ALTERAÇÕES MUSCULOESQUELÉTICAS E SUA RELAÇÃO COM CAPACIDADE FÍSICA DOS INDIVÍDUOS COM DPOC: UMA REVISÃO Jhonatan Max Sousa Conceição1 Fernanda Silvana Pereira Quirino2 Lya Karla Manso Miranda3 Getúlio Antonio de Freitas Filho4 Adriana Vieira Macedo5 Renata do Nascimento Silva6 Renato Canevari Dutra da Silva7 RESUMO A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é caracterizada por obstrução ou limitação do fluxo aéreo de progressão lenta e parcialmente reversível, geralmente diagnosticada entre a quinta e sexta década de vida. É uma das principais causas de morbidade e mortalidade no mundo e não pode mais ser considerada uma doença apenas pulmonar por apresentar comprometimento extrapulmonares importantes, que contribuem na determinação do prognóstico da doença. Mediante as inúmeras alterações geradas pela doença e o impacto socioeconômico da mesma, realizou-se este estudo com a finalidade de evidenciar, por meio de uma revisão bibliográfica, as principais alterações musculoesqueléticas dos indivíduos com DPOC e os principais efeitos na capacidade física. O presente estudo restringiu-se às pesquisas dos últimos treze anos nos bancos de dados Bireme, Lilacs, Medline, Scielo, entre outros. Verificou-se que o aumento dos mediadores inflamatórios presentes na patologia reduz o peso e, como consequência, na ausência de reserva corporal a massa muscular é degradada gerando depleção muscular, inclusive do músculo diafragma. A combinação de todas essas alterações desencadeia a dispnéia e, como mecanismo de proteção da mesma, surge o descondicionamento físico. Sendo assim, a literatura mostra que o treinamento físico é capaz de romper o círculo vicioso do descondicionamento. Concluiu-se que, além das adaptações cardiovasculares e musculares, ele proporciona um aumento do limiar de percepção da dispnéia e melhora a qualidade de vida do paciente. Também, reduz o índice de mortalidade, diminuindo as internações e os custos socioeconômicos. 1 Fisioterapeuta graduado pelo Instituto de Ensino Superior de Rio Verde – IESRIVER Fisioterapeuta do Centro de Reabilitação de Anicuns - GO 3 Docente do Instituto de Ensino Superior de Rio Verde – IESRIVER. 4 Docente do Instituto de Ensino Superior de Rio Verde – IESRIVER 5 Docente da Universidade de Rio Verde – FESURV 6 Fisioterapeuta do Hospital Municipal de Rio Verde – GO 7 Docente da Universidade de Rio Verde – FESURV 2 82 Palavras-chaves: DPOC; pneumopatias obstrutivas; reabilitação; desnutrição; condicionamento físico humano; anormalidades musculoesqueléticas; tolerância ao exercício. ABSTRACT Chronic obstructive pulmonary disease (COPD) is characterized by limitation or obstruction of airflow to slow progression and partially reversible, usually diagnosed between the fifth and sixth decade of life. It is a major cause of morbidity and mortality in the world and can no longer be considered a pulmonary disease only to present important extrapulmonary involvement, which contribute in determining the prognosis of the disease. Through the numerous changes generated by the disease and the socioeconomic impact of the same, this study was performed in order to demonstrate, through a literature review, the major musculoskeletal abnormalities in individuals with COPD and their effects on physical capacity. This study is restricted to research of the last thirteen years in the data banks Bireme, Lilacs, Medline, Scielo, among others. It was found that the protein energy changes are very frequent in patients with COPD, and the causes of such changes are multifactorial. The increase of inflammatory mediators in the disease reduces the weight and, consequently, in the absence of reserve body muscle mass is degraded generating muscle depletion, including the diaphragm. The combination of all these changes trigger the dyspnea, and protection mechanism of it, is the unconditioned physical. Thus, the literature shows that physical training is able to break the vicious circle of unconditioned. It was concluded that in addition to cardiovascular and muscular adaptations, it provides an increase in the threshold of perception of dyspnea and improves quality of life. Also, reduces the mortality rate, reducing hospitalizations and socioeconomic costs. Keywords: COPD; obstructive lung diseases; rehabilitation; malnutrition; human physical fitness; musculoskeletal abnormalities; exercise tolerance. 