expressões idiomáticas com o verbo dar + sintagma nominal

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II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA
XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA
EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS
COM O VERBO DAR + SINTAGMA NOMINAL:
NÃO SÃO CONSTRUÇÕES COM VERBO LEVE
Fernanda Lellis Fernandes (UFMG)
[email protected]
RESUMO
Essa pesquisa investigou, em uma visão sincrônica, as expressões idiomáticas com
o verbo DAR + sintagma nominal, com o objetivo de identificar se tais expressões são
construções com verbo leve. Tendo como objeto de análise cinquenta ocorrências do
português brasileiro, com a produtividade testada através de vinte informantes nativos, constatou-se que as expressões idiomáticas com o verbo DAR + sintagma nominal
não são construções com verbo leve. Essa constatação foi baseada através das noções
de composicionalidade, integridade lexical, síntese da construção através de um verbo
significativo, incorporação do sintagma nominal ao verbo sintetizado e valor semântico do verbo DAR.
Palavras-chave: Expressões idiomáticas. Verbos leves.
Verbo DAR. Gramática de construções.
1.
Considerações iniciais
Definidas como uma das manifestações mais relevantes das potencialidades criadoras de uma língua, as expressões idiomáticas têm figurado como tema de um número considerável de estudos linguísticos.
Contudo, a maioria dos trabalhos aborda questões do ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Diante a produtividade desse fenômeno linguístico, limitar os estudos das expressões idiomáticas ao ensino de estrangeiros é deixa-las às margens das possibilidades da pesquisa do sistema da língua.
Por fazerem parte da comunidade linguística e serem expressas no
conceito do coletivo, as expressões idiomáticas também devem ser estudadas a partir do uso dos falantes nativos. Dentro dessa visão, essa pesquisa buscou identificar, em uma perspectiva sincrônica, se as expressões
idiomáticas com o verbo DAR + sintagma nominal são construções com
verbo leve. Conhecer as propriedades das expressões idiomáticas do português brasileiro é iniciar o processo de retirada dessas estruturas de situações marginais da pesquisa linguística.
As expressões idiomáticas são um bloco de palavras que, quando
usadas juntas, têm um significado diferente do que teriam se o significaterminologia e semântica. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2016
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do de cada palavra fosse tomado individualmente. Dentre essas expressões destacam-se as formadas com o verbo DAR + sintagma nominal,
objeto desse estudo.
Também são produtivas em nossa língua as construções com verbos leves. Esses verbos são semanticamente vazios e geralmente se associam a um elemento nominal, responsável pelo significado principal da
construção.
Assim, constituiu-se como objetivo dessa pesquisa traçar as características gerais das expressões idiomáticas e das construções com verbos
leves para posteriormente identificar se as expressões idiomáticas com o
verbo DAR + SN são construções com verbo leve. Essa identificação foi
baseada nas noções de composicionalidade, integridade lexical, síntese
da construção através de um verbo significativo, incorporação do sintagma nominal ao verbo sintetizado e valor semântico do verbo DAR.
Para isso, o artigo foi dividido em cinco partes. Nas três primeiras, foram apresentadas breves considerações teóricas relativas ao conceito de expressões idiomáticas, construções com verbos leves e uso canônico bitransitivo do verbo DAR. Na quarta parte, tem-se a descrição da
metodologia adotada para a pesquisa. E na quinta parte, foram apresentados a discussão dos dados e o resultado da pesquisa.
2.
Expressões idiomáticas
Definir o conceito de expressões idiomáticas não é simples, pois
há uma diversidade terminológica para esse termo: idiotismo, frases feitas, idiomaticidade, clichês, não composicional e outros. Além da própria
dificuldade de limitar o padrão de regularidade dessas construções e a
necessidade de diferenciá-las das gírias.
A numerosa ocorrência das expressões idiomáticas no Português
Brasileiro demostra que elas são produtivas e não devem ser tratadas como um “apêndice da gramática”. Lúcia Fulgêncio (2008, p. 28) diz que
“não seria adequado desprezar a evidência de que o falante utiliza construções cristalizadas e desconsiderá-las na descrição do sistema da língua, relegando-as a situações marginais”. Afinal, elas fazem parte da cultura e das convenções sociais dos falantes de uma língua. É importante
ressaltar que a ocorrência das expressões idiomáticas também acontece
em contextos de uso da língua padrão, como textos jornalísticos e obras
literárias.
