O que mudou na VI Diretriz Brasileira de Hipertensão Impacto Médico e Social da Hipertensão Arterial e Prevenção Primária A hipertensão é responsável por 54% de todos os casos de acidentes vasculares encefálicos e 47% dos casos de infarto agudo do miocárdio, fatais e não fatais, em todo o mundo. Em 2007 ocorreram 308 466 óbitos por doenças do aparelho circulatório no Brasil(1). Dados oficiais demonstram redução de 20% nas mortes por doença cardiovascular (DCV) - 149,4/1000 em 2008 versus 187,9/1000 em 1996, principalmente pela redução expressiva do tabagismo (de 31% em 1989 para 16,1% em 2008) e, em menor proporção, pelos avanços tecnológicos no tratamento das emergências e melhor acesso aos serviços de saúde. Vinte e dois estudos populacionais em cidades brasileiras nos últimos 20 anos registraram prevalência média de hipertensão (PA ≥140/90 mmHg) de 32,5%, mais de 50% na faixa de 60 a 69 anos e 75% acima de 70 anos(2). No Brasil, 14 estudos populacionais dos últimos quinze anos (n= 14 783 indivíduos) revelaram baixos níveis (19,6%) de controlo da pressão arterial (PA), sob critério <140/90 mmHg, taxa provavelmente superestimada devido a heterogeneidade dos estudos e a menor abrangência de áreas rurais. Melhores níveis de tratamento e controlo foram obtidos em áreas de cobertura do Programa de Saúde da Família. Quanto à prevenção primária a VI Diretriz cita os estudos TROPHY e PHARAO, desenhados para avaliar a eficácia e a segurança de medicamentos em pré-hipertensos, mostraram que a estratégia medicamentosa foi bem tolerada e preveniu o desenvolvimento de hipertensão em populações jovens de alto risco. No entanto o uso de medicamentos em indivíduos com comportamento limítrofe da PA continua a ser recomendado apenas em casos de risco cardiovascular global alto ou muito alto. Até o presente nenhum estudo revelou evidências suficientes para tratamento medicamentoso em casos de PA limítrofe sem evidências de DCV, mantendo-se a prevenção primária e a detecção precoce como metas prioritárias(3). Luiz César Nazário Scala Professor Adjunto da Faculdade de Medicina e Instituto de Saúde Coletiva da Univ. Federal de Mato Grosso (UFMT); Doutor em Cardiologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Coordenador da Unidade de Hipertensão Arterial do Hospital Universitário Júlio Müller/UFMT; Diretor Administrativo do Departamento de Hipertensão/SBC Rui Póvoa Professor Adjunto da Disciplina de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP);Chefe do Setor de Cardiopatia Hipertensiva da UNIFESP; Mestre e Doutor em Cardiologia pela UNIFESP Oswaldo Passarelli Jr. Cardiologista Assistente da Seção de Hipertensão Arterial e Nefrologia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia/SP; Ex-Presidente do Departamento de Hipertensão Arterial / SocIedade Brasileira de Cardiologia Medida e Classificação da Pressão Arterial Para a medida da PA a VI Diretriz recomenda a utilização de equipamentos semi-automáticos ou aneróides, os quais devem ser aferidos uma vez por ano. Destaca os seguintes sites, que contém informações de aparelhos semi-automáticos validados por sociedades científicas internacionais: http://www.dableducational.org/ sphygmomanometers/devices_2_sbpm.html http://www.bhsoc. org/bp_monitors/automatic.stm. Os aparelhos de medida no punho e no dedo não são indicados para a prática clínica(4). Em crianças recomenda medir a PA em toda avaliação clínica após os 3 anos de idade, pelo menos anualmente. Em obesos enfatiza o uso de manguitos apropriados. Excepcionalmente em braços de circunferência superior a 50 cm, pode-se medir a PA no antebraço e o pulso auscultado deve ser o radial. Para o diagnóstico da hipertensão a VI Diretriz preconiza a medida da PA pela MAPA (Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial) e da MRPA (Monitorização Residencial da PA), segundo o fluxograma abaixo. Considera que, sempre que possível, a PA deve ser medida fora