1. INTRODUÇÃO A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) caracteriza-se pela presença de obstrução ou limitação crônica do fluxo aéreo de progressão lenta e parcialmente irreversível e está associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões a partículas ou gases nocivos (MACEDO; VIEIRA; QUIRINO; FONSECA; FREITAS FILHO; CABRAL; SILVA, 2011). A doença pulmonar obstrutiva crônica é reconhecida, como a quarta causa de morte no mundo, estima-se que ela mata mais de 2,75 milhões de pessoas/ano, 83 matando uma pessoa a cada 10 segundos. No Brasil, são cerca de 7000000 de doentes e aproximadamente 40000 mortes/ano. Por não ter cura e gerar frequentes agudizações, causa muitas hospitalizações o que gera um grande custo assistencial e a torna a doença respiratória mais dispendiosa para o Sistema Único de Saúde (SUS) (BIONDO; SANTOS; SILVA, 2011; GONÇALVES; SANTANA; AZEVEDO, 2012). A DPOC é uma doença primária do aparelho respiratório. Porém, atualmente é considerada uma doença de ordem sistêmica causando manifestações extrapulmonares como aumento dos níveis de mediadores inflamatórios, alterações nutricionais, osteoporose, resposta cardiovascular inadequada ao exercício, diminuição da massa muscular, da capacidade física e da qualidade de vida destes pacientes com importantes repercussões no prognóstico e sobrevida dos mesmos (DOURADO; TANNI; VALE; FAGANELLO; SANCHEZ; GODOY, 2006; RIBEIRO; VIEGAS, 2008; ANTÓNIO; GONÇALVES; TAVARES, 2010). Frente às inúmeras alterações decorrentes do processo fisiopatológico da DPOC e as repercussões que estas causam no organismo e o impacto socioeconômico da doença. Este estudo tem como objetivo evidenciar através de uma revisão da literatura as principais alterações musculoesqueléticas dos portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica e os principais efeitos na capacidade física. 2. METODOLOGIA O presente trabalho trata-se de uma revisão narrativa da literatura científica. As bases de dados Medline e Lilacs, bireme, scielo, teses, dissertações, consensos, diretrizes e literatura relacionados ao reabilitação; clássica assunto desta desnutrição; foram consultadas, revisão; condicionamento utilizando-se unitermos DPOC; pneumopatias obstrutivas; físico humano; anormalidades musculoesqueléticas; tolerância ao exercício. O período da pesquisa foi restrito às publicações dos últimos treze anos. 84 3. DESENVOLVIMENTO 3.1 Alterações Musculoesqueléticas Na DPOC A desnutrição proteico-energética é uma manifestação comum em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, observada em 25% dos pacientes ambulatoriais e em 50% dos pacientes hospitalares (BIONDO; SANTOS; SILVA, 2011). Citocinas como interleucina 1 Beta (IL-1β) e Fator de Necrose Tumoral (TNF) pode levar a proteólise, através da ativação da enzima ubiquitina proteossoma presente nos músculos esqueléticos periféricos, causando quebra de proteínas miofibrilares e intracelular de células eucariontes, e anorexia (DOURADO; TANNI; VALE; FAGANELLO; SANCHEZ; GODOY, 2006; VOLTARELLI; MELLO, 2008). A depleção de massa muscular é o principal efeito negativo da desnutrição. Na ausência de reserva corporal de gordura o organismo mobiliza a reserva corporal de proteína para ser utilizada como fonte de energia ocorrendo desta forma depleção muscular. Essas alterações afetam os músculos ventilatórios reduzindo sua massa e contribuindo para diminuir força e resistência dos músculos respiratórios tornando-os menos eficientes (FENANDES; BEZERRA, 2006; AQUINO; PERES; LOPES; CASTRO; COELHO; CUNHA