uma avaliação das conjunções no livro didático de

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Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul
UMA AVALIAÇÃO DAS CONJUNÇÕES NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA DIRECIONADO
AO ENSINO MÉDIO*
Horácio Alves de VARGAS JÚNIOR1 (Universidade Estadual do Oeste do Paraná)
Profª. Drª. Aparecida Feola SELLA (Universidade Estadual do Oeste do Paraná)
ABSTRACT: This paper is the result from a research that leaves from a review of the traditional grammar about the
coordinating conjunctions in Portuguese. In this research the conjunctions are analysed by the comparison between the
traditional theory and the new studies in linguistics. Also, we present here an analyse of textbooks focusing the way
they teach the conjunctions in Portuguese.
KEYWORDS: Textbooks; conjunctions; argumentation.
0.Introdução
A princípio, nossa pesquisa apresentaria uma abordagem diacrônica. Idéia que nos surgiu quando da
leitura de Sandmann (1982). O nosso intento era evidenciar, no processo evolutivo dos vocábulos, o alto teor adverbial
de algumas conjunções coordenativas da gramática tradicional. No entanto, tal sondagem ficou inibida pelo acesso
bibliográfico restrito. Assim, resolvemos orientar nossa pesquisa mais para a revisão das diferentes abordagens no
estudo das conjunções e para uma avaliação de como o livro didático de Língua Portuguesa, direcionado ao Ensino
Médio, apresenta os estudos referentes a estes elementos lingüísticos.
O nosso principal objetivo aqui é evidenciar os fatores de ordem semântica e pragmática que as
conjunções instauram no plano sintático. Para isso, levamos em conta a descrição dos mecanismos lingüísticos
estudados e seu relacionamento com os demais elementos da frase, procurando explicitar a ligação entre o valor
sintático e o semântico.
1.Observações em torno da noção de conjunção veiculada pelos manuais tradicionais
Aqui, a princípio, fazemos algumas considerações iniciais sobre o tratamento dado às conjunções em
nossas gramáticas. Um exame mais detalhado destas pemite-nos arrolar algumas incoerências presentes nos estudos
acerca dos elementos lingüísticos em questão.
Sabemos que a crítica à gramática tradicional já está há um bom tempo presente entre os estudiosos da
língua, tendo-se já muito se discutido a respeito da natureza dogmática, normativa e não-científica da mesma.
Ao que parece, esta crítica tem o seu início com a fundação da Lingüística como ciência, constituída em
torno dos fatos da língua, e que leva em conta não somente a linguagem correta ou a “boa linguagem”, mas todas as
formas de expressão.
Saussure (1995: 13), a respeito da gramática, já declarava que:
“Cette étude, inaugurée par les Grecs, continuée principalement par les Français, est fondée sur la
logique et dépourvue de toute vue scientifique et désintéressée sur la langue elle-même; elle vise
uniquement à donner des règles pour distinguer les formes correctes des formes incorrectes; c'est une
discipline normative, fort éloignée de la pure observation et dont le point de vue est forcément étroit”
(SAUSSURE, 1995: 13)
Como podemos ver, Saussure chamava a atenção ao caráter altamente normativo e não-científico da
gramática tradicional; e, através do seu Cours de Linguistique Générale, podemos encontrar ainda muitas outras
considerações negativas sobre a gramática tradicional – são críticas feitas, principalmente, às categorias gramaticais
tradicionais de origem aristotélica e que lhe servem, por um lado, para evidenciar a cientificidade dos novos estudos que
se erigem e, por outro, para integrar as avaliações positivas de seu ponto de vista essencialmente sincrônico.
No Brasil, é claro, estas reflexões apareceram bem mais tarde e tornaram-se mais contundentes após a
inserção da Lingüística nos cursos de Letras. Atualmente, é grande o número de estudiosos que se dedicam à revisão da
gramática tradicional; a fim de ilustração, citamos Perini (1991: 6):
“As falhas da Gramática Tradicional são, em geral, resumidas em três grandes pontos: sua
* Este trabalho é uma adaptação do relatório final de bolsa de Iniciação Científica.
