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III ENCONTRO DA ANPPAS
23 a 26 de maio de 2006
Brasília, DF
Cidade Comprada Vs. Cidade Vendida: o Marketing
Territorial em Tiradentes, MG.
Ângelo Benjamim Costa Tadini Júnior – PUC/PR
Fábio Duarte de Araújo Silva – PUC/PR
Leonardo Oba – PUC/PR
O estudo, fundamentado nas premissas teóricas sobre marketing territorial e turismo, procurou
analisar as estratégias e ferramentas de gestão para o desenvolvimento local da cidade de
Tiradentes-MG. O município foi escolhido por possuir importantes experiências com a aplicação
do conceito de marketing e também por vislumbrar um desenvolvimento local através das
atividades relacionadas com o turismo. Assim, busca-se analisar a importância e as
conseqüências da aplicação de estratégias mercadológicas para o referido município e a sua
diferenciação frente a outros destinos com a mesma vocação. A presente pesquisa visou delinear
pontos de convergência e conflitos inerentes às políticas, estratégias e ações empreendidas nesta
localidade, tendo como ponto focal perceber se as ferramentas de marketing têm contribuído para
o desenvolvimento local da cidade ou, ao contrário, tem encoberto a realidade da cidade a partir
de uma promoção falsa. Para isto, os procedimentos metodológicos envolveram o levantamento
bibliográfico, a pesquisa qualitativa e a observação participante visando conhecer a realidade do
ambiente da cidade pesquisada.
1. Um novo contexto, uma nova realidade: os novos instrumentos do desenvolvimento local
O turismo, quando desenvolvido de forma planejada, estratégica e participativa pode
proporcionar benefícios a uma região e a sua comunidade, se apresentando como uma atividade
geradora de divisas e distribuidora de renda, movimentando vários setores da economia, criando
oportunidades de emprego, melhorando a qualidade de vida da população local, além de
promover o intercâmbio cultural e estimular a preservação e conservação do patrimônio
histórico-artístico-natural.
Segundo Coriolano (2003), em algumas comunidades, o turismo tem sido um dos vetores
do desenvolvimento local, porque oferece oportunidade de emprego para muitas famílias,
conseguindo criar um ambiente de qualidade para as pessoas que ali vivem e trabalham.
Os grupos locais identificam seus problemas coletivos, buscam soluções, avaliam
alternativas, exigem infra-estrutura, defendem o meio ambiente e promovem programas para
melhorar a educação, fortalecer a cultura local e produzir riqueza de forma cooperativa e
associativa (DOWBOR, 1998).
Em virtude desses benefícios, muitas localidades passaram a considerar a atividade
turística uma alternativa eficaz ao desenvolvimento local. No entanto, o desenvolvimento
turístico é uma expressão que inclui não apenas destinos, origens, motivações e impactos, mas
também as ligações complexas existentes entre todas as pessoas e instituições envolvidas neste
processo. Por esse motivo, tal processo deve ser acompanhado de um trabalho integrado de
planejamento,
adotando-se
estratégicas
mercadológicas
e
participativas,
voltadas
ao
envolvimento da comunidade local, a fim de respeitar suas características e peculiaridades,
agregando valor à produção comunitária.
Uma vez que a nova gerência pública se faz através de “um governo que coloque os
usuários em primeiro lugar” (JONES; THOMPSON, 2000, p.41), pensar e intervir
estrategicamente nas cidades é criar um ambiente competitivo, com intuito de melhorar a
qualidade de vida da população local. Para isto, os novos gestores públicos têm se utilizado de
inúmeras ferramentas que agreguem competitividade com responsabilidade social.
Segundo Argiles (2003), a simples reprodução de modelos e práticas aplicadas no meio
urbano, desconsiderando a singularidade que representa o fenômeno urbano, devido ao complexo
número de aspectos ― econômicos, sociais, ambientais, políticos, culturais e tecnológicos, que
engloba, incorreu em muitos resultados adversos. Ainda segundo a autora, o planejamento
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urbano modernista/funcionalista tido como paradigma de desenvolvimento a partir dos anos 60,
praticamente em todo mundo, teve seus impactos amplamente criticados justamente por não
considerar suficientemente as particularidades de cada realidade onde foram implantados.