FILHO, 2010). Estudos verificaram que a desvantagem mecânica do diafragma, pela hiperinsulflação pulmonar leva ao encurtamento dos sarcômeros e a diminuição da força muscular respiratória. A hiperinsulflação reduz a zona de aposição diminuindo a ação do diafragma sobre as costelas na última fase da inspiração. Nessa condição, o recrutamento de músculos acessórios, junto com o diafragma para vencer a pressão inspiratória final intrínseca aumenta o consumo de O2 gerando 85 maior gasto energético (VELLOSO; JARDIM, 2006; ALMEIDA; COLUCCI; DIB, 2009). Entre os pacientes com DPOC, 50% sofrem limitação em suas atividades em consequência dos déficits respiratórios adotando um estilo de vida sedentário como mecanismo protetor da dispnéia que se agrava ainda mais pelo descondicionamento. Embora a dispnéia proveniente da limitação ventilatória seja vista como a maior causa de intolerância ao exercício, estudos verificam que indivíduos portadores de DPOC moderada e grave interrompem o exercício por fadiga muscular de membros inferiores e não pela dispnéia (BITTENCOURT; KNORST, 2009; MIRANDA; MALAGUTI; CORSO, 2011). O desuso está associado ao maior estresse oxidativo, à redução de força muscular, redução da atividade neuronal e maior consumo muscular para manutenção energética, desencadeando atrofia muscular e mudança na proporção das fibras musculares com redução das fibras tipo I e aumento das fibras tipo II (ALMEIDA; COLUCCI; DIB, 2009; STEIDL; TASSINARI; MACHADO; ANTUNES; PASQUALOTO; LUCHESE, 2012). A hipoxemia e a diminuição do condicionamento possuem como consequência a substituição da miosina de cadeia leve (MCL), típica da fibra tipo I, por miosina de cadeia pesada (MCP), típica das fibras tipo II (DOURADO; GODOY, 2006; ANTÓNIO; GONÇALVES; TAVARES, 2010). O TNF-alfa e o interferon IFN-Y afetam a regulação muscular por inibição da formação de novas miofibrilas, pela degradação de novos miotúbulos formados e pela inatividade da reparação do músculo lesado. O TNF-alfa também compromete a função contrátil do diafragma e músculo periférico através do bloqueio da resposta do miofilamento ao cálcio (FERREIRA, 2003). Pacientes com DPOC apresentam reduzida quantidade de fosfocreatina (CP) e baixa capacidade de ressintetizá-la. O sistema ATP-CP é fundamental os primeiros instantes de qualquer atividade física e sua atividade protela a lactoacidose. Assim, o déficit de CP associado à baixa concentração de enzimas oxidativas e a manutenção ou aumento da concentração de enzimas glicolíticas faz com que a acidose metabólica devida ao acúmulo de ácido lático ocorra precocemente nesses 86 indivíduos (DOURADO; GODOY, 2006; RONDELLI; DAL CORSO; SIMÕES; MALAGUTI, 2009). Quando o organismo lança mão do metabolismo anaeróbio, mais eficiente que o aeróbico, ocorre o acúmulo precoce de ácido lático no músculo. O ácido lático é tamponado pelo bicarbonato de sódio com consequente produção de gás carbônico e estímulo da ventilação e aumento do volume minuto resultando em maior dispnéia e redução da atividade física e maior descondicionamento muscular. Isso causa anaerobiose cada vez mais precoce e desencadeia o círculo vicioso do sedentarismo (GULINI; LIMA, 2006). A disfunção dos músculos periféricos é uma das principais manifestações extrapulmonares da DPOC. Embora sua causa seja multifatorial a perda progressiva do condicionamento físico é a principal causa das alterações musculares. Pacientes com DPOC apresentam redução da força muscular de membros superiores e inferiores quando comparado com conjures controle (DOURADO; GODOY, 2006; POSSANI; CARVALHO; PROBST; PITTA; BRUNETTO, 2009). Esforços de membros superiores (MMSS) não sustentado levam a disfunção neuromecânica (dissincronia toracoabdominal) e a dispnéia em tempo mais curto e com menor consumo de oxigênio do que os exercícios de membros inferiores. Exercícios que envolvem elevação dos membros superiores levam à diminuição das reservas metabólicas