Relato de Caso Aneurisma extracraniano de artéria carótida interna Extracranial aneurysm of the internal carotid artery RESUMO Aneurisma extracraniano de artéria carótida interna é um evento incomum, podendo produzir complicações neurológicas graves. Relata-se um caso de um paciente do gênero feminino com 51 anos de idade que apresentou massa pulsátil e semifixa em região cervical esquerda nível II, que revelou ser um aneurisma extracraniano de carótida interna, sendo submetida ao tratamento cirúrgico. Descritores: aneurisma; doenças das artérias carótidas; artéria carótida interna extracraniana. ABSTRACT Germano Pinho de Moraes1 Caio Alcobaça Marcondes2 Mariana Paiva Sousa3 Antonio Fortes Rodrigues2 Benjamim Pessoa Vale4 Marcos Conde Medeiros5 Alan Pinho Sobral3. Extracranial aneurysm of the internal carotid artery is an unusual event that can produce neurological complications. We report a case of a 51-year-old female patient who presented a pulsate and partially fixed mass in left cervical region level II, that unveil to be an aneurysm extracranial of internal carotid artery; undergoing the surgery treatment. Key words: aneurysm; carotid artery diseases; extracranial internal carotid artery. INTRODUÇÃO Aneurisma extracraniano de artéria carótida interna é uma doença incomum1-2. Sua exata incidência não está ainda bem definida. Tem sido estimado um percentual variável entre 0,4% e 4,0% entre todos os aneurismas periféricos3. Em virtude disso, os detalhes referentes à sua etiologia, localizações mais comuns, história natural, sintomas iniciais e tratamento não podem ser derivados da experiência de nenhum cirurgião individualmente. Ao invés, deve-se recorrer a revisões dos casos relatados para obter essas informações. Os autores relatam o caso de um paciente com aneurisma gigante em artéria carótida interna. RELATO DE CASO Paciente de 51anos, gênero feminino, caucasiana, deu entrada no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital São Marcos com abaulamento na região cervical, referindo história de odinofagia progressiva há dois anos e dor em face lateral esquerda do pescoço, procurando diversos serviços médicos sem sucesso terapêutico. Negava sintomas neurológicos, hipertensão arterial, diabetes mellitus, hábitos tabagistas e trauma na região. Ao exame físico, observou-se lesão nodular cervical esquerda em nível II de 4cm pulsátil e semifixa. Foi realizada tomografia computadorizada do crânio, evidenciando-se formação aneurismática relacionada à artéria carótida externa esquerda, medindo 4,5 x 3,3 x 3,3cm (figura 1), com efeito de massa, expandindo-se na fossa infratemporal e na região parafaríngea esquerda. À arteriografia (figura 2) e à angiorressonância (figura 3), observou-se formação aneurismática gigante na artéria carótida interna esquerda no nível de sua origem. Figura 1 – Tomografia computadorizada mostrando aneurisma medindo 4,5 x 3,3 x 3,3cm. Figura 2 – Arteriografia evidenciando aneurisma em artéria carótida interna esquerda. 1) Cirurgião de Cabeça e Pescoço do Hospital São Marcos e Professor da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Piauí – UESPI. 2) Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Piauí – UESPI. 3) Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade Federal do Piauí – UFPI. 4) Neurocirurgião com especialização em Cirurgia Endovascular do Hospital São Marcos. 5) Cirurgião Vascular do Hospital São Marcos. Instituição: Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital São Marcos, Teresina, PI. Correspondência: Germano Pinho de Moraes, Rua Desembargador Pires de Castro, 380/Sul; Edifício Centro Médico Dirceu Arcoverde, sala 206 - 64001-390 Teresina, PI. E-mail: [email protected] 118 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 36, nº 2, p. 118 - 120, abril / maio / junho 2007 DISCUSSÃO Figura 3 – Angiorressonância indicando dilatação aneurismática em região cervical nível II. A paciente submeteu-se, sob anestesia geral, a mandibulotomia no intuito de acessar a região aneurismática (figura 4), em seguida, implantou-se um shunt trans-operatório (Pruit Niahara) na artéria carótida interna esquerda (figura 5). Ressecou-se, então, o aneurisma, restabelecendo o fluxo arterial através de uma anastomose término-terminal na artéria carótida interna (figura 6). A mandíbula foi reduzida e fixada com placas de titânio ao final do procedimento. Após a cirurgia, a paciente evoluiu bem e não apresentou mais formação aneurismática na região cervical esquerda, sendo acompanhada ambulatorialmente. Figura 4 – Dilatação aneurismáica em região cervical nível II. Figura 5 – Shunt trans-operatório de Pruit Niahara em artéria carótica interna. Figura 6 – Anastomose término-terminal em artéria carótida interna. Aneurisma arterial é definido como um alargamento permanente de uma artéria em mais de 50% do seu diâmetro esperado. Os aneurismas das artérias carótidas são considerados eventos extremamente raros, sendo classificados de acordo com a sua localização anatômica, morfologia e etiologia. Em relação a sua localização, é mais comumente encontrado na artéria carótida comum, especialmente em sua bifurcação. As partes média e distal da artéria carótida interna seguem-se pela ordem de freqüência. Os aneurismas da bifurcação são geralmente fusiformes quanto à classificação morfológica, enquanto aqueles localizados na artéria carótida interna são saculares1,4. Em aproximadamente 50 a 70% dos casos, produzem complicações neurológicas graves. Outras vezes, rompem-se com hemorragia para os tecidos moles do pescoço podendo levar ao óbito5,6. Em relação à etiologia, a aterosclerose é a causa mais comum (46-70%) sendo o trauma, o pós-operatório de operação carotídea e as arterites causas mais raras7. O maior risco da presença do aneurisma carotídeo é a possibilidade de provocar ataque isquêmico transitório ou isquemia cerebral por embolia de trombo mural. Raramente os sintomas cerebrais são causados pela diminuição do fluxo através da artéria carótida secundariamente a sua compressão pela massa de um aneurisma sacular adjacente1-2,5. A ruptura do aneurisma da carótida é um evento infreqüente, manifestando-se por uma hemorragia na orofaringe, canal auditivo ou nos tecidos moles, podendo levar o paciente ao óbito por sufocação1,6. O quadro clínico do aneurisma extracraniano de carótida interna varia de acordo com sua localização e tamanho, podendo ser assintomático e detectado ao exame físico ou manifestar-se como uma massa pulsátil no pescoço associado a áreas doloridas e sensíveis. Ocasionalmente, um aneurisma carotídeo faz protrusão na orofaringe, podendo provocar desconforto por compressão, que se traduz em sintomas como disfagia e odinofagia, como no paciente em questão. Em alguns casos, poderá ainda apresentar-se como tumor assintomático na orofaringe2,8. A ultra-sonografia com Doppler pode confirmar ou excluir a presença de um aneurisma. Aneurismas do terço distal da carótida interna podem não ser diagnosticado pelo método, devendo-se empregar a tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética7. A arteriografia continua a ser o teste diagnóstico definitivo, sendo utilizada no planejamento cirúrgico. No caso clínico, observou-se, na tomografia computadorizada da região cervical, uma formação aneurismática em artéria carótida externa; contudo, na angiorressonância nuclear magnética, foi evidenciado um aneurisma em artéria carótida interna, sendo confirmado pela arteriografia. A presença de linfonodos aumentados, cisto braquial, tumores do corpo carotídeo ou outras massas que se situam em posição sobrejacente e transmitem o pulso carotídeo fazem parte do diagnóstico diferencial de um aneurisma de carótida interna1. O tratamento cirúrgico consiste na exérese da formação aneurismática e reconstrução arterial ou através de anastomose término-terminal, como no paciente em questão ou com interposição de veia ou de prótese7. A necessidade de uma derivação temporária deve ser identificada através de um eletroencefalograma, mediadas da pressão no coto ou garroteamento-teste da artéria carótida, com uso de anestesia regional, a fim de evitar complicações neurológicas. No paciente, foi utilizado um shunt trans-operatório (Pruit Niahara) na artéria carótida interna, com a finalidade de evitar uma baixa perfusão cerebral, prevenindo seqüelas neurológicas irreversíveis. Quando usadas essas técnicas, juntamente com a anticoagulação por heparina intra-operatória e procedimentos anestésicos modernos, a mortalidade e os déficits neurológicos reduzem-se consideravelmente9,10. A historia natural da doença geralmente é desfavorável e 119 condiciona complicações significantes, que podem ser evidenciadas por ruptura do aneurisma, embolia cerebral, trombose ou expansão sobre estruturas adjacentes com sintomas de compressão. Embora o tratamento cirúrgico esteja associado a certo grau de morbidade, o tratamento não cirúrgico pode levar a um risco maior de complicações, sendo proscrito, exceto em paciente com risco cirúrgico proibitivo. A terapêutica deve ser individualizada visando prevenir seqüelas neurológicas. REFERÊNCIAS 1. Way LW, Doherty GM. Cirurgia - Diagnóstico & Tratamento, 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004. pp.702-3. 2. McCollum CH, Wheeler WG, Noon GP, DeBakey ME. Aneurysms of the extracranial carotid artery. Twenty-one years' experience. Am J Surg. 1979;137(2):196-200. 3. Garcia MRT, Chammas MC, Caiado AHM, Juliano AG, Leite CC, Cerri GG. 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