Estudo comparativo do efeito protetor e dos eventos adversos da vacina contra influenza em idosos vacinados pela rede pública e privada no município de Tubarão – SC. Talita Siemann Santos Pereira1 Aracelli Tavares Freire1 Alixandre Dias Braga1 Gregório Wrublevski Pereira1 Carine Blatt2 Alessandra Abel Borges3 RESUMO O presente estudo buscou identificar eventos adversos da vacina contra influenza, em idosos acima de 60 anos, e também, visou comparar o efeito protetor da vacina aplicada pela rede pública e privada, no município de Tubarão (SC), no ano de 2008. Foram recrutados 352 idosos, sendo 300 vacinados (289 rede pública e 11 rede privada) e 52 não vacinados. Do total de vacinados, 22,33% relataram evento adverso, sendo mal estar o mais relatado (12%). Em relação ao efeito protetor da vacina, dentre os sinais e sintomas respiratórios relatados nos indivíduos vacinados, no inverno de 2008, a tosse foi o sinal mais frequente, sendo significativo (p=0.0158) perante o grupo de não vacinados. Quando os grupos (vacinados vs não vacinados) foram comparados em relação a um quadro gripal não houve diferença significante. Embora a comparação entre vacinados pela rede pública e privada tenha sido prejudicada devido ao n reduzido do grupo vacinado na rede privada, não foi encontrada diferença significante entre os grupos em relação ao efeito protetor da vacina, demonstrando que tanto a vacina oferecida pelo SUS quanto a oferecida por instituições privadas atuam na redução do número de doentes graves, refletindo-se na redução do número de complicações, hospitalizações e óbitos por influenza. Palavras chaves: Vacina. Influenza. Evento adverso. 1 Acadêmicos do curso de Medicina, Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) – Campus de Tubarão. E-mail: [email protected] 2 Professora de Epidemiologia Clínica do curso de Medicina, Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). 3 Professora adjunta de Imunologia e Virologia, Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de Alagoas 1 INTRODUÇÃO As vacinas são imunobiológicos utilizados para indução artificial de resposta imune (produção de anticorpos) contra um agente infeccioso, simulando a infecção natural, mas com pouco ou nenhum risco para seu receptor. Essa imunização prévia faz com que, em novo contato com o agente infeccioso, o organismo do receptor reaja, rápida e eficientemente, evitando a ocorrência da doença (VIEIRA et.al., 2004, p. 78). As vacinas continuam a se constituir nos procedimentos de melhor relação custo / efetividade no setor saúde (Ministério da Saúde, 1998, Brasília). Muitos estudos têm demonstrado o impacto da vacinação contra a influenza na prevenção de internações e mortes por pneumonias e outras doenças, tanto em idosos saudáveis como em populações de risco, particularmente em períodos de maior circulação do vírus (CDC, 2000; KAISER L et al 1999.) Contudo, outros estudos demonstraram resultados inesperados, em que a incidência de infecção respiratória aumentou após as campanhas de vacinação (DONALISIO, et al 2006; FAÇANHA, 2005). Além disso, no Brasil, há poucos trabalhos publicados que apresentam dados a respeito de reações adversas da vacina contra influenza. Esses efeitos são, também, outra queixa comum da população. É freqüente a subnotificação e a falta de sistematização destes dados pelo Sistema de Vigilância Epidemiológica (DONALISIO et al., 2000). Este trabalho buscou investigar a ocorrência de eventos adversos após a Campanha Nacional de Vacinação do idoso de 2008, contra influenza, no município de Tubarão, considerando que não há registros sobre estes dados no município. Ainda, foi objetivo deste trabalho comparar a incidência dos eventos adversos e do efeito protetor da vacina contra influenza entre indivíduos vacinados pela rede pública e privada, residentes no município de Tubarão (SC). 