suas músicas, dentre as quais foram selecionadas três canções que expressam o sincretismo religioso também no meio caipira, revelam um trânsito nas religiões afro. Vejamos a seguir a análise: “Baianinho” Conheci um baianinho esses da fala macia Dava nó em pingo d´água e laçava melancia Pegava raio na mão segurava ventania O seu corpo foi fechado num terreiro da Bahia Caldo de cana gostoso é o que sai da cana roxa O malandro não tem culpa se o resto do mundo é trouxa. Chegou na cidade grande baianinho se expandia Foi comprando carro zero pra pagar em noventa dias Conseguiu vender à vista mostrando sabedoria Virou grande negociante baianinho enriquecia Caldo de cana gostoso é o que sai da cana roxa O malandro não tem culpa se o resto do mundo é trouxa. Baianinho na tourada só toureia vaca mocha No Natal compra castanha come a boa e vende a chocha No banquete que tem frango baianinho come a cocha Deixa o pé deixa o pescoço pra aqueles que nasceu trouxa Caldo de cana gostoso é o que sai da cana roxa O malandro não tem culpa se o resto do mundo é trouxa. Foi contra um campeão de snooke baianinho fez surpresa Deu duzentos de lambuja só seis e sete na mesa Deu trinta snooke de bico jogando só na defesa Meteu o sete trinta vezes ganhou o jogo na moleza Caldo de cana gostoso é o que sai da cana roxa O malandro não tem culpa se o resto do mundo é trouxa. A música é um louvor à malandragem, uma admiração ao jeito esperto de viver do personagem baianinho, porém os elementos sobrenaturais descritos com certo exagero, numa linguagem figurada, atribui a proteção do malandro ao rito feito em um terreiro na Bahia, o qual nos deixa a entender que garante toda proteção a ele para que possa exercer suas vantagens bem seguro, prejudicando ou não os outros. A seguir uma música em homenagem a uma das maiores líderes do culto afro em todos os tempos no Brasil A letra engrandece os poderes sobrenaturais obtidos por meio dos trabalhos de terreiro de Mãe Menininha: “Tá do Jeito que Eu Queria” (Mãe Menininha me protegeu na Bahia) Mãe Menininha, tá do jeito que eu queria (Mãe Menininha me protegeu na Bahia) Mãe Menininha, tá do jeito que eu queria O leão que pensava em me pegar, perdeu a pata A cobra que pensava em me picar, sumiu na mata O cachorro que pensava em me morder, ficou sem dente O feiticeiro que pensava em me matar, ficou doente 53 Feiticeiro tá morrendo, o cão desapareceu Cobra ficou sem veneno, leão sem patas morreu (Mãe Menininha me protegeu na Bahia) Mãe Menininha, tá do jeito que eu queria (Mãe Menininha me protegeu na Bahia) Mãe Menininha, tá do jeito que eu queria (Mãe Menininha me protegeu na Bahia) Mãe Menininha, tá do jeito que eu queria (Mãe Menininha me protegeu na Bahia) Mãe Menininha, tá do jeito que eu queria Para me queimar com vida prepararam uma fogueira Um burro pra me arrastar prepararam na mangueira Um laço pra me amarrar foi feito de couro grosso Uma espada de aço pra cortar o meu pescoço O burro virou carneiro, laço grosso arrebentou A espada virou santa e a fogueira se apagou (Mãe Menininha me protegeu na Bahia) Mãe Menininha, tá do jeito que eu queria (Mãe Menininha me protegeu na Bahia) Mãe Menininha, tá do jeito que eu queria (Mãe Menininha me protegeu na Bahia) Mãe Menininha, tá do jeito que eu queria (Mãe Menininha me protegeu na Bahia) Mãe Menininha, tá do jeito que eu queria Por fim esta música que traz em seu nome uma terminologia muito encontrada nos terreiros, e que algumas pessoas praticantes adotam para si como forma de se dizer protegido com todos os males possíveis, nada pode acontecer ao Sete Flechas: “Sete Flechas” Quem é bom já nasce feito, quem é ruim só atrapalha Eu bato logo no burro e não bato na cangalha Entrei numa guerra dura, fiz virar fogo de palha Fiz virar cartão de prata, punhal, espada e navalha Bala bateu no meu peito derreteu virou medalha Pra dar fim na minha vida prepararam uma cilada Foi à noite num banquete com champanhe envenenada Deus é pai não é padrasto, ganhei mais uma parada a taça que era minha foi parar em mão trocada Quem me preparou veneno foi morrer na madrugada Eu recebi um presente numa caixa de sapato Uma cobra venenosa que pegaram lá no mato É dessas cobras que morde quando não aleija mata O meu nome é sete flechas nó que eu dou ninguém desata Bati o olhos na cobra transformei numa gravata Coloquei a tal gravata que o falso amigo mandou Fui passear na casa dele desse jeito ele falou Meu Deus, que gravata linda, na gravata ele pegou A gravata deu um bote que na mão dele ficou A gravata lhe mordeu, foi a cobra que ele mandou. 