LECTIO DIVINA DE JO.4, 4-30 – JUNTO À FONTE DAS SETE BICAS “Em todo o caso, lá somos chamados a ser pessoas-cântaro para dar de beber aos outros” (Papa Francisco, E,G. 86) CÂNTICO INICIAL: De noite iremos em busca da água viva… (Taizé) ORAÇÃO INICIAL P- Senhor, nosso Deus, louvado sejais, pela Água, que é tão útil, humilde, preciosa e pura! Vós criastes a água, para dar fecundidade à Terra e frescura e pureza aos nossos corpos! 2. Mas, também, ao longo dos tempos, preparastes, Senhor, a água, para manifestar a graça do Batismo: Logo no princípio do mundo, o vosso Espírito pairava sobre as águas (Gén.1,2) prefigurando o seu poder de santificar. Nas águas do dilúvio (Gén.7,10), destes-nos uma imagem viva do Batismo, pelo que as águas significam, ao mesmo tempo, o fim do pecado e o princípio da santidade. Vós fizestes atravessar a pé enxuto o Mar Vermelho (Ex.14,21-22) libertando da escravidão do Egipto o vosso povo e matando a sua sede no deserto. Por meio dos Profetas (Is.44,3-4), Vós proclamastes a água, como sinal da nova aliança que quisestes estabelecer com os homens. 3. O vosso Filho Jesus Cristo, ao ser batizado nas águas do Jordão (Mt.3,16) recebeu a unção do Espírito Santo. “Quando Ele pediu à samaritana água para beber (Jo.4) já lhe tinha concedido o dom da fé e da sua fé teve uma sede tão viva que acendeu nela o fogo do amor divino”. Suspenso na Cruz, do seu lado aberto, fez brotar sangue e água! (Jo.19,34) Senhor, nosso Deus, como terra árida, sequiosa, sem água (Sal.63,2) a nossa alma tem sede de vós, tem sede do Deus vivo (Sal.42,3) Que esta água, desperte em nós a sede de Deus, nos faça reviver o Batismo que recebemos, para que nós, que fomos sepultados com Cristo na sua morte participemos, agora de coração purificado, na alegria dos que vão ser batizados, na Páscoa de Cristo Nosso Senhor, o Qual é Deus convosco na unidade do Espírito Santo. Todos: Ámen. LEITURA DO TEXTO (Jo.4,4.30): JESUS E A SAMARITANA Narrador: Naquele tempo, chegou Jesus a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, junto da propriedade que Jacob tinha dado a seu filho José, onde estava o poço de Jacob. Jesus, cansado da caminhada, sentou-Se à beira do poço. Era por volta do meio-dia. Veio uma mulher da Samaria para tirar água. Disse-lhe Jesus: Jesus: «Dá-Me de beber». Narrador: Os discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos. Respondeu-Lhe a samaritana: Samaritana: «Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber, sendo eu samaritana?» Narrador: De facto, os judeus não se dão com os samaritanos. Disse-lhe Jesus: Jesus: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: ‘Dá-Me de beber’, tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva». Narrador: Respondeu-Lhe a mulher: Samaritana: «Senhor, Tu nem sequer tens um balde, e o poço é fundo: donde Te vem a água viva? Serás Tu maior do que o nosso pai Jacob, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, com os seus filhos e os seus rebanhos?». Narrador: Disse-Lhe Jesus: Jesus: «Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede. Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornarse-á nele uma nascente que jorra para a vida eterna». Narrador: Suplicou a mulher Samaritana: «Senhor, dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá-la». Narrador: Disse-lhe Jesus: Jesus: «Vai chamar o teu marido e volta aqui». Narrador: Respondeu-lhe a mulher: Samaritana: «Não tenho marido». Narrador: Jesus replicou: Jesus: «Disseste bem que não tens marido, pois tiveste cinco e aquele que tens agora não é teu marido. Neste ponto falaste verdade». Narrador: Disse-lhe a mulher: Samaritana: «Senhor, vejo que és profeta. Os nossos antepassados adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar». Narrador: Disse-lhe Jesus: Jesus: «Mulher, acredita