A nova realidade que se perfila, baseado no modelo de produção capitalista, procura
conceber as cidades de uma maneira abrangente, e não mais como uma “aldeia isolada”. As
cidades têm que se tornar profissionais na busca de novos mercados através do desenvolvimento
sustentado de seus produtos/serviços.
Nesta última fase avançada do capitalismo, vê-se que as cidades assumem a disputa
declarada para se tornarem espaços atraentes do capital transnacional e produtivos/estruturais.
No novo cenário mercadológico que se descortina, a “mercantilização” do espaço (VAINER,
2002, p. 98) é um dos mais recentes fenômenos que se sucedem no ambiente urbano. Seja para
indústrias, capital estrangeiro, setor terciário ou pessoa física, os espaços da cidade estão à
venda, tornando-se inconcebível a idéia romântica de que as cidades têm a única função de ser
um lugar apenas de convivência, de moradia.
Segundo Cidrais (1998) nos últimos anos houve um crescimento assinalável da
pertinência das questões da gestão estratégica dos territórios nas suas múltiplas dimensões. Por
essa via, procuram-se soluções e modelos muito variados de promoção do desenvolvimento. Esta
procura passa pela utilização de novas ferramentas e instrumentos, como os modelos de
administração mercadológica, as metodologias participativas, pela constituição de novos
enquadramentos legais e institucionais e, entre outras, pela utilização de novas ópticas de
abordagem do problema. Ainda segundo o autor, nesta perspectiva, os atores de desenvolvimento
têm procurado novos modelos de raciocínio e novas práticas de atuação.
Em consonância, pode-se afirmar que a parceria entre o poder público e o setor privado
criou uma nova perspectiva para a cidade onde esta transpõe a finalidade de “lugar de consumo”
para “produto de consumo”. Neste novo paradigma, para proporcionar uma melhor qualidade de
vida para a sua população, a cidade necessita se vender, o que causa profundo descontentamento
entre urbanistas e teóricos, mais conservadores. No entanto, “a mercadotecnia da cidade, vender a
cidade, converteu-se em uma das funções básicas dos governos locais”, (BORJA & FORN, 1996,
p.33) e é talvez uma das mais populares convicções dos neoplanejadores, sendo cada vez mais
uma forma específica e determinante do processo de planejamento e gestão de localidades, que
tem como finalidade o desenvolvimento local.
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Resistência
ou
o
confronto
com
agentes
externos
(administração
superior,
multinacionais), definição de produtos para venda e/ou produção (promoção turística, oferta
cultural), campanhas baseadas na cooperação público-privada (imagem, reabilitação urbana),
grandes projetos de desenvolvimento urbano vinculados a um evento, e mobilização sóciopolítica são questões inerentes às cidades do século XXI (BORJA; CASTELLS, 1997).
Em um mundo povoado de cidades e vilas, os locais assumem uma crescente importância
econômica, política e cultural e um papel ativo na defesa dos seus interesses. A dinamização da
ação das cidades e regiões, no contexto da globalização econômica e no processo da integração
intensiva e extensiva associada à construção do Mercado Único, prende-se ao movimento de
competição global e ao de políticas de desenvolvimento local, onde o marketing se apresenta
como importante ferramenta (DUNFORD et al., 1992).
2. Cidade comprada vs. Cidade vendida: o marketing territorial
Todas as organizações (inclusive as cidades) estão susceptíveis, em maior ou em menor
grau, às condições ambientais. Um dos principais componentes do ambiente são os clientes e suas
expectativas frente às possibilidades organizacionais. Tem-se assistido nos últimos anos uma
elevação dos níveis de exigência dos clientes inversamente proporcional às barreiras de entrada
em mercados e às barreiras de mobilidade, favorecendo as escolhas e o aumento do poder de
barganha dos mercados consumidores. Tudo isso ocorre em velocidade sem precedentes.
