o gênero “resenha cinematográfica” na abordagem

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O GÊNERO “RESENHA
CINEMATOGRÁFICA” NA ABORDAGEM DO
INTERACIONISMO SÓCIO-DISCURSIVO
AUTORES: Eliana Merlin Deganutti de Barros (UEL)
E-mail: [email protected]
Elvira Lopes Nascimento (UEL)
E-mail: [email protected]
O GÊNERO “RESENHA CINEMATOGRÁFICA” NA
ABORDAGEM DO INTERACIONISMO SÓCIO-DISCURSIVO
Eliana Merlin Deganutti de Barros1
Elvira Lopes Nascimento
RESUMO
Este trabalho se integra ao projeto de pesquisa “Gêneros textuais no ensino
médio: uma abordagem para o ensino de Língua Portuguesa”, desenvolvido na
Universidade Estadual de Londrina e estruturado a partir dos fundamentos
teóricos propostos por Bronckart (1997/2003), Dolz e Schneuwly (1998), assim
como de outros estudiosos que se apropriam do gênero como objeto de ensinoaprendizagem, numa abordagem do interacionismo sócio-discursivo. Pretendese apresentar nesta comunicação resultados parciais do estudo do gênero
“resenha cinematográfica”, tendo em vista a construção de um modelo didático
a ser transposto para o ensino médio.
THE GENRE “CINEMATOGRAPHIC REVIEW” IN THE APPROACH OF
THE SOCIAL-DISCURSIVE INTERACTIONISM
ABSTRACT
This paper is part of the research project “Textual genres in secondary
education: an approach to the teaching of Portuguese Language”, developed in
the State University of Londrina and come from the theoretical fundaments
proposed by Bronckart (1997/2003), Dolz and Schneuwly (1998), as well as of
other studious who appropriate the genre as teaching-learning object, in an
approach of the social-discursive interactionism. It intends to present in this
paper partial study results of the genre “cinematographic review”, bearing in
mind the construction of a didactic model to be transposed to secondary
education.
1 Introdução
A pesquisa que estamos desenvolvendo na UEL se insere em um movimento
atual de discussão da proposta dos PCNs de Língua Portuguesa do ensino fundamental
visando a concretização de seus princípios e finalidades, sobretudo no que diz respeito
à formação de professores e à elaboração de projetos e transposições didáticas de
gêneros textuais.
O conceito de gêneros textuais vem atraindo o interesse de professores e
pesquisadores, contudo há ainda dificuldades para a conceituação, utilização e aplicação
destes, que são apontados pelos PCNs como o objeto de ensino da Língua Portuguesa.
Este trabalho, que faz parte de uma reflexão maior sobre análise, descrição e
transposição de gêneros textuais, pretende contribuir para demonstrar como tem sido
1
Eliana Merlin Deganutti de Barros é integrante do projeto de pesquisa “Gêneros textuais no ensino
médio: uma abordagem para o ensino de Língua Portuguesa”, desenvolvido na UEL, sob a coordenação
da professora-doutora Elvira Lopes Nascimento (orientadora deste trabalho).
mobilizado o interacionismo sócio-discursivo (BRONCKART, 2003) para a construção
de um modelo didático (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004) do gênero resenha
cinematográfica , gênero da esfera jornalística, visando instrumentalizar o professor
do Ensino Médio no que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa. A intenção de se
estudar este gênero partiu de observações em salas de aulas e de entrevistas informais
com professores do Ensino Médio da rede pública2. Primeiramente, foi detectado o
interesse destes educadores em se trabalhar com textos da esfera do argumentar – o que
se justifica, em parte, pela ênfase de pedidos deste “tipo de texto” nas provas de redação
dos vestibulares. Em segundo lugar, observou-se o grande fascínio dos estudantes pela
linguagem cinematográfica e de como esta linguagem é bem recebida na escola. Um
outro ponto que foi levado em consideração para a seleção, foi a interdisciplinaridade3
que o trabalho com a resenha cinematográfica pode proporcionar, já que o filme a ser
resenhado pode ser trabalhado por outras disciplinas (Artes, História , Filosofia,
Geografia, etc.) em conjunto com a disciplina de Língua Portuguesa. O texto está
organizado da seguinte forma: a) rastreamento das opiniões de experts sobre o gênero
“resenha” e “resenha cinematográfica”; b) descrição do corpus analisado c) os
pressupostos teóricos do ISD; d) o contexto de produção do corpus da pesquisa; e) o
plano textual global; f) a organização seqüencial argumentativa da resenha
cinematográfica; e finalmente as considerações finais.
2 O que dizem os especialistas sobre o gênero “resenha”
O termo “resenha” é motivo de divergências entre os especialistas e estudiosos
da linguagem, muitas vezes, entrando em conflito com o termo “resumo”. Para chegar
aos possíveis esclarecimentos sobre a questão da conceitualização deste gênero textual,
é necessário o confronto de diferentes abordagens. Iniciaremos pelas definições que
trazem alguns dicionários: (MíNI HOUAISS, 2004) – re.se.nha s.f.1 lista ou descrição
minuciosa (r. dos principais fatos do dia) 2 resumo crítico do conteúdo de livros,
notícias etc. ~ resenhar v.t.d.; (NOVO DICIONÁRIO BÁSICO DA LÍNGUA
PORTUGUESA FOLHA/AURÉLIO, 1004/1995) – Resenha s.f. 1. Ato ou efeito de
resenhar. 2. descrição pormenorizada. 3. Contagem, conferência. 4. Notícia que abarca
certo número de nomes ou fatos similares.
Como podemos verificar, as acepções do vocábulo “resenha” são divergentes já
no mesmo suporte (dicionário). No caso do HOUAISS parece que a entrada “1” já
confronta com a “2”, pois ou resenha é uma “descrição minuciosa” (neste caso ela não
é crítica) ou ela é um “resumo crítico”, ou seja, traz uma síntese de um conteúdo
juntamente com uma avaliação pessoal. Já no caso do dicionário AURÉLIO, o mesmo
não faz referência ao teor crítico da resenha, e a sua entrada “2” aparece como sinônima
da entrada “1” do dicionário HOUAISS – “descrição pormenorizada”; também
descreve a resenha como “notícia que abarca certo número de nomes ou fatos
similares”, o que parece uma grande confusão, pois resenha e notícia parecem não
caminhar no mesmo patamar. Como percebemos já no primeiro momento deste estudo,
o conceituar este gênero não parece ser muito simples.
2
E também porque temos observado na universidade a insegurança dos professores universitários em
relação às características dos gêneros: fichamento, resumo e resenha.
3
O termo “interdisciplinaridade” é melhor compreendido a partir da leitura dos PCNEMs (págs. 88 a 91)
os quais destacam a importância dos alunos pensarem de forma interdisciplinar e globalmente.
Como segundo passo para se chegar a um esclarecimento quanto a definição de
resenha, veremos o que alguns de nossos lingüistas falam sobre o assunto. Segundo
Fiorin (1993): “Resenhar significa fazer uma relação das propriedades de um objeto,
enumerar cuidadosamente seus aspectos relevantes, descrever as circunstâncias que o
envolvem”. Este acrescenta que o objeto resenhado pode ser qualquer acontecimento da
realidade, como por exemplo, uma comemoração solene, uma feira de livros; ou textos
e obras culturais, como um romance, um filme, uma peça teatral. Para este lingüista o
gênero “resenha” pode ser classificado em “resenha descritiva” (aquela que não
apresenta nenhuma apreciação ou julgamento de quem a produz) e “resenha crítica”
(aquela que apresenta um juízo crítico do resenhista).
Segundo Machado (2002), o processo de sumarização é condição básica para a
mobilização de conteúdos pertinentes à elaboração de textos pertencentes ao gênero
“resenha”, porém este traz mais que uma simples apresentação concisa dos conteúdos,
traz também interpretações e avaliações sobre este. Acrescenta também, que no caso do
gênero “resenha”, o resumo (considerado neste contexto apenas como sumarização, não
como um gênero textual) é apresentado de forma parcial, já que o objetivo do mesmo é
incitar o destinatário a ler uma obra, a assistir um filme, etc.
Motta-Roth (2002) postula que o gênero “resenha” pode ser considerado como
envolvendo um contínuo entre descrição e avaliação, com diferentes exemplares de
resenhas tendendo ou para um ou para outro extremo. Por exemplo, resenhas mais
objetivas podem ser representadas por textos mais descritivos dos conteúdos, com uma
avaliação menos explícita e subjetiva do resenhista. Para a autora, as resenhas podem
tender para um extremo avaliativo, quando o resenhista é um “especialista” da área, e
parte de seu conhecimento e de sua experiência profissional para estabelecer a
relevância do “objeto” resenhado.
2.1 A Resenha cinematográfica: a adaptação de um gênero textual
Neste trabalho, tomamos a resenha cinematográfica como uma adaptação do
gênero “resenha” (que se encontra indexado no intertexto). Sabemos, com Bakhtin
(1992), que os enunciados se constituem a partir das diferentes relações e diferentes
situações concretas. Nada é estanque, diferentes valores correspondentes a diferentes
práticas sociais, em diferentes esferas de comunicação humana fazem com que
qualquer superfície discursiva “idêntica” se carregue de variados efeitos de sentido,
dependendo do gênero a que responde, da esfera de circulação ou do direcionamento
dos acentos valorativos embricados no enunciado. Há uma relação tensa entre as
diferentes vozes discursivas na constituição da linguagem. Algumas se empenham em
manter a unidade, o “igual”, o efeito monológico, a objetivação. Outras se empenham
em manter a variedade, as diferenças, a adaptação, a transformação entre o “dado”, o
enunciado/gênero que já existia, e o recriado no momento da enunciação. Isso acarreta o
caráter dinâmico do gênero textual e sua heterogeneidade, isto é, o gênero evolui e
vários gêneros se cruzam nessa evolução.
Para este estudo, nos apropriamos do gênero “resenha” da mesma forma que
Motta-Roth (2002), ou seja, um texto crítico por excelência, tendendo, ora para um lado
mais avaliativo, ora para um ângulo mais descritivo, dependendo das circunstâncias que
a envolvem. Até o momento em que se encontra esta pesquisa não foi encontrado
nenhum documento de especialistas da área da linguagem ou da área jornalística que se
utilize da terminologia “resenha cinematográfica”. Encontramos uma escassa
bibliografia que se apropria deste gênero, mas com a denominação de “crítica” ou
“coluna”. Optamos por não abandonar nossa nomeação inicial, pois não consideramos a
questão da nomenclatura um fator relevante para o estudo de um gênero.
Segundo Baltar (2004), “crítica” é um gênero jornalístico e opinativo, escrito
normalmente em primeira pessoa e assinado, no qual o autor emite sua opinião sobre
uma manifestação artística qualquer: livro, CD, espetáculo de dança, teatro, exposição
de um artista plástico, etc. Este autor diferencia crítica de resenha, por entender que esta
última não traz um aprofundamento do conteúdo exposto e sim apenas “algumas
sugestões de leitura”. O que este autor entende por “resenha” parece se assemelhar com
a classificação de “resenha descritiva” proposta por Fiorin (já citado no tópico anterior)
e sua “crítica” com o que o mesmo autor denomina “resenha crítica”.
Barros (2002) ao tratar de dois textos jornalísticos que entram em confronto num
mesmo jornal, classifica o que nós chamamos de “resenha cinematográfica” de
“coluna” – um texto feito por um colunista que emite opiniões sobre um determinado
filme. Fazendo uma comparação entre os gêneros “coluna” e “artigo de opinião”, a
autora afirma que os mesmos ”apresentam regras de jogo comuns: é de sua natureza
trazer interpretação ou opinião do autor. O papel do autor é de maior aproximação com
o seu texto: avaliações e modalizações marcam sua visão de mundo e recursos retóricos
são ativados para atingir com maior eficiência o outro parceiro da comunicação, seu
interlocutor” (p. 204).
Para Berbare (2004, p. 44), “Criticar um filme é observar detalhes, identificar as
características típicas da obra, compará-las a outras do gênero, criticar e elogiar o
filme.”. Para esta autora, a “crítica de cinema” (como ela nomeou o gênero), presta um
serviço de informação ao leitor do jornal ou revista pela visão de um expectador
experiente (o crítico, ou resenhista – como nós o chamamos), mas o destinatário da
mensagem deve sempre “considerar as informações da crítica a partir de seus próprios
critérios de apreciação de filmes”. Ou seja, a crítica deve servir apenas como um
parâmetro de avaliação e nunca como um fator decisivo de apreciação de um filme4.
Uma crítica de cinema (ou resenha cinematográfica, como nós nomeamos o
gênero), segundo a autora acima, procura responder a certas perguntas, como, por
exemplo: Quem é o diretor do filme? (informações sobre seus trabalhos, premiações,
etc.); Qual é o gênero cinematográfico? (drama, comédia, etc.); Do que se trata o filme?
(enredo); De que modo o tema foi tratado? (algum enfoque especial?); Qual o público
alvo? Qual a duração do filme? Quem são os protagonistas? (desempenho, outros
trabalhos, etc.); Qual o ano de produção e o seu país de origem?; etc. As indagações de
Berbare nos fornecem categorias de análise que remetem ao contexto de produção
analisado pelo ISD.
3 Corpus de análise
Para compor o corpus desta pesquisa foram selecionadas cinco resenhas
cinematográficas escritas pela colunista Isabela Boscov, e publicadas na revista VEJA
entre fevereiro de 2001 a junho de 2003. A escolha do suporte se fez a partir do
4
O poder de influência das resenhas cinematográficas é notório, tanto que motivou um processo contra a
Sony Pictures Entertainment, acusada de usar falsas críticas para induzir espectadores a ver filmes
“medíocres”. Assim noticiou a Folha de S.Paulo no dia 04/08/2005 (E 5): “Sony faz acordo de US$ 1,5
milhão em processo por resenhas de filmes”.
pressuposto de que tal revista circula nacionalmente, sendo uma das mais lidas dentro
do seu formato. O presente corpus é formado pelas resenhas abaixo:
1. “Até tu, Denzel” (filme: Duelo de Titãs – Remenber the Titans, Estados
Unidos, 2000);
2. “Humor de fachada” (filme: O Amor é Cego – Shallow Hal, Estados Unidos,
2001);
3. “Melhor que o livro” (filme: Abril Despedaçado, Brasil, Suíça, França, 2001);
4. “Inimigo do peito” (filme: A Soma de Todos os Medos – The Sum of All Fears,
Estados Unidos, 2002);
5. “Divino egoísmo” (filme: Todo Poderoso – Bruce Almighty, 2003).
4 O interacionismo sócio-discursivo
O quadro teórico que se inscreve o interacionismo sócio-discursivo “leva a
analisar as condutas humanas como ações significantes, ou como ‘ações situadas’, cujas
propriedades estruturais e funcionais são, antes de mais nada, um produto da
socialização” (BRONCKART, 2003, p. 13). É neste quadro teórico que Bronckart faz a
abordagem de gênero textual como instrumento de ensino que permite a materialização
de uma atividade de ação. O modelo de análise proposto por este pesquisador apresenta
várias etapas, como descrevemos abaixo, muito resumidamente (devido ao caráter
restrito deste documento):
O contexto de produção que pode ser definido “como o conjunto dos
parâmetros que podem exercer uma influência sobre a forma como um texto é
organizado.” (id., p. 93). Estes parâmetros estão inseridos em dois planos: o mundo
físico e o mundo social e subjetivo. O mundo físico é definido por quatro parâmetros: o
lugar físico de produção; o momento de produção; o emissor (produtor ou locutor) que
produz fisicamente o texto; e o receptor que recebe o texto concretamente. Da mesma
forma, o mundo social pode também ser decomposto em quatro parâmetros: o lugar
social em que o texto é produzido (escola, família, etc.); o enunciador (posição social do
emissor: professor, pai, etc.); o destinatário (posição social do receptor: aluno, filho,
etc.); e o objetivo da interação (efeito que se pretende com o texto).