e ventilatória, aumento da sensação de dispnéia, diminuição ao exercício e limitação das AVD’s nos indivíduos com DPOC (SANTOS; KARLOH; AQUINO; MAYER, 2010). Embora as atividades que envolvam os membros superiores são as que mais causam dispnéia, a diminuição da força muscular é predominantemente em membros inferiores, pois, estes pacientes frequentemente evitam atividades relacionadas à marcha como mecanismo de proteção da dispnéia, enquanto a força de membros superiores permanece preservada uma vez que, a maioria das AVD’s requer o uso da musculatura de membros superiores. Consequentemente a diminuição da força muscular de membros inferiores, surge o descondicionamento físico que agrava a dispnéia e compromete a realização de atividades de vida diária, levando estes pacientes ao quadro de dependência para tais atividades. 87 Estudos mostram que a diminuição de força muscular é preferencialmente localizada em membros inferiores isto pode ser explicado em parte pela menor sustentação de atividades como caminhar e ficar na posição ortostática ao contrário, os pacientes com DPOC gasta maior parte do tempo em posição sentada e deitada com relatos na literatura de redução de 50% da resistência muscular de quadríceps (DOURADO; GODOY, 2006; MIRANDA; MALAGUTI; DAL CORSO, 2009; SANTOS; KARLOH; AQUINO; MAYER, 2010). A força muscular de quadríceps reflete melhor a função dos músculos de membros inferiores e, além de estar associada à menor sobrevida é um melhor preditor de mortalidade que o IMC, idade e VEF1. Além de contribuir para intolerância ao exercício a disfunção muscular periférica constitui um dos fatores determinantes do prognóstico dos pacientes com DPOC (RIBEIRO; GODOY, 2008; SILVA; DOURADO, 2008). O uso crônico de corticosteróide no tratamento de DPOC está associado com fraqueza e perda de massa. Glicorticóide inibe a síntese e estimula a degradação de proteína e impede o transporte de aminoácidos para dentro das células musculares (FERREIRA, 2003; POSSANI; CARVALHO; PROBST; PITTA; BRUNETTO, 2009). 3.2 Capacidade Física Em Portadores De DPOC A capacidade física constitui-se um determinante para a realização das atividades de vida diária (AVD’s), as quais são fundamentais para a manutenção da qualidade de vida em indivíduos com doenças crônicas como a DPOC (ANTÓNIO; GONÇALVES; TAVARES, 2010). Os pacientes portadores de DPOC apresentam redução importante da capacidade física devido a vários fatores, tais como hiperinsulflação dinâmica e aumento do metabolismo muscular glicolítico acompanhado de descondicionamento físico progressivo associado à inatividade (LAIZO, 2009). A razão para prescrição de exercícios para pacientes com DPOC é melhorar a capacidade física e o desempenho nas AVD’s. É através da reabilitação que o círculo vicioso da dispnéia e descondicionamento é rompido e o exercício constitui88 se o estímulo fisiológico perturbador da homeostasia mais estudado que estimula respostas do sistema cardiovascular e metabólico promovendo a dessensibilização da dispnéia além de melhorar força, flexibilidade e coordenação motora (BITTENCOURT; KNORST, 2009). Para prescrição de exercício para pacientes com DPOC é preciso que se compreendam os princípios do treinamento físico; especificidade do treinamento (o treino de músculos ou grupos musculares é benéfico apenas para o grupo treinado e atinge apenas o objetivo específico do tipo de treinamento empregado) sobrecarga, deve-se especificar a intensidade, a frequência e a duração do treino (quanto maior o número de sessões e mais intenso, maiores são os resultados) reversibilidade (o efeito obtido pelo treinamento é perdido após a cessação do exercício de forma gradual) individualização (a limitação individual deve ser avaliada para prescrição de exercício) (GULINI; LIMA, 2006; ANTÓNIO; GONÇALVES; TAVARES, 2010). Nos programas de exercícios adotados em reabilitação duas modalidades são essenciais: treino aeróbico ou endurance, exercícios de alta intensidade e longa duração, utiliza grandes grupos musculares, treino de força ou resistence, alta intensidade e curta duração direcionado a pequenos grupos musculares (PAMPLONA; MORAIS, 2007; ALMEIDA; COLUCCI; DIB, 2009; MANGABEIRA; MACEDO, 2012). Com o treinamento aeróbico ocorrem adaptações cardiovasculares, sendo relatado na literatura o aumento do tamanho do coração; o miocárdio é um músculo estriado e com o treinamento ocorre hipertrofia e gera maior força de contração e aumento do volume de ejeção que passa a manter o débito cardíaco. A frequência cardíaca (FC) diminui em função da maior atuação do sistema parassimpático permitindo maior tempo de diástole, e com o treinamento ocorre também aumento do fluxo sanguíneo através do aumento da capilarização dos músculos treinados, reabertura dos capilares já existentes redistribuindo o sangue de forma mais efetiva. O volume sanguíneo aumenta em função da retenção de albumina e aumento da produção de hormônio antidiurético, consequentemente maior volume de sangue retorna ao coração gerando maior distensibilidade e maior força de contração e como resultado gera hipertrofia (POWERS; HOWLEY, 2000). 89 A resposta ao treinamento aeróbico sofre influência do nível de condicionamento, da hereditariedade, sexo e idade sendo este último, importante para os programas de reabilitação uma vez que a DPOC é diagnosticada na maioria dos casos entre a quinta e sexta década de vida. As alterações fisiológicas do envelhecimento associada à doença respiratória crônica diminuem a capacidade aeróbica destes indivíduos e constitui um importante fator limitante a ser considerado durante um programa de treinamento uma vez, que a maior parte dos pacientes com DPOC são idosos (FERNANDES; BEZERRA, 2006; SIMÕES; DIAS; BRITTO, 2007; VIEIRA; BOTTARO; CELES; VIEGAS; SILVA, 2010). Durante muitos anos estudos afirmavam que o efeito do treinamento aeróbico não era alcançado por pacientes com DPOC. Tais estudos sustentavam esta afirmação através do argumento de que os pacientes com DPOC grave não conseguiam atingir a intensidade ideal do treinamento capaz de promover adaptações. Estudos posteriores verificaram que o treino em indivíduos com DPOC desencadeava metabolismo anaeróbio e início precoce da acidose lática. Portanto, a intensidade do treinamento pode ser baseada na limitação dos sintomas. Com o passar do treinamento ocorre melhora significativa com redução da FC, da ventilação, dos níveis de lactato e aumento das enzimas oxidativas comprovando melhora do metabolismo aeróbico (GULINI; LIMA, 2006; PAMPLONA; MORAIS, 2007; MARRARA; LOURENZO, 2007; TASSINARI; MACHADO; ANTUNES; PAQUALOTO; LUCHESE, 2012). O treinamento de membros superiores em portadores de DPOC tem como objetivo incrementar atividade de vida diária (AVD) uma vez que, a grande maioria destas atividades requer o uso de membros superiores. Com o treinamento incrementa-se força e endurance aos músculos, reduz a demanda ventilatória e melhora a atividade muscular da cintura escapular (MARRARA; LOURENZO, 2007). O treino de endurance de membros superiores é menos eficaz que o de membros inferiores para melhora da capacidade funcional, porém, o recrutamento cardiovascular é mais intenso no treino de membros superiores que o treino específico de membros inferiores (PAMPLONA; MORAIS, 2007; ANTÓNIO; GONÇALVES; TAVARES, 2010). 90 Durante o exercício submáximo, o maior condicionamento resulta em uma frequência cardíaca menor em uma determinada taxa de trabalho. Essa diminuição da frequência cardíaca indica maior eficiência cardíaca obtida pelas adaptações ao treinamento, supondo que o coração treinado realize um trabalho menor por aumentar sua força de contração levando a um maior volume de ejeção, consequentemente a frequência cardíaca diminui para aumentar o tempo de enchimento ventricular. Assim, o débito cardíaco é mantido através do aumento do volume de ejeção e não pela frequência cardíaca (POWERS; HOWLEY, 2000). Um