em Mim: Vai chegar a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vai chegar a hora – e já chegou – em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são esses os adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito e os seus adoradores devem adorá-l’O em espírito e verdade». Narrador: Disse-Lhe a mulher: Samaritana: «Eu sei que há-de vir o Messias, isto é, Aquele que chamam Cristo. Quando vier, há-de anunciar-nos todas as coisas». Narrador: Respondeu-lhe Jesus: Jesus: «Sou Eu, que estou a falar contigo». Narrador: Nisto, chegaram os discípulos e ficaram admirados por Ele estar a falar com aquela mulher, mas nenhum deles Lhe perguntou: «Que pretendes?», ou então: «Porque falas com ela?». A mulher deixou a bilha, correu à cidade e falou a todos: Samaritana: «Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será Ele o Messias?» Narrador: Eles saíram da cidade e vieram ter com Jesus. Entretanto, os discípulos insistiam com Ele, dizendo: «Mestre, come». Mas Ele respondeu-lhes: Jesus: «Eu tenho um alimento para comer que vós não conheceis». Narrador: Os discípulos perguntavam uns aos outros: «Porventura alguém Lhe trouxe de comer?». Disse-lhes Jesus: Jesus: «O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou e realizar a sua obra. Não dizeis vós que dentro de quatro meses chegará o tempo da colheita? Pois bem, Eu digo-vos: Erguei os olhos e vede os campos, que já estão loiros para a ceifa. Já o ceifeiro recebe o salário e recolhe o fruto para a vida eterna e, deste modo, se alegra o semeador juntamente com o ceifeiro. Nisto se verifica o ditado: ‘Um é o que semeia e outro o que ceifa’. Eu mandei-vos ceifar o que não trabalhastes. Outros trabalharam e vós aproveitais-vos do seu trabalho». Narrador: Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus, por causa da palavra da mulher, que testemunhava: Samaritana: «Ele disse-me tudo o que eu fiz». Narrador: Por isso os samaritanos, quando vieram ao encontro de Jesus, pediramLhe que ficasse com eles. E ficou lá dois dias. Ao ouvi-l’O, muitos acreditaram e diziam à mulher: «Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos. Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo». 1. LEITURA: O que diz o texto? Trata-se de um diálogo em sete cadências, onde um fala e o outro contesta. 1. Ver o contexto: a) Onde? Em Sikar: Sicar costuma identificar-se com a actual Askar, no sopé do monte Ebal, perto da antiga Siquém e da actual Nablus. b) Quando? Ao meio dia, literalmente, "6.ª hora" c) Quem: Jesus e uma samaritana. Atenção às rivalidades entre judeus e samaritanos, que vinham dos inícios da monarquia, com a divisão em dois reinos (1 Rs 12), aumentaram com a reforma de Esdras e Neemias no regresso do Exílio, até que se consumou o cisma religioso. Um judeu praticante devia abster-se de todo o contacto com os samaritanos; os inimigos apelidavam Jesus de "samaritano". 2. Estrutura do texto: um diálogo: 2.1. Jesus diz: dá-me de beber. A mulher contesta: como é que tu, sendo judeu, me pedes água a mim, que sou uma samaritana? 2.2. Jesus eleva o tom da conversação: Se conhecesses o dom de Deus... Ele te daria água viva». 2.2.1. Conhecer, na linguagem bíblica, não se reduz a estar informado; implica uma vivência, como se Jesus dissesse: "Se tu tivesses a experiência da vida que Deus tem para te dar...."(1 Sm 2,12; Os 6,6; Am 3,1-2). 2.2.2. Água viva. A samaritana pensa em água corrente, por oposição à água estagnada do poço, quando Jesus lhe fala de um símbolo bíblico tradicional. 2.2.3. A mulher responde estupefacta: Como podes dar-me água viva. Serás tu maior que o nosso pai Jacob? 