_______________________________________ Caracterização Fitossociológica do Manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia 1 CARACTERIZAÇÃO FITOSSOCIOLÓGICA DO MANGUEZAL DE PORTO DE SAUÍPE, ENTRE RIOS, BAHIA Lidice Almeida Arlego Paraguassu1. Michele Nascimento da Silva2 RESUMO: Na comunidade de Porto de Sauípe (12º 35`S e 38º 52`W), o acelerado crescimento populacional tem trazido, como conseqüência, uma forte pressão nos manguezais da região. Assim, este trabalho teve por objetivo caracterizar a estrutura fitossociológica dos bosques de mangue. Para isso, foi utilizado o método das parcelas múltiplas, onde foram demarcadas 20 parcelas de 10x10m2. Todos os indivíduos vivos das espécies presentes que tinham uma circunferência à altura do peito (CAP) igual ou maior a 15cm foram marcados e sua altura e circunferência amostradas. Os dados obtidos para a vegetação foram tratados no programa FITOPAC v 2.0. Amostraram-se 40 indivíduos em Porto de Sauípe e 406 em Saubara, para a mesma área amostral de 0.100ha. Nessas áreas, foram encontradas as seguintes espécies de mangue: Rhizophora mangle e Laguncularia racemosa. No manguezal de Sauípe, a espécie que apresentou os maiores índices fitossociológicos foi a R. mangle, com freqüência de 76,92%, densidade de 82,50ind/ha-1, dominância 85,50% e área basal 0,4175 m2/ha. Os resultados apresentados indicam que a baixa densidade vegetal encontrada em Porto de Sauípe pode ser preocupante tratando-se de um manguezal adulto e cuja área sofre forte antropização. Palavras-chave: Manguezal; Fitossociologia; Antropização. ABSTRACT: In the community of Porto de Sauípe (12º 35`S and 38º 52`W), it has brought, as consequence, one strong pressure in the mangroove of the region. Thus, the main objective of this study was to analyze phytosociologycally the vegetation of the mangrove. For this, the method of the multiple parcels was used, where 20 parcels of 10x10m2. All the individuals, with CAP equal or bigger than 15cm, was marked with special earrings. All dates gotten for the vegetation had been treated in statistic program FITOPAC v 2.0. This study showed 40 individuals in Porto de Sauípe and 406 in Saubara, for the same amostral area of 0.100ha. In these areas, two species had been found: Rhizophora mangle and Laguncularia racemosa. In the manguezal of Sauípe, the specie that presented the biggest phytossociologic indices was R. mangle, with frequency 76,92%, density 82,50ind/ha-1, dominance 85.50% and basal area 0,4175m²/ha. The presented results indicate mainly that low the found vegetal density in Porto de Sauípe can be preoccupying if treating to an adult fen and that the area suffers to fort antropic actions. Key-words: Mangrove; Phytossociology; Antropic actions. 1 Mestre em Ciências, com ênfase em Desenvolvimento e Agricultura – UFRRJ. Professora e Pesquisadora da Faculdade de Tecnologia e Ciências e da Universidade Federal da Bahia, Salvador – BA. E-mail: [email protected] 2 Bióloga especialista em Paisagismo. Professora e Pesquisadora da Faculdade de Tecnologia e Ciências e Universidade Católica do Salvador. E-mail: [email protected] _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista da Rede de Ensino FTC. Ano V, n. 12, dez. 2007. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/dialogos _______________________________________ Caracterização Fitossociológica do Manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia 2 1 Introdução Os manguezais estão entre os ecossistemas mais importantes que se estabeleceram na superfície da Terra. Esses ambientes são compreendidos por quatro compartimentos interdependentes, porém, com características intrínsecas bastante individualizadas: água, substrato, fauna e flora. O manguezal fundamenta a perfeita integração e o equilíbrio dinâmico entre os seus constituintes físicos, químicos e biológicos no contexto ambiental. Portanto, não se pode fracionar a compreensão desse ecossistema, pois a associação