estudo composto por uma amostra de dez pacientes de ambos os sexos, submetidos a oito semanas de treinamento muscular respiratório, exercícios em cicloergômetro e exercício para membros superiores não foram observadas diferenças significativas nas variáveis fisiológicas frequência cardíaca e saturação periférica de hemoglobina pelo oxigênio (SpO2) (RIBEIRO; TOLEDO; COSTA; PÊGAS; REYES, 2005). Outro estudo realizado, composto por vinte indivíduos dos quais, dez foram inseridos em um programa de treinamento físico há seis meses e dez sedentários, ao avaliar a FC durante a realização de atividades cotidianas que envolvem membros superiores verificou-se que o grupo treinado apresentou diminuição da FC quando comparado ao grupo não treinado e a SpO 2 não apresentou queda durante as AVD’s inferindo melhora da oxigenação (REGUEIRO; LOURENZO; PARIZOTTO; NEGRINI; SAMPAIO, 2006). Uma amostra composta por quarenta pacientes portadores de DPOC em diferentes níveis de gravidade da doença submetidos a oito semanas de treinamento físico verificou uma redução da FC pós-treinamento, bem como redução da sensação subjetiva de dispnéia e dor em membros inferiores e melhora da tolerância ao exercício físico de forma semelhante, evidenciando que pacientes em todas as fases se beneficiam com o treinamento (GULINI; LIMA, 2006). Com o treinamento ocorre um aumento do volume plasmático e um discreto aumento do volume de eritrócitos. No entanto, o volume plasmático supera o volume de eritrócito e por esta razão o hematócrito diminui. Com isso, ocorre a redução da viscosidade sanguínea e aumento da liberação de oxigênio aos tecidos. Tanto a quantidade total de hemoglobina como o total de eritrócito encontra-se 91 discretamente acima dos valores normais após o treinamento, garantindo uma maior capacidade de transporte de transporte de oxigênio (O2) (POWERS; HOWLEY, 2000). A redução de massa muscular é predominante em membros inferiores visto que, as atividades relacionadas à marcha são evitadas como mecanismo protetor da dispnéia. Portanto, a força muscular de quadríceps reflete a função muscular dos membros inferiores e relaciona-se com a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos. Alguns autores consideram que o aumento da distância percorrida de 50-54 metros após a realização de um programa de treinamento reflete melhora da capacidade física (GULINI; LIMA, 2006; DOURADO; TANNI; VALE; FAGANELLO; SANCHEZ; GODOY, 2006; PAMPLONA; MORAIS, 2007; MARRARA; LOURENZO, 2007; RIBEIRO; VIEGAS, 2008). O treinamento físico foi proposto como o método mais eficaz para dessensibilização da dispnéia e para que isso ocorra o doente deverá ser exposto a níveis superiores de dispnéia que o habitual em ambiente seguro melhorando a eficácia em lidar com o sintoma e aumento do limiar de percepção (PAMPLONA; MORAIS, 2007). Estudos verificam uma redução da percepção da dispnéia após o programa de treinamento físico (RIBEIRO; TOLEDO; COSTA; PÊGAS; REYES, 2005; GULINI; LIMA, 2006; MARRARA; LOURENZO, 2007). Exercícios são incluídos como parte do programa de reabilitação pulmonar, porém, ainda não existe um protocolo estabelecido mundialmente para reabilitação do paciente com DPOC, tornando a prescrição de exercício bastante diversificada e os parâmetros de monitorização variados. O período de reabilitação pulmonar é muito variado; seis, oito, nove, dez, doze ou vinte e seis semanas (ZANCHET; VIEGAS; LIMA, 2005; ANTÓNIO; GONÇALVES; TAVARES, 2010). A duração de um programa de reabilitação é muito discutida atualmente, pois, sabe-se que a perda progressiva dos benefícios ocorre após a sua suspensão. A frequência e a duração do treinamento físico podem variar de 3 a 5 vezes por semana de 30 a 90 minutos por sessão de 6 a 12 meses. Porém, estudos mostram que programas com duração maior que oito semanas apresentam melhores 92 resultados que os de curta duração (GULINI; LIMA, 2006; PAMPLONA; MORAIS, 2007). As alterações nutricionais presentes nos