1Acadêmico do 4º ano do curso de Letras Português/Inglês e bolsista do programa PIBIC/Unioeste/PRPPG.
inconsistência teórica e falta de coerência interna; seu caráter predominantemente normativo; e o
enfoque centrado em uma variedade da língua, o dialeto padrão (escrito), com exclusão de todas as
outras variedades” (PERINI, 1991: 6)
Às vezes, torna-se até repetitiva esta crítica que está institucionalizada entre nós há mais de um vintênio;
no entanto, o ranço tradicional e purista parece ainda dominar, mesmo entre os profissionais da área. Por isso mesmo,
essa crítica é ainda necessária, posto que, como toda e qualquer tradição, a disciplina gramatical apresenta uma grande
resistência. E, não obstante essa resistência imanente da gramática tradicional, ainda presenciamos o reforço das
políticas lingüísticas tradicionais e do mercado editorial, como veremos, mais adiante, quando da análise do livro
didático de Língua Portuguesa.
Até mesmo o lingüista se vê obrigado a trabalhar constantemente com os conceitos da gramática
tradicional, tais como as noções de substantivo, adjetivo, verbo, etc.. E isso é compreensível, pois seria impossível
abandonar, de todo, a gramática tradicional para se elaborar uma nova nomenclatura base, o que seria, segundo Perini
(1991:7), de utilidade questionável. Ao contrário, a Lingüística apropria-se da nomenclatura tradicional fazendo as
devidas ressalvas nocionais.
Com o intuito de validar esta crítica, partimos, durante a primeira fase de nossa pesquisa, da análise e
confronto das conceituações de conjunção presente em quatro diferentes manuais, a saber: Gramática Metódica da
Língua Portuguesa (1979), de Napoleão Mendes de Almeida; Nossa Gramática (1984), de Luiz Antonio Sacconi; A
Estrutura Morfo-Sintática do Português (1982), de José Rebouças Macambira; e a Nova Gramátcia do Português
Contemporâneo (1985), de Celso Cunha & Lindley Cintra.
Percebe-se que as definições apresentadas convergem para uma definição geral comum que poderia ser
assim expressa: “Conjunção é a palavra que serve para ligar orações e termos de mesma função sintática”. No que tange
a possíveis divergências desse centro nocional comum, dois autores são, aqui, dignos de nota: Almeida (1979) e
Macambira (1982).
Almeida (1979), em sua definição de conjunção, não registra a possibilidade de a classe de palavras em
questão relacionar, não apenas orações, mas também termos de uma mesma função sintática. Aliás, este autor define
conjunção através do confronto com uma outra classe de palavras: a preposição, atribuindo a esta a função de ligar
palavras, e àquela, a função única e exclusiva de conectivo oracional: “Conjunção: É toda palavra que serve para ligar,
não palavras, como a preposição, mas orações. Ex.: Fomos cedo e voltamos tarde. Desejo que venhas” (ALMEIDA,
1979: 81).
A desconsideração, na definição de Almeida (1979), por este aspecto, pode gerar confusões, uma vez que,
mais adiante, em nota de rodapé, ocorrem algumas exemplificações do uso de conjunções com algumas frases em que
estes elementos estão a relacionar não orações, mas palavras.
Iniciando o estudo específico da conjunção, Almeida (1979) novamente define e exemplifica:
“Conjunção é o conectivo oracional, isto é, a palavra que liga orações: “O rústico, porque é ignorante,
vê que o céu é azul; mas o filósofo, porque é sábio e distinge o verdadeiro do aparente, vê que aquilo
que parece céu azul, nem é azul, nem é céu”. Nesse período, os vocábulo porque, mas, e, que, nem, são
conjunções, porque são os conectivos das orações” (ALMEIDA, 1979: 345)
Percebe-se que, no período de que Napoleão se serve para exemplificar a função das conjunções, destacase, equivocadamente, como conjunção o vocábulo que precedente do pronome aquilo, situação em que está operando
como pronome relativo, posto que resgata, anaforicamente, o sujeito do verbo parece. Talvez isso não passe de um
simples detalhe, mas que pode acabar confundindo o aluno que consulta o manual em busca de alguma elucidação,
prejudicando, assim, o seu entendimento.