do consultório para identificação da hipertensão do avental branco (HAB) e da hipertensão mascarada (HM) – Figura 1. A Automedida da Pressão Arterial (AMPA), definida pela World Hypertension League como a medida realizada fora do consultório (geralmente no domicílio) por pacientes, familiares, não-profissionais de saúde, tem a vantagem de estabelecer uma estimativa mais real da PA. Na suspeita de HAB ou HM, sugerida pelas AMPA, a VI Diretriz recomenda a realização da MAPA ou MRPA, para confirmar ou excluir o diagnóstico. Neste artigo apresentamos um resumo das novidades da VI Diretriz Brasileira de Hipertensão, problema médico de grande importância que afeta mais de 30 milhões de brasileiros. A cada ano a hipertensão (HAS) contribui com 7,6 milhões de óbitos de pessoas em todo o mundo, cerca de 80% em países em desenvolvimento como o Brasil, mais da metade na faixa de 45 a 69 anos. A versão completa da atual Diretriz pode ser acessada através do endereço http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/vi _diretrizes_hipertensao_arterial.pdf 14 Recebido para publicação: Novembro de 2011 Aceite para publicação: Novembro de 2011 Revista Factores de Risco, Nº24 JAN-MAR 2012 Pág. 14-21 Figura 1 Fluxograma para o diagnóstico da hipertensão arterial (modificado do Canadian Hypertension Education Program). PA: pressão arterial; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica; MAPA/MRPA: monitorização ambulatorial e residencial da pressão arterial Os valores que classificam a PA de indivíduos acima de 18 anos, estão expressos na Tabela 1. «No entanto o uso de medicamentos em indivíduos com comportamento limítrofe da PA continua a ser recomendado apenas em casos de risco cardiovascular global alto ou muito alto». Tabela 1 Classificação da Pressão Arterial de acordo com a medida casual no consultório (>18anos) *Pressão Arterial limítrofe, normal-alta ou pré-hipertensão são termos que se equivalem na literatura 15 O que mudou na VI Diretriz Brasileira de Hipertensão A Figura 2 e a Tabela 2 mostram as possibilidades atuais de classificação da PA, porcentuais de prevalência e respectivos pontos de corte, de acordo com os diferentes métodos e as novas definições: normotensão verdadeira, hipertensão verdadeira, normotensão do avental branco (hipertensão mascarada) e hipertensão do avental branco (Figura 2; Tabela 2). Tabela 3 Objectivos da avaliação clínica e laboratorial Confirmar o diagnóstico de hipertensão por medida da PA Identificar fatores de risco para doenças cardiovasculares Pesquisar lesões em órgãos-alvo, clínicas ou subclínicas Pesquisar presença de outras doenças associadas Estratificar o risco cardiovascular global Avaliar indícios do diagnóstico de hipertensão arterial secundária medida da circunferência da cintura (CC) pois a relação cintura-quadril não demonstrou superioridade na estratificação de risco. O exame físico, minucioso, deve buscar sinais de LOA e de hipertensão secundária. O exame de fundo de olho deve ser realizado na primeira avaliação, em especial em hipertensos estágio 3, com diabetes ou LOA. O cálculo do índice tornozelo braquial (ITB) é útil para avaliar a doença arterial obstrutiva periférica. A investigação laboratorial inicial, de rotina, do hipertenso segundo a VI Diretriz inclui os seguintes exames: análise simples de urina, potássio sérico, creatinina plasmática, glicemia de jejum, colesterol total, ácido úrico plasmático e ECG convencional. A avaliação complementar inclui:1) radiografia do tórax; 2) ecocardiograma (para hipertensos estágios 1 e 2 sem hipertrofia ventricular esquerda ao ECG, mas com dois ou mais FR e suspeita de insuficiência cardíaca); 3) microalbuminúria (em hipertensos com diabetes melito, síndrome metabólica ou com dois ou mais FR); 4) ultrassom de carótidas (casos de sopro carotídeo, doença cerebrovascular ou aterosclerótica em outros territórios); 5) teste ergométrico (suspeita de doença coronária (DC) estável, diabetes ou antecedente familiar para DC em paciente com PA controlada); 6) hemoglobina glicada (casos de glicemia de jejum de 100 a 125 mg/dl), 7) MAPA, MRPA. AMPA (segundo as indicações convencionais); 8) velocidade de onda de pulso (se disponível); 9) estimativa do clearence da creatinina e ritmo de filtração glomerular (pelas fórmulas MDRD www.kidney.org/professionals/kdocqi/gjuidelines_ckd ou CockfrotGault); 10) investigação de HAS secundária (segundo história, exame físico, laboratório). Para a tomada da decisão terapêutica é necessária a estratificação do risco cardiovascular global que considera a presença de fatores de risco adicionais, LOA e DCV (Tabela 4). Nos últimos anos, ainda que não incorporados aos escores clínicos tradicionais, novos fatores foram sugeridos como marcadores de risco adicionais em diferentes diretrizes: glicemia de jejum (100 a 125 mg/dl), hemoglobina glicada anormal, obesidade abdominal (CC > 102 cc em homens e > 88 cm em mulheres) pressão de pulso > 65 mmHg (em idosos), história de pré-eclàmpsia na gestação e história familiar de hipertensão (em hipertensos limítrofes). Figura 2 Possibilidades de diagnóstico, de acordo com as medidas de PA casual e MAPA na vigília ou MRPA e porcentagens de prevalência de cada uma das formas de comportamento da PA Tabela 2 Valores de pressão arterial no consultório, MAPA, AMPA e MRPA que caracterizam efeito do avental branco, hipertensão do avental branco e hipertensão mascarada Decisão Terapêutica e metas Em relação a decisão terapêutica a VI Diretriz(6) manteve a mesma linha de tomada de decisão, iniciada pela confirmação diagnóstica e seguida pela estratificação de risco, que leva em conta, além dos valores da PA, a presença de fatores de risco cardiovasculares, as LOA e as DCV. Entretanto mudanças substanciais quanto às metas pressóricas foram consideradas. A V Diretriz(7) recomendava que deviam ser obtidos valores abaixo de 140/90 mmHg somente para os pacientes estágio 1 e 2 com risco cardiovascular baixo e médio. Para aqueles hipertensos, ou com PA Avaliações Clínica, Laboratorial e Estratificação de Risco Os principais objetivos da avaliação clinica e laboratorial estão expressos na Tabela 3. O tempo necessário para a avaliação inicial de um paciente com suspeita de hipertensão arterial é de, pelo menos, 30 minutos(5). A história clínica completa deve conter dados referentes ao tempo e tratamento prévio de HAS, fatores de risco (FR), indícios de HAS secundária e de lesões de órgãos-alvo (LOA), aspectos socioeconômicos, de estilo de vida e consumo atual ou pregresso de medicamentos. Para avaliação da obesidade visceral recomenda-se a 16 Revista Factores de Risco, Nº24 JAN-MAR 2012 Pág. 14-21 Tabela 4 Estratificação do risco cardiovascular global: risco adicional atribuído à classificação de hipertensão arterial de acordo com fatores de risco, lesões de órgãos-alvo e condições clínicas associadas limítrofe, com risco cardiovascular alto recomendava-se metas abaixo de 130/85 mmHg. Nos hipertensos, ou com PA limítrofe com risco muito alto, valores abaixo de 130/80 mmHg. Nos hipertensos com proteinúria superior a 1,0g/l a recomendação era objetiva em reduzir a PA a valores ≤ 120/75 mmHg. Finalmente indicava que, se o paciente tolerasse, a meta da PA devia ser ≤ 120/80 mmHg. Já a VI Diretriz avalia esta questão sob outra ótica. Inicialmente aborda o tratamento dos pacientes com níveis de PA entre 130139/85-89 mmHg, justificando que nesta faixa tensional existe uma grande parcela de indivíduos com DCV e renal bem estabelecidas, além dos portadores de diabetes com múltiplos fatores de risco cardiovascular. Esta mudança está apoiada em estudos de intervenção precoce que mostraram benefícios em pacientes com doença coronária(8), encefálica(9) e diabéticos(10). Em relação às metas a VI Diretriz recomenda que nos hipertensos estágios 1 e 2, com risco cardiovascular baixo e médio, a