Fisiologia I Data: 23 de Novembro de 2007 (12ª aula) Docente: Prof. Silva Carvalho Desgravado por: Inês Couto, Inês Fonseca, Marta Abreu Tema: Sinapse Hoje e na próxima aula vamos falar da Sinapse. Vamos generalizar o conceito que falámos na aula anterior em que lhes mostrei um tipo particular de sinapse, que era a comunicação entre uma fibra motora e um elemento pós-sináptico que era o músculo-esquelético. O conceito de sinapse é um conceito muito mais largo e podemos chamar de sinapse à comunicação entre o nervo e qualquer outra estrutura, seja ela outro nervo, seja outro músculo-esquelético liso-cardíaco ou uma glândula. Portanto, a Sinapse é a comunicação entre o nervo (elemento pré-sináptico) e outro nervo, músculo ou glândula que são, nesta definição, os elementos pós-sinápticos. À medida que se foi conhecendo a sinapse e foi sendo estudado o seu mecanismo de acção, a forma de como se dava a comunicação de uma célula para outra, neste caso do nervo para outra célula, foram-se conhecendo os intermediários químicos que se libertavam dentro de uma célula para outra, actuando em receptores específicos pós-sinápticos (elementos que estão para lá da sinapse). Vocês vão lidar com esses intermediários clínicos e com a sua falência, como clínicos, de uma forma intensa. Coloquei aqui no slide duas doenças conhecidas para todos, em que existe uma alteração do controlo motor (no caso da doença de Parkinson – de que vão falar na neurocirurgia dentro das Neurociências) e outra doença, uma demência muito difundida que ataca uma quantidade muito grande de pessoas hoje em dia, com défices cognitivos, défices de memória muito importantes – a doença de Alzheimer. Estas são hoje em dia encaradas como doenças relacionadas com ausência ou deficiência de neurotransmissores, ou dos seus receptores. A dopamina é o intermediário químico envolvido na doença de Parkinson e a acetilcolina é um dos intermediários químicos envolvidos na doença de alzheimer, em particular em zonas do sistema nervoso central. Portanto só é possível abordar de uma forma racional a neuro-farmacologia e a terapêutica destas doenças, se nós tivermos presente o funcionamento, o que é uma sinapse e um neurotransmissor. O que eu queria que ficasse bem claro é como é que funciona uma sinapse, como é que funciona a sinapse, quais são os elementos constitutivos da sinapse e, numa próxima aula, que tipos de sinapses existem (porque há várias sinapses) e como é que elas funcionam, excitando ou inibindo o elemento com o qual contactam. Na aula anterior, a sinapse constituída pela junção neuromuscular é uma típica sinapse excitatória, ou seja, um estímulo é conduzido até ao elemento pré-sináptico, liberta-se um intermediário químico que é a acetilcolina, atravessa a fenda sináptica sendo esta parcialmente destruída pela acetilcolinaestrase, a que chega aos elementos pós-sinápticos e actua em receptores nicotínicos e dá origem a um potencial local, que quando atinge o valor suficiente despolariza ou dá origem à abertura de canais de sódio, dependentes da voltagem, e em seguida a um potencial de acção, que invade o músculo. Ora um potencial de acção dá origem a outro potencial de acção, isto é, um elemento excitatório pré-sináptico que dá origem a uma excitação do elemento póssináptico. Isto é típico daquilo que descrevemos como sinapses excitatórias. Mas a sinapse pode ser também de tipo inibitório. Mas independentemente disso, a regra geral de funcionamento da sinapse é esta, há um elemento pré-sináptico (pode ser qualquer fibra e cada fibra tem uma série de substâncias que obedecem a uma série de critérios para serem consideradas de neurotransmissores, que se acumulam em vesículas chamadas de vesículas sinápticas) e a regra de funcionamento é sempre a mesma: Estimulo Potencial de acção Aumento da permeabilidade ao cálcio no elemento pré-sináptico Entrada do cálcio para dentro da célula União a uma vesícula sináptica Migração da vesícula sináptica até à membrana Abertura do elemento pré-sináptico Portanto, há libertação do intermediário químico que atravessa o espaço entre as membranas que existe entre o elemento pré-sináptico e pós-sináptico. Quando existem deste lado receptores nos quais aquela molécula (o intermediário químico ou neurotransmissor) possa encaixar, dá-se uma série de fenómenos eléctricos, dando origem a uma excitação ou uma inibição