entre a sua biota é tão harmoniosa que a valorização de um dos seus compartimentos mascara e desvia o entendimento global do organismo ecológico – o manguezal (ORGE, 1992; ALVES, 2002). Segundo Schaeffer-Novelli (1995), os manguezais são ecossistemas costeiros tropicais e subtropicais associados a baías, enseadas, barras, desembocaduras de rios, lagunas ou diretamente expostos à linha da costa. Seu sistema ecológico é dominado por espécies vegetais típicas, que ocorrem em substratos com pequena declividade, periodicamente inundados pelas marés, com grandes variações de salinidade. Para Santos (1993), esse ecossistema torna-se o elo entre os ambientes marinho, terrestre e de água doce, e está sempre conquistando novas áreas, devido ao acúmulo de grandes massas de sedimento e detritos propiciando um ambiente de características marcantes, no que se refere à densidade populacional da fauna e flora. Nesse ambiente, ocorre ainda o acúmulo crescente de matéria orgânica, que é aproveitada pelas espécies endêmicas do manguezal, sendo também exportada para outros ambientes. É específico de zonas tropicais e subtropicais, requerendo toda série de fatores que determina sua existência ou sua conformação física (SANTOS, 1993). Dentre os ecossistemas costeiros, os manguezais são considerados, atualmente, como o mais vulnerável aos inúmeros tipos de degradação que acontecem no seu entorno. Informações sobre os aspectos estruturais dos bosques de mangue são de grande importância, pois permitem detectar alterações oriundas de fatores naturais ou de interferências antrópicas (CARMO et al., 1995). A caracterização estrutural dos manguezais constitui valiosa ferramenta no que concerne à resposta desse ecossistema às condições ambientais existentes, bem como aos processos de alteração do meio ambiente, auxiliando, assim, nos estudos e nas ações que objetivam a conservação do ecossistema. Nesse sentido, várias pesquisas têm sido desenvolvidas: Soares (1999) estudou o grau de perturbação da Lagoa da Tijuca; Peria et al. (1990) compararam bosques _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista da Rede de Ensino FTC. Ano V, n. 12, dez. 2007. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/dialogos _______________________________________ Caracterização Fitossociológica do Manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia 3 de manguezal impactados e não-impactados em São Paulo; Carmo et al. (1995) avaliaram o ecossistema ameaçado de Vitória; Viana (1996) realizou estudos na flora, fauna, nos sedimentos e índices pluviométricos em Porto de Sauípe; Souza e Sampaio (2001) observaram a variação temporal da estrutura de mangue de Suape; Silva et al. (2005) caracterizaram o estuário do rio São Mateus, por meio da avaliação dos componentes da flora, fauna e do sedimento. O objetivo do presente estudo foi avaliar o estado de conservação do manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia, com o propósito de compará-lo com a do manguezal de Saubara e fornecer subsídios à conservação desse ecossistema. 2 Material e Métodos 2.1 Áreas de Estudo Os estudos foram realizados em duas áreas diferentes. A primeira área foi o manguezal do rio Sauípe (12º 35´S e 38º 52´W Figura 1) e está situada no distrito de Porto de Sauípe, município de Entre Rios, localizado a aproximadamente 80 km da capital – Salvador onde sua população se constitui de pescadores, lavradores, comerciantes e veranistas (REITERMAJER, 1996). A comunidade de Porto de Sauípe, localizada a 10km do Complexo Hoteleiro de Costa do Sauípe, registrou um crescimento acelerado da população, que hoje conta com aproximadamente 6.000 pessoas, a partir da implantação do complexo. Esse elevado crescimento, em curto prazo, é responsável pelo alto índice de desemprego, furtos, assaltos, prostituição, consumo e venda de drogas e aumento da violência na região. Associados a esses problemas sociais, a comunidade vem enfrentando problemas de infra-estrutura e saneamento básico, que fazem com que seus esgotos continuem sendo lançados in natura nos rios e manguezais da região. Essa situação acentuou-se com a construção da Linha Verde e implantação do complexo hoteleiro, cujos investimentos em infra-estrutura não acompanharam este processo (LIMA et al., 2004). _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista da Rede de Ensino FTC. Ano V, n. 12, dez. 2007. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/dialogos _______________________________________ Caracterização Fitossociológica do Manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia 4 Figura 1: Mapa de localização da área do manguezal do rio Sauípe, em Porto de Sauípe, Entre Rios – Bahia. A segunda área foi o manguezal do distrito de Cabuçu, no município de Saubara (12º 45`S e 38º 45`W – Figura 2), situado a noroeste da Baía de Todos os Santos, a uma distância de 96 km da capital – Salvador. Essa área, escolhida para fins de comparação, caracteriza-se por uma baixa taxa de ocupação antrópica nas proximidades do manguezal, durante o maior período do ano, não sendo observados despejos de efluentes domésticos in natura. Na época do verão, esse manguezal é freqüentado por turistas e veranistas, que se utilizam dos recursos do manguezal para fins de lazer. Figura 2: Mapa de localização da área de Cabuçu, Saubara – Bahia 2.2 Metodologia Para o estudo quantitativo, foi aplicado o método das parcelas múltiplas, de acordo com a metodologia descrita por Schaeffer-Novelli e Cintrón (1986). Foram amostradas dez parcelas 10x10 m2, contíguas e paralelas a cada margem do rio, tanto em Porto de Sauípe quanto em _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista da Rede de Ensino FTC. Ano V, n. 12, dez. 2007. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/dialogos _______________________________________ Caracterização Fitossociológica do Manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia 5 Saubara. Na escolha dos pontos amostrais, foram levadas em consideração a representatividade, acessibilidade e as áreas prioritárias. Na delimitação das parcelas, foi utilizado um cabo de material resistente à água. Todos os indivíduos vivos das espécies arbóreas presentes que apresentaram uma circunferência à altura do peito – CAP igual ou maior a 15 cm, equivalendo a um DAP igual ou maior que 5 cm, foram registrados com brinco de caprino de numeração crescente e afixados no tronco, com auxílio de prego e martelo, para evitar a recontagem. As medições da altura dos indivíduos foram realizadas com auxílio de canos de PVC e para a medida do CAP foi utilizada fita métrica. Realizou-se uma análise quantitativa, onde foram calculados, para as espécies, os seguintes parâmetros fitossociológicos (RODRIGUES, 1996): freqüência, densidade, dominância relativa, dominância absoluta e os índices de valor de importância (IVI) e de valor de cobertura (IVC). Os dados foram tratados no programa estatístico específico para estudos fitossociológicos e quantitativos – FITOPAC (versão 2.0), desenvolvido pelo Professor Doutor George John Shepherd do Departamento de Morfologia e Sistemática Vegetal da Unicamp. 3 Resultados Em Porto de Sauípe, o manguezal é do tipo ribeirinho, margeando rios e canais. Nessa área, foram encontradas as seguintes espécies de mangue: Rhizophora mangle L. (33 indivíduos) e Laguncularia racemosa (L.) C.F. Gaertn. (sete indivíduos). R. mangle esteve presente nas dez parcelas amostradas, enquanto que L. racemosa somente em três, distribuídas nas parcelas 1, da margem direita, e 1 e 3, da margem esquerda do rio. Em Saubara, a vegetação de manguezal também é do tipo ribeirinho. Das espécies de mangue, foram encontrados 405 indivíduos de L. racemosa e um de R. mangle, sendo que somente a parcela 5 da margem direita do rio registrou ambas as espécies. No manguezal de Sauípe, a espécie que apresentou os maiores índices fitossociológicos foi R. mangle, com freqüência de 76,92%, densidade de 82,50 ind/ha-1, dominância 85,50% e área basal 0,4175 m2/ha. L. racemosa obteve 23,08% de freqüência, 17,5ind/ha-1 de densidade, 14,50% de dominância e 0,0708m2/ha de área basal. No manguezal de Saubara, a espécie que apresentou os maiores índices fitossociológicos foi L. racemosa, com freqüência de 90,91%, densidade de 99,75 ind/ha-1, dominância 99,79% e área basal 3,2974m2/ha. R. mangle obteve 9,09% de freqüência, 0,25ind/ha-1 de densidade, 0,21% de dominância e 0,0070m2/ha de área basal. _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista da Rede de Ensino FTC. Ano V, n. 12, dez. 2007. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/dialogos _______________________________________ Caracterização Fitossociológica do Manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia 6 Para o manguezal de Sauípe, R. mangle destacou-se por apresentar maiores índices de valor de importância - IVI, de 244,92%, e de valor de cobertura - IVC, de 168,00%, enquanto que L. racemosa apresentou 55% e 32%, respectivamente. Para o manguezal de Saubara, L. racemosa destacou-se por apresentar maiores índices de valor de importância - IVI, 290,45%, e de valor de cobertura - IVC, 199,54%, enquanto que R. mangle apresentou 9,55% e 0,46%, respectivamente. Com relação aos valores obtidos nas parcelas, na margem direita do manguezal de Sauípe registrou-se um indivíduo da espécie L. racemosa, sendo os outros 22 de R. mangle. A parcela 1 foi a única que apresentou as duas espécies. Na margem esquerda, foram encontrados seis indivíduos da espécie L. racemosa e 11 de R. mangle. Nas parcelas 1 e 3 foram encontradas as duas espécies. A margem esquerda do rio destaca-se por apresentar uma altura média que varia de 11m a 32,5m, área basal de 0,0255 a 0,1252 m2/ha e densidade de 200 a 700ind/ha-1, enquanto nas parcelas da margem direita do rio, para os parâmetros supracitados, obtiveram-se 7,3m a 11m; 0,0037 a 0,0634m2/ha e densidade absoluta 200 a 600 ind/ha-1. A margem esquerda do manguezal se caracteriza por não apresentar ocupação urbana irregular e desmatamento, enquanto que a margem direita, além de apresentar esses impactos, podem ser observados lixo e esgoto. Com relação aos valores obtidos nas parcelas, a margem direita do manguezal de Saubara registrou 239 indivíduos da espécie L. racemosa e um de R. mangle. Apenas a parcela 5 apresentou as duas espécies. Na margem esquerda, em todas as parcelas amostradas, foram encontrados 166 indivíduos de L. racemosa. Para os valores obtidos nas parcelas, a margem esquerda do manguezal de Saubara apresenta uma altura média que varia de 3,2m a 5,3m, área basal de 0,2714 a 0,4734m2/ha e densidade absoluta de 1.800 a 6.000ind/ha-1, enquanto que as parcelas da margem direita do rio, segundo os mesmos parâmetros fitossociológicos, registraram os valores 2,1 m a 3,9 m; 0,2226 a 0,2987 m2/ha e 1.700 a 6.400 ind/ha-1, respectivamente. 4 Discussão Guedes (2005) encontrou para a mesma área uma composição de espécies semelhantes à encontrada neste trabalho, sendo que a exceção foi a ocorrência de Avicennia germinans (L.) Stert., enquanto que Viana (1996) encontrou, além das espécies citadas, Avicennia schaueriana Stapf e Leechman e Conocarpus erecta L. A diferença na composição de espécies pode estar associada a diferenças nas metodologias de amostragem adotadas pelos autores. _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista da Rede de Ensino FTC. Ano V, n. 12, dez. 2007. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/dialogos _______________________________________ Caracterização Fitossociológica do Manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia 7 Nos manguezais de Acupe, situados a norte/noroeste da Baía de Todos os Santos, o crescimento é arbustivo e as espécies dominantes e raras também são L. racemosa e R. mangle, respectivamente (CINTRÓN, 1987). A composição de espécies para o manguezal de Saubara foi igual à encontrada para a área de Sauípe, embora a proporção entre as espécies tenha sido diferente, pois, no manguezal de Saubara, a espécie que ocorreu próxima às margens do rio foi L. racemosa, contrariando o descrito na literatura por Cintrón e Schaeffer-Novelli (1981), que citam R. mangle como espécie que se encontra à margem do curso d’água, em Santa Catarina. Entretanto, segundo Cintrón (1987), a estrutura dos manguezais da Baía de Todos os Santos é diferente, devido ao grande número de enseadas e formações de restingas próximas à linha da costa, que reduz a energia cinética e altera a composição das espécies. Os resultados do manguezal de Saubara são corroborados por aqueles registrados por Menezes (1995), que observou nos manguezais de Pati e Jeribatuba, também localizados na Baía de Todos os Santos, uma acentuada dominância de L. racemosa sobre as demais, em função da maior densidade encontrada, de 88,18 ind/ha-1 e 40,00ind/ha1, respectivamente, enquanto que R. mangle obteve 3,82ind/ha-1 e 10,64ind/ha-1, respectivamente. Para a área basal, no manguezal de Pati, L. racemosa foi a espécie que obteve o maior valor, seguida de R. mangle, com valor bem reduzido. A primeira espécie alcançou tal posição, devido principalmente, a sua maior densidade e volume (1,89m3/ha). No tocante à R. mangle, esta foi sempre a espécie que obteve menores valores de área basal, volume e densidade, devido principalmente ao reduzido número de representantes em ambas as áreas (MENEZES,1995). Estes resultados podem significar que as condições nos manguezais da Baía de Todos os Santos não favorecem uma satisfatória proliferação de R. mangle, condições essas associadas à grande quantidade de enseadas que impedem o fluxo intenso das águas e, por conseguinte, não disporem de material nutricional proveniente das suas vazões (CINTRÓN E SCHAEFFER-NOVELLI, 1985; CINTRÓN, 1987). Quanto à densidade, entende-se que Porto de Sauípe, por ser composto por árvores de maior porte e grande diâmetro, apresenta menor densidade que Saubara. Schaeffer-Novelli e Cintrón (1986) explicam esse fato da seguinte maneira: os bosques passam, durante o seu amadurecimento de uma fase em que o terreno está ocupado por uma grande densidade de árvores de diâmetro reduzido a uma fase de maior amadurecimento, quando o domínio é feito por poucas árvores de grande porte e volume. Segundo Cintrón (1987), a estrutura dos manguezais é também reflexo de sua maturidade ou idade, havendo durante esse desenvolvimento alterações que modificam sua fisionomia. Essas modificações são descritas em quatro períodos: colonização, que ocorre através da disponibilidade de propágulos no substrato; _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista da Rede de Ensino FTC. Ano V, n. 12, dez. 2007. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/dialogos _______________________________________ Caracterização Fitossociológica do Manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia 8 desenvolvimento, com forte competição por espaço; maturidade, fase em que o crescimento é reduzido; senectude, fase senil, ou seja, quando um bosque atinge um grande porte, com baixa densidade e, conseqüentemente, aumenta o índice de mortalidade, verificando-se uma redução da área basimétrica. De acordo com os resultados obtidos, pode-se afirmar que o manguezal de Saubara é um manguezal jovem, enquanto que o manguezal de Sauípe é antigo. Os maiores índices fitossociológicos foram obtidos por L. racemosa, em Saubara, e R. mangle, em Sauípe, confirmando a estrutura de maturidade de cada manguezal, visto que Bernini e Rezende (2003) afirmam que Lacungularia é um gênero que se instala em áreas abertas, na sucessão ecológica de manguezal, seguido de Avicennia e Rhizophora. Desse modo, o manguezal de Saubara está em estágio inicial de colonização, enquanto que o de Sauípe já atingiu sua fase clímax. Segundo Schaeffer-Novelli e Cintrón (1986), o IVI, em ambas as áreas, indica tratar-se de manguezais mono específicos, uma