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Charles J. Filmore, Paul Kay e Mary Catherine O’Connor (1988)
defendem que as expressões idiomáticas são construções interpretadas
pela comunidade linguística, expressa no conceito do coletivo. Para ter
domínio do uso de tais expressões é necessário conhecer a pragmática da
construção, não bastando apenas conhecer a língua. Elas são armazenadas na memória do falante através de experiências adquiridas, assim tornam-se fluentes e espontâneas. E para compreender as expressões idiomáticas, o falante não procura o significado de cada palavra isolada, mas
absorve o bloco inteiro, resgata a estrutura já pronta na memória.
As construções em questão muitas vezes não obedecem às regras
sintáticas e semânticas. Várias sentenças com o verbo DAR + SN, por
exemplo, não possuem regência verbal bitransitiva regular e nem carregam o significado prototípico de movimento (mudança de localização de
uma entidade), como se observa na construção:
“Acho que, como eu, tinha muita gente com o mesmo sentimento.
Me deu um nó na garganta”. (Estadão, 27/09/2006)
Exemplo 1
O processamento semântico de ‘deu um nó na garganta’ seria
comover, uma vez que a geração do significado não é determinada por
cada palavra, e sim por todo o grupo. Há uma idiossincrasia semântica,
pois fora dessa construção ‘nó’ jamais seria encontrado com esse sentido,
e nem seria aceitável a produção ‘nó na garganta’.
Maria Auxiliadora da Fonseca Leal e Soélis Teixeira do Prado
Mendes (2006) afirmam que as expressões idiomáticas são formadas por
um conjunto de palavras que não possuem um significado isolado, mas
na expressão, como um todo, adquirem um sentido.
O entendimento adotado de expressões idiomáticas no presente
estudo é o conceito de Collins Harper (2003, p. V):
Uma expressão idiomática é um tipo especial de sintagma. É um grupo de
palavras que, quando usadas juntas, têm um significado diferente do que teriam se o significado de cada palavra fosse tomado individualmente. Se não se
sabe que as palavras têm um significado especial juntas, pode-se interpretar
incorretamente o que está sendo dito.
3.
Construções com verbos leves
Os chamados verbos leves são aqueles semanticamente vazios,
que, em geral se associam a um elemento nominal, responsável pelo sigterminologia e semântica. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2016
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nificado principal da sentença. Em regra, os verbos leves incorporam os
objetos e a construção tem como resultado um único verbo significativo.
Não se pode dizer, que o verbo leve seja totalmente desprovido de
propriedades predicativas, mas é imprescindível ressaltar a participação
fundamental das nominalizações na formação dessas sentenças.
As construções com o verbo leve DAR são muito frequentes no
português brasileiro, e assim como nas expressões idiomáticas, o verbo
DAR não carrega o significado de transferência de posse de um dado objeto para um determinado alvo, característica presente na interpretação
das sentenças bitransitivas prototípicas.
Nesse esvaziamento semântico do verbo DAR, pode-se identificar
o processo de gramaticalização, como definido por Sueli Maria Coelho e
Silmara Eliza de Paula Silva (2014, p. 29):
A gramaticalização é um processo de mudança linguística por meio do
qual uma forma lexical perde propriedades de significação externa devido a
alterações semânticas que sofre no curso da língua e, a partir de relações sintagmáticas que estabelece em determinados contextos, assume propriedades
de significação interna, tornando-se, assim forma gramatical.
Ana Paula Scher (2004) propõe uma forma geral para construções
com o verbo leve DAR: verbo dar + uma nominalização em –ada (forma
geral: dar uma Xada em Y)48. Como segue o exemplo:
“O Parque do Ibirapuera tem mais de cinquenta anos, é muito bem cuidado, arborizado e ótimo para dar uma caminhada no início do dia” (Revista Veja, 16/10/2009).
Exemplo 2
Não há nada no significado de ‘dar uma caminhada’ que remeta o
uso canônico bitransitivo de DAR. No exemplo, o verbo DAR incorpora
o objeto ‘caminhada’ e a construção tem o significado de caminhar.
Apesar das construções com o verbo leve DAR terem a mesma
forma superficial das sentenças bitransitivas do Português Brasileiro, elas
não possuem as mesmas propriedades aspectuais, temáticas ou de subcategorização.
Ao observar as construções com verbo leve DAR do Português Brasileiro, sugiro a forma geral:
verbo DAR + uma + nominalização em -ADA/-IDA. Exemplos: dar uma trabalhada, dar uma dormida.
48
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4.
Uso canônico bitransitivo do verbo dar
O verbo DAR prototípico é aquele tratado como predicador nos
dicionários e nas gramáticas tradicionais. É um elemento que contém
comportamento lexical na construção e é o responsável pela atribuição de
papel temático aos argumentos.
Geralmente, autores de gramáticas normativas conceituam o verbo a partir do aspecto morfológico e, principalmente, do aspecto semântico. Quanto ao aspecto sintático, essa classe é pautada como possuidora
da função obrigatória de predicação. Ignora-se, no entanto, a função de
núcleo do elemento nominal em construções perifrásticas cujos nomes
não são predicativos do sujeito, mas auxiliam o verbo a selecionar argumentos.
Domingos Paschoal Cegalla (2008) classifica o verbo DAR, quanto à conjugação, como verbo irregular, isto é, aquele que sofre alteração
no radical ou nas terminações, afastando-se do paradigma. Quanto à regência verbal, canonicamente, o termo é bitransitivo, ou seja, verbo que
seleciona dois argumentos internos (um complemento direto e outro preposicionado), atribuindo um papel temático a cada um deles.
O verbo DAR canônico denota movimento, pois expressa mudança de localização de uma entidade, conforme ilustra o exemplo:
“Maduro dará armas a dois milhões de operários na Venezuela” (O Globo, 24/05/2013)
Exemplo 3
Observou-se que grande parte das gramáticas 49 de orientação tradicional não considera outra categoria para o verbo DAR que não seja a
de verbo principal nas estruturas DAR + SN. Diferentemente do que se
reconhece em obras de orientação teórico-descritiva e pesquisas linguísticas que consideram a possibilidade de DAR apresentar um comportamento mais gramatical, a categoria de verbo suporte, que revela valores
diferentes do transferencial prototípico.
O estudo de Sueli Maria Coelho e Silmara Eliza de Paula Silva
(2014, p. 39) comprova que o processo de gramaticalização do verbo
DAR vem acontecendo desde o século XX, passando de predicador a auxiliar (processo semântico de abstração), o que teve reflexos tanto no léGramáticas consultadas: Evanildo Bechara (1999), Domingos Paschoal Cegalla (2008), Carlos
Henrique da Rocha Lima (1992).
49
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xico quanto na gramática. As autoras afirmam que “no plano do léxico,
provocou o surgimento de verbos leves, de expressões idiomáticas e de
mesoconstruções”.
5.
Descrição da metodologia adotada
O estudo foi baseado em uma pesquisa sincrônica, que, como define Lúcia Fulgêncio (1998, p. 17), tem o objetivo linguístico de “descrever a competência que o falante nativo tem da língua, ou seja, aquilo que
ele sabe sobre a sua língua e que lhe permite atuar com eficiência na comunicação”.
Como o objetivo do estudo era identificar se as expressões idiomáticas com o verbo DAR + SN são construções com verbo leve, inicialmente foi preciso selecionar um número expressivo dessas sentenças.
Diante o grande número de expressões idiomáticas com tais características no português brasileiro, optou-se por separar cinquenta ocorrências
produtivas. As expressões idiomáticas selecionadas foram retiradas da internet, da observação de programações televisivas e ainda da pesquisa no
meio social. Para confirmar se as construções eram produtivas 50, foi aplicado um questionário a vinte informantes.
Os informantes foram selecionados aleatoriamente, necessário
apenas o fato de serem falantes nativos do português brasileiro. Não
houve preocupação com idade, classe social, escolaridade ou outro fator
determinante.
O questionário aplicado solicitava ao informante que sintetizasse
as expressões idiomáticas com o verbo DAR + SN em apenas um verbo,
ou em um verbo diferente de DAR + complemento. As construções foram organizadas em uma tabela, para, a partir das respostas, observar a
produtividade das expressões diante dos significados apresentados.
A aplicação do questionário também objetivou analisar se o falante nativo do português brasileiro consegue resumir as construções selecionadas em um único verbo, e, se esses trazem a significação do objeto,
como acontece com o verbo leve.
Por produtividade, nesse trabalho, adotou-se a visão semântica e a experiência de significado dos
informantes, não a frequência.
50
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A tabela a seguir apresenta as cinquenta expressões idiomáticas
com o verbo DAR + SN selecionadas para o estudo:
Dar a luz
Dar as caras
Dar as mãos
Dar bobeira
Dar cabo
Dar com a língua nos dentes
Dar com os
burros n´água
Dar conta
Dar corda
Dar crédito
Dar de bandeja
Dar de cara
com
Dar de mão
beijada
Dar de cima
de
Dar linha
Dar mole
Dar o braço a
torcer
Dar o cano
Dar pé
Dar o golpe
Dar pitaco
Dar o grito
Dar piti
Dar o tombo
Dar o troco
Dar pra trás
Dar rolo
Dar no coro
Dar o tumé
Dar no pé
Dar pano pra
manga
Dar patada
Dar tempo ao
tempo
Dar tilte
Dar nos nervos
Dar o bolo
Dar pau
Dar pepino
Dar trégua
Dar trela
Dar um basta
Dar um fora
Dar um nó
na garganta
Dar um pito
Dar um rolé
Dar um tempo
Dar um toque
Dar uma colher de chá
Dar uma
mão
Dar zebra
Tabela 4: Expressões idiomáticas com verbo DAR + SN selecionadas
Constituído o corpus da pesquisa, passou-se à análise dos dados,
observando as características padrões das expressões idiomáticas e das
construções com verbos leves. Tal observação foi baseada no referencial
teórico apresentado.
6.
Apresentação e análise de dados
Como definido anteriormente, por produtividade, adotou-se a visão semântica e a experiência de significado que cada falante tem das expressões idiomáticas. Os dados apontaram que as expressões idiomáticas
como verbo DAR + SN selecionadas são produtivas no português brasileiro:
Todos os informantes identificaram 62% das construções apresentadas; e as que não mostraram a totalidade de reconhecimento tiveram
um número muito baixo de indivíduos que desconheciam o significado
das ocorrências51. Em quatorze expressões idiomáticas, todos os falantes
apresentaram um significado idêntico, sintetizando da mesma forma tais
51
Exceto a expressão ‘dar o tombo’ que não foi reconhecida por sete informantes.
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construções, como por exemplo: ‘dar o grito’, ‘dar nos nervos’ e ‘dar
um rolé’.
Figura 1: Produtividade das expressões idiomáticas com o verbo DAR + SN
Diante esses dados, as expressões idiomáticas não devem ser vistas como um apêndice da gramática, pois têm um caráter produtivo na
língua. Elas fazem parte da cultura e do inventário de conhecimento de
uma comunidade linguística. O estudo mostrou que as construções escolhidas são conhecidas e utilizadas pelos falantes nativos da língua e por
isso seu estudo não deve ser ignorado.
Confirmada a produtividade, passou-se a detectar se as características gerais das construções com o verbo leve estão presentes nas expressões idiomáticas com o verbo DAR + SN.
Em primeiro lugar observou-se a noção de composicionalidade,
que é a possibilidade de se deduzir o significado de uma sequência a partir dos significados dos componentes. Ana Paula Scher (2004, p. 94)
afirma que nas construções com verbo leve “cada um de seus elementos,
portador de informações relevantes para a interpretação do composto,
participa ativamente da composição do significado resultante da combinação desses elementos”.
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Essa propriedade não pode ser identificada nas expressões idiomáticas escolhidas para esse trabalho. Em construções como ‘dar patada’, ‘dar linha’ e ‘dar de bandeja’ não se pode dizer que os significados
das partes das expressões linguísticas levarão ao significado do todo representado por essas construções. Sendo idiossincráticas, cada uma delas
poderá assumir significados imprevisíveis.
