Estrutura da vegetação de bosques na transição apicum - manguezal em Saubara, Bahia¹ Consuelo Lima Navarro de Andrade² e Gisele Mara Hadlich³ Palavras-chave: planície hipersalina, apicum, manguezal, estrutura, Baía de Todos os Santos. Introdução Manguezais são ecossistemas costeiros, de transição entre os ambientes terrestre e marinho, característicos de regiões tropicais e subtropicais, sujeito ao regime das marés. Fry et al. (2000 apud Bernini & Rezende, 2004) afirmam que neste ecossistema vários tipos de estresse aumentam com a distância da linha d’água, e os efeitos relacionados às inundação pelas marés resultam em condições que podem prejudicar o desenvolvimento das plantas. A arquitetura do bosque de mangue é uma expressão do resultado da interação entre as características de crescimento das espécies arbóreas, seus requisitos fisiológicos e as variações ambientais que operam no ecossistema. A descrição estrutural fornece uma idéia do seu grau de desenvolvimento (Schaeffer-Novelli & Citrón, 1986). Estando os manguezais localizados na faixa intermareal, em algumas áreas podem ocorrer condições de hipersalinidade do sedimento (Pelegrini, 2000), sobretudo nas áreas mais distantes do canal. Quando a salinidade ultrapassa os limiares que permitem o desenvolvimento do mangue, e a depender da geomorfologia e hidrodinâmica local, podem se formar apicuns. Os apicuns correspondem a planícies hipersalinas, desnudas ou cobertas com vegetação rasa, podendo estar cobertos, em períodos de estação seca, por eflorescências salinas; em todo o mundo são encontrados em áreas litorâneas intertropicais, sempre associados a manguezais. Diversos apicuns são encontrados junto aos manguezais na Baía de Todos os Santos - BTS, desprovidos de vegetação, em áreas cuja salinidade ultrapassa 100 (Hadlich et al., 2008). Este estudo tem como objetivo fazer uma caracterização estrutural da vegetação nas áreas de transição entre o apicum e o manguezal na região de Saubara, especificamente na comunidade Iraque, situada na BTS. O trabalho contribui para os estudos em áreas de apicum e manguezal. Material e Métodos O estudo da estrutura da vegetação dos bosques de mangue foi adaptado de ShaefferNovelii & Citrón (1986). Em campo, com o auxílio de uma trena graduada em centímetros e um cordão, foi demarcado um transecto da entrada do manguezal (transição entre apicum e manguezal, onde aparecem os primeiros espécimes de vegetais) até 30m adentro do bosque. Foram designados seis segmentos com 5m de comprimento por 2m de largura, a partir do apicum. Todos os indivíduos dentro dessa faixa foram considerados, distinguindo-os em nível de espécie e estado (vivo ou morto). Os indivíduos com altura inferior a 1,0m foram contados. Para aqueles com altura superior, foram calculados: - o diâmetro à altura do peito (DAP 1,30m), calculado a partir dos dados de circunferência medida com fita métrica; - a área basal, que é a área ocupada por um tronco de um dado diâmetro [A.B. =0,00007854(DAP)]. A soma de todos os troncos por unidade de área em cada segmento, reajustada para 1ha, resultou na área basal do bosque que fornece informações quantitativas sobre sua estrutura; ¹ Trabalho desenvolvido com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq ² Aluna do curso de graduação em Biologia (Instituto de Biologia - IBIO) e de Iniciação Científica (Instituto de Geociências - IGEO), Universidade Federal da Bahia - UFBA. E-mail: [email protected] ³ Professora Adjunto do Departamento de Geoquímica, IGEO/UFBA. E-mail: [email protected] - o diâmetro médio, que é o diâmetro da árvore de área basal média [DM= (A.B.)(12732,39)/n, onde n é número de indivíduos por hectare. Resultados e Discussões Os manguezais americanos apresentam sete espécies típicas, pertencentes a quatro gêneros distintos: Rhizophora, Avicennia, Laguncularia e Conacarpus (SchaefferNovelli & Citrón, 1986). Na BTS destaca-se a presença de Rhizophora mangle L., Avicennia Schauerianna Stapf. & Leechman e Laguncularia racemosa (L.) Gaertn. Na transição apicum–manguezal, no segmento 1, não são encontrados espécies de vegetais superiores; ocorrem somente manchas de Sesuvium portulacastrum (L.) L. Em seguida, dominam espécimes de L. racemosa e, mais adentro do bosque, A. schauerianna (Fig. 1). Os dados estruturais obtidos constam na Figura 2. Observa-se que nos segmentos mais próximos ao apicum existe um menor número de indivíduos e estes possuem DAP <= 1. Já o número de indivíduos cresce nos segmentos 3 e 4 e volta a diminuir nos segmentos 5 e 6, já mais no interior do bosque propriamente dito, onde, entretanto, o número de indivíduos com DAP entre 2,5 e 5,0 aumenta. Paralelamente há um aumento progressivo da área basal à medida que se aproxima da parte mais interna do manguezal. Destaca-se que há dominância de indivíduos da espécie L. racemosa, os quais ocorrem ao longo de todos os segmentos (2 a 6). Percebe-se que entre os segmentos 2 e 4 há um grande número de indivíduos jovens. Além disso, verifica-se uma contribuição expressiva em área basal da espécie A. schauerianna na fração mais interna ao manguezal. De acordo com Nascimento (2007), as espécies que colonizam os substratos mais elevados seriam mais tolerantes ao sal, isso dependendo do balanço hídrico da região. Verifica-se que L. racemosa encontra-se em maior quantidade na área mais próximas ao apicum, com maior salinidade. Shaeffer-Novelli & Citrón (1986) afirmam que a densidade de um bosque é função de sua idade e amadurecimento. A densidade de um bosque se reduz com o amadurecimento e isto é mais notável nas etapas inicias do desenvolvimento quando as densidades são elevadíssimas e um aumento no diâmetro representa a morte de um grande número de árvores. Menezes (1995) afirma ainda que um mangue maduro consiste de uma mistura de Rhizophora e Avicennia, com poucas árvores de L. racemosa. O que se verifica em Saubara é exatamente o aumento do D.M. e da A.B., comprovando seu maior desenvolvimento à medida que se distancia do apicum. O grande número de espécimes jovens (H<1,0m) indica que na transição apicum-manguezal está havendo “tentativa” de colonização por L. racemosa, ainda é limitada pela elevada salinidade. A partir desses dados, pode-se concluir que a área estudada em Saubara representa um bosque jovem, cujo desenvolvimento deve ser acompanhado, juntamente com estudos sobre a salinidade local. Referências BERNINI E., REZENDE C. E. 2004. Estrutura da vegetação em florestas de mangue do estuário do rio Paraíba do Sul, Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Acta bot. bras., 18: 491-502. HADLICH, G. M.; UCHA, J. M.; CELINO, J. J. 2008. Apicuns na Baía de Todos os Santos: distribuição espacial, descrição e caracterização física e química. In: QUEIROZ, A. F. de S.; CELINO, J. J. (Org.). Avaliação de ambientes na Baía de Todos os Santos: aspectos geoquímicos, geofísicos e biológicos. Salvador: Editora da Universidade- UFBA. p. 59 – 72. MENEZES, ARMANDO PEREIRA; UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. 1995. Análise da estrutura vegetal e obtenção de equações de biomassa, com base nas espécies Avicennia schaueriana, Laguncularia racemosa e Rhizophora mangle, nos mangues do Pati e Jeribatuba - Baía de Todos os Santos-Ba. Dissertação de Mestrado, Curso de Pós-Graduação em Ecologia. UFBA, Salvador. NASCIMENTO F. G. A. 2007. Desenvolvimento estrutural e padrão de zonação dos bosques de mangue no rio Ariquindá, Baía de Tamandaré, Pernambuco, Brasil. Dissertação de Mestrado, Curso de Pós-Graduação em Oceanografia Biológica. UFPE, Recife. PELLEGRINI, J. A. C. 2000. Caracterização da planície hipersalina (apicum) associada a um bosque de mangue em Guaratiba, Baía de Sepetiba, RJ. Dissertação de Mestrado, Curso de Pós-Graduação em Oceanografia Biológica. USP, São Paulo. SCHAEFFER-NOVELLI, Y; CITRÓN, G.1986. Guia para estudos de áreas de manguezal, estrutura, função e flora. São Paulo: Caribbean Ecological Research. 150p. + 3 apêndices. Figura 1. Vista geral da área de transição apicum – manguezal em Saubara, Bahia. A.B. por espécie e total 6 35 30 25 20 15 10 5 0 5 A.B. (m²/ha) N° indiv (mil/ha) N° ind/ha por classe de D.A.P. 3 2 1 0 1 <=1,0 4 2 1,0<=2,5 3 4 5 Segmento 2,5<=5,0 5,0<=10,0 6 >10,0 1 2 A. schauerianna L. racemosa 5 6 R. mangle total N° ind/ha com H<1,0m 3 120 2 100 N° indiv (mil/ha) D.M. (cm) D.M. 3 4 Segmento 2 1 1 0 80 60 40 20 0 1 2 3 4 Segmento 5 6 1 2 3 4 5 Segmento A. schauerianna L. racemosa R. mangle 6 Ind. mortos Figura 2. Número de indivíduos por classe de DAP, área basal (A.B.), diâmetro médio (D.M.) e número de plantas com altura inferior a 1,0 m (H<1,0m; em mil indivíduos), por hectare.