2 MATERIAL E MÉTODOS Foi realizado um estudo de coorte durante os meses de abril a setembro de 2008, em idosos com idade igual ou superior a 60 anos, residentes de Tubarão. A amostra do estudo foi composta por três grupos. O primeiro grupo foi formado por aqueles que receberam a dose da vacina contra influenza nos postos de saúde do SUS, o segundo, por aqueles que receberam a vacina em uma clínica particular, e o terceiro foi formado por aqueles que, por escolha própria, não foram vacinados. O recrutamento dos participantes ocorreu nos meses de abril e maio de 2008, os quais foram entrevistados no momento do recrutamento e cadastrados para compor um banco de dados. Após um período de sete a quinze dias da vacinação, os indivíduos vacinados foram contatados por telefone e questionados a respeito da ocorrência de reações adversas, seguido de visita domiciliar àqueles que relataram algum efeito. O acompanhamento dos participantes, para o registro de sinais e sintomas gripais durante os meses que sucederam a Campanha de Vacinação até o término do inverno, ocorreu por contatos telefônicos mensais e por visitas domiciliares. Os dados foram analisados pelo programa InStat3 através de freqüência simples e a associação foi avaliada através do risco relativo com um nível de significância de 5%. As análises de comparação entre os grupos foi realizada por tabelas de contingência 2 x 2 e pelo Teste exato de Fisher. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética de pesquisa da Unisul sob registro 08.077.4.01. III. 3 RESULTADOS Foram recrutados inicialmente 362 indivíduos, sendo 294 vacinados pela rede pública, 11 vacinados pela rede privada, além de 57 não vacinados. No decorrer do estudo houve perda de 10 participantes, pois dois faleceram, oito deles não foram mais localizados. Desta maneira a amostra do estudo foi de 352 pacientes. Desses, 289 receberam a vacina na rede pública, 11 na rede privada e 52 não se vacinaram. A Tabela 1 mostra a distribuição dos eventos adversos entre os vacinados SUS e privado. Um percentual de 22,5% e 18,2% de pacientes apresentou pelo menos um efeito adverso após a vacina na rede pública e privada, respectivamente, RR= 1,01 (0,96-1,06), p=0,539. Os efeitos adversos mais freqüentes no grupo vacinado pela rede público e privada foram mal estar (11,8% e 18,2%), secreção nasal (8,7% e 9,1%) e dor de cabeça (7,6% e 9,1%), não havendo diferença significativa entre os grupos. Comparando o grupo vacinado na rede pública e privada em relação ao efeito protetor (Tabela 2), um percentual de 48% e 27,7% de pacientes apresentaram pelo menos um sintoma de gripe durante o período de acompanhamento, no grupo da rede pública e privada, respectivamente, RR= 1,03 (0,99-1,08), p=0,225. Os sintomas de gripe mais freqüentes no público e privado foram tosse (33,2% e 27,3%), secreção nasal (31,1% e 9,1%) e mal estar (28,4% e 9,1%), não havendo diferença significativa entre os grupos. Como outros foram registrados um caso de faringite, seis casos de sinusites, um caso de anorexia, um caso de pneumonia e um caso de diarréia nos vacinados pelo SUS e registrados um caso de sinusite nos vacinados pela rede privada. Tabela 1. Freqüência de eventos adversos após a vacina contra influenza, em idosos acima de 60 anos, vacinados pela rede pública e privada no município de Tubarão –SC, no ano de 2008. Variável Vacina – SUS (n=289) Vacina – não SUS (n=11) RR (IC 95%) P valor Dor no local 3.8% (11) * - - Vermelhidão 0.7% (02) * - - Endurecimento 1.0% (03) * - - Febre 6.9% (20) 9.1% (01) 0,99 (0,90 – 1,09) 0,556 Mal estar 11.8% (34) 18.2% (02) 0,98 (,09 – 1,06) 0,388 Dor muscular 5.5% (16) 18.2% (02) 0,92 (0,78- 1,08) 0,136 Dor de cabeça 7.6% (22) 9.1% (01) 0,99 (0,91- 1,09) 0,590 Linfonodomegalia 0.3% (01) * - - Diarréia 1.0% (03) 9.1% (01) 0,78 (0,44-1,37) 0,139 Vômito 1.4% (04) * - - Secreção nasal 8.7% (25) 9.1% (01) 1,00 (0,92-1,08) 0,638 Dor no peito 3.5% (10) * - - Tosse 5.5% (16) 18.2% (02) 0,92 (0,78-1,08) 0,136 Dor de ouvido 0.7% (02) * - - Dor nas articulações 2.8% (08) * - - Alergia * * - - Outro 3.8% (11) * 1,04 (1,02-1,06) 0,668 Qualquer sintoma** 22,5% (65) 18,18% (02) RR = 1.01 (0,96 – 1.06) P = 0,539 * sintoma não relatado no grupo; ** Indivíduos que referiram pelo menos um evento adverso após a vacina. Comparando o grupo vacinado SUS com o grupo não vacinado 48% e 28,8% dos pacientes, respectivamente, apresentaram pelo menos um dos sintomas de gripe investigados, RR=1,125 (1.030-1.229), p=0,0104. Na distribuição dos sinais e sintomas respiratórios, encontrou-se a tosse como sinal mais relatado 33.2% e 17.3%. Houve diferença significativa entre os grupos em relação à tosse, RR=1,118 (1,02–1,21) e p=0,0225; dor de garganta RR = 1.148 (1.057-1.246) e p=0.0407 (dados não mostrados). Dos 154 indivíduos que apresentaram algum sintoma respiratório durante os meses de inverno, 140 (90,9%) apresentaram mais de um, sendo a associação mais relatada tosse e febre em 12,8% vacinados SUS e 1,92% não vacinados, havendo