PA deve ficar abaixo de 140/90 mmHg. Para as outras situações com: 1) risco cardiovascular alto e muito alto; 2) três ou mais fatores de risco; 3) diabetes melito; 4) síndrome metabólica; 5) lesões em órgãos alvo; ou 6) insuficiência renal com preteinúria> 1,0 g/l, recomenda valores de 130/80 mmHg. A sugestão da meta 130/80 mmHg da diretriz atual é simplesmente uma extrapolação de valores, considerando o resultado do estudo ACCORD(11). Recomenda evitar reduções da PAD <65 mmHg, em vista de estudos recentes confirmarem, de forma incisiva, a exis- tência da curva J(12). Entretanto a VI Diretriz segue as recomendações da American Diabetes Association (ADA) de 2009, ao sugerir tratar todos os diabéticos com PA entre 130-139 mmHg e 80-89 mmHg, com mudanças do estilo de vida por um tempo máximo de três meses. Se após este período não houver resposta adequada deve ser instituído o tratamento medicamentoso. Tratamento não Medicamentoso e Abordagem Multiprofissional Controlo de peso Em relação ao controle de peso a VI Diretriz acrescenta a possibilidade da cirurgia bariátrica nos casos de obesidade moderada a grave, considerada o tratamento efetivo nestes estágios de obesidade(13). Em pacientes com obesidade grave a cirurgia bariátrica reduz a mortalidade, além do potencial de controlar, mais efetivamente, condições clínicas como a hipertensão e o diabetes melito tipo 2(14). Nestas situações a cirurgia bariátrica é grau de recomendação I, nível de evidência A. Estilo Alimentar As recomendações da dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) são reafirmadas ressaltando a importância desta dieta rica em frutas, hortaliças, fibras, minerais e laticínios. Ressalta que um estudo com alta adesão a esse tipo de dieta reduziu em 14% o aparecimento da hipertensão(14). A dieta DASH é grau de recomendação I, nível de evidência A. A V Diretriz incluiu a dieta do Mediterrâneo, onde o alto consumo de frutas e hortaliças revelou relação inversa com os níveis de PA, mesmo com alto percentual de gordura. A dieta do Mediterrâneo é grau de recomendação IIa, nível de evidência B. Destaca que dietas vegetarianas são inversamente associadas com a incidência de DCV, devido ao menor teor de gordura saturada e colesterol, porém são deficientes em micronutrientes sendo necessária a suplementação. A dieta vegetariana para hipertensos é grau de recomendação IIa, nível de evidência B. A atual Diretriz contraindica as dietas da moda, e programas de emagrecimento, que demonstraram baixa adesão a longo prazo. Apesar de a redução de peso associar-se a redução da PA, estas dietas com altos teores de gordura associam-se a maior risco de infarto do miocárdio e mortalidade cardiovascular. As dietas comerciais (da moda) são grau de recomendação III, nível de evidência D. Tabela 5 Metas a serem atingidas em conformidade com as características individuais. DM: diabetes melito; SM: síndrome metabólica; LOA: lesões em órgãos-alvo 17 O que mudou na VI Diretriz Brasileira de Hipertensão Redução do consumo de sal A V Diretriz recomendava a ingestão de no máximo 6g de sal por dia (100 m mol ou 2,4 g/dia de sódio). Já a VI Diretriz recomenda quantidade menor. A necessidade nutricional de sódio para os seres humanos é de 500 mg (cerca de 1,2 g de sal), tendo sido definido, pela Organização Mundial de Saúde, em 5 g de cloreto de sódio ou sal de cozinha (que corresponde a 2 g de sódio), quantidade máxima considerada saudável para ingestão alimentar diária. O consumo médio da população brasileira corresponde ao dobro do recomendado(16). A dieta hipossódica é grau de recomendação IIb, nível de evidência B. mentosas, promove a queda da PA em mulheres após a menopausa. Em relação ao cálcio recomenda o consumo de duas ou mais porções diárias de laticínios magros devido a menor incidência de HAS. Tais benefícios provavelmente estão associados ao maior aporte de cálcio(19). Registra, ainda, a controvérsia sobre o