vez que esse parâmetro foi próximo a 300%. Medeiros (2005), em estudos de manguezais no Rio Grande do Norte, apresentou valores de IVI para L. racemosa de 60,26% e para R. mangle de 11,38%, indicando uma área em bom estágio de conservação. Considerando que o manguezal de Saubara apresenta índices semelhantes, pode-se inferir que ele está em bom estado de conservação. De acordo com Carmo et al. (1995), em estudos de manguezais na Baía Norte de Vitória, Espírito Santo, as margens onde, além de desmatamento, foi constatado lixo ou lixo e esgoto, o índice do valor de cobertura de R. mangle foi mais elevado (124,76%). O IVC apresentado para essa espécie em Sauípe confirma as observações apresentadas por Carmo et al. (1995), visto que na área estudada existem atividades antrópicas de impactos, como ocupação urbana desordenada e destino de esgoto doméstico. A alta densidade de Rhizophora em áreas antropizadas é confirmada por Carmo e outros (1995), que afirmam que os gêneros de mangue que sofrem maior extração seletiva são Laguncularia e Avicennia, o que parece ocorrer nesse caso. Quando comparadas às margens direita de ambas as áreas, a diferença é visível, sendo que no manguezal de Sauípe os índices fitossociológicos como densidade e área basal são menores que em Saubara, indicando, segundo os autores comparados, que as margens estão sob influências diferentes, a saber: em Saubara não há registro de antropização, enquanto que em Sauípe são observadas queimadas, depósito de resíduos e ocupações irregulares (CARMO et al., 1995; MEDEIROS, 2005). Ambas as áreas de estudos possuem o manguezal caracterizado pelo tipo fisiográfico como ribeirinho, sofrem influência da maré e maior aporte de nutrientes. A condição de proximidade desses locais das residências e, portanto, da ação dos esgotos domésticos e do lixo orgânico produzido pela comunidade pode justificar os níveis elevados encontrados e as _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista da Rede de Ensino FTC. Ano V, n. 12, dez. 2007. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/dialogos _______________________________________ Caracterização Fitossociológica do Manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia 9 descargas de esgoto aumentam os níveis dos nutrientes nos manguezais (MACEDO; ROCHA, 1985; CUZZUOL; CAMPOS, 2001). Como o manguezal de Sauípe é bastante maduro, sendo observados raros indivíduos jovens, o acelerado processo de antropização pode ocasionar uma extinção da vegetação, visto que as espécies pioneiras, responsáveis pela regeneração e sucessão ecológica, terão dificuldade em se estabelecer, por causa das copas fechadas que inibem a regeneração de florestas pela L. racemosa, pois esta espécie é intolerante à sombra. Embora tenha sido observada baixa representatividade de indivíduos de R. mangle em Saubara, é provável que a floresta venha a ser dominada por esta espécie, sendo desejáveis avaliações mais detalhadas da dinâmica de populações para melhor entendimento dos processos de sucessão. 6 Conclusão Em Porto de Sauípe, R. mangle apresentou maiores valores de freqüência relativa, densidade relativa, IVI e IVC, enquanto que em Saubara a espécie que apresentou os maiores valores foi L. racemosa. Pode-se inferir que o manguezal de Sauípe é antigo, por apresentar bosques com baixa densidade de árvores com grandes classes diamétricas, e Saubara é um manguezal jovem, porque apresenta grande densidade de árvores de diâmetros reduzidos. O manguezal de Porto de Sauípe, por ser antigo, pode desaparecer pela intensidade dos impactos antrópicos observados. As regiões de Porto de Sauípe e Saubara apresentam características ambientais distintas e os manguezais estão sujeitos a diferentes tipos de tensores, que influenciam no desenvolvimento estrutural das florestas de mangue. Para os resultados obtidos neste estudo, a análise da estrutura do manguezal, de forma isolada, não foi capaz de demonstrar o grau de antropização