Neste contexto, as atividades de marketing possuem lugar especial nas operações
organizacionais. Independentemente do tipo de organização, as atividades de marketing tornamse importantes em atrair e reter clientes (turistas, cidadãos), contribuindo em proporcionar uma
posição privilegiada dentro de contextos competitivos.
Não diferente das organizações empresariais, as cidades inseridas dentro deste novo
arranjo produtivo, precisam se adaptar às estratégias mercadológicas, já existentes, e criar novas
formas de aplicabilidade.
O marketing territorial transforma-se na análise, planificação, execução e controle de
processos concebidos pelos “atores” de um território (COSTA; CRESCITELLI, 2003). É
concebido de modo harmônico e institucionalizado, que tenta, por um lado, dar respostas às
necessidades e expectativas dos cidadãos e entidades locais, promovendo a preservação do
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ambiente e, por outro, melhorar a qualidade e a competitividade global da cidade no seu
ambiente “concorrencial” promovendo, desta forma, o desenvolvimento local.
Para Sanchez e Moura (1999), o citymarketing, ou marketing de cidades, é muito mais do
que um procedimento específico para ser aplicado em situações particulares. É mais do que
qualquer outro instrumento disponível nas novas políticas urbanas. Ele constitui-se na orientação
da política urbana à criação ou ao atendimento das necessidades do consumidor, seja este
empresário, turista ou o próprio cidadão.
A emergência e a ascensão do marketing na esfera das políticas urbanas na virada do
século indicam também o surgimento de uma nova ideologia do planejamento e ação, uma nova
visão de mundo que se impõe na orientação dessas políticas.
Durazo (1997, p.51) vai além, e argumenta sobre a interface entre o conceito de
sustentabilidade e cidade-empresa.
Não podemos deixar de associar à noção de sustentabilidade urbana a estratégias de implementação da
metáfora cidade-empresa, que projetam na ‘cidade sustentável’ alguns dos supostos atributos da atratividade
de investimentos, no contexto da competição global. Conduzir as cidades para um futuro sustentável
significa nesse caso promover a produtividade no uso dos recursos ambientais e fortalecer as vantagens
competitivas. Com maior ou menor vinculação às perspectivas de planejamento ‘empresarial’ das cidades, a
noção de sustentabilidade oferecerá a oportunidade para a legitimação de uma ecocracia emergente,
favorecida em particular pela criação de novas instâncias governativas e regulatórias voltadas para o
tratamento da questão ambiental em geral e ambientalmente urbana, em particular.
Para Cidrais (1998) perguntas como: o que fazer para dinamizar o tecido produtivo local;
como valorizar a identidade local e promover dinâmicas territoriais de desenvolvimento; como
criar as condições internas para a afirmação e emancipação territorial; o que fazer para melhorar a
qualidade de vida das localidades; como se pode transformar os recursos imateriais do território
em mais-valias para o desenvolvimento; como tornar visíveis os aspectos positivos do território;
são questões que devem ser freqüentes para os gestores das cidades que desejam unir turismo e
marketing. A resposta para estas perguntas, ou, a criação de ferramentas para responderem estas
perguntas é o que dará legitimidade na concepção de um turismo sustentável e lucrativo.
Vainer (2002), um crítico declarado da ideologia da cidade mercado, concorda que “não
há como desconhecer a centralidade da idéia de competição entre cidades no projeto teórico e
político do planejamento estratégico” (VAINER, 2002, p.99). É a constatação da competição
entre cidades que irá autorizar a migração do modelo estratégico do mundo das organizações para
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o universo urbano, inserindo as cidades no ambiente das empresas competitivas, autorizando o
emprego do marketing urbano.
Vale esclarecer, todavia, que a simples transposição de tecnologia gerencial pode levar a
equívocos e distorções quando se trata da administração pública e de seu compromisso com o
bem-estar social. O Estado constitui um ator de alta relevância em uma esfera que representa o
espaço de interesse coletivo – a pública. A ele cabe a responsabilidade, intransferível, de
assegurar a prevalência do interesse de todos e do bem-estar geral, sobre os interesses privados
(CARVALHO, 2004).