efeito da suplementação das diferentes castanhas em reduzir a PA. Finalmente cita que o alho tem discreto efeito hipotensor e que a elevação da PA causada pela cafeína em doses habituais é desprezível(20). Atividade Física A VI Diretriz, diferentemente da V, baseada em ensaios clínicos, recomenda exercícios aeróbios (isotônicos) em associação aos resistidos, cujo efeito hipotensor é eficaz para a prevenção e o tratamento da HAS. Recomenda sessões de 30 minutos de atividade física moderada, de forma contínua ou acumulada, pelo menos cinco vezes por semana(21). Para o controlo do estresse psicossocial indica técnicas como a meditação, musicoterapia, biofeedback e yoga(22) e, ainda, técnicas de respiração lenta(23). Chama a atenção para a importância do controle do tabagismo na prevenção de diversas doenças, reafirmando não existir evidências de benefícios para o controle da PA(24). Esclarece que a equipe multiprofissional pode ser constituída por todos os profissionais que lidam com pacientes hipertensos: médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, professores de educação física, musicoterapeutas, farmacêuticos, educadores, comunicadores, funcionários administrativos e agentes comunitários de saúde(25). A abordagem multidisciplinar é grau de recomendação I, nível de evidência A. Moderação no Consumo de Bebidas Alcoólicas A associação entre a ingestão de álcool e alterações na PA são dependentes da quantidade ingerida. Há a manutenção clássica de consumo de 15g/dia para a mulher e 30g/dia para o homem como limite máximo aceitável. A atual diretriz acrescenta graus de recomendação: 1) Redução do consumo de álcool para hipertensos, IIb, nível de evidência B; 2) Recomendação de consumo de álcool para hipertensos: III, nível de evidência D. Na VI Diretriz há a recomendação da utilização de ácidos graxos insaturados, principalmente o óleo de peixe (ômega 3), em idosos. Destaca as principais fontes de ácidos graxos monoinsaturados (oleico) que são o óleo de oliva, o óleo de canola, da azeitona, do abacate e das oleaginosas (amendoim, castanhas, nozes, amêndoas)(17). Demonstrou-se que a ingestão de óleo de oliva pode reduzir a PA, principalmente devido ao elevado teor de ácido oleico. A VI Diretriz recomenda, de forma especial, o consumo de 20 a 30 g/dia de fibras alimentares por adultos, sendo 5 a 10 g solúveis. O betaglucano, presente na aveia, determina discreta diminuição da PA em obesos, efeito não observado em indivíduos com peso normal(18). Quanto à proteína de soja, recomenda que o molho de soja industrializado (shoyu) deve ser evitado devido o elevado teor em sódio. Recomenda a substituição de parte da proteína alimentar por um composto de soja que, associada a outras medidas não medica- Tratamento Medicamentoso Em relação ao tratamento medicamentoso a VI Diretriz argumenta que a redução da morbidade e da mortalidade deve-se à redução da pressão arterial per se, e, segundo estudos disponíveis Figura 4 Algoritmo do tratamento da hipertensão Arterial 18 Revista Factores de Risco, Nº24 JAN-MAR 2012 Pág. 14-21 ou muito alto, iniciar a terapêutica de forma combinada (Figura 4). Contudo, apesar de uma lista apreciável de combinações de fármacos a VI Diretriz recomenda a associação de um inibidor de enzima de conversão (IECA) com bloqueadores de canais de cálcio (BCC) e, se necessário, associar ainda um diurético. Estes conceitos se basearam em recente estudo de desfechos relevantes que avaliou de forma comparativa, em pacientes de alto risco cardiovascular, o impacto da combinação fixa IECA-diurético com um BCC. Foi demonstrado que para o mesmo grau de redução da PA a combinação IECA-BCC foi mais eficaz em reduzir a morbidade e mortalidade cardiovascular(30) e a progressão da doença renal(31). A utilização da combinação betabloqueadores-diuréticos deve ser cautelosa em pacientes altamente predispostos, ou com distúrbios metabólicos da glicemia. O planejamento