2.3. Jesus sobe ainda mais o tom da conversa: Aquele que beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede. A mulher responde, ainda fora do contexto, tentando descer o nível da conversação: dá-me dessa água e eu não terei que vir aqui mais buscá-la... 2.4. É a viragem decisiva, a viragem moral do diálogo, que até aqui esteve ligado a necessidades básicas e imediatas. Vai a tua casa. Chama o teu marido. Ela contesta: não tenho marido. 2.5. Jesus diz: É verdade. Não tens marido... Tiveste cinco. Tiveste cinco. 2.5.1. O contexto deixa ver que a mulher tinha levado uma vida irregular (v.29); alguns também querem ver aqui um símbolo do antigo politeísmo dos samaritanos (2 Rs 17,29-41) que adoraram 5 ídolos (na realidade o texto de 2 Rs fala de 7) e agora tinham um culto ilegítimo. 2.5.2. E estas palavras operam uma reviravolta na mulher, quando ela diz: Senhor, vejo que és Profeta... Ao ver que Jesus entra nos segredos da sua vida, a mulher reconhece que está diante de um profeta; por isso coloca-lhe a questão que opunha os samaritanos aos judeus: o lugar do culto (Dt 12,5), que eles celebravam no monte Garizim, mesmo depois de destruído o seu templo por João Hircano. 2.6. Chegamos agora à parte mais longa da conversa, por parte de Jesus. Acredita em mim, mulher. Chegou a hora em que não tereis de subir a este monte nem de ir a Jerusalém. Os verdadeiros adoradores do Pai adoram-no em espírito e em verdade. Diante de semelhante revelação, a samaritana agarra-se ao que sabe: Sei que o Messias há-de chegar... 2.7. E Jesus pronuncia a sétima palavra: Sou Eu, Aquele que está a falar contigo! É interessante observar que a mulher não dá uma resposta verbal, mas prática: deixa o cântaro e vai à cidade dar a notícia. 3. Estamos, pois, diante de um Discurso que vai subindo de tom: as quatro primeiras frases estão sob o signo da ambiguidade, mas na quinta frase faz-se luz e o diálogo eleva-se até à revelação do verdadeiro culto e do próprio Jesus, como Messias. Trata-se de uma revelação progressiva: um judeu, um profeta, o Messias, o Salvador do Mundo. 4. As sete cadências desenvolvem-se a partir de várias incompreensões: 4.1. Tu és judeu e eu sou samaritana... Jesus pacientemente aprofunda o diálogo; 4.2. Para a samaritana a água é a do poço. Jesus está a falar-lhe da água da vida eterna; 4.3. Para a mulher o culto a Deus tem um lugar... Jesus fala de um novo culto em espírito e em verdade; 4.4. A Mulher espera o Messias mas não sabe quando virá. Jesus mostra-lhe e diz que está aqui. 5. Jesus aparece como aquele que vai subindo o tom do diálogo. E, com simplicidade e perseverança, sobe o nível da conversação até chegar à Palavra da Revelação. Parte-se da necessidade imediata da pessoa para a conduzir às suas necessidades mais profundas. Parte-se de um contacto que poderia parecer frustrante, cheio de prejuízos, em que a pessoa com quem se contacta não mostra inquietude espiritual, não dá esperanças de iniciar um caminho. Pelo contrário, Jesus resolve toda a objecção e o diálogo acontece. Jesus pede para poder dar. 2. MEDITAÇÃO Lendo esta página do encontro de Jesus com a Samaritana, perguntamo-nos: que mensagem contém o texto? Que quer ensinar-nos esta Palavra, através deste colóquio entre Jesus e a mulher? Que densidade espiritual tem as nossas conversas, diálogos, partilhas? Como me situo nesta cena? Na admiração dos discípulos, na sede da mulher, na sede de Jesus? Que mais me impressiona em Jesus, na Mulher, nos discípulos, na reacção ao testemunho da Mulher? Sinto «sede» de Deus? Sou capaz de “vir à fonte” para “ir em frente”? Sou pessoa cântaro (Papa Francisco, E.G.86)? 