Almeida (1979) também subordina o estudo da conjunção à Morfologia, como se a conjunção não se
prestasse a outro critério de análise senão o mórfico. Nada mais equivocado, como mesmo o provam as suas
considerações que se situam, em sua maioria, no plano sintático e, quando muito, no semântico, que, neste caso,
concentram-se nas notas de rodapé.
Esse procedimento – as observações em notas de rodapé – corrobora a grande desconsideração da
gramática tradicional pelo aspecto semântico e, ainda mais, pelo pragmático. É oportuno lembrar que essas notas são
praticamente ignoradas quando se transferem os estudos gramaticais desses manuais para o livro didático de língua
portuguesa, com o qual trabalharão os nossos alunos. A disciplina gramatical, então, que já é, por si só, confusa, será
apresentada ao aluno de forma fragmentada e ainda mais obscura, conseqüentemente.
O emaranhado de critérios de análise expõe para as subordinativas um critério sintático; porém a
classificação em adversativas, conclusivas, explicativas, etc acena para um critério mais semântico. Esses estudos estão
enquadrados na grande seção da gramática tradicional intitulada Morfologia. Claro está que esse tipo de hierarquização
é herança greco-latina, de onde vem a separação da disciplina gramatical em três partes: Fonética, Morfologia e Sintaxe.
Separação adotada até nossos dias, não só pelos nossos gramáticos como também pelos gramáticos das mais variadas
línguas.
Por outro lado, há, em Macambira (1982), uma tentativa de se trabalhar com critérios de análise mais
definidos. Este gramático apresenta o seu estudo da conjunção sob três diferentes aspectos: o mórfico, o sintático e o
semântico. No entanto, não obstante essa separação, Macambira não consegue manter uma unidade de análise, e acaba
por misturar, freqüentemente, conjunções coordenativas com subordinativas e outras classes de palavras, além de inserir
estudos de viés comparatista, em que faz analogia com outros idiomas (cf. MACAMBIRA, 1982: 67 e ss.).
Como não poderia deixar de ser, a nossa avaliação corrobora a posição dos estudos lingüísticos. Na
análise dos manuais supra-citados constatamos, no trato com as conjunções, as previsíveis incoerências, e entre as quais
destacamos, sistematicamente, o seguinte:
a) Enfoque principalmente sintático, em detrimento dos níveis semântico e pragmático;
b) Critérios heterogêneos e confusos na elaboração das definições, classificações e nomenclaturas;
c) Preocupação extrema com a nomenclatura e classificação das conjunções;
d) Muitas vezes as definições não condizem com alguns exemplos;
e) Exemplos ideais retirados de autores da literatura portuguesa ou brasileira;
f) Falta de relacionamento entre o estudo das conjunções coordenativas e o das orações coordenadas.
Quanto ao ítem a), percebe-se a extrema preocupação com o nível sintático, o que acaba por inibir a
avaliação semântica ou pragmática que as conjunções desencadeiam no discurso. Quanto a b), um ítem bastante
repisado nas críticas à gramática tradicional, a mistura de critérios sintáticos com mórficos e semânticos foi facilmente
evidenciada em nossas gramáticas. Quanto ao ítem c), ao que parece, o grande objetivo da gramática tradicional é a
identificação e classificação dos elementos, o que significa estar descartado o valor semântico e discursivo das
conjunções. Apresentam-se ao aluno, a fim de memorização, listas de conjunções e locuções conjuntivas que soem
terminar por um etc. O ítem d) configura a incoerência interna da gramática tradicional, por exemplo, na obra de
Almeida (1979), após a apresentação da definição de conjunção como sendo um conectivo oracional, há, como vimos,
entre os exemplos, frases em que a conjunção relaciona itens lexicais, ou seja, o exemplo contradiz a definição.