O folhado textual, isto é, três camadas superpostas que tramam a organização
dos textos: 1) a infra-estrutura geral do texto (plano textual global, tipos de discurso,
articulações entre os tipos de discurso, e seqüências); 2) os mecanismos de
textualização (a conexão, a coesão nominal, e a coesão verbal); 3) os mecanismos
enunciativos (posicionamento enunciativo, vozes e as modalizações).
4.1 O contexto de produção
O único elemento do contexto físico identificável em todos os textos analisados
foi o emissor, ou seja, a “pessoa” Isabela Boscov, embora essa identificação tenha
ocorrido externamente, ou seja, a assinatura não faz parte do corpo textual. A partir de
hipóteses5 podemos pensar no lugar físico de produção como sendo, ou uma sala da
edição da revista, ou a própria casa da autora, porém, em ambos os casos, parece-nos
evidente que ela escreve seus textos diretamente em um computador (portátil ou não).
5
“Metodologicamente, a partir das informações referentes à situação de ação externa, não podemos
formular senão hipóteses sobre a situação efetiva do agente” (BRONCKART: 2003, p.92).
O receptor de seus textos são os leitores da revista VEJA. Já no que diz respeito ao
momento de produção, podemos inferir que, devido ao caráter semanal de sua coluna, a
autora não dispõe de muito tempo para escrever, pois está subentendido que ela precisa
assistir aos filmes que comenta, buscar informações externas (pesquisa), o que leva
tempo, pois muitas vezes, esta mesma colunista chega a escrever mais que uma resenha
por semana, por essas razões, imaginamos que estas são escritas poucos dias antes do
fechamento da edição da revista.
As representações do mundo social, com suas normas e regras que normatizam
as interações, no modo como são percebidas pela produtora (autora das resenhas),
permitem-nos levantar algumas hipóteses. Desta forma, mesmo externamente às
condições de produção, é possível falar no papel social do emissor (que passa agora ao
estatuto de enunciador): uma colunista que escreve, semanalmente, resenhas
cinematográficas editadas na revista VEJA, na coluna “Cinema”; neste caso supõe-se
que seja uma “especialista” no assunto. Quanto à posição social do receptor (agora
destinatário), devido ao status da revista VEJA, ou seja, uma veículo de comunicação
mais elitista, destinado à classe média-alta, podemos falar no destinatário como sendo
um leitor mais instruído e de faixa etária muito abrangente, já que o assunto “filmes”
desperta o interesse de leitores muito diversificados. Já o lugar social da produção,
independente do lugar físico em que o texto possa ter sido produzido, reflete uma
interação profissional entre a colunista e seu empregador (a revista VEJA). Sendo este
gênero tanto informativo (traz informações sobre o filme, assim como um resumo
parcial do enredo) como opinativo (avaliação pessoal), podemos dizer que seus
objetivos são levar ao conhecimento do leitor informações pertinentes ao filme
resenhado (incluindo um panorama parcial do enredo) como também convencê-lo a
aderir a uma idéia defendida pela autora, por meio de argumentos e contra-argumentos.
4.2 A infra-estrutura geral do texto
Para se esclarecer a complexidade da organização textual, como também
estabelecer uma hierarquia de camadas textuais, Bronckart (2003) apresenta a infraestrutura geral do texto como o nível mais profundo do folhado textual.
Como este trabalho tem um caráter de parcialidade, no que se refere a este nível
de análise, nos deteremos no estudo do plano textual global e em uma pequena
abordagem da seqüência argumentativa.