pacientes com DPOC associadas às alterações musculares, expostas ao longo deste estudo, intensificam o ciclo do descondicionamento e inatividade e leva à maior exacerbação da doença, maior índice de internação hospitalar, pior prognóstico, menor sobrevida destes pacientes e consequentemente requer maiores custos com o tratamento. O treinamento físico surge como parte fundamental do tratamento de indivíduos com doença pulmonar obstrutiva crônica por promover adaptações cardiorrespiratórias e musculares refletindo em melhora da qualidade de vida, menor índice de exacerbações e internações e custos menos dispendiosos. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente revisão permite afirmar que a doença pulmonar obstrutiva crônica não é apenas uma doença do aparelho respiratório, mas, uma doença com alterações sistêmicas caracterizada por um processo inflamatório constante. As células inflamatórias levam a alteração do metabolismo da leptina e hipermetabolismo resultando em desnutrição destes pacientes. O principal efeito negativo da desnutrição na DPOC é a depleção muscular, pois, o organismo começa a mobilizar as reservas de proteína para utilizar como fonte de energia e conseqüentemente leva a alterações musculares resultando em diminuição de força e resistência tanto dos músculos periféricos quanto dos músculos respiratórios. Além das alterações nutricionais as alterações da caixa torácica levam a desvantagem mecânica do diafragma e encurtamento de suas fibras, em função disto ocorre uma diminuição da capacidade de suprir as demandas durante o exercício e dispnéia, como mecanismo protetor da dispnéia surge o descondicionamento físico. O desuso associado ao maior estresse oxidativo e depleção muscular leva a hipotrofia muscular e substituição das fibras do tipo I pelas fibras do tipo II. A disfunção muscular periférica é uma das principais alterações extrapulmonares da DPOC, pois, em função destas alterações surge o 93 descondicionamento que agrava ainda mais a dispnéia gerando o círculo vicioso do sedentarismo. O treinamento físico constitui a base do programa de reabilitação pulmonar uma vez que, age diretamente no círculo vicioso do sedentarismo. O treinamento possui como principais efeitos a dessensibilização da dispnéia, aumento das fibras do tipo I, aumento da massa muscular, melhor oxigenação tecidual, maior eficiência cardíaca, maior tolerância ao exercício com decréscimo do índice de internações hospitalares, melhor prognostico e aumento da sobrevida do paciente refletindo diretamente na qualidade de vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, R. O.; COLUCCI, E.; DIB, R. Análise da pressão arterial sistêmica em resposta ao teste de esforço progressivo de membros superiores e inferiores em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica. EINSTEIN, v. 7, n. 1, p. 35-42, 2009. ANTÓNIO, C.; GONÇALVES, A. P.; TAVARES, A. Doença pulmonar obstrutiva crônica e exercício físico. Revista Portuguesa de Pneumologia, v. 16, n. 4, p. 649657, 2010. AQUINO, E. S.; PERES, T. M.; LOPES, I. B. V.; CASTRO, F. M. R.; COELHO, C. C.; CUNHA FILHO, E. T. Correlação entre a composição corporal e força, resistência da musculatura respiratória e capacidade de exercício em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica. Fisioter. Pesq. V. 17, n.1, p. 58-62, 2010. BIONDO, A.; SANTOS, J. S.; SILVA, A. C. P. Desnutrição em pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. Revista HCPA, v. 31, n. 3, p. 369-371, 2011. BITTENCOURT, D. C.; KNORST, M. M. Relação entre atividade de vida diária, capacidade funcional e gravidade da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. 