Projeto de Ensino “A produção de material de arquitetura didático via web” Implantação do Projeto de Ensino - Fundo Fundep de Apoio Acadêmico. Renato Cesar Ferreira de Souza Professor Assistente M.Sc. do Departamento de Projetos - e-mail: [email protected] Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais Eduardo Felipe Andrade Alvim Acadêmico, iniciante científico, estudante da EAUFMG - e-mail: [email protected] Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais Início: Implantação do projeto Resumo Relata-se a implantação do Projeto de Ensino “A produção de Material Didático de Arquitetura via Web”, projeto já em curso coordenado pelo autor e financiado pela FUNDEP (Fundação para o Desenvolvimento da Pesquisa - UFMG) como Apoio Acadêmico e pela PROGRAD (Pró-Reitoria de Graduação - UFMG) no período 1999/2000. Foi necessária a gradativa acumulação de registros sobre uma vertente a respeito do uso da internet pelo corpo discente e outra pelo corpo docente, problematizando sobre os objetivos educacionais a serem cumpridos, o ensino com apoio da internet e as condições técnicas para fazê-lo. 1. Introdução A Escola de Arquitetura tem, há cerca de 3 anos, seu provedor internet e pode utilizá-lo como recurso para o ensino. Ao mesmo tempo, em todas os outros cursos da UFMG, pesquisadores começaram a se preocupar com o ensino a distância, suas características e seus benefícios como recurso didático. O reitorado da UFMG explicitou o interesse naquele recurso como meio de expansão do atendimento pedagógico da universidade bem como meio de divulgação de sua produção científica, e concursou alguns projetos de ensino para o financiamento pelo FUNDO FUNDEP. O Projeto de Ensino “Material Didático de Arquitetura Via Web” foi contemplado e, antes mesmo de ser implantado, foram reunidos registros sobre a situação das relações do corpo docente, discente, ensino, e uso da internet no ambiente da Escola de Arquitetura da UFMG. A partir desses registros foram elaboradas algumas hipóteses, que serão testadas ao longo do projeto, juntamente com as hipóteses do projeto original. Esse relatório discute o fundamento dessas hipóteses. 2. O Projeto de Ensino e seus pressupostos Os objetivos do PMDVW são descrever, caracterizar e avaliar o uso de tecnologias e métodos para a produção de material didático sobre conteúdos específicos de Arquitetura através da internet. O cumprimento desses objetivos vem sendo feito desde abril do de 2000 a partir de “publicações eletrônicas” (redesenhos de sites, fóruns, surveys e estudos dirigidos) na internet, utilizando-se tecnologia Shockwave. Será necessário pesquisar de que maneira o material publicado pode ser um meio eficaz de atendimento didático/pedagógico. Isso implica na necessidade de avaliar objetivamente de que modo a internet oferece melhor comunicação dos conteúdos de arquitetura e quais estratégias de ensino se aplicam com eficácia, no uso dos recursos analisados. 2.1. Problematizando o Ensino: a tecnologia educacional O modelo de escola das Universidades Brasileiras é o tecnicista americano. No fim da década de 60, a baixa produtividade do sistema escolar foi apontada como responsável, por um lado, pela baixa qualificação da mão-de-obra e pela desigualdade de renda, e por outro, pelo despreparo das massas para o processo político. MELLO 1(1986) indica que “só se pode compreender a introdução, o desenvolvimento e as possibilidades da tecnologia educacional no Brasil como alternativa para a educação popular, a partir da reconstrução histórica de sua gênese no seio do desenvolvimento capitalista que lhe deu origem - o norteamericano.” (Pág.30) A demanda representada pela necessidade de mão-de-obra para trabalar nas multinacionais implantadas no Brasil daquele período forçou também a importação do modelo de educação tecnicista americano, uma vez que a reprodução das relações produtivas naquela etapa monopolista exigia a reprodução das idéias que a suportam. Ao mesmo tempo em que se justificava a educação pela via da racionalização, os centros formadores que implantam as medidas tecnicistas de ensino favoreciam a despolitização do cidadão, segundo as conveniências ideológicas da Segurança Nacional, segundo Mello. A escola tecnicista no Brasil das décadas de 60/70 ressaltou a necessidade de se trabalhar no ensino com uma concepção de totalidade que, em linhas gerais, é verdadeiramente um constructo abstrato e não imediato, sem relação com os problemas sociais e econômicos existentes. A tecnologia educional implantada tinha algumas preocupações básicas: - a descrição e especificação dos objetivos educacionais; - o desenvolvimento dos componentes de instrução, mais ou menos postos como estratéias com apoio da metodologia apoiada pela Teoria Geral dos Sistemas (Bertallanfy2, 1973) e pela disponibilidade tecnológica; - a avaliação somativa dos objetivos; - a implementação do sistema a partir dos resultados (feedback); - o controle, através da hierarquização do saber e do percurso linear de seu trajeto. Esta forma de abordar a educação passou a ser disseminada a partir de vários eventos. No que se refere ao ensino à