4.2.1 O plano textual global
Segundo Bronckart (2003, p. 120), o plano textual global de um texto “refere-se à
organização de conjunto do conteúdo temático”. Sendo assim, analisando as resenhas do
nosso corpus, verificamos várias regularidades. Comecemos pelo título:
Título. Todos os seus exemplares possuem um título formado por uma frase
nominal, destacado em negrito e com tamanho da fonte bem maior que a do texto. Na
totalidade do corpus, abaixo do título, é colocado um subtítulo (com tamanho da fonte
intermediário entre o título e o corpo do texto, e sem o negrito) que dialoga com a
premissa defendida pela autora. De acordo com Costa ((2001, p. 82), os títulos da
imprensa jornalística “não são meros enfeites ou meras escolhas lingüísticas aleatórias,
mas são enunciados polifônicos e plurissêmicos, discursivamente produzidos em
situações de produção concretas”. É perceptível na intitulação das resenhas do nosso
corpus a associação da capacidade lingüística/discursiva a efeitos estilísticos, tendo em
vista a finalidade do texto, o gênero textual a ser produzido, o veículo de divulgação, o
contexto de produção e recepção, de forma a produzir diferentes efeitos de sentido. Por
exemplo, a resenha número três do nosso corpus é intitulada “Melhor que o livro” e
recebe como subtítulo “Abril Despedaçado, de Walter Salles, supera em beleza e idéias
a sua fonte”; neste caso, fica nítida a intenção da resenhista em fazer a comparação do
filme com o livro que o inspirou, e mais, ela já explicita logo no título sua opinião, ou
seja, de que o filme (objeto de crítica da sua resenha) é melhor que sua fonte (o romance
Abril Despedaçado de Kadaré); o título, neste caso, funciona como pista de
contextualização.
Assinatura e Foto. Em todas as resenhas analisadas tem-se uma foto do filme
com uma frase que ambientaliza a cena (frase que pode aparecer logo abaixo, do lado ou
no corpo da foto). No caso do filme Todo Poderoso (resenha número cinco do nosso
corpus) a foto escolhida foi uma cena clássica deste filme: Jim Carrey, no papel de
Bruce, dividindo um prato de sopa ao meio; do lado da mesma aparece a frase “Carrey
divide a sopa, como se ela fosse o Mar Vermelho: só bobagem”. Esta foto ocupa
aproximadamente a metade do espaço da página e, com certeza, é um elemento que
prende muito a atenção do leitor. A assinatura da colunista é uma constante em todos os
textos analisados (no caso de já existir outra resenha anteriormente, somente aparece as
iniciais do nome).
Espaço. O espaço ocupado pela resenha (incluindo a foto) varia de um terço da
página até uma página inteira. Percebe-se que o espaço é determinado pelo grau de
“prestígio” do filme, ou seja, visualmente nós já podemos fazer uma pré-avaliação do
mesmo; ou pelo menos, perceber o grau de importância destinado a ele.
Dados sobre o filme. As informações objetivas sobre o filme também apresentam
certa regularidade nas resenhas analisadas. O nome do filme em português aparece no
interior do texto (em negrito) em todos os exemplares do nosso corpus, seguido pelo
nome original (em itálico), país de origem e ano de lançamento (estes três últimos
dentro de parênteses). Logo após estes dados aparece a informação do dia da estréia do
filme no Brasil (em apenas um elemento da análise esta informação não estava seguida
dos dados do filme). Porém, estes dados não são colocados no texto de forma aleatória,
eles instrumentalizam o discurso argumentativo da autora. O nome do diretor, assim
como o gênero cinematográfico, são citados apenas quando se fazem pertinentes à
defesa da premissa da autora, como, por exemplo, no segundo texto do nosso corpus em
que o nome dos diretores aparecem já no subtítulo da resenha: “Os irmãos Farrely são
mesmo umas manteigas derretidas” (irmãos Farrely são os diretores do filme).
