alterações musculoesqueléticas e sua relação com capacidade

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ALTERAÇÕES MUSCULOESQUELÉTICAS E SUA RELAÇÃO COM CAPACIDADE
FÍSICA DOS INDIVÍDUOS COM DPOC: UMA REVISÃO
Jhonatan Max Sousa Conceição1
Fernanda Silvana Pereira Quirino2
Lya Karla Manso Miranda3
Getúlio Antonio de Freitas Filho4
Adriana Vieira Macedo5
Renata do Nascimento Silva6
Renato Canevari Dutra da Silva7
RESUMO
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é caracterizada por obstrução ou
limitação do fluxo aéreo de progressão lenta e parcialmente reversível, geralmente
diagnosticada entre a quinta e sexta década de vida. É uma das principais causas
de morbidade e mortalidade no mundo e não pode mais ser considerada uma
doença apenas pulmonar por apresentar comprometimento extrapulmonares
importantes, que contribuem na determinação do prognóstico da doença. Mediante
as inúmeras alterações geradas pela doença e o impacto socioeconômico da
mesma, realizou-se este estudo com a finalidade de evidenciar, por meio de uma
revisão bibliográfica, as principais alterações musculoesqueléticas dos indivíduos
com DPOC e os principais efeitos na capacidade física. O presente estudo
restringiu-se às pesquisas dos últimos treze anos nos bancos de dados Bireme,
Lilacs, Medline, Scielo, entre outros. Verificou-se que o aumento dos mediadores
inflamatórios presentes na patologia reduz o peso e, como consequência, na
ausência de reserva corporal a massa muscular é degradada gerando depleção
muscular, inclusive do músculo diafