Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación Comunicação do laringectomizado DIFICULDADES DE COMUNICAÇÃO VERBAL DO CLIENTE LARINGECTOMIZADO VERBAL COMMUNICATION DIFFICULTIES IN CLIENT WITH LARYNGECTOMY DIFICULTADES DE COMUNICACIÓN VERBAL DEL CLIENTE SOMETIDO A LA RETIRADA QUIRÚRGICA DE LA LARINGE Roberta Evangelista de MatosI Enedina SoaresII Maria Euridéa de CastroIII Ana Virgínia de Melo FialhoIV Joselany Áfio CaetanoV RESUMO: Estudo descritivo e qualitativo foi realizado com 10 adultos laringectomizados, em hospital filantrópico, em Fortaleza-CE. Teve como objetivos analisar a importância da comunicação verbal para o cliente estomizado, avaliar se ele foi informado sobre a alteração da fala e descrever seus sentimentos diante da dificuldade de comunicação verbal. A coleta de dados foi realizada no período de abril a maio de 2008, com o emprego da entrevista semi-estruturada e a observação livre. Os resultados evidenciaram que a comunicação verbal é um instrumento indispensável, e, sem ela, é impossível ter uma vida de qualidade. Os clientes foram esclarecidos sobre o prejuízo na comunicação verbal, embora tenha havido relatos de falta de orientação. Ante a dificuldade de comunicação, os sentimentos foram: tristeza, ansiedade e medo de nunca mais falar. A maioria dos clientes foi orientada sobre a dificuldade de comunicação, mas nenhum citou a participação do enfermeiro. Palavras-Chave: Comunicação; laringectomia; enfermagem; assistência ao paciente. ABSTRACT ABSTRACT:: This descriptive and qualitative study involved ten patients who underwent laryngectomy at a philanthropic hospital in Fortaleza, Ceará, Brazil. It aimed both at analyzing the importance of verbal communication for windpipe users, evaluating if those clients were informed about their speech impediment, and at describing the feelings aroused in view of verbal communication difficulties. Data were collected in April and May 2008, using semi-structured interview and observation. Results evidenced that verbal communication is an essential instrument, and that the lack of it definitely compromises life quality. Clients were informed about the loss of verbal communication, despite reports to the contrary. Sadness, anxiety, and fear of never speaking again stood out as the feelings aroused by their communication hindrance. The majority of clients received orientation on the communication difficulty, but none of them mentioned the nurse’s participation. Keywords: Communication; laringectomy; nursing; patient care. RESUMEN: Estudio descriptivo y cualitativo fue realizado con diez pacientes sometidos a la retirada quirúrgica de la laringe en un hospital filantrópico de Fortaleza-CE-Brasil. Tuvo como objetivos analizar la importancia de la comunicación verbal para el cliente estomizado, evaluar si fueron informados sobre la alteración de la habla y describir los sentimientos surgidos ante la dificultad de comunicación verbal. La recolección de datos fue realizada en el período de abril a mayo de 2008, mediante entrevista semiestructurada y observación libre. Los resultados evidenciaron que la comunicación verbal es un instrumento indispensable y que, sin ella, es imposible tener una vida de calidad. Los clientes fueron informados sobre el perjuicio en la comunicación verbal, aunque fueron encontrados relatos de falta de orientación. Ante la dificultad de comunicación, los sentimientos fueron: tristeza, ansiedad y miedo de nunca más hablar. La mayoría de los clientes fue orientada sobre la dificultad de comunicación, pero ninguno citó la participación del enfermero. Palabras Clave: Comunicación; laringectomía; enfermería; atención al paciente. INTRODUÇÃO A dificuldade de comunicação entre pessoas portadoras de câncer de laringe submetidas à laringectomia total ou parcial é uma constante, pois, além da traqueostomia, após essas cirurgias é frequente o edema facial generalizado devido à ressecção ganglionar cervical, que impossibilita o movimento dos lábios. Assim, a comunicação do paciente é realizada apenas por movimentos gestuais1. Enfermeira do Programa de Saúde da Família. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Bolsista de Desenvolvimento Científico Regional do CNPq na Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: [email protected]. III Enfermeira. Livre Docente. Professora do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: [email protected]. IV Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta da Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: [email protected]. V Enfermeira. Doutora. Professora Adjunta da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: [email protected]. I II p.176 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):176-81. Recebido em: 01.10.2008 - Aprovado em: 17.12.2008 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación Desse modo, tanto nos casos de laringectomias parciais como totais, os pacientes necessitam de recursos para se comunicarem nos primeiros dias de pósoperatórios e para os pacientes laringectomizados totais, com traqueostomia permanente, faz-se necessário uma reabilitação vocal. Assim, a comunicação entre o estomizado e os profissionais de saúde torna-se difícil, gera ansiedade e angústia no cliente e, de certa forma, interfere no processo de cuidar. Exigem-se, então, cuidados específicos para este tipo de cliente, principalmente aqueles prestados pela enfermagem. Por comunicação entende-se um processo de interação no qual compartilhamos mensagens, idéias, sentimentos e emoções passíveis de influenciar o comportamento das pessoas que, por sua vez, reagirão de acordo com suas crenças, valores, história de vida e cultura2. No cliente laringectomizado esse processo ocorre sempre pelo método não-verbal, apesar de, em nossa sociedade e, principalmente em nossas atividades profissionais, a comunicação verbal ser a mais difundida e valorizada3. O cotidiano do cliente laringectomizado perpassa por uma comunicação verbal prejudicada, caracterizada como o estado em que o indivíduo apresenta, ou poderia apresentar, diminuição da capacidade, ou incapacidade de falar, mas pode entender os outros, pela comunicação não-verbal4:60. Existem técnicas que ajudam o cliente a produzir som vocal, por exemplo: a dígito-oclusão, por meio da qual o ar expirado chega às pregas vocais, promovendo vibração e, consequentemente, sonorização; os traqueóstomos falantes, ou seja, cânulas providas de um balonete e um manguito adicional, por onde um fluxo de gás de 5 a 10 litros/minutos é injetado; as recentes válvulas fonatórias (VF) que são unidirecionais e permitem a entrada de ar na inspiração com uma pequena pressão inspiratória, em que, durante a fonação, há seu fechamento e direcionamento do ar para a laringe, entre outras5. Outras técnicas como prótese vocal, laringe eletrônica e voz esofágica também são utilizadas. Na fala esofágica, “o cliente precisa comprimir o ar dentro do esôfago e expulsá-lo, estabelecendo uma vibração do segmento faringoesofágico”6: 646. No Brasil, o uso da prótese traqueoesofágica tem sido pouco difundido, em decorrência, sobretudo, do custo e do desconhecimento do procedimento cirúrgico e dos cuidados pós-operatórios pelos enfermeiros e demais profissionais da área, além da falta de informações quanto às vantagens que esse instrumento pode oferecer7. Diante desses argumentos, justifica-se a relevância da pesquisa ora apresentada que teve como objetivos discutir a importância da comunicação verbal para o cliente estomizado; avaliar se ele foi orientado sobre Matos RE, Soares E, Castro ME, Fialho AVM, Caetano JA a alteração da fala e descrever seus sentimentos diante da dificuldade de comunicar-se verbalmente. REFERENCIAL TEÓRICO A comunicação é uma necessidade humana bá- sica, é um processo contínuo que torna a existência do ser humano um ser social. Há dois tipos de comunicação, verbal e não-verbal. A comunicação verbal refere-se às palavras expressadas por meio da fala ou da escrita e a comunicação não-verbal, que não está relacionada às palavras, se manifesta por interação direta pessoa-pessoa, através de gestos, silêncio, expressões faciais, postura corporal e distância mantida entre os envolvidos8. Os gestos são sinais não-verbais classificados como aqueles que possuem significados para o receptor ou emissor, sem utilizar as palavras, destacando-se: a paralinguagem: (qualquer som produzido pelo aparelho fonador que não faça parte do sistema sonoro da língua utilizada); a cinésia (linguagem do corpo, movimentos, gestos, expressões faciais); a proxêmica (distância mantida entre o enfermeiro e o cliente, distância entre os comunicadores); características físicas (relaciona a própria aparência do corpo, tais como roupas, jóias) e a tacêsica: comunicação tátil, toque, contato físico entre os comunicadores9. No processo de reabilitação do paciente laringectomizado, a comunicação não-verbal é imprescindível. Assim, o enfermeiro deve proporcionar métodos alternativos não verbais de comunicação, por exemplo: usar bloco de papel, letras do alfabeto, sinais com as mãos, piscar de olhos, acenos com a cabeça, sinais com sineta, fazer cartazes com figuras ou palavras, significando frases usadas com mais freqüência e encorajar a pessoa a apontar, a usar gestos1:75. Esses métodos são de grande importância para que o cliente possa expressar seus sentimentos, dúvidas e demais necessidades básicas. Entre eles sobressaem, no entanto, os gestos e as expressões faciais, apontados como transmissores de inúmeras informações, que também funcionam como controladores da mensagem falada durante as interações. As emoções são mais caracterizadas por gestos e expressões faciais, permitindo ao enfermeiro fazer inferências sobre o comportamento do cliente. A comunicação não-verbal é mais demorada e requer que os interlocutores estejam atentos para compreenderem a mensagem transmitida3. METODOLOGIA Trata-se de um estudo exploratório descritivo, com abordagem qualitativa, realizado em um hospital filantrópico de Fortaleza-CE, entre abril e maio de 2008. Os participantes foram 10 adultos laringectomizados, conscientes e orientados, com idade superior a Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):176-81. • p.177 Comunicação do laringectomizado 18 anos. Excluímos do estudo os menores de idade, os inconscientes e aqueles submetidos à cirurgia de retirada da língua ou mandíbula. A coleta de dados foi realizada mediante duas técnicas: a entrevista semi-estruturada, contendo perguntas abertas, acerca da importância da comunicação verbal para o cliente estomizado, o momento em que aconteceram as orientações sobre a alteração da fala e seus sentimentos diante da dificuldade de comunicação verbal após ser submetido a uma laringec-tomia. As entrevistas foram agendadas, de acordo com a disponibilidade dos participantes, e realizadas em locais onde cada sujeito se encontrava. Os depoimentos foram gravados e a seguir transcritos para posterior análise. Por fim, foi aplicada a observação livre que foi usada como uma técnica complementar, pois ela possibilita a compreensão da linguagem não-verbal, ou seja, comportamentos, expressões faciais e físicas presentes durante a entrevista dos sujeitos do estudo, auxiliando os pesquisadores na análise dos dados. Para tratamento dos dados, foi utilizada a técnica de análise temática que favorece o descobrimento dos núcleos de sentidos que compõem a comunicação e sua freqüência, contribuindo para melhor compreensão do discurso10. Essa modalidade de análise foi desdobrada em: 1ª etapa, pré-análise, em que foram organizados os depoimentos, após a realização da leitura e releitura das entrevistas, e a constituição do corpus de análise; a 2ª etapa compreendeu a exploração do material; posteriormente, a 3ª etapa consistiu no tratamento dos dados, a partir da frequência de presença e verificação da homogeneidade dos itens de sentido10. O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE), sob o protocolo no. 050418580. Conforme determina a Resolução nº 196/96, do Ministério da Saúde11, todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, bem como o de livre arbítrio de se retirar do estudo a qualquer momento. Para garantir o anonimato dos participantes, os recortes das falas desta pesquisa foram codificados pela letra E (de entrevistado), seguida do respectivo número (E1, E2... E10). RESULTADOS E DISCUSSÃO Em relação às características dos respondentes, predominou o sexo masculino (oito clientes), faixa etária entre 43 a 87 anos e participantes não-alfabetizados (seis). Quanto à profissão, cinco trabalham na agricultura, três na construção civil, uma é costureira e outra trabalha com prendas domésticas. De modo geral, os clientes responderam às perguntas com meneio de cabeça e outros gestos. Quanto aos que já utilizavam a técnica do dígito-oclusão da cânula, responderam verbalmente, por movimenp.178 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):176-81. Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación tos labiais e voz sussurrada. Para a descrição de sentimentos também foram usadas a comunicação oral e escrita e a expressão facial. Desse modo, foi possível manter a comunicação efetiva com todos os participantes selecionados. Com base na análise temática das informações obtidas nas entrevistas surgiram três categorias: importância da comunicação, cliente orientado sobre alteração da fala e sentimentos referentes ao comprometimento da fala. Importância da Comunicação Quando foi perguntado aos entrevistados sobre a importância por eles atribuída à voz, verificou-se ser ela imprescindível para suas vidas; para outros, era muito importante: A voz é indispensável na vida de uma pessoa[...] se for para viver sem falar é melhor que Deus me leve logo. (E4) [...] não dá para viver sem a voz. (E8) Porque quem não sabe ler nem escrever [...] só se vale da voz [...]. Para mim a voz é tudo. (E10) [...] Deus me livre de perder a voz; eu acho que fico louco. (E6) Vale registrar que, para aqueles analfabetos, a voz assume mais importância, pois o processo de comunicação não-verbal torna-se mais difícil. Ressalta-se que a afonia é uma condição rejeitada, principalmente no primeiro ano de pós-operatório. Portanto, é preciso buscar alguma alternativa de comunicação para conviver com essa situação. As alternativas são limitadas; para os que têm capacidade de escrever, a escrita é a opção. Para aqueles que não têm essa capacidade, a comunicação se processa através da mímica labial12. Outros demonstraram conformismo quanto à sua situação, apesar de todas as dificuldades: A voz é muito importante, mas viver é melhor. (E7) É bom falar, mas acho que a vida é mais importante. (E10) A comunicação é um instrumento básico em toda prática de enfermagem13, portanto, não pode ser vista como um processo de transmissão de informações, mas como possibilidade de interação entre as pessoas. Por isso, o conhecimento dos métodos de comunicação é essencial para a interação do enfermeiro com esse tipo de clientela, seja pela comunicação verbal ou nãoverbal, pois sua capacidade de interação está relacionada com as competências profissionais. Cliente Orientado sobre a Alteração da Fala Nesta categoria foram exploradas as orientações consideradas necessárias ao cliente em pré-operatório de laringectomia, como ao tempo de permanência da traqueostomia; uso e permanência da cânula; material a ser utilizado para facilitar a comunicação; danos Recebido em: 01.10.2008 - Aprovado em: 17.12.2008 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación Matos RE, Soares E, Castro ME, Fialho AVM, Caetano JA na vida do cliente. Verificou-se que seis entrevistados apresentavam traqueostomia temporária e quatro,a definitiva. O aspecto relacionado ao tempo decorrido entre a laringectomia e o presente estudo variou de dois dias a dois anos. Como mostram os relatos, os entrevistados, em sua maioria, ficaram sabendo que usariam a cânula de traqueostomia, por tempo determinado ou indeterminado, antes do procedimento cirúrgico: O médico falou que eu vou ficar um tempo sem falar, mas ele me disse isso depois que eu me operei. (E5) Antes de ir me operar o médico explicou [...] que eu ia ficar respirando para sempre com esse cano no meu pescoço. (E1) Explicaram que eu ia ficar respirando com um aparelho no pescoço [...] e que não ia mais dar para falar. (E3) A única coisa que o doutor me disse é que eu ia respirar pela traqueostomia [...] só por um tempo. (E7) Conforme os depoimentos, as informações ou esclarecimentos acerca das possíveis intercorrências na fala, em decorrência da laringectomia, foram mínimas. Sobre um dos pacientes que não recebeu orientações antes da cirurgia, segundo relatado, isso aconteceu em virtude do grave estado em que se encontrava no dia do internamento hospitalar. Diante da situação, não houve oportunidade para essa orientação. Desse modo, em face da urgência da cirurgia, não foram prestadas as devidas informações sobre as alterações após esse procedimento cirúrgico. Mas os familiares, logo no ato da admissão hospitalar, foram prontamente orientados. Ainda, dos clientes orientados no pré-operatório, cinco foram abordados pelos médicos responsáveis pela laringectomia, um foi orientado pela fonoaudióloga da instituição e um recebeu orientação tanto médica quanto fonoaudiológica. Contudo, embora enfermeiros, assistentes sociais ou psicólogos tenham sido tópicos da entrevista, eles não foram mencionados. Para os enfermeiros, a comunicação com o paciente deve ser considerada como um processo fundamental não apenas para a identificação de sinais, sintomas e problemas físicos, mas também para o desenvolvimento da comunicação terapêutica, a qual demonstra o comprometimento do profissional com o paciente1. Conforme evidenciamos, oito entrevistados foram orientados que ficariam sem se comunicar verbalmente. Desses, seis receberam essa informação ainda no pré-operatório e dois ficaram cientes somente após o procedimento cirúrgico. Como evidenciado, dois clientes não receberam orientação profissional prévia ou posterior à laringectomia, mas ficaram sabendo ao observarem outros pacientes com o mesmo problema, ou até mesmo sozinhos, quando tentaram falar. Falaram antes da cirurgia que eu ia ficar sem falar por um tempo. (E2) Fui bem orientado antes da cirurgia pela doutora da fono. Ela me disse que eu ia ter dificuldade para falar [...], mas que depois de um tempo eu posso aprender outra maneira de me comunicar. (E3) O aprendizado de meios alternativos de comunicação é imprescindível para trazer segurança para um cliente impossibilitado de emitir sua voz. A situação de afasia produz angústia não só pelo fato de dificultar a comunicação do cliente laringectomizado com as pessoas, como também por obrigar seu interlocutor a falar/comunicar-se voltado para ele, para viabilizar sua leitura labial14. Apesar de os enfermeiros serem participantes diretos no processo terapêutico do cliente laringectomizado portador de um traqueostomo, não se verifica nenhuma alusão acerca das orientações dadas por esses profissionais. Cabe uma ressalva, seja qual for essa abordagem, quando realizada ainda no pré-operatório, pode contribuir para a redução da ansiedade dos clientes laringectomizados, pois, desse modo, eles podem se preparar emocionalmente para uma possível ou real debilidade física, além de se sentirem participantes do processo de tratamento. De acordo com um estudo sobre a temática, como passo inicial no processo de aceitação do paciente traqueostomizado, as informações eram repassadas por elemento não-profissional da equipe de enfermagem (63,4%). Em segundo lugar apareceu o profissional médico (53,3%) e, depois, o enfermeiro (33,4%)15. Conforme ressaltam as autoras, elas se preocuparam em verificar junto aos pacientes sua capacidade de distinguir o enfermeiro dos demais membros da equipe de enfermagem. Por isso, é preciso enfatizar a utilização de todas as estratégias para obter uma comunicação efetiva com o cliente laringectomizado. Entre essas estratégias, sobressai a mímica labial, mas pode ser implementado, também, o uso de folhas de papel e lápis ou de quadro mágico. Ambos os métodos podem ser complementados por frases ou palavras escritas em pequenos cartões para acelerar a comunicação, como por exemplo, estou com dor, estou com fome, tenho sede, estou respirando com dificuldade, quero dormir, não, sim, entre outros. Podem ser usados cartões coloridos, como, por exemplo, a cor verde para afirmativo e a cor vermelha para negativo. Ademais, o uso de aparelhos sonoros como sinos ou pequenas buzinas é muito útil, principalmente quando não há alguém por perto14. Sentimentos Referentes ao Comprometimento da Fala Os sentimentos dos clientes laringectomizados, ao ficarem cientes do comprometimento de sua própria comunicação verbal, são relatados a seguir: Eu senti muita tristeza. (E1) [..] senti muita tristeza, ansiedade, medo de nunca mais falar. (E4) Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):176-81. • p.179 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación Comunicação do laringectomizado No primeiro dia depois que eu me operei chorei muito, fiquei muito triste, achei até que ia morrer [...]. (E7) No começo fiquei muito triste, mas depois fui me acostumando [...]. (E3) Como revelam as falas, o sentimento de tristeza foi comum a todos os clientes diante da dificuldade de comunicação. Sobressaem, ainda, a ansiedade e o medo de não conseguir reverter o problema. O medo de não ser aceito pelas pessoas também pôde ser observado. Os sujeitos do estudo são portadores de câncer e, muitas vezes, chegam ao hospital abalados pelo estigma da doença e prognóstico difícil, isso somado à alteração física ou mutilação e aos efeitos que o traqueóstomo provoca sobre a voz, desencadeando uma série de conflitos e emoções. Durante a entrevista, os pacientes demonstraram tristeza ao falarem do problema, com manifestações, sobretudo, nas expressões faciais, na mudança no tom de voz, no olhar cabisbaixo e no choro. Apesar dessas reações, uma parcela significativa dos entrevistados relatou sentimentos diferentes dos já mencionados. Como afirmaram, eles ficaram tranqüilos ao saberem que não podiam mais utilizar a voz como veículo de comunicação. Ainda, consideraram tal situação normal e contornável e que poderia acontecer com qualquer pessoa, como mostram os relatos: Acho que isso é normal... eu só tenho que aceitar o que aconteceu. (E2) Eu não fiquei preocupado não. Pior é se eu ficasse dando trabalho aos outros. (E6) Quando eu cheguei aqui estava quase morto, por isso, não fiquei tão triste [...] O médico fez isso para salvar a minha vida e eu só tenho que agradecer. (E5) Embora a preocupação com a voz fosse um sentimento fortemente presente, alguns demonstraram uma posição de conformidade significativa e consideraram sua condição atual melhor do que se tivessem perdido a vida ou ficassem dependendo de outras pessoas para realizar todas as suas atividades. Nesse contexto, houve também reconhecimento da traqueostomia como um meio inevitável para a manutenção do processo respiratório, preservando a vida, mesmo com limitações. Ao conhecer a importância do significado da voz para os clientes laringectomizados, evidencia-se a urgência de implantar técnicas que facilitem a comunicação, não apenas com vistas a se sentirem bem no ambiente hospitalar, mas para serem capazes de sobreviver com tal limitação, principalmenteno convívio com amigos e familiares. O uso de métodos facilitadores da comunicação deve fazer parte do planejamento da assistência de enfermagem pré-operatória, pois favorece a prática assistencial, proporcionando um relacionamento p.180 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):176-81. interpessoal inestimável. Desse modo, a política de humanização deve necessariamente perpassar por práticas interativas e associativas para maximizar os resultados no campo intersubjetivo e relacional16. Durante as entrevistas, foi observada a atitude de certos profissionais de saúde no cuidado com os clientes laringectomizados: sempre faziam perguntas aos familiares sobre as necessidades do cliente, ao invés de tentarem se comunicar diretamente com ele. Além disso, quando se