Crítica e enredo do filme. Em todos os textos analisados o conteúdo está
organizado com base em uma seqüência argumentativa (próximo tópico do nosso
estudo), para isto a autora faz um recorte no conteúdo temático do filme, a partir do qual
ela fará sua crítica, defendendo uma premissa, apresentando argumentos e/ou contraargumentos e fazendo a conclusão do seu texto. O resumo do enredo do filme é feito
parcialmente e de acordo com o desenvolvimento dos argumentos, ou seja, ele está
“costurado” ao texto. A conclusão, geralmente, é feita de forma contundente,
reafirmando a premissa inicial. O quadro a seguir permite uma melhor visualização dos
dados apresentados neste tópico:
Quadro 1: O Plano Textual Global
1
texto
título
subtítulo
Fora do
texto e
abreviada.
assinatura
Cena do filme
com o
protagonista;
frase
explicativa logo
abaixo.
foto
Idem texto 1
Abaixo do
título;
Fonte
intermediária entre o
título e o
texto.
Idem texto
1
1/3 da
página
2/3 da
página
espaço
Idem texto 1 +
citação dos
nomes dos
diretores
Corpo do texto:
nome do filme
em português
(negrito e itálico)
+ nome na língua
do país de
origem (itálico) +
país de origem +
ano de
lançamento,
Dados sobre o
filme
Idem texto
1
Resumo
parcial;
Citação
dos nomes
dos
protagonistas e
respectivos
intérpretes.
Enredo do
filme
Recorte:
Diretores
Recorte:
racismo
americano
Crítica
Recorte:
tema do
filme
Idem texto
1
Idem texto
1
Recorte: Jim
Carrey
Idem texto 1
Idem texto 1
Idem texto
1
1 página
Fora do
texto e
completa
2/3 da
página
Idem texto 1
Idem texto
1
Idem texto
3
Idem do texto 1
Recorte:
comparação
com o
romance
Idem texto
1
Cena com os
protagonistas;
frase
explicativa no
interior da foto.
1 página
Idem texto
1
Idem texto
3
Idem texto
1
Negrito;
Fonte
maior que
o texto;
Frase
nominal.
Idem texto
1
3
Idem
texto1
(fonte:
caixa alta)
2
4
Idem texto
1
Idem texto
1
5
Foto com o
protagonista;
frase
explicativa do
lado da foto.
4.2.2 A seqüência argumentativa na resenha cinematográfica
Em todos os textos analisados referente ao nosso corpus, o conteúdo está
organizado com base em um raciocínio argumentativo. Para tanto, a autora faz um
“recorte” temático, com o qual ela defenderá uma tese, apresentará argumentos e/ou
contra-argumentos e concluirá seu texto. O resumo do enredo do filme é feito
parcialmente, servindo sempre como ancoragem para o desenvolvimento dos seus
argumentos. A conclusão, geralmente, é feita de forma contundente, reafirmando a
premissa inicial.
Como podemos observar acima, este gênero é estruturado a partir dos
pressupostos da seqüência argumentativa esquematizada em Bronckart (2003, p.226),
organizada pelas seguintes fases: a) a fase de premissas (ou dados), em que se propõe
uma constatação de partida; b) a fase de apresentação de argumentos, isto é, de
elementos que orientam para uma conclusão provável, podendo ser esses elementos
apoiados por lugares comuns (topoi), regras gerais, exemplos, etc.; c) a fase de
apresentação de contra-argumentos, que operam uma restrição em relação à
orientação argumentativa e que podem ser apoiados ou refutados por lugares comuns,
exemplos, etc.; d) a fase de conclusão (ou nova tese), que integra os efeitos dos
argumentos e contra-argumentos.
O caráter dialógico da seqüência argumentativa consiste em “isolar um elemento
do tema tratado (um objeto do discurso) e em apresentá-lo de um modo que seja
adaptado às características presumidas do destinatário (conhecimentos, atitudes,
sentimentos, etc.)” (Id., p. 234). Desta forma, a seqüência argumentativa opera uma
ação de convencimento, a partir de um objeto contestável (na visão do enunciador e/ou
do destinatário). Como forma de corroborar com a questão acima, apresentamos, a
seguir, uma resenha cinematográfica (texto “1” do nosso corpus) em que destacamos as
fases da grande seqüência argumentativa que a constitui:
Até tu, Denzel – Outro filme tenta adoçar o amargo racismo americano
Premissa
Seria recomendável que o cinema de Hollywood parasse de prefaciar seus filmes com os dizeres “baseado
numa história verdadeira”. Geralmente, é sinal de que as situações mais improváveis vão se suceder. É o
que acontece em Duelo de Titãs (Remember the Titans, Estados Unidos, 2000), que estréia nesta sextafeira em circuito nacional.