O que se faz necessário é identificar qual o verdadeiro papel a ser desempenhado pelas
políticas de marketing urbano junto aos processos materiais de renovação espacial que tem dado
emergência a este novo espaço, e ao mercado mundial de cidades.
Uma crítica que deve ser feita é a respeito da possível “pasteurização” e homogeneização
das cidades, a ponto de serem “vendidas” de modo semelhante. A década de 90, que pode ser
considerada o marco temporal para a passagem do espaço-mercadoria à cidade mercadoria,
naturalmente, utilizou-se deste artifício, principalmente, através de seus modelos, Curitiba e
Barcelona, importantes fontes de estudo de caso.
A city se opõe a polis, o mercado subordina, quando não elimina, a ágora. Barcelona, Curitiba, cidadesimagem, imagens de cidade, nos falam muito mais do mercado do que da vida urbana, muito mais dos
negócios do que dos citadinos – estes mesmos cada vez menos cidadãos, cada vez mais acionistas da
empresa cidade ou consumidores da mercadoria cidade (SANCHES, 2003, p.20).
Mas do que isso nota-se que o marketing de cidades, ou marketing público, tem sido
destorcido para uma espécie de marketing político. Muitas vezes, tanto o marketing territorial
quanto o turismo tem sido utilizado de forma desvirtuada servindo muito mais como uma
estratégia política do que propriamente uma ferramenta de dinamização local.
Para angariar votos e mídia, prefeitos e governadores têm escondido as mazelas de
muitos e mostrado apenas o desenvolvimento de poucos. Esconde-se a realidade da cidade,
camuflando seus problemas sociais, culturais, ambientais e econômicos, como se fossem
“cidades-modelo”.
Segundo Sanchez (2001), as chamadas “cidades-modelo” são imagens de marca
construídas pela ação combinada de governos locais, junto a atores hegemônicos com interesses
localizados, agências multilaterais e redes mundiais de cidades. A partir de alguns centros de
decisão e comunicação que, em variados fluxos e interações, parecem conformar um campo
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político de alcance global, os atores que participam desse campo realizam as leituras das cidades
e constroem as imagens, tornadas dominantes mediante estratégias discursivas, meios e
instrumentos para sua difusão e legitimação em variadas escalas.
No entanto, é necessário esclarecer que aqui a proposta de citymarketing transpõe a idéia
de estratégia promocional de cidades. Na presente pesquisa, na cidade de Tiradentes, o marketing
de cidades será abordado através de inúmeras variáveis (formatação de produto, desenvolvimento
sócio-cultural, preservação ambiental, dinamismo econômico, distribuição de renda) encarado
como o principal vetor do desenvolvimento de estratégico territorial e também de
desenvolvimento local.
3. Tiradentes, MG: cidade comprada é cidade vendida.
A partir das premissas teóricas sobre marketing e desenvolvimento local procurou-se
desvendar a realidade do processo de implantação e desenvolvimento do turismo na cidade de
Tiradentes-MG.
Procurou-se desvendar se a hipótese se as ações de citymarketing implantadas na cidade
de Tiradentes implicavam em dinamização social, cultural, ambiental e econômica.
Foi realizada uma pesquisa teórico-empírica, fundamentada na busca de fatos
documentais sobre o processo, cedidos pela Secretaria Municipal de Turismo, bem como a
realização de entrevistas com os principais atores responsáveis pela atividade turística em
Tiradentes.
3.1Contextualização
Assim como grande parte das cidades mineiras, surgidas durante o século XVIII,
Tiradentes se estruturou através da exploração aurífera. A cidade foi fundada em 1702, com o
nome de Arraial de Santo Antônio.
O desenvolvimento local se dá de forma rápida devido a grande quantidade de ouro
encontrado na região. Em 1718 a localidade é elevada à categoria de vila e passa a se chamar Vila
de São José Del Rei, homenageando o príncipe D. José. Nesse período, início do século XVIII, é
encontrado uma grande quantidade de ouro de superfície na cidade, (Tiradentes destacou-se como
uma das cidades com o maior quantidade de ouro de superfície do Brasil), o que possibilitou
grande parte das edificações da cidade como os casarios e as edificações religiosas, destacando-se
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a Igreja Nossa Senhora do Rosário, (1708), e a Matriz de Santo Antônio, (1710), que, hoje, fazem
parte do grande acervo histórico local.
O declínio do ouro nas Capitanias das Minas Gerais inicia-se já no ano de 1750 e vai
atingir a Vila de São Jose Del Rei no início do século XIX com o esgotamento das minas de ouro.
A partir deste período Tiradentes perde seu aporte econômico, havendo grande emigração
dos moradores e total mudança na sua economia. Destacam-se, nesse período, de maneira bem
tímida, a agricultura, a pecuária e as atividades de fiação e tecelagem.
A falta de uma vocação econômica para a cidade e o conseqüente desinteresse pelo local,
mesmo quando a Vila é elevada à categoria de cidade em 1860, faz com que sua integridade
patrimonial e paisagística se preserve, tornando-se uma das cidades coloniais mais bem
preservadas de Minas Gerais e do Brasil.
(...) a cidade de Tiradentes constitui uma jóia colonial que em virtude de circunstâncias históricas e
econômicas, parou no tempo após o término da mineração. A situação de ‘cidade morta’ perdurou até a
segunda metade do século XX o que, para usar de franqueza, acabou sendo um fator de preservação: a
ausência de dinamismo econômico permitiu que seu excepcional conjunto urbanístico-arquitetônico fosse
pouco alterado [...] (PELLEGRINI FILHO, 2000, p. 01).
Apesar do tombamento de Tiradentes pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional) como patrimônio histórico, a cidade permanece até os anos 60 sem nenhuma
manifestação turística.
No entanto, mesmo a partir da valorização turística de Tiradentes a partir da década de 60,
a cidade só se estabiliza como produto turístico no final dos anos noventa, com iniciativas de
planejamento turístico e estratégias administrativas de vanguarda.
3.2 O Marketing como Instrumento do Desenvolvimento Local
Até meados da década de 90 a atividade turística local dependia fundamentalmente do
turismo desenvolvido pela cidade de São João Del Rei, que dista poucos quilômetros de
Tiradentes. A maioria dos turistas se hospedava em São João Del Rei e aproveitava o passeio de
Maria Fumaça para conhecer Tiradentes. A atividade turística da cidade funcionava como um
apêndice do turismo desenvolvido em São João Del Rei.
Neste contexto, há nove anos, a cidade procurou, efetivamente, aglutinar estratégias de
gestão e marketing com ações nas esferas social e ambiental. Percebeu-se que com a formatação
e preservação do produto turístico, somado a investimentos em infra-estrutura e promoção,
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principalmente através de eventos diferenciais, a cidade além de dinamizar a economia local,
melhorava a qualidade de vida dos citadinos e promovia a preservação do patrimônio históriconatural.
O poder público local procurou consolidar os eventos tradicionais, como a Semana Santa,
a comemoração da Inconfidência Mineira e o Carnaval (retomando as antigas “marchinhas” de
carnaval), além de organizar eventos que abrangessem demandas e públicos específicos. No
primeiro semestre de 1998, foi criada pela Secretaria de Turismo da cidade, a primeira Mostra de
Cinema de Tiradentes e no segundo semestre do mesmo ano o festival gastronômico (Fest
Gourmet). A proposta foi criar atrações diferenciadas que permitissem à cidade suplantar as
estratégias desenvolvidas por São João Del Rei, redirecionando o fluxo e o interesse do públicoalvo visado. Dessa forma, o planejamento turístico concebido, envolveu a construção de
estratégias que incorporassem um conceito de hospitalidade e promoção de atividades culturais
com temáticas voltadas um segmento mais sofisticado, de renda mais elevada e ávida por novos
conhecimentos e relacionamentos (cinema, gastronomia, história, entretenimento).