2.Reflexões em torno da teoria sintática referente à conjunção
Garcia (2000), propondo estudar o uso de nossa língua por abordagem diferente da habitual, tenta
esclarecer alguns assuntos que se apresentam tradicionalmente intrincados em nossas gramáticas. Nesse sentido, Garcia
focaliza os processos sintáticos de coordenação e subordinação, analisando-os quanto ao seu grau de travamento
sintático e, através daquilo que o autor chama de falsa coordenação, acaba por desbancar algumas asseverações da
gramática tradicional quanto aos processos de encadeamento e hierarquização das orações.
As reflexões giram em torno das conceituações tradicionais e ortodoxas de coordenação e subordinação,
como podemos encontrar, por exemplo, em Sacconi (1984: 194) quando distingue as conjunções coordenativas das
subordinativas, atribuindo a estas a função de ligar orações sintaticamente dependentes, e àquelas a de relacionar
orações s intaticamente independentes.
Garcia (2000) registra que, modernamente, essa conceituação tradicional tem sido encarada de modo
diverso. E realmente o deve ser. A explicação tradicional é pautada, por exemplo, no cotejo:
g) Eu disse que todos vieram.
h) Eu disse e todos vieram.
Conforme a gramática tradicional, a oração “que todos vieram” é subordinada à principal “Eu disse” uma
vez que desempenha a função de complemento verbal (dizer: verbo transitivo direto); tem-se, pois, uma oração que não
é independente, posto que faz parte de outra, exerce função nessa outra. Ao contrário, no exemplo h), as orações se
dizem coordenadas por “subsistirem por si mesmas”, serem independentes. Argumenta-se, no exemplo h), que “Eu
disse” e “todos vieram” são orações de sentido completo. Mas é claro que, se se exclui a conjunção, as orações tornamse aparentemente independentes; entretanto, “e todos vieram” já não mais parece gozar de autonomia, quer semântica,
quer sintática.
Assim, concordamos com Garcia (2000: 42) quando declara que “as conjunções coordenativas
relacionam idéias ou pensamentos com um grau de travamento sintático por assim dizer mais frouxo do que das
subordinativas” (grifo nosso). Ou seja, há, sim, vínculo sintático entre as coordenadas, porém um vínculo que é menos
estreito do que na subordinação.
Garcia (2000) rejeita a inclusão do par alternativo quer... quer entre as coordenativas, assegurando que o
mesmo apresenta “legítimo valor subordinativo-concessivo”, que pode ser facilmente comprovado mediante o exemplo:
“Irei, quer chova, quer faça sol” que corresponde, semanticamente, a “Irei, mesmo que chova, mesmo que faça sol”, ou
ainda, “Irei, se quiseres ou (e) mesmo que não queiras”; uma subordinação que é, segundo Garcia (2000: 47),
concessivo-condicional.
Para finalizar com as considerações de Garcia (2000), citamos os casos em que há, nas orações
coordenadas introduzidas por conjunções explicativas (pois, porque, portanto), uma espécie de subordinação dita
psicológica. O autor também cita os seguintes exemplos de orações, em que há subordinação psicológica, não obstante
coordenadas gramaticalmente:
i) Não fui à festa do seu aniversário: não me convidaram. (explicação ou causa)
j) Não fui à festa do seu aniversário: passei-lhe um telegrama. (oposição, ressalva, atenuação ou
compensação)
k) Não fui à festa do seu aniversário: não posso saber quem estava lá. (conclusão ou conseqüência)
Sandmann (1982), citando a Gramática Construtural de Eurico Back e Geraldo Mattos, no que toca às
conjunções, constata a grande diferença que há entre o enfoque dado ao assunto por esta e pela gramática tradicional.
Postulando uma separação clara entre os enfoques sintático e semântico na descrição da língua portuguesa, a Gramática
Construtural afirma serem apenas três os coordenativos do português: e, mas e ou. Não satisfeito com a posição da
Gramática Tradicional nem com a da Gramática Construtural, Sandmann (1982) aplica critérios sintáticos para o
estabelecimento dos coordenativos, e dessa forma, procura o levantamento de outros além dos três da Gramática
Construtural, aos quais o autor chama de pacíficos.