anti-hipertensivo deve manter a qualidade de vida do paciente, estimular a adesão e, em casos de hipertensão controlada, utilizar ácido acetilsalicílico em baixas doses (75 mg) pois diminui a ocorrência de complicações cardiovasculares, desde que não haja contraindicação para o seu uso e que os benefícios superem os eventuais riscos da sua administração(32). até o momento, parece não depender da classe de medicamentos utilizados(26). Metanálises recentes afirmam que este benefício é mais discreto com betabloqueadores, em especial o atenolol, comparado aos demais anti-hipertensivos(27). Em relação aos objetivos a V Diretriz estabelece que a redução da PA a níveis inferiores a 130/80 mmHg pode ser útil em situações específicas, como pacientes de alto risco cardiovascular e diabéticos, entretanto a VI Diretriz preconiza uma atitude de expectativa em vista dos resultados do estudo ACCORD(11). Quanto à escolha do medicamento a tabela de opções da VI Diretriz inclui, entre as diversas classes disponíveis para uso clínico, o inibidor direto da renina (IDR). O alisquireno, único representante desta classe, promove a inibição direta da renina e, consequentemente, a diminuição da formação da angiotensina II(28). Especula-se, ainda, acerca de outras ações, como a redução da atividade plasmática de renina, o bloqueio de um receptor celular próprio de renina/pró-renina e a diminuição da síntese intracelular de angiotensina II. Estudos clínicos de eficácia anti-hipertensiva (ALLAY, AVOID) comprovam que, em monoterapia, este fármaco reduz a PA com a mesma intensidade dos demais anti-hipertensivos além dos benefícios promovidos pela redução da morbidade cardiovascular e renal, hipertrofia de ventrículo esquerdo e proteinúria(29). Em relação à terapêutica a VI Diretriz apresenta significativo progresso ao recomendar em pacientes, ainda em estágio 1, mas com risco cardiovascular alto Complicações Hipertensivas agudas Em relação as emergências hipertensivas a VI Diretriz acrescenta mais dois medicamentos de uso parenteral; o esmolol e a fentolamina, não contemplados na V Diretriz. Tabela 6 Principais Medicamentos utilizados nas Emergências Hipertensivas 19 O que mudou na VI Diretriz Brasileira de Hipertensão Situações especiais e com comorbidades Em relação HAS em situações especiais, especificamente em relação à mulher, a VI Diretriz estabelece as seguintes recomendações para a prescrição de contraceptivos orais (CO): 1) utilizar a menor dose efetiva de estrogênio e progestágeno; 2) suspender o uso se a PA se elevar significativamente; 3) investigação diagnóstica caso a PA não retorne aos valores normais após 3 meses; 4) manter o CO caso não haja outra forma de contracepção aplicável, e considerar do uso de anti-hipertensivos para controle da PA; 5) não utilizar CO em mulheres fumantes com mais de 35 anos; 6) usar CO com cautela em portadoras de enxaqueca, contraindicando-os em casos de enxaqueca com aura e sintomas neurológicos focais Estabeleceu a relevância dos anti-hipertensivos na lactente, pelo risco da presença de diferentes concentrações no leite materno. Indicou a prescrição destes fármacos classificando-as em 3 grupos: seguros, moderadamente seguros e os não-recomendados (Tabela 9) Hipertensão secundária, em situações especiais e com co-morbidades Hipertensão Arterial Sistêmica Secundária Poucas são os estudos clínicos com evidências sobre a melhor conduta terapêutica da hipertensão secundária. Assim, a VI Diretriz Brasileira atualizou apenas o quadro de achados clínicos sugestivos de etiologia secundária. A primeira modificação, foi em relação ao diagnóstico da Síndrome de Cushing, incluindo-se a quantificação do cortisol urinário de 24 hs ao lado do cortisol basal matinal e supressão da dexametasona (1 mg) às 24 hs. Em relação ao diagnóstico da disfunção tiroideana, além da determinação do TSH, incluiu a dosagem do T4 livre. Para o diagnóstico da acromegalia, preconizava-se