Outro resultado, retirado da análise do corpus, foi o fato de uma
expressão idiomática poder ser identificada como uma integridade lexical. Através das construções analisadas, pode-se afirmar que uma expressão idiomática não pode ser alterada ou ter uma palavra sinônima substituída na sua composição original. Elas são caracterizadas pela maneira
como se comportam nas línguas, com sua composição fixa. Por exemplo,
na expressão idiomática ‘dar as caras’, com o significado final de encontrar, não se pode substituir o componente ‘caras’ por ‘rostos’ ou ‘faces’.
O mesmo acontece com a construção ‘dar o golpe’, na qual ‘golpe’ não
pode ser substituído por ‘pancada’ ou ‘batida’ com o sentido de enganar.
A integridade lexical não pode ser observada nas construções com
verbos leves, pois essas não são limitadas e podem ser criadas a todo
momento, dependendo da necessidade do falante e do contexto em que
estão inseridas. Sentenças como ‘dar uma olhada’ e ‘dar uma espiada’
apresentam o mesmo significado final de olhar, o que prova que as construções com verbos leves não possuem composição fixa (é possível substituir por sinônimos).
Outra característica dos verbos leves é o fato de incorporarem os
objetos e a construção ter como resultado um único verbo significativo.
Tal regra foi analisada nas expressões idiomáticas estudadas e, apesar de
84% das construções apresentadas aos informantes terem sido resumidas
em um único verbo, nenhuma das cinquenta selecionadas incorpora o
significado do sintagma nominal no resultado final da construção.
Os informantes não conseguiram resumir algumas expressões como ‘dar com a língua nos dentes’, ‘dar de mão beijada’, ‘dar com os
burros n´água’ e ‘dar trela’ em um único verbo. E nas expressões que
essa síntese foi possível, o significado do sintagma nominal não foi incorporado, como segue a tabela de exemplos:
Expressão Idiomática
dar conta
dar o troco
dar o grito
Significado apresentado pelos informantes
conseguir (e não contar)
vingar (e não trocar)
reivindicar (e não gritar)
Tabela 5: Significado de expressões idiomáticas
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Quanto ao significado do verbo DAR, assim como nas construções com o verbo leve, o verbo DAR das expressões idiomáticas não carrega o significado de transferência de posse de um dado objeto para um
determinado alvo, característica presente na interpretação das sentenças
bitransitivas prototípicas.
Porém, pode-se observar uma escala semântica com as construções com o verbo DAR no Português Brasileiro, sendo que as construções com verbos leves são mais transparentes semanticamente que as expressões idiomáticas. Assim, em um continuum, as construções bitransitivas prototípicas do verbo DAR apareceriam em uma extremidade, e as
expressões idiomáticas com o verbo DAR + SN em outra. As construções com verbo leve DAR estariam no meio do continuum, por serem,
em termos semânticos, menos transparentes que as primeiras e mais que
as últimas.
Figura 2: Continuum semântico
7.
Considerações finais
Com o objetivo de analisar se as expressões idiomáticas com o
verbo DAR + sintagma nominal são construções com verbos leves, foi
desenvolvido um estudo de natureza sincrônica, tendo como corpus cinquenta expressões idiomáticas retiradas da internet, da observação de
programações televisivas e ainda da pesquisa no meio social. A produtividade das ocorrências foi testada a partir da aplicação de questionários a
vinte informantes falantes nativos do português brasileiro.
As análises empreendidas levam-me a concluir que as expressões
idiomáticas com o verbo DAR + SN não são construções com verbos leves. Essa constatação pode ser confirmada pelo fato das expressões idiomáticas não possuírem a propriedade da composicionalidade, presente
nas construções com verbos leves. Também foi revelado no estudo que,
diferentemente das construções com verbos leves, as expressões idiomáticas possuem integridade lexical e por isso não podem ser alteradas ou
terem palavras substituídas em sua composição original. Observou-se
ainda que as expressões idiomáticas com o verbo DAR + SN quando resumidas em um verbo não incorporam o significado dos sintagmas no258
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minais, característica presente nas construções com verbos leves. E para
solidificar ainda mais o estudo, foi apresentado um continuum semântico
do verbo DAR no qual as construções com verbos leves e as expressões
idiomáticas com verbos DAR + SN não ocupam a mesma posição.
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