Argumentos
1. O problema não está nos fatos, que são reais, mas no tom ufanista que o filme empresta a eles. [Esse
drama trata da hostilidade que tomou conta de Alexandria, uma pequena cidade do estado da Virgínia, em
1971, quando as autoridades locais decidiram que brancos e negros passariam a freqüentar a mesma escola.
Episódios como esse ocorreram em todo o país, quase sempre de forma dramática – como em Little Rock,
no Arkanansas, onde o Exército teve de garantir que as crianças negras cruzassem os portões da escola.]
2. Duelo de Titãs prefere uma visão edulcorada da história: no seu entender, não há barreira que não possa
ruir quando um punhado de homens de boa vontade resolve fazer a coisa certa.
[O conflito concentra-se em torno da paixão local – o time de futebol americano da escola. Bill, o técnico
branco (interpretado por Will Patton), é substituído por Herman, um negro (Denzel Washington, juntando
aqui sua credibilidade à chancela do “fato verídico”). Seguem-se as escaramuças de praxe nesse gênero de
produção, mas o branco engole o orgulho e decide trabalhar ao lado do recém-chegado. Logo o colega e os
jogadores, não importa a sua etnia, percebem que Herman não vai dar moleza a ninguém. Pelo contrário:
sua tática é se mostrar democraticamente implacável. O jeitão linha-dura funciona. O time vence todas,
brancos e negros descobrem o valor da amizade e até os racistas mais renitentes cedem diante de resultados
tão positivos.]
Contra-Argumento
Seria lindo, exceto pelo fato de que, nos Estados Unidos, o antagonismo racial ainda não teve um final
feliz.
Argumento
3. É desanimador, portanto, que uma produção que pretende ensinar princípios morais básicos recorra a
tais simplificações. Ao mesmo tempo que aplaude o senso de justiça de seus protagonistas, a fita comete o
ultraje de mostrar personagens negros com ar de gratidão canina diante do respeito conquistado.
Conclusão
Num certo sentido, o filme até diverte – mérito da química entre Washington, que domina de ponta a ponta
o ofício de interpretar santos guerreiros, e Will Patton, um ator bem melhor do que seu papel. Por causa de
seu paternalismo, contudo, Duelo de Titãs revela involuntariamente a grande contradição por trás desse
tema: seja qual for o sabão, o racismo é uma daquelas manchas insistentes que Hollywood nenhuma lava
mais branco.
(Fonte: BOSCOV, Isabela. “Até Tu, Denzel”. Veja. Rio de Janeiro: Ed. Abril, 7 fev. 2001, p.117)
Obs.: Os fragmentos do texto entre colchetes estão ancorando o argumento (grifado) que o antecede.
5 Considerações finais
Neste trabalho apresentamos resultados parciais de nossa descrição do gênero
“resenha cinematográfica” numa perspectiva do interacionismo sócio-discursivo
(BRONCKART, 2003), com a pretensão de se construir futuramente em modelo
didático do mesmo. A escolha por este gênero textual se deu por acreditarmos que este
seja um instrumento relevante no desenvolvimento da capacidade crítica, assim como
no aprimoramento das habilidades de produção e compreensão de textos dos alunos do
ensino médio.
As análises nos possibilitaram constatar o alto teor de criticidade e préjulgamento que vem embutido neste “tipo” de texto, verificado através da própria
escolha do filme a ser resenhado, do tamanho destinado à resenha, da escolha do título e
subtítulo, entre outros aspectos que podem ser depreendidos na análise do plano textual
global do gênero. Também ficou visível a “costura” que o texto apresenta em relação a
grande seqüência argumentativa, conseguindo articular suas quatro fases, ou seja,
premissa, argumentos, contra-argumentos e conclusão, de forma a levar o leitor –
muitas vezes “ingênuo” – ao convencimento de uma idéia.
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