4.4 CONCLUSÃO 54 Assim encontra-se na obra de Tião Carreiro e Pardinho um fato peculiar, que foi a introdução de expressões religiosas vistas com maus olhos pelo catolicismo conservador que é próprio do caipira. A ousadia está no fato do período da música caipira, pois hoje seria de certa forma tranquilo o uso dessas expressões, mas certamente eles abriram as portas para a presença de outras religiosidades em suas composições. 55 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se a dissertação sem o objetivo de esgotar o assunto, pois o mesmo procurou dar os primeiros passos para detectar as possíveis manifestações religiosas presentes na música caipira, e as encontrou. A impressão que se tem é que a história caipira é fechada e conservadora, porém, no período do êxodo rural, no diálogo do campo com a cidade ocorreu o diálogo inter-religioso. Tião Carreiro e Pardinho souberam expressar em suas músicas esse fenômeno, justamente no período em que a música caipira ganha espaço no meio urbano e sai de suas limitações rurais. 56 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. Coleção Primeiros Passos, 5ª Edição. São Paulo. Brasiliense, 1987. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. Coleção Primeiros Passos. 2ª Edição. São Paulo. Brasiliense, 1982. __________, Os deuses do povo. São Paulo. Brasiliense, 1986. __________, Prece e Folia, Festa e Romaria. Aparecida, SP. Ideias e Letras, 2010. __________,GONZÁLEZ, José Luís. IRARRÁZAVAL, Diego. Catolicismo Popular: história, cultura, teologia. Petróplis, RJ. Vozes, 1992. __________, Os caipiras de São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1983. __________, Deus te salve: Casa Santa! Rituais religiosos do catolicismo popular em São Paulo e Minas Gerais. Rio de Janeiro. FUNARTE, 1979. CALDAS, Waldenyr. O que é música sertaneja. Coleção Primeiros Passos. São Paulo. Brasiliense, 1987. __________, Iniciação à Música Popular Brasileira. Barueri, SP. Manoel, 2010. __________, A cultura político-musical brasileira. São Paulo. Musa, 2005. CÂNDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito. São Paulo,1971. CANTO DA TERRA, Documentário. Tradições do Folclore Paulista. São Paulo, 2003. 57 CASCUDO, Luís da Câmara. Locuções tradicionais no Brasil. São Paulo. Global, 2004. __________, Vaqueiros e Cantadores. São Paulo. Global, 2005. __________, Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro. INL, 1954. FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 1986. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1978. p. 58. HAMILTON RIBEIRO, José. Música Caipira: as 270 maiores modas de todos os tempos. São Paulo. Editora Globo, 2006. MARCONDES, Marcos .Enciclopédia da música brasileira: sertaneja. São Paulo. Art. Editora; Publifolha, 2000. MARTINS, José de Souza. Música Sertaneja: a dissimulação na linguagem dos humilhados. In Capitalismo e tradicionalismo: estudos sobre as contradições da sociedade agrária no Brasil. São Paulo. Pioneira, 1975, p. 103-161. __________, A música sertaneja entre o pão e o circo. In travessia. Ano III, Nº 7. Centro de Estudos Migratórios. São Paulo. 1990, p. 13-16. NEPOMUCENO, Rosa. Música Caipira. Editora 34. São Paulo. 2000. 58 NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia (1872). São Paulo. Companhia das Letras, 2006. OS REIS DO CURURU, www.osreisdocururu.com.br. Documentário (Des)encontros no tradicionalismo caipira. Tradição do Médio Tietê. São Paulo, 2007. PEREIRA, João Baptista Borges. Italianos no Mundo Rural Paulista. São Paulo. Edusp, 2001. PIANA, Marivone. Música e Movimentos Sociais: perspectivas iniciais de análise. Anais do II Seminário Nacional. Movimentos Sociais, Participação e Democracia. 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil. São Paulo. Companhia das Letras, 2006. SANT’ANNA, Romildo. A moda é viola – ensaio do cantar caipira. Marília. Unimar, 2000. SERTÃO EM FESTA, Filme. História de Cornélio Pires. Diretor: Oswaldo de Oliveira. São Paulo, 1970. SILVEIRA, Valdomiro. Mundo Caboclo. J. Olympio. Rio de Janeiro, 1974. TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular: da modinha à lambada. 6ª Edição, revista e aumentada. São Paulo. Art. Editora, 1991. 59