94 Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Ciências Pneumológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre- RS, 2009, 70p. DOURADO, V. Z.; GODOY, I. Alterações musculares na Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. Fisioterapia Pesquisa, v.13 n. 3, p. 76-87, 2006. DOURADO, V. Z.; TANNI, S. E.; VALE, S. A.; FAGANELLO, M. M.; SANCHEZ, F. F.; GODOY, I.. Manifestações sistêmicas na doença pulmonar obstrutiva crônica. J Bras Pneumol. v. 32, n. 2 p. 161-171, 2006. FERNANDES, A. C.; BEZERRA, O. M. de P. A. Terapia Nutricional na Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica e suas Complicações Nutricionais. J Bras Pneumol. v. 32, n. 5, p. 461-471, 2006. FERREIRA, I. M. Doença pulmonar obstrutiva crônica e desnutrição: por que não estamos vencendo a batalha? J Bras Pneumol. v.29, n.2 p.107- 115, 2003. GONÇALVES, R. L.; SANTANA, J. E.; AZEVEDO, M. V. Avaliação da Qualidade de Vida e da Funcionalidade de um paciente com DPOC grave antes e após Reabilitação Cardiopulmonar e Metabólica domiciliar: Relato de caso. ASSOBRAFIR Ciência. v.3, n. p.57-64. 2012. GULINI, J. E. H. M. de B.; LIMA, W. C. de. Exercício Físico em Pacientes Portadores de Diferentes Níveis de DPOC. Dissertação de Mestrado da Universidade de Santa Catarina, 2006. MACEDO, A. V.; VIEIRA, C. P.; QUIRINO, F. S. P.; FONSECA, F. E. M.; FREITAS FILHO, G. A.; CABRAL, R. M. C.; SILVA, R. C. D. Avaliação da Capacidade Física de Portadores de DPOC Antes E Após Intervenção Fisioterapêutica Aquática. OBJETIVA. Revista do Instituto de Ensino Superior de Rio Verde. – ano 7, n. 7 (Jul./dez.2011) – Rio Verde: IESRIVER, 2011. 95 MANGABEIRA, A. O.; MACEDO, L. B. Efeitos do treinamento de endurance e de força em pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica: Um estudo de revisão. Revista Pesquisa em Fisioterapia, v. 2, n. 2, p. 121-133, 2012. MARRARA, K. T.; LOURENZO, V. A. P. di. Comparação de Diferentes Protocolos de Treinamento Físico Nas Atividades de Vida Diária Em Indivíduos Com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. Dissertação de mestrado em Fisioterapia da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, 2007. PAMPLONA, P.; MORAIS, L. Treino de exercício na doença pulmonar crónica. Rev Port Pneumol. v. 13, n. 1, p. 101-128, 2007. POWERS, S. K.; HOWLEY, E. T. Fisiologia do Exercício: Teoria e Aplicação ao Condicionamento e ao Desempenho. 3.ed. São Paulo: Manole, 2000. 527 p. RIBEIRO, K.; TOLEDO, A.; COSTA, D.; PÊGAS, J.; REYES, L. Efeitos De Um Programa De Reabilitação Pulmonar Em Pacientes Com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) Revi biociên. v.11, n. 1-2, p. 63-68, 2005. RIBEIRO, F. A.; VIEGAS C. A. A. Estudo da Força de Quadríceps de Pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica em diferentes Níveis de Hipoxemia. Dissertação de mestrado da Universidade de Brasília – UnB, Brasília, 2008. SANTOS, K.; KARLOH, M.; AQUINO, A. B.; MAYER, A. F. Influência da força muscular periférica e respiratória na limitação das atividades de vida diária em pacientes com doença pulmonar Obstrutiva Crônica – Relato de Caso. Arq. Ciênc. Saúde: UNIPAR v. 14, n. 3, p. 253-260, 2010. SIMÕES, L. A.; DIAS, J. M. D.; BRITTO, R. R. Análise das correlações entre as musculaturas Periféricas e respiratórias com a capacidade Funcional de 96 idosos comunitários. Dissertação de mestrado da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Belo Horizonte, 2007. STEIDL, E. M. S.; TASSINARI, C. C. R.; MACHADO, S. G.; ANTUNES, V. P.; PAQUALOTO, A. S.; LUCHESE, C. Influência do exercício físico sobre o estresse oxidativo na DPOC: Revisão Bibliográfica. Saúde (Santa Maria), v. 38, n. 1, p. 4756, 2012. VIEIRA, L.; BOTTARO, M.; CELES, R.; VIEGAS, C. A. A.; SILVA, C. A. M. Avaliação muscular isocinética do quadríceps em indivíduos com doença pulmonar obstrutiva crônica. Revista Portuguesa de Pneumologia, v. 16, n. 5, p. 717-736, 2010. VELLOSO, M.; JARDIM, J. R. Funcionalidade do paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica e técnicas de conservação de energia. J Bras Pneumol, v. 32, n. 6, p. 580-586, 2006. VOLTARELLI, F. A.; MELLO, M. A. R. Desnutrição: metabolismo protéico muscular e recuperação nutricional associada ao exercício. Motriz. v. 14 n. 1 p. 74-84, 2008. 97