Hoje a cidade elenca diversos eventos como: Mostra de Cinema (Janeiro), Carnaval
(Fevereiro), Semana Santa e Semana da Inconfidência (Abril); Encontro de Harley Davidson
(Junho), Fest Gourmet (Agosto); Festival Internacional de Fotografia (Outubro, início em 2004);
Natal e Reveillon (Dezembro). A consolidação desses eventos aliou talento e criatividade do
planejamento turístico e de marketing para a cidade.
Simultaneamente a concepção destes eventos, o produto turístico necessitou ser
revitalizado e aprimorado. A infra-estrutura básica e turística, através de recursos municipais,
estaduais e federais, recebeu investimentos no que tange o seu melhoramento. Além dos eventos,
a cidade procurou se promover através de revistas especializadas, televisão (novelas, reportagens
e seriados), folders, atrações, participação em festivais e encontros do trade turístico, sites na
internet, envio de malas-direta por e-mails, e atendimento de telemarketing. A cidade procurou
ainda fomentar a mão de obra local através de cursos, treinamentos e programas de reciclagem.
A repercussão, tanto dos eventos quanto das outras estratégias de marketing, em nível
nacional através das diversas mídias, imprimiu um fluxo turístico acentuado para a cidade,
culminando com o maior interesse pela restauração e a conservação do centro histórico, tanto
pelo poder público federal quanto pela iniciativa privada. Para o representante do IPHAN em
Tiradentes, o turismo teve influência fundamental na conservação do centro histórico. Segundo
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ele, há 20 anos atrás havia em Tiradentes cerca de trinta imóveis em condições péssimas de
conservação, estruturalmente comprometidas. Atualmente, há duas edificações necessitando de
restauração. “Foi o turismo o propulsor da restauração do patrimônio arquitetônico”, segundo o
representante do IPHAN.
A pesquisa de Pellegrini Filho em janeiro e fevereiro 2000, quando o plano de
planejamento e marketing da cidade tinha apenas três anos reafirma o que Rodrigues do Santos
disse acima. Naquela oportunidade, 60% dos entrevistados fizeram uma avaliação positiva das
igrejas; 56% classificaram os monumentos como bons; 50% dos turistas entrevistados disseram
participar e gostar dos eventos culturais; e 70% disseram avaliar positivamente o estado de
conservação do patrimônio de Tiradentes. Nenhum dos itens recebeu avaliação negativa.
No entanto, o impacto maior das estratégias de marketing executadas em Tiradentes
ocorreu na indústria hoteleira. Segundo a secretaria de turismo da cidade, atualmente, 95% da
economia de Tiradentes está vinculada ao setor de serviços que é composto majoritariamente por
empreendimentos turísticos. Destaque pode ser dado para o setor de meios de hospedagem que
viveu uma verdadeira revolução a partir de 1998. O número de hotéis e pousadas aumentou em
300% nos últimos nove anos. Não bastasse ter triplicado a oferta, o acirramento da concorrência e
a chegada de novos negócios obrigaram os empresários do setor a melhorar a qualidade da
hospitalidade dos seus hotéis. Segundo dados da Secretaria de Turismo de 2005, havia na cidade
mais de cem empreendimentos hoteleiros, somando 4700 leitos e 38 restaurantes bastante
demandados pelo público.
Paralelo ao aumento do número de empreendimentos, o poder público em parceria com a
iniciativa privada local estabeleceu programas de treinamento da equipe de contato, destacando
os guias turísticos, artesãos, condutores de charretes, recepcionistas, vendedores, dentre outros.
Buscou-se também o aumento da qualidade de vida da população propiciando oportunidades de
emprego e renda, bem como pintura gratuita das moradias que se concentram nos bairros mais
pobres da cidade. Segundo o ex-secretário de turismo da cidade, a pintura das casas teve o
objetivo de aumentar a auto-estima dos moradores locais e melhorar visibilidade dessas áreas
perante os turistas.
Segundo a Secretaria de Turismo local, em relação ao aporte de recursos advindos da
atividade turística, apenas na Mostra de Cinema de 2005, um dos eventos de maior destaque da
cidade de Tiradentes, foram gerados, para a economia local, cerca de R$ 2 milhões e mais de mil
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empregos diretos e indiretos. Durante o evento, todos os 4.700 leitos das 105 pousadas da cidade
foram ocupados. O orçamento do evento foi de R$ 940 mil, captados por meio das leis Federal e
Estadual de Incentivo à Cultura.