do outro lado. De qualquer modo, estes passos de excitação, utilização do cálcio, união das vesículas, abertura e ligação através da fenda sináptica, são característicos de todas as sinapses em que estão envolvidos intermediários químicos, neurotransmissores, e portanto em todas as sinapses químicas. Queria chamar à atenção para as células que estão ao pé da sinapse, são células da glia, são astrócitos, são uma série de células que estão na proximidade da sinapse e a que durante muito tempo se atribuiu muito pouca importância. Pensava-se que estas células que estavam na proximidade da sinapse não intervinham directamente na comunicação do nervo com o elemento pós-sinaptico. Pensava-se que tinham um factor de protecção e que delimitavam o espaço onde intermediário químico entrava. Nós sabemos, hoje em dia, que não é assim e cada vez mais a investigação tem sido dirigida à capacidade que estas células, que estão na proximidade da sinapse, têm de intervir no próprio mecanismo da sinapse. Uma sinapse in vitro numa cultura sem estas células ao pé, não tem o mesmo comportamento quando essas células lá estão. Portanto, as células gliais não são apenas células de sustentação ou células de protecção e parecem hoje desempenhar um papel bem importante em vários fenómenos como a potenciação e a manutenção do efeito do neurotransmissor, na modulação do efeito do neurotransmissor, sendo elas mesmas capazes de libertar ou de serem actuadas por algumas substâncias químicas. Quando nós pensamos particularmente em células do sistema nervoso central, não nos podemos esquecer que existe um ambiente provocado ou proporcionado por todas estas células que estão à volta e que é importante para a própria neurotransmissão. O segundo ponto a que queria chamar a atenção é que o conceito de sinapse, o de sinapse química que é de longe a mais frequente nos mamíferos, e a esta regra de transmissão do neurotransmissor actuando no receptor que ainda é algo que para nós é intuitivo. Nenhum de nós pensa que um nervo comunica com outro e que há uma continuidade de todos os nervos. Todos nós sabemos que há um nervo e que o nervo precisa de um intermediário químico (pelo menos a grande maioria deles) para ser capaz de comunicar uma excitação ou inibição para outra célula, para outro nervo, para outro músculo. A descoberta da sinapse é uma história importante da neurofisiologia e é um exemplo paradigmático da forma como evoluem os conceitos em neurofisiologia. Muitas vezes a fisiologia apareceu como a ciência que atribuía uma função ao que a anatomia e a histologia descobriam. Da mesma maneira que hoje podemos falar da fisiologia genómica que é um ramo da fisiologia que tenta atribuir uma função aos vários genes que foram descobertos pela biologia molecular. No século passado e no século anterior – séc. XIX – a histologia e a anatomia fizeram imensos progressos, mas foi preciso que atribuíssem experimentalmente e com uma base cientifica, uma função a essas estruturas. A histologia deu, nesta altura, passos decisivos e informações importantíssimas para o progresso da ciência médica. Pela primeira vez conseguíamos entrar no domínio microscópico, sendo os nervos e os tecidos algo onde nós podíamos entrar, como no fim do século XX se entrou dento da célula e das moléculas que constituem estas estruturas. A histologia também evoluiu bastante graças aos enormes avanços da química, em particular da química que permitia corar e identificar uma série de tecidos. Foram identificados tecidos epiteliais, conjuntivos que foram descritos de uma forma muito rica. No entanto a descrição do sistema nervoso e do tecido nervoso teve de esperar muito tempo porque não se conseguia corar os nervos de uma forma capaz. Foi Golgi, um italiano, que pela primeira vez conseguiu um tipo de impregnação dos nervos com prata e a coloração dos nervos com prata. No entanto, os nervos não coravam de uma forma uniforme. Se tivessem vários nervos, uns mielinizados e outros desmielinizados e fizessem a coloração com prata e depois um corte, nem todos os nervos apareciam corados da mesma forma. É, portanto, uma coloração desigual; para além disso, os tipos de microscópios que existiam não permitiam individualizar as conexões entre os vários nervos. Vários dos autores que começaram a utilizar essa coloração de Golgi, descreviam o sistema nervoso e as fibras nervosas