Ao fim de sua análise, Sandmann (1982) chega a conclusão de que são cinco, na verdade, os
coordenativos do português: e, mas, ou, pois e logo. As demais conjunções coordenativas da Gramática Tradicional
ficariam na classe dos advérbios oracionais.
Não devemos confundir estes advérbios oracionais que apresentam, aparentemente, função conjuntiva
com a classe de mesmo nome da gramática tradicional. Sandmann usa o termo advérbio oracional, que é uma tradução
do que Dik (1972) chama de clause or sentence adverbials. Para evitar essa confusão, Dubois & Lagane (1973)
denominam a classe de adverbes ou locutions adverbiales de coordination e Duden (1966) os classifica como advérbios
conjuntivos.
3.Contribuições para uma teoria semântica da conjunção
Até aqui nossas reflexões tiveram como base o confronto entre a teoria tradicional e propostas
diferenciadas para o estudo das relações sintáticas estabelecidas pelas conjunções coordenativas. Queremos agora fazer
algumas referências aos estudos que dizem respeito às relações semânticas que tais elementos lingüísticos projetam no
discurso. Como já foi dito anteriormente, os estudos da gramática tradicional giram, fundamentalmente, em torno do
aspecto sintático, e as poucas descrições semânticas encontram-se quase que totalmente isoladas em notas de rodapé.
Em Almeida (1979) as referências aos diferentes valores semânticos assumidos pelas conjunções são
escassas; o autor limita-se a apresentar apenas os valores aceitos pelo cânone gramatical vigente e a condenar usos
considerados incultos. É muito comum nesse autor considerações instadas num nível estilístico de análise, como, por
exemplo, quando trata do conectivo e, e faz referência ao dito estilo bíblico, caracterizado pelo polissíndeto.
Há, por parte de Cunha & Cintra (1985), uma tentativa de apontar os variados matizes significativos que
certas conjunções coordenativas – no caso, e e mas – assumem no discurso. No entanto, alguns valores particulares que
os autores atribuem ao conectivo mas são relativamente obscuros e questionáveis (cf. CUNHA E CINTRA, 1985: 56871). A título de ilustração, analisemos os seguintes casos:
l) Anoitece, mas a vida não cessa.
m) Era bela, mas principalmente rara.
Em ambos casos, Cunha & Cintra declaram que a partícula mas está a exprimir idéia de adição. Porém, no
exemplo l), o conectivo mas está evidentemente relacionando termos opostos, contrastivos: a oração “Anoitece” sugere
fim e “a vida não cessa”, continuidade. Temos, portanto, aí, o conectivo mas a desempenhar sua função clássica de
conjunção adversativa. Também no exemplo m) não acreditamos que o mas esteja apenas juntando ou aproximando
orações de mesma natureza ou função. Neste caso há uma nítida idéia de realce (compartilhada pelo advérbio
principalmente).
Ao tratar das coordenativas, Garcia (2000) as expõe de acordo com a classificação tradicional em
aditivas, adversativas, alternativas, explicativas e conclusivas; acrescenta, porém, o autor, as suas considerações de
ordem semântica. Por exemplo, referindo-se ao conectivo e, Garcia declara que:
“Em alguns contextos ou situações, a partícula e parece imantar-se do significado dos membros da frase
por ela interligados, insinuando assim idéias de distinção, discriminação, oposição ou contraste,
inclusão, simultaneidade, realce e, ocasionalmente, outras” (GARCIA, 2000: 42).