3. ORAÇÃO “O pedido de Jesus à Samaritana: «Dá-Me de beber» (Jo 4, 7) exprime a paixão de Deus por todos os homens e quer suscitar no nosso coração o desejo do dom da «água a jorrar para a vida eterna» (v. 14): é o dom do Espírito Santo, que faz dos cristãos «verdadeiros adoradores» capazes de rezar ao Pai «em espírito e verdade» (v. 23)” (Bento XVI, Mensagem para a Quaresma 2011). Que me sugere esta Palavra? Que digo eu ao Senhor? Deixar que a prece ou o louvor, a súplica ou a acção de graças brote da oração de cada um. Naturalmente ela pode despontar nestas expressões conhecidas: - “A minha alma tem sede de Vós, meu Deus” (Sal.62 - 63) - Senhor, dá-me de beber… - Senhor, Tu és a água viva… - Senhor, ocupa-Te de Mim… - Senhor, eu creio que sois Cristo… De cara a cara com Cristo, voltamo-nos para o Senhor, nosso Deus, de quem tudo esperamos. E a cada uma das invocações, digamos, como a Samaritana: «Senhor, dá-nos dessa água»! 1. Porque a Igreja nasceu do teu lado aberto, donde vimos correr sangue e água, e agora se renova na água do Baptismo e no sangue da Eucaristia, nós te pedimos: «Senhor, dá-nos dessa água»! 2. Porque muitos, fartos de tudo, deixaram de ter sede e porque muitos cheios de sede, estão fartos de tudo, queremos o amor que sacia e a palavra que alimenta. E por isso te pedimos: «Senhor, dá-nos dessa água»! 3. Porque muitos foram baptizados e, agora eleitos para o Crisma, procuram navegar em águas mais profundas, para eles e para nós, te pedimos: «Senhor, dá-nos dessa água»! 4. Porque muitos te procuram enganados por águas inquinadas e se saciam em fontes envenenadas, nós te pedimos: «Senhor, dá-nos dessa água»! 5. Porque só tu podes saciar a nossa sede e derramar o teu Espírito de amor, nós te pedimos: «Senhor, dá-nos dessa água»! P- (adaptado do RICA, n.164): Oremos Senhor nosso Deus, que nos enviaste o vosso Filho como Salvador, olhai para estes vossos filhos, que, como a Samaritana, desejam a água viva. Convertei-os pela vossa Palavra e levai-os a confessarem-se prisioneiros dos seus próprios pecados e fraquezas. Não permitais que nós, levados por falsa confiança em nós próprios, nos deixemos enganar pela astúcia do demónio, mas livrai-nos do espírito da mentira, para que, reconhecendo os nossos pecados, sejamos purificados no Espírito e entremos pelo caminho da salvação. Por Jesus Cristo, nosso Senhor. Ou: Senhor, /se da dura pedra, tiras um fio de água, / tira do chão desta mágoa um fio de louvor. / Tira de mim, o que não posso dar-te e só Tu me dás/ . O que ponho em tuas mãos, são as tuas mãos que o traz! (Maria Eulália Macedo) 4. CONTEMPLAÇÃO Passando à contemplação, vamos perguntar ao Senhor: Qual é o segredo da sua forma de se comportar, da sua tranquilidade, do seu desapego? Pode-nos responder com uma palavra que encontramos com frequência no evangelho de São João: o meu segredo é fazer a vontade do Pai, eu sempre faço o que ele gosta. “Só esta água pode extinguir a nossa sede do bem, da verdade e da beleza! Só esta água, que nos foi doada pelo Filho, irriga os desertos da alma inquieta e insatisfeita, «enquanto não repousar em Deus»” (Bento XVI, Mensagem para a Quaresma 2011). “A samaritana / que Te procurava / encontrou a alegria individida.../ Irmã água,/ que dessedenta e lava, / berço primeiro da Vida” (Maria Eulália Macedo). 6. AÇÃO Lembrai-vos disto: «Quem não tem fé não mata a sede! Mas quem tem a graça de a ter, está ligado a uma tarefa enorme: dar desta água bebida um testemunho ao longo de toda a sua vida» (Erri di Luca, Id.,66). Mostrai a tantos e tantos, que morrem de sede, junto das nossas fontes que só Cristo enche e preenche o coração vazio e amor ou ferido por ele! Dizei-lhes de viva voz: «Ó Vós que tendes sede, vinde às fontes da água. Vinde e bebei» (Is.55,1)! “Em todo o caso, lá somos chamados a ser pessoas-cântaro para dar de beber aos outros” (EG 86), tal como a samaritana: “logo que terminou o seu diálogo com Jesus, ela tornou-se missionária, e muitos samaritanos acreditaram em Jesus devido às palavras da mulher (…) Porque esperamos nós” (EG 86)? Cântico Final: Obras todas do Senhor, bendizei o Senhor! (Taizé)