O dinamismo do turismo instigado pelas iniciativas de marketing e planejamento é visível
quando visto da esfera econômica. Segundo a Fundação João Pinheiro, a renda per capita média
do município cresceu 97,95%, passando de R$132,01 para R$261,31 em 2000. A pobreza
(medida pela proporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$75,50,
equivalente à metade do salário mínimo vigente em agosto de 2000) diminui 55,33% passando de
52,9% em 1991 para 23,6% em 2000.
Neste período, a desigualdade aumentou de 0,55 em 1991 para 0,56 em 2000 (Índice
GINI), o que demonstra uma concentração de renda não elevada. A porcentagem da renda
apropriada por extratos da população demonstra isso. Os 20% mais pobres diminuíram de 4,2%
em 1991 para 3,7% em 2000. No mesmo período os 40% mais pobres diminuíram de 11,8% para
10,6%, os 60% mais pobres diminuíram de 23,2% para 20,9%, e os 80% mais pobres passaram
de 39,7% para 38%. Já os 20% mais ricos aumentaram de 60,3% em 1991 para 62% em 2000.
Ainda neste aspecto, a proporção de pobres diminui de 52,9% em 1991 para 23,6% em 2000.
Analisando o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de Tiradentes,
nota-se que a dimensão que mais contribuiu para o seu crescimento foi o significativo aumento da
renda (IDH-R), passando de 0,588 (na escala de 0 a 1) em 1991 para 0,702 em 2000. No mesmo
período, o IDH-M do município cresceu 15,03% passando de 0,672 para 0,773, fazendo com que
Tiradentes saltasse do 266º do lugar para a 146º no ranking de IDHs entre os municípios
mineiros. Ainda segundo a Fundação João Pinheiro, se mantivesse esta taxa de crescimento do
IDH-M, o município levaria 10,7 anos para alcançar São Caetano do Sul (SP), o município com o
melhor IDH-M do Brasil (0,919), e 5,2 anos para alcançar Poços de Caldas (MG), o município
com o melhor IDH-M do Estado (0,841).
O dinamismo econômico tem sido revertido em qualidade de vida para a população local
e para os turistas, como a construção de banheiros públicos, a melhoria da estrutura básica e
turística (estação de tratamento de esgoto, usina de lixo, guarda municipal, fechamento do centro
histórico), o desenvolvimento do Plano Diretor e do Plano de Obras. Este último tem como
objetivo regularizar, dimensionar, e fiscalizar os futuros loteamentos de Tiradentes, numa
tentativa de impedir uma futura especulação imobiliária e a conseqüente “favelização” da cidade.
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Ainda segundo a Fundação, atualmente Tiradentes possui posição privilegiada no Índice
de desenvolvimento humano - Longevidade 0,772 (0,659 em 1991) e no de educação, nota 0,845
(0,768 em 1991), número próximo de países desenvolvidos. No entanto, este último, apesar de ser
o maior entre os índices de desenvolvimento humano do município, mostra que a cidade perdeu
posições para outras cidades do Estado, saindo da 99º posição em 1991 para a 139º em 2000.
Os números supracitados demonstram o aporte do turismo na cidade de Tiradentes,
englobando os quatro principais subsistemas – social, cultural, econômico e ambiental – para a
concepção do desenvolvimento local. Percebe-se consenso entre turistas, moradores, iniciativa
privada e poder público local a respeito da importância das estratégias de marketing na
dinamização do turismo de Tiradentes, e conseqüentemente, no desenvolvimento local.