sofrido pelo ecossistema. É importante ressaltar, entretanto, que a comparação entre manguezais diferentes é tarefa difícil, dada a falta de padrão metodológico e critérios técnicos definidos nos estudos. Além disso, as regiões apresentam características ambientais distintas e os manguezais estão sujeitos a diferentes tipos de tensores, que influenciam no desenvolvimento estrutural das florestas de mangue. Para garantir a preservação desses ecossistemas, são necessárias medidas de monitoramento e controle, relacionadas às principais dimensões da sustentabilidade. Em relação à pesquisa científica, devem ser realizadas atualização cartográfica, avaliação de impactos ambientais em zonas estuarinas, estimativa do potencial produtivo dos manguezais e _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista da Rede de Ensino FTC. Ano V, n. 12, dez. 2007. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/dialogos _______________________________________ Caracterização Fitossociológica do Manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia 10 desenvolvimento das metodologias de produção e conservação dos recursos pesqueiros. Quanto à sustentabilidade social, recomenda-se que as comunidades tradicionais locais sejam associadas à fiscalização e ao controle da utilização dos recursos do manguezal e que as experiências em educação ambiental estejam em consonância com as expectativas das comunidades locais. Quanto à sustentabilidade econômica, as medidas de preservação devem permitir a extração de alimentos, sem comprometer os estoques, através da pesca, mariscagem e captura de crustáceos pelas populações ribeirinhas e comunidades tradicionais locais e que a extração de madeira seja permitida apenas para a construção de moradias e fabricação de artefatos de pesca. As atividades econômicas de maior porte, como salinas, mariculturas e viveiros, devem ser implementadas apenas em situações onde as comunidades do seu entorno sejam alvo de políticas de geração de emprego e renda. Entretanto, as áreas de manguezais e estuários devem ser monitoradas preventivamente, para garantia de proteção dos recursos remanescentes, além de restaurar ou reabilitar os ecossistemas. A preservação desses ecossistemas exige considerações de ordens sócioeconômicas, biológicas e físicas, dentro dos princípios que preconizam o desenvolvimento sustentável. Referências ALVES, T.C.A. Caracterização Geoquímica do substrato lamoso de zonas de manguezal da Baía de Aratu – Bahia. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002. BERNINI, E.; REZENDE, C.E. Estrutura da vegetação em florestas de mangue do estuário do Rio Paraíba do Sul, Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Acta Bras Biol, 18 (3), 491-502, 2003. CARMO, T.M.S.; BRITO-ABAURRE, M.G.; MELO, R.M.S.; ZANOTTI-XAVIER, S.; COSTA, M.B.; HORTA, M.M.M. Os manguezais da Baía Norte de Vitória, Espírito Santo: Um ecossistema ameaçado. Acta Bras Biol, 55 (4), 801-818, 1995. CINTRÓN, G. Caracterización y manejo de áreas del mangle. In: Simpósio sobre Ecossistemas da Costa Sul e Sudeste Brasileira: Síntese dos Conhecimentos, Cananeia. Anais. São Paulo, Academia de Ciência do Estado de São Paulo, 3, 77-75, 1987. CINTRÓN, G.; SCHAEFFER-NOVELLI, Y. Los Manglares De La Costa Brasileña: Revision Preliminar De La Literatura. Informe Técnico preparado para la Oficina de Ciencia Y Tecnologia para América Latina Y el Caribe de UNESCO Y la Universidad Federal de Santa Catarina,1981, 24 p. _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista da Rede de Ensino FTC. Ano V, n. 12, dez. 2007. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/dialogos _______________________________________ Caracterização Fitossociológica do Manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia 11 CUZZUOL, G.R.F.; CAMPOS, A. Aspectos nutricionais na vegetação de manguezal do estuário do Rio Mucuri, Bahia, Brasil. Acta Bot Bras., 24 (2), 2001. GUEDES, M.L.S. Diagnóstico da Vegetação do Manguezal e Macrófitas do Rio Sauípe. In: Avaliação Ambiental do Rio Sauípe sob influência do efluente da Estação de Tratamento de Esgoto Sanitário da EMBASA. Relatório técnico. Salvador, 2005. LIMA, J.S.; PARAGUASSU, L.A.A; SANTO, A.A.E. Diagnóstico Ambiental Participativo das comunidades envolvidas pelo Programa Berimbau, Costa do Sauípe, Bahia. Relatório Técnico. Fundação Banco do Brasil, Salvador, 2004. MACEDO, L.A.A. de; ROCHA, A.A. Lançamento de esgotos em manguezais: consideração sobre aspectos ecológico-sanitários na Ilha de São Luís, Ma. Dae, 45 (140), 67-72, 1985. MEDEIROS, J.F. Análise do manguezal e a percepção das comunidades ribeirinhas no estuário Apodó-Mossoró. Dissertação de mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente/ Prodema/ UERN, Rio Grande do Norte, 2005 MENEZES, A.P. Análise da Estrutura vegetal e obtenção de equações de biomassa, com base das espécies Avicennia, Laguncularia e Rhizophora, nos manguezais do Pati e Jeribatuba – Baía de Todos os Santos. Tese de Mestrado, Instituto de Biologia, UFBA, 1995,148p. ORGE, M.D.R. Uma Metodologia de Bioensaios para Estudos de Biomonitoramento sobre a reprodução, conservação e recuperação de manguezais no Estado da Bahia. Monografia obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas na modalidade Recursos Ambientais. Salvador, 1992. 64p. PERIA, L.C.; FERNADES, P.P.C.P.; MENEZES, G.V.; GRASSO, M.; TOGNELLA, M.M.P.; Estudos estruturais comparativos entre bosques de mangue impactados (Canal da Bertioga) e não impactados (Ilha Cardoso), Estado de São Paulo. Anais do Simpósio de Ecossistemas da Costa Sul e Sudeste Brasileira, ACIESP, 2, 1990. REITERMAJER, D. Comunidade Extrativista do manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios – BA: uma abordagem ecológica e social. Monografia apresentada para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas na modalidade Recursos Ambientais. Salvador, 1996. RODRIGUES, H.C. Composição Florística e Fitossociológica de um Trecho de Mata Atlântica na Reserva Biológica do Tinguá, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ. Tese Mestrado, 1996. 178 p. SANTOS, J.J. Relatório técnico da campanha de primavera (outubro/novembro) no manguezal de Mucuri – Bahia. CEPEMAR/BAHIA SUL CELULOSE. Instituto de Biologia. UFBA, 1993. SCHAEFFER-NOVELLI, Y. Manguezal: Ecossistema entre a Terra e o Mar. USP: Instituto Oceanográfico. Caribean Ecological Research, 1995, 64p. _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista da Rede de Ensino FTC. Ano V, n. 12, dez. 2007. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/dialogos _______________________________________ Caracterização Fitossociológica do Manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia 12 SCHAEFFER-NOVELLI, Y. & CINTRON, G. Guia para estudos de áreas de manguezal: estrutura, função e flora. São Paulo, Caribean Ecological Research, 1986, 431 p. SILVA, M.A.B.; BERNINI, E.; CARMO, T.M.S. Características estruturais de bosques de mangue do estuário do rio São Mateus, ES, Brasil. Acta Bot Brás, 19 (3), 2005. SOARES, M.L.G. Estrutura vegetal e grau de pertubação dos manguezais da lagoa da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Revista Brasileira de Biologia, 59 (3), 503-515, 1999. SOUZA, M.M.A.; SAMPAIO, E.V.S.B. Variação temporal da estrutura dos bosques de mangue de Suape-PE após a construção do Porto. Acta Bot Bras, 15. (1), 2001. VIANA, J.C. Estudos básicos de caracterização do manguezal de Porto de Sauípe, Entre Rios, Bahia. Monografia apresentada para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas na modalidade Recursos Ambientais. Salvador, 1996. 38p. Agradecimentos Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Ao Laboratório de Alternativas Viáveis a Ecossistemas Terrestres, LAVIET/UFBA. _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista da Rede de Ensino FTC. Ano V, n. 12, dez. 2007. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/dialogos