Estudos anteriores já demonstraram que o conectivo e comporta-se como uma verdadeira “carta curinga”,
podendo exteriorizar os mais variados valores significativos. Já o mas, segundo Garcia (2000), assim como outras
adversativas, explicativas e conclusivas, por ser etmologicamente um advérbio (do latim magis> mais> mas) 2, é menos
gramaticalizado que as conjunções e, nem e ou, que foram herdadas diretamente do latim: e< et, nem< ne< nec, ou<
2Segundo Coutinho (1976: 269-70), “ao contrário das preposições, poucas foram as conjunções que o português herdou
do latim” e “para suprir tal deficiência, recorreu a língua às outras classes de palavras, sobretudo ao advérbio e às
preposições, dando-lhes função conjuncional: todavia, tamb ém, para que, depois que, etc.”
aut. Isso explica, provavelmente, a maior inflexibilidade semântica de mas, o que possivelmente tenha inviabilizado
algumas notas de Cunha & Cintra referentes a esse conectivo.
Entre os estudos lingüísticos modernos que se guiam mais pelos enfoques semântico e pragmático,
colaborando com uma forma mais coerente de se conceber as conjunções, citamos aqui Koch (1998) e Ducrot (1984).
Estes teóricos, e outros mais, evidenciam a natureza essencialmente argumentativa da linguagem humana,
e vêem as conjunções, e outros elementos gramaticais (especialmente aqueles que a gramática tradic ional não sabe onde
enquadrar, juntando-os sob o nome de denotativas e/ou expletivas), como operadores argumentativos. Estes têm a
função de direcionar a força argumentativa dos enunciados através do que Ducrot chama de classes e escalas
argumentativas.
Segundo Ducrot (1984), o mas é o “operador argumentativo por excelência”, uma vez que tem a força de
desbancar argumentos alheios – aos quais se dá crédito em um primeiro momento – em detrimento dos do locutor.Para
Ducrot, uma sequência “p mas q” implica que p e q apresentam orientações argumentativas opostas em relação a uma
conclusão r. Por exemplo, no período: “Maria não sabe ler muito bem, mas entenderá as regras da eleição”, a oração p:
“Maria não sabe ler muito bem” leva a conclusão r: “Maria não deve participar da reunião” e, introduzida pelo
operador mas, a oração q: “entenderá as regras da eleição” leva a conclusão não-r, oposta: “Maria deve participar da
reunião”. Vale lembrar que o locutor conclui, no discurso que sustenta, a partir de q e não de p.
4.As conjunções no livro didático
Juntamente com a mestranda Maria Marlene Marcon Bósio, procedemos à análise de materiais didáticos
mais utilizados no Ensino Médio pelas escolas públicas da cidade de Cascavel. O confronto e a avaliação dos materiais
permitiram-nos perceber a difícil infiltração de conceitos lingüísticos não devidamente explicitados. Para a nossa
avaliação, selecionamos três diferentes materiais, a saber: Gramática Reflexiva – texto, semântica e interação (1999),
de William Roberto Cereja & Thereza Cochar Magalhães; Português (2000), de João Domingues Maia; e Português
(2002), de Carlos Emilio Faraco & Francisco Marto Moura.
Constatamos que estes três livros vão praticamente pelo mesmo caminho, apresentando entre si muito
mais semelhanças do que diferenças. Dos três livros analisados, dois são, aqui, dignos de nota.
De início, consideremos a Gramática Reflexiva de Cereja & Magalhães. Trata-se, na verdade, não de um
livro didático de Língua Portuguesa, mas sim de um manual gramatical, que é, no entanto, usado como livro didático
em algumas escolas em que temos a divisão da disciplina de Português em outras duas disciplinas: Língua Portuguesa
(ou Gramática) e Leitura e Produção Textual. Este livro é, pois, utilizado na primeira disciplina.
Neste livro há uma tendência muito atual de “inovação” no ensino de Língua Portuguesa, o que podemos
perceber facilmente através do título: Gramática Reflexiva – texto, semântica e interação. Há uma promessa por parte
dos autores de reflexão sobre a língua em uso, e de que se está incorporando uma nova maneira de se lidar com o
funcionamento da linguagem, mediante a suposta apresentação de contribuições da Lingüística aplicada ao ensino da
Língua Portuguesa. Há até, na apresentação do livro, uma crítica ao tradicionalismo.