dirigiam ao cliente, não estimulavam a utilização da técnica da dígito-oclusão. Tais comportamentos podem ter sido influenciados pelo preconceito, que precisa ser superado, dispensando um tempo especial para a expressão desses clientes. Quando isso acontecer, a enfermagem, de fato, assistirá as pessoas de forma global e humanizada. CONCLUSÕES Concluiu-se que a comunicação verbal é consi- derada, pelos pacientes laringectomizados, um instrumento indispensável sem o qual é impossível ter uma vida de qualidade. Ainda, os resultados demonstraram que os clientes, quando orientados sobre a dificuldade de comunicação, decorrente da cirurgia, o foram pelos médicos ou fonoaudiólogos, não tendo sido mencionada a participação do enfermeiro. Vale lembrar que a comunicação é a base do relacionamento humano, é um processo importante, capaz de influenciar o comportamento dos indivíduos. Entretanto, a reabilitação vocal é um ponto-chave a ser considerado na assistência de enfermagem. Assim, juntamente com a equipe multiprofissional, será possível utilizar diferentes estratégias para ajudar o laringectomizado nesse processo. REFERÊNCIAS 1.Melles AM, Zago MMF. A utilização da lousa mágica na comunicação do traqueostomizado. Rev Latino-am Enfermagem. 2001; 9(1): 73-9. 2.Silva LMG, Brasil VV, Guimarães HCQCP, Savonitti BHRA, Silva MJP. Comunicação não-verbal: reflexões acerca da linguagem corporal. Rev Latino-am Enfermagem. 2000; 8(4): 52-8. 3.Sawada NO, Zago MMF, Galvão CM, Ferreira E, Barichello E. Análise dos fatores proxêmicos na comunicação com o paciente laringectomizado. Rev Latino-am Enfermagem. 2000; 8(4): 73-80. 4.Carpenito LJ. Manual de diagnósticos de enfermagem. 6ª ed. Porto Alegre(RS): Editora Artes Médicas; 1998. 5.Chone CT, Bortoleto A, Gripp FM, Crespo AN. Nova válvula fonatória para traqueostomia: uma proposta brasileira. Rev Bras Otorrinolaringol. 2002; 68(4): 546-49. 6.Smeltzer SC, Bare BG. Brunner & Suddarth. Tratado de enfermagem médico-cirúrgica. Tradução de José Eduardo Ferreira de Figueiredo. 10a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Recebido em: 01.10.2008 - Aprovado em: 17.12.2008 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación Koogan; 2005: 538-44. 7.Costa CC, Rapoport A, Chagas JFS, Oliveira IB, Castro P, Magna LA. Reabilitação vocal de laringectomizados com prótese traqueoesofágica. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2001; 67(5): 707-14. 8.Bettinelli LA, Tourinho Filho H, Capoani P. Experiências de idosos após laringectomia total. Rev Gaúcha Enferm. 2000; 2(2): 11-20. 9.Vasconcelos, Almeida IS, Celos SG, Paiva SS, Galvão MTG. Comunicação proxêmica entre mãe e filho em alojamento conjunto. Rev enferm UERJ. 2006; 14: 37-42. 10.Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (Po): 70ª Edição: 2004. 11.Ministério da Saúde (Br). Conselho Nacional de Saúde. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos: Resolução nº 196/96. Brasília (DF): Conselho Nacional de Saúde; 1996. 12.Costa HOO, Duprat AC, Eckley CA, Dutra SRF, Matos RE, Soares E, Castro ME, Fialho AVM, Caetano JA Cavalcanti CM. Análise comparativa de laringectomias parciais com e sem realização de traqueostomia. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004; 70(3): 340-43. 13.Caixeiro SMO, Dargam B, Thompsom GN. Comunicação escrita: importância para profissionais de enfermagem nas salas de pré-parto. Rev enferm UERJ. 2008; 16: 218-23. 14.Guedes MTS, Figueiredo NMA, Nascimento MAL, Ghidini Junior R. Transpondo a barreira do silêncio e da solidão do cliente laringectomizado através das ações de enfermagem. Esc Anna Nery R Enferm. 2004; 8: 464-9. 15.Whitaker IY, Braido MCP, Madureira NG, Dalossi T. Informar: primeiro passo no processo de aceitação do paciente traqueostomizado. Acta Paul Enf. 1989; 2(1): 23-9. 16.Martins JJ, Backes DS, Cardoso RS, Endman Al, Albuquerque GL. Resignificando la humanizacion desde el cuidado en el curso de vivir humano. Rev enferm UERJ. 2008; 16: 276-81. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):176-81. • p.181