da forma, com nenhuma falta de continuidade, nenhuma solução de continuidade entre os nervos. Na representação os nervos parecem que estão todos ligados. Esta era a visão que existia nesta altura, patrocinada por homens como o próprio Golgi e como o Koliker, em que todos os nervos estavam ligados numa imensa rede ao longo do nosso organismo e a informação fluiria ao longo dos nervos como flúi ao longo de uma rede, isto é, apareceria informação que houvesse à periferia de um receptor (alguns dos receptores já tinham sido descritos histologicamente), andaria ao longo da rede nervosa, indo conectar com o sistema nervoso central. Não havia soluções de continuidade e nem de potencial de acção. A pessoa que fez esta descrição e que inventou a coloração de prata, foi Camillo Golgi – que publicou o seu primeiro trabalho de fundo sobre a coloração de nitrato de prata, embora já o aplicasse há algum tempo, apenas em 1873 – muito depois de já estarem a ser descritos muitos outros tecidos com colorações químicas. Golgi realizou uma descrição de vários nervos, da comunicação entre os vários nervos e daquilo a que ele chamava de rede nervosa. Para o Golgi, não havia uma solução de continuidade entre as células nervosas. Elas comunicavam umas com as outras de uma forma contínua, tendo feito desenhos de vários tipos de neurónios corados com prata, que lhes conferia a cor preta. É claro que com as colorações que ele podia utilizar era muito difícil ver as conexões entre as células. De qualquer modo era possível elaborar coisas como esta (vista do cerebelo com as suas células de porquins (?) e os seus múltiplos inter-neurónios que comunicam com estas varias células). Para o Golgi, o conceito de sinapse não existe, descrevendo a rede neuronal que existia no cerebelo. Jamon y Cajal (histologista espanhol) também utilizou o nitrato de prata em colorações, mas descreveu a existência de soluções de continuidade entre os nervos, não havendo continuidade entre neurónios, mas sim, espaço entre neurónios, como observava no seu microscópio. Tanto o Golgi como os seus apoiantes tinham uma enorme influência científica, e, uma vez que Jamon y Cajal comunicava em espanhol, não teve tanta importância. Mas estava de tal modo convencido da importância destas soluções de continuidade, que, quando houve um congresso na Alemanha, foi tentar convencer os congressistas de que existiam soluções de continuidade. A maior parte das pessoas não ficou minimamente convencida. Apenas um alemão ficou impressionado com ele e convidou-o para ficar na Alemanha, tendo escrito em conjunto com Cajal dois trabalhos fundamentais, em que descrevem a solução de continuidade. Mais tarde Cajal ganhou, pela descrição da falta de continuidade do nervo e, um prémio Nobel (em 1906), exactamente no mesmo ano que Golgi ganhou, pela invenção da coloração de prata. No entanto, quem fez a grande descrição de como funcionava essa comunicação, quem demonstrou experimentalmente que, estimulando um nervo, se conseguia obter a actividade noutro nervo, e que isso dependia do ambiente químico em que estava aquela solução de continuidade, foi Charles Sherrington, que também ganhou um prémio Nobel da Medicina. A comunicação, desde o tempo de Sherrigton, entre neurónios passou então a ser chamada de sinapse. É este o conceito que temos de hoje em dia, o conceito de que a unidade do sistema nervoso é uma célula, o neurónio, uma unidade microscópica. O neurónio tem um corpo e prolongamentos onde recebe informação e outro prolongamento, o axónio, através do qual emite a informação. Quando quer comunicar entre outros neurónios, comunica através de espaços que têm uma fenda, ou seja, através da sinapse. As redes neuronais de Golgi estão substituídas (hoje em dia chamamos rede mesmo sabendo que não há uma comunicação permanente), sabemos hoje que as vias nervosas correspondem a vários neurónios, a via sensorial tem um primeiro neurónio para a medula, um segundo neurónio para o tálamo e um terceiro neurónio para os centros sensoriais. As vias motoras têm um primeiro neurónio nas zonas motoras, um segundo neurónio na medula, que vai para o músculo e que comunica através da junção neuro-muscular com o músculo. Um outro conceito a reter é que um neurónio comunica não só com um, mas com dois ou mesmo três músculos, e esse conjunto de neurónio motor e dos músculos com que