uma diferença significativa entre os grupos, RR=6.657 (0.933-47.486) e p=0.0165. Tabela 2 – Efeito Protetor da vacina contra influenza, em idosos acima de 60 anos, vacinados pela rede pública e privada no município de Tubarão –SC, no ano de 2008. Variável Qualquer sintoma* Vacina – SUS (n=289) Sim (139) 48% Não (150) 52% Vacina – não SUS (n=11) Sim (3) 27,72% Não (8) 72,72% Tempo que levou para apresentar o sintoma 1 mês (44) 15,2% 2 meses (35) 12% 3 meses (29) 10% 4 meses (14) 4,84% 5 meses (17) 5,9% Não apresentou (150) 52% 1 mês (1) 9% 2 meses (1) 9% 5 meses (1) 9% Não apresentou (8) 72,72% 16% (51) Mal estar RR (IC 95%) 1.03 (0,99-1,08) P 0,225 ** - - 28.4% (82) Sim (01) 9.1% 1,04 (1,00-1,08) 0,142 Mialgia 19.4% (56) Sim (01) 9.1% 1,02 (0,98-1,07) 0,348 Calafrio 12.8% (37) ** - - Cefaléia 19.4% (56) ** - - Secreção nasal 31.1% (90) Sim (01) 9.1% 1,04 (1,00-1,08) 0,104 Dor de garganta 14.5% (42) ** - - Tosse 33.2% (96) Sim (03) 27.3% 1.010 (0.96-1.05) 1.0000 Dor no peito 8.3% (24) Sim (01) 9.1% 1,00 (0,92-1,08) 0,622 Dor ao mover os olhos 2.4% (07) ** - - Outros 3,46% (10) Sim (1) 9% 0.9417 (0,78-1,13) 0, 341 ** - - Febre 17.6% (51) Febre * Indivíduos que referiram pelo menos um sinal/sintomas de gripe durante os meses de inverno de 2008; ** sintoma não relatado no grupo. 4 DISCUSSÃO Esse trabalho mostrou pela primeira vez a incidência de eventos adversos pósvacinais, na população idosa do município de Tubarão apontando como a queixa mais frequente o mal estar, como também mostra outro autor (GERONUTTI et. al., 2008). Embora tenha sido observado 22.33% de indivíduos com relato de pelo menos um evento adverso, não foram sintomas graves, sugerindo pouca reatogenicidade da vacina, corroborando com resultados de outros autores (DONALÍSIO et. al., 2000; GERONUTTI et. al., 2008). O estudo também mostrou que não há diferença significativa entre os eventos adversos apresentados pelos vacinados SUS e vacinados pela rede privada, desmistificando a idéia da população de que haveria diferença entre as vacinas oferecidas por ambas as instituições. Em nosso trabalho, a média de apresentação de sinais e sintomas respiratórios foi maior no grupo vacinado comparado ao não vacinado. Ainda, o grupo vacinado apresentou seis vezes mais chance de ter tosse e febre. Tal resultado pode estar relacionado com o perfil dos pacientes que costumam tomar a vacina. Parece que, em geral, indivíduos mais suscetíveis ao vírus influenza é que buscam a imunoproteção da vacina. Entretanto, nossa investigação apresentou uma limitação de estudo, que foi um viés de aferição, uma vez que indivíduos de baixa escolaridade podem ter tido dificuldade no preenchimento dos formulários, ou também pelo fato do acompanhamento ter sido realizado por telefone, ou ainda, que somente eram visitados aqueles que apresentassem os sintomas. Finalmente, um número menor de indivíduos foi investigado em relação à vacina privada, pois se verificou que a maioria dos idosos realiza a vacina pelo SUS. É também digno de nota que ao se investigar doenças respiratórias - direta ou indiretamente associadas a infecções pelo vírus influenza devem-se considerar variáveis como a circulação de outros vírus respiratórios (inclusive outras linhagens de influenza que não constem na formulação da vacina) de importância clínica e epidemiológica, circulação de bactérias e outros patógenos (DONALÍSIO et. al., 2006). Em conclusão, a vacina contra o influenza pode ser considerada pouco reatogênica, visto que os eventos adversos pós-vacinais apresentados foram leves e sem gravidade, sendo que a vacinação fornecida pelos postos públicos oferece a mesma confiança do que a vacinação oferecida pelo setor privado. Embora idosos vacinados tenham se mostrado mais susceptíveis às infecções do trato respiratório do que os nãovacinados, essas manifestações não tiveram grande relevância clínica, mostrando que mesmo quando a vacina não apresenta eficácia máxima na prevenção de infecção, atua na redução do número de doentes graves, complicações, hospitalizações e óbitos. REFERÊNCIAS CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Prevention and control of influenza: recommendations of the Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP). MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2000; 49( RR-3): 1-38. DONALÍSIO, M. R.; FRANCISCO, P. M. S. B.; LATORRE, M. R. D. O. 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