apenas a dosagem do hormônio do crescimento, agora incluiu-se a determinação do IGF-1, do hormônio do crescimento basal e teste de tolerância oral á glicose. Para o diagnóstico da hipertensão renovascular, os indicadores clínicos de probabilidade, que eram divididos em baixa, média e alta probabilidade, foram substituídos por uma tabela com as características sugestivas da hipertensão renovascular (Tabela 7). Tabela 9 Segurança para o lactente com o uso de anti-hipertensivos pela lactente Tabela 7 Características sugestivas de hipertensão renovascular Seguros Diuréticos: hidroclorotiazida e espironolactona Início abrupto da hipertensão arterial antes dos 30 ou após os 50 anos Inibidores adrenérgicos: alfametildopa e propranolol Hipertensão estágio II ou III, acelerada ou maligna Vasodilatadores: hidralazina e minoxidil Hipertensão refratária à múltipla terapia Antagonistas dos canais de cálcio: verapamil, nifedipino e nitrendipino Hipertensão estágio II ou III na presença de aterosclerose difusa Inibidores da ECA: benazepril,captopril,enalapril e quinadril Presença de sopro epigástrico sistólico/diastólico Hipertensão estágio II ou III com insuficiência renal sem explicação Moderadamente seguros Diuréticos: indapamida,furosemida,triantereno Azotemia significante induzida por IECA ou BRA Bloqueadores do receptor AT1:candesartana, olmesartana, telmisartana Assimeteria no tamanho renal Vasodilatadores: hidralazina e minoxidil Edema pulmonar sem causa aparente em paciente com hipertensão Antagonistas dos canais de cálcio: anlodipino, isradipino, nisoldipino Inibidores da ECA: fosinopril, lisinopril, ramipril IECA = Inibidor da enzima conversora da angiotensina; BRA = Bloqueador de receptor da angiotensina Potencialmente perigosos Inibidores adrenérgicos: reserpina, nadolol, prazosina, terazosina A VI Diretriz excluiu o fluxograma de rastreamento da hipertensão renovascular substituindo-o por testes para detecção com suas respectivas sensibilidades e especificidades (Tabela 8). Bloqueadores do receptor AT1: telmisartana,valsartana Inibidores da ECA: fosinopril, quinapril Quanto aos idosos a VI Diretriz cita o estudo HYVET, realizado com hipertensos muito idosos (≥ 80 anos), ressaltando que a associação IECA-Diurético reduziu a incidência de acidente vascular encefálico e insuficiência cardíaca. Estabelece uma meta pressórica única nos hipertensos diabéticos ao redor de 130/80 mmHg, abolindo o alvo 125/75 mmHg em portadores de proteinúria >1g/24 hs. Em hipertensos-diabéticos recomenda a combinação de um bloqueador do SRAA (IECA ou BRA), com um BCC, indicando a possibilidade de utilizar um inibidor direto da renina (alisquireno), para uma redução mais intensa da proteinúria. Tabela 8 Testes para detecção de hipertensão renovascular 20 Revista Factores de Risco, Nº24 JAN-MAR 2012 Pág. 14-21 Aos hipertensos portadores de doença renal crônica (DRC), recomenda que o tratamento atenda aos estágios da doença. Em portadores de DRC estágios 1 e 2 sem proteinúria, pode-se prescrever qualquer classe de anti-hipertensivo. Na DRC com proteinúria preconiza o bloqueio do SRAA e nos estágios 3,4,5 não-dialíticos (com ou sem proteinúria), a associação de um fármaco que bloqueie o SRAA. Finalmente, nos transplantados, recomenda os BCC, por reverter a vasoconstrição causada pela medicação específica utilizada nesta entidade clínica. 14. jostrom L, Lindroos AK, Peltonen M, et al. Lifestyle, diabetes, and cardiovascular risk factors 10 years after bariatric surgery. N Engl J Med 2004; 351(26): 2683–93. 15. Forman JP, Stampfer MJ, Curhan GC. Diet and lifestyle risk factors associated with incident hypertension in women. JAMA 2009; 302(4): 401–11. 16. Nakasato M. Sal e Hipertensão. Rev Bras Hipertens 2004; 11: 95–7. 17. IV Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose. Arq BrasCardiol 2007: 88 (Suppl.1): 1–19. 18. 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