comunica, chama-se unidade motora. Mas isto não é regra. A regra é que um neurónio comunica com muitos neurónios, ele ramifica-se numa extremidade e faz sinapses com vários neurónios, por vezes com centenas. Por outro lado, como podem visualizar nos esquema, sobre o corpo do neurónio termina não um neurónio, mas sim sinapses que podem vir de vários neurónios, isto é, há simultaneamente convergência de informação de vários neurónios para um único neurónio e, ao mesmo tempo, há divergência de informação de um neurónio para vários neurónios com que comunica. Pode, desta forma, estabelecer-se uma enorme quantidade de possibilidades de comunicação entre neurónios, partindo de poucos neurónios, por fenómenos de divergência e convergência. Esta comunicação pode dar-se para o corpo do neurónio, mas alguma informação pode terminar a nível do próprio axónio. Em suma, o corpo do neurónio tem, como se vê na figura, uma das terminações com as suas mitocondrias, as vesículas onde se acumula o transmissor sináptico, com o espaço sináptico, ou a fenda sináptica, e o elemento póssináptico. Para terminar, gostaria de chamar a atenção para um elemento muito importante, o receptor pós-sinaptico. Hoje sabemos que também há receptores pré-sinapticos; assim sendo, a libertação de um intermediário químico não se deve apenas à chegada de um potencial e à chegada de um neurotransmissor. Esse neurotransmissor é capaz de actuar no elemento póssináptico, dando origem a uma resposta do lado deste, actua também no elemento pré-sinaptico, num sistema de feedback, positivo ou negativo. Isto permite que outras substâncias que existem em circulação actuem no elemento pré-sinaptico, facilitando ou inibindo a libertação de um intermediário químico. Por exemplo, se nos encontramos numa situação em que existe uma libertação de adrenalina e de noradrenalina pela medula supra-renal, entrando em circulação. Alguma dessa adrenalina vai chegar às sinapses que estão a ser utilizadas pelo sistema nervoso simpático e vai modificar, actuando nos receptores pré-sinapticos, a facilidade com que a noradrenalina está a ser libertada. Isto faz com que o sistema endócrino e o sistema simpático tenham uma coerência de actuação que é dada pelos elementos pré-sinaptico. No entanto, a acção da célula nervosa com outra célula, sobre a qual está a agir, dá-se actuando em receptores pós-sinapticos, ou seja, para haver uma transmissão de informação é necessário que haja libertação de intermediário químico e que este actue no receptor pós-sinaptico. Existem dois tipos fundamentais de receptores pós-sinapticos. Existem receptores que estão directamente acoplados a canais de potássio e, portanto, quando um intermediário químico atravessa a fenda sináptica, une-se a algo que está na própria parede do canal, abrindo o canal (iónico). Estes receptores, chamados ionotrópicos, são muito rápidos a agir. Outros receptores têm uma actuação mais lenta que se deve a uma acção sobre o metabolismo da célula. Uma substância une-se a um receptor, que está acoplado a uma proteína que influencia outras proteínas no interior da membrana, o que faz com que se abram os canais metabotrópicos. São mais lentos na sua actuação, mas têm uma vantagem relativamente aos ionotrópicos, uma vez que ao actuar sobre uma proteína dentro da própria célula, são capazes de alterar a própria transcrição e a expressão de alguns genes dentro da célula. Isto faz com que, ao se estimular repetitivamente uma célula, um nervo, ao nível do elemento pós-sináptico, possa existir, ao fim de algum tempo, alteração da expressão de genes da própria célula, com a alteração da disponibilidade de receptores ou de canais iónicos. Isto é mais um mecanismo pelo qual o funcionamento da sinapse influencia a longo termo a capacidade de um elemento póssináptico responder a essa própria estimulação. Basicamente, o que precisam de saber por hoje é o conceito de sinapse, como ele evoluiu desde o estabelecimento de conceito de fenda sináptica, ao de sinapse química, com a libertação de transmissores e actuação em relação a receptores póssinápticos. Na próxima aula vamos falar dos tipos de sinapse e dentro dos tipos de sinapse, como a transmissão se faz do tipo excitatória, como uma sinapse excita o nervo seguinte, que é a excitação sináptica, ou como é que ela transmite uma informação inibitória, ou seja a inibição sináptica.