No entanto, a cidade possui problemas graves que exigem maiores cuidados, como a
super-valorização dos espaços que compõem o centro histórico da cidade e os novos bairros
ricos, em detrimento de outras áreas; a demasiada dependência econômica em uma única
atividade econômica; a intensa especulação imobiliária, que mesmo com a intervenção da gestão
pública e do IPHAN parece inexorável; o aumento vertiginoso da demanda turística, ocasionando
depredação do patrimônio histórico e ambiental; a intensa imigração para a cidade; e a pressão da
iniciativa privada pelo aumento de estabelecimentos, que só tendem a descaracterizar o
patrimônio local (tramita no IPHAN da cidade a construção de um “resort” no centro histórico,
com 150 apartamentos). .
Apesar destes problemas, nota-se que as ações de citymarketing desenvolvidas em
Tiradentes gerou visibilidade, desenvolvimento e novas perspectivas para a cidade, que hoje não
carece da atividade turística desenvolvida por São João Del Rei. Ao contrário, a cidade de
Tiradentes tornou-se um referencial para as cidades no entorno, como também para todo o turista
brasileiro.
Conclusão
Com o visível aumento da concorrência no ambiente das cidades, as atividades de
marketing passam ocupar lugar de destaque no desenvolvimento local. Independentemente do
tipo de organização, as estratégias mercadológicas tornam-se importantes em atrair e reter
consumidores, contribuindo em proporcionar uma posição privilegiada dentro de contextos
competitivos.
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Apesar de haver muitos preconceitos em relação ao marketing aplicado às cidades, as
novas condições ambientais têm levado os gestores urbanos a repensarem suas posições. De
modo geral, os serviços urbanos estão se tornando altamente orientados para os seus clientes
(cidadãos, turistas, empresas) visando a satisfação plena das suas necessidades e aspirações.
Neste contexto, pode-se dizer, que o marketing de cidades turísticas é o foco na hospitalidade sob
a ótica do turista.
Isso implica em uma grande mudança. O paradigma do “turista-intruso” cede lugar para o
“turista-oportunidade” e as estratégias mercadológicas fundamentais para a concepção de uma
hospitalidade plena para este consumidor.
Tiradentes, por exemplo, poderia ser apenas mais uma pequena cidade do interior de
Minas Gerais, relegada ao esquecimento e uma memória em ruínas do período do ouro, como é
comum no Estado. Entretanto, vislumbrou-se que para proporcionar uma melhor qualidade de
vida para a população e conservar a estrutura urbana da cidade, haveria a necessidade de
desenvolver um foco de desenvolvimento e um plano para desenvolvê-lo, no caso utilizando-se
das técnicas mercadológicas.
Mais do que isso, a cidade procurou criar uma cultura da hospitalidade, proporcionando
aos turistas um produto diferenciado, a um preço acessível, de grande visibilidade e, sobretudo
com infra-estrutura conveniente e atendimento personalizado.
Incorporando ferramentas de vanguarda, fazendo investimentos em treinamento e
capacitação, o caso de Tiradentes é uma experiência importante que pode contribuir para a
concepção de um modelo de planejamento, gestão e organização, vislumbrando uma atividade
turística que priorize os quatro principais personagens do processo turístico em uma localidade: a
qualidade de vida da população, a qualidade de visita do turista, a qualidade de preservação da
cidade e a qualidade de trabalho dos empreendimentos.
Neste contexto, é oportuno lembrar a necessidade de integração dos profissionais de
turismo, equipes de planejamento e gestão urbana para um planejamento turístico inteligente,
ambientalmente sustentável, socialmente responsável, duradouro, e criativo.
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Referências:
ARGILES, N. R. L. Análise das relações e influências no modelo de planejamento
estratégico urbano no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto
Alegre – PDDUA. Porto Alegre: FAU/UFRGS, 2003. (Tese de Doutorado).
BORJA, J.; FORN, M. Políticas da Europa e dos estados para as cidades. Espaço e Debates,
ano XVI, n.39, 1996.
BORJA, J.; CASTELLS, M. Local y global. La gestión de las ciudades en la era de la
información. Madrid: United Nations for Human Settlements, Taurus, Pensamiento, 1997.
CARVALHO, M. do S. M. V. de. Desafios contemporâneos de gestão. Rio de Janeiro: RAP,
2004. p. 307-16.
CIDRAIS, A. O marketing territorial aplicado às cidades médias portuguesas: os casos de
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