distância, Mello registra o desenvolvimento da teleducação no Brasil, a partir de 1969. A partir daquela data, iniciam atividades a TV educativa de São Paulo, da Fundação Padre Anchieta; o Projeto Telescola no Maranhão; o Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia - IRDEB; a Fundação Centro Brasileiro de TV educativa no Rio de Janeiro, dentre outros. É importante mencionar a elaboração do ASCEND Report, em 1966, por pesquisadores da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CNAE), fundada três anos antes do CNPq. Esse relatório culminou na aprovação do Projeto SACI, em 1969, que propunha resolver o problema da educação popular pela tele e radiodifusão. Também é importante o registro do INPE, que elaborou programas, materiais e treinamento de pessoal para o projeto SACI; o Manual de Engenharia de Sistemas que o INPE (1972) editou atingiu mais de 14.000 exemplares, sendo utilizado largamente por entidades públicas e privadas. Segundo MELLO (op.cit), foram as seguintes as contribuições da tecnologia educacional incorporadas no ensino brasileiro desde a década de 60: - a idéia de metodologia como lógica formal, desprovida de conteúdo, abstrata e estática, de índole instrumental; - a idéia de totalidade das realidades concebida como harmonia das partes, como não-contradição; - a necessidade de planificação do ensino, com especificação dos objetivos educacionais, visando uma economia de recursos e sendo imediatamente implantada no 1º e 2º graus e mais recentemente no ensino superior; - uma idéia de escola que não corresponde à realidade social vivida, mas a um sistema aberto, parte do sistema social abstrato com o qual está em profunda e harmônica integração; - a concepção da aprendizagem como mudança de comportamento, o que exige operacionalização de objetivos, desenvolvimento de processos científicos de aprendizagem através da utilização de métodos 1 MELLO, Guiomar N. org.; ESCOLA NOVA, TECNICISMO E EDUCAÇÃO COMPENSATÓRIA, Loyola, S.P. 1986 2 BERTALANFFY, L. V.; TEORIA GERAL DOS SISTEMAS, Vozes, Petrópolis, 1973 (instrução programada, instrução modular), técnicas e recursos audiovisuais adequados, a avaliação do grau de atingimento desses objetivos e a recuperação dos objetivos não atingidos. 2.2. A tecnologia educacional na Escola de Arquitetura O modelo tecnicista de escola é, em suas variações, o modelo empregado na maior parte das unidades da UFMG. Seu vestibular tornou-se um processo de eliminação do excesso de candidatos considerando as poucas vagas relativas. Não é uma estratégia para classificar e encaminhar a educação dos estudantes concursantes, que saem de um ciclo anterior de ensino também modelado pela escola tecniscista. Para esse número de estudantes cuja classificação foi eliminatória não há continuidade de aprendizagem, mas um retorno (repetição) das estratégias de ensino, às quais se submetem para uma nova tentativa de classificação. O modelo tecnicista de ensino perde sua força no interior da prática acadêmica, uma vez que suas características mais afiliadas ao regime político repressor são postas de lado em troca de abordagens mais consequentes da relação pesquisa/ensino e a abordagem por vezes vinculada à importância social de um determinado saber. Para a Escola de Arquitetura da UFMG, a hipótese é que: - algumas disciplinas preservaram o modelo tecnicista de ensino e propõem matérias onde o saber fracionado é disjunto, em termos de objetivos educacionais enunciados; - o processo de ensino/aprendizagem é linear, pressupondo a acumulação das etapas de matérias de uma disciplina; - e, por fim, processo de ensino/aprendizagem é pouco integrado ao processo de projeto arquitetônico e urbanístico. Nessas hipóteses, o estudante é quem deve integrar todos os conteúdos vistos nas disciplinas a partir da execução de um projeto. Ao mesmo tempo, o conteúdo eminentemente prático e laboratorial das disciplinas de projeto tem levantado hipóteses sobre a estrutura do curso, não reconhecendo a linearidade, a prérequisição e o ensino separado e descontextualizado do modelo tecnicista. A escola Tecnicista considera a aprendizagem como processo linear e acumulativo de conhecimento em três áreas ou domínios, que são o domínio cognitivo, o psico-motor e o afetivo. A aprendizagem é avaliada considerando a qual domínio se refira o conhecimento, a partir de objetivos educacionais, que, por sua vez, devem ser enunciados. A polêmica instaurada entorno da abordagem tecnicista é devida à sua ênfase em considerar a aprendizagem como uma mudança de comportamento que se deseja operar no estudante. Sua adequação política ao regime autoritário vivido no Brasil é outro aspecto para a sua recusa no meio docente, que vem tentando discutir uma Escola Sócio-Política. Essa última confronta os objetivos educacionais com as interpretações da vida social e política do país, buscando estabelecer o quê é relevante ensinar, aprender e questionar. Entretanto, essa inserção do aprendizado na crítica da vida quotidiana não retira dele a necessidade de se guiar por objetivos educacionais claros. Ficam superpostos, assim, duas escolas, destinando-se a prática tecnicista enunciar os objetivos educacionais (específicos, psicomotores e volitivos) e a prática sócio-política de questionar a validade desses enunciados. O enunciado dos objetivos educionais para a prática de ensino na EAUFMG é problemático porquê não esclarece o conteúdo a ser ensinado. A superposição de duas práticas termina por não apresentar, para as disciplinas de projeto, nem a descrição dos objetivos específicos, nem psico-motores nem afetivos. Tratando com problemas do projeto arquitetônico, é ao longo do desenvolvimento de um exercício que se criticam alguns objetivos. O enunciado dos objetivos educacionais é importante para estabelecer o sistema de sua avaliação. Esse sistema, na internet, tem forma e tempo diferentes, aproximando-se de modalidades como estudo dirigido ou provas escritas. No esforço de esclarecer os objetivos educacionais das disciplinas, departamentos que tratam com aqueles objetivos mais relacionados à conhecimento específico, tem mais facilidade de propor uma taxonomia (referencia), enquanto o departamento de projetos encontrará dificuldades de fazer o mesmo, partindo do ementário das disciplinas. Se considerarmos a abordagem tecnicista, a formulação dos objetivos educacionais relativos à área psicomotora são ainda mais problemáticos, porquê encontram uma representação social bem definida da relação professor/aluno, o que confronta com outras estratégias não presenciais de ensino e com os tipos de representações sociais rebatidos sobre a relação mediada por computadores em rede. Experiências laboratoriais ou de disciplinas isoladas têm a contribuição limitada, pelo fato de não poderem considerar a totalidade do conjunto que é composto pelos usuários e tecnologia no âmbito social determinado que é a escola. Será necessária uma ação pedagógica reforçando a confiabilidade e familiaridade com a internet, apresentando-a como um meio estratégico para o ensino/asprendizagem e adaptando o processo para uma reformulação gradativa no âmbito das representações sociais existentes. 2.2. Problematizando a Tecnologia Os recursos de ensino à distância importados não têm conseguido uma inserção efetiva dentro do meio acadêmico considerado. A expressão da internet, como uma tecnologia, é socialmente secundária ou irrelevante para o estado atual do ensino na EAUFMG. De acordo com isso, as demandas e melhoramentos técnicos do provedor ganham caráter secundário. O mesmo ocorre com a atualização dos professores quanto ao uso dessa tecnologia. O transbordamento de processos para o aprendizado à distância, sem uma crítica devida, induz um processo de alienação dos professores quanto ao uso do recurso, o que interfere na determinação da sua relevância no processo de ensino/aprendizagem. A tecnologia entra em conflito com as representações sociais e pode revelar indutivamente um conjunto de idéias não declaradas que é contrário ao esquema de operação de muitas relações sociais da vida acadêmica atual, naquela escola. Assim, discentes e docentes tornam legítimos o caráter irrelevante das informações veiculadas pelo provedor da escola, uma vez que não há, no cotidiano da vida acadêmica, uso ou referência àquelas informações. 3.Resultados Esperados O relatório ao final do ano 2000 conterá conclusões a partir dos dados da experiência proposta, mas elas só serão válidas sob as condições que foram idealizadas para a observação, ou seja, serão válidas considerando que a internet e o ensino através dela sejam relevantes para o ambiente pesquisado, o que não corresponde à realidade. Deste modo, a pesquisa sobre o uso de recursos computacionais no ensino têm de supor, num esforço isolado, que a instituição possua um provedor com velocidade razoável, que os professores e alunos usem computadores sistematicamente, que ambos tenham algum treinamento específico para os softwares importados, que os objetivos educacionais acham-se enunciados e que a avaliação do ensino possua critérios claros. Essas condições são idealizadas porquê não são as condições reais do ensino cotidiano naquela escola, quiça em nenhuma das escolas brasileiras atuais. Mas é nesse cotidiano que se dá efetivamente o estabelecimento da relevância ou irrelevância dos assuntos, dentre eles, a internet e seu conteúdo. É nele que algumas representações sociais tomam posições organizacional e espacialmente, tratando de realizar a história da comunidade como um jogo dinâmico de poder, no qual se trata de fazer preponderar e ter relevância pública alguns assuntos, objetos e pessoas. Nesse contexto é que o processo de pesquisa deverá ser orientado para a proposição de ações políticas e pedagógicas que tenham por objetivo, antes de mais nada, valorizar o recurso da internet como um instrumento para o ensino/aprendizagem. Referências básicas: MELLO, Guiomar N. org.; ESCOLA NOVA, TECNICISMO E EDUCAÇÃO COMPENSATÓRIA, Loyola, S.P. 1986 BERTALANFFY, L. V.; TEORIA GERAL DOS SISTEMAS, Vozes, Petrópolis, 1973 GADOTTI, Moacir; HISTÓRIA DAS IDÉIAS PEDAGÓGICAS, Ática, S.P. 1994 BLOOM, Benjamin S. et Alii; TAXONOMIA DE OBJETIVOS EDUCACIONAIS, DOMÍNIO AFETIVO, Globo, Porto Alegre, 1974