Contudo, a nossa análise revela que o material não condiz, de forma alguma, com tais promessas: as
conjunções são definidas da mesma forma que na gramática tradicional e de forma muito rápida, para logo em seguida
serem apresentados os exe rcícios.
Nos exercícios, constatamos o antigo dispositivo de se pedir ao aluno para destacar, em um texto, as
conjunções (cf. Cereja & Magalhães, 1999: 185). Seria isso um estudo voltado para o texto e o discurso como querem
os autores? Na proposta de se trabalhar com os valores semânticos das conjunções coordenativas estão as listas que as
classificam em aditivas, adversativas, alternativas, explicativas e conclusivas, tal qual na gramática tradicional.
Apesar do projeto gráfico moderno e colorido do livro, percebemos que todo esse aparato semiótico fica
descolado do lingüístico, isto é, a leitura semiótica não é explorada pelo material; apresenta-se ao aluno toda uma
hibridez textual que é totalmente desconsiderada pelos exercícios.
Português(2002), de Faraco e Moura traz em sua apresentação o mérito de se trabalhar com um
“entrelaçamento de textos de natureza diversa”, o que, segundo os autores, “permite um trabalho constante com a
intertextualidade, além de variadas formas de leitura, com vistas a possibilitar ao aluno articular diferentes
linguagens e seus contextos”. Contudo, no trabalho com as conjunções, não constatamos pluralidade textual.
Na seção de gramática direcionada para as conjunções, nota-se que o objetivo maior é a simplificação da
teoria gramatical tradicional. Evidenciamos atividades como:
n) Faça uma revisão das conjunções coordenaticas e sua classificação, consultando uma gramática
(Faraco & Moura, 2002: 199); (grifo nosso)
o) Consultando uma gramática, faça o quadro de classificação das conjunções subordinativas (Faraco &
Moura, 2002: 200). (grifo nosso)
5.Considerações finais
Ao iniciarmos este estudo, resolvemos orientar nossas reflexões sobre a conjunção usando o caminho já
tradicionalmente percorrido pelos gramáticos. As nossas reflexões tiveram como base o confronto entre a teoria
tradicional e algumas propostas diferenciadas para o estudo da conjunção. Entendemos que o percurso foi proveitoso.
Em resumo, torna-se claro que o ensino da língua portuguesa, pautado na gramática tradicional, não
explora a importância argumentativa das conjunções (e outros operadores). Ainda permanece o trabalho com a
nomenclatura.
Por outro lado, como já vimos, inúmeros trabalhos lingüísticos adotam uma nova significação para as
conjunções, assim como para as orações por elas introduzidas. Tais estudos são responsáveis por definições que
extrapolam os conceitos consagrados pelas gramáticas tradicionais, visando a alcançar o verdadeiro valor das
conjunções sob um viés mais pragmático.
Uma vez concluída a nossa pesquisa, verifica-se que os fatos apurados pela Lingüística ainda não são
levados em conta pelo ensino gramatical escolar. Neste sentido, evidenciamos a necessidade de um trabalho constante
na formação dos professores de língua e na formação continuada dos profissionais que já trabalham na área, com vistas
a elaborar propostas metodológicas que supram as incoerências diagnosticadas.
RESUMO: Este trabalho é resultado de uma pesquisa de Iniciação Científica, inserida em um trabalho maior de
revisão da gramática tradicional, acerca das chamadas conjunções coordenativas. Nesta pesquisa, as conjunções são
analisadas a partir do confronto entre a teoria tradicional e os estudos lingüísticos a elas referentes. Também,
apresentamos aqui uma análise de livros didáticos focalizando o modo como estes ensinam as conjunções em
português.
PALAVRAS-CHAVE: Livro didático; conjunções; argumentação.
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DUCROT, O. Dire et ne pas dire: principes de sémantique linguistique. Paris: Hermann, 1972. Tradução brasileira de
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_____. O dizer e o dito. São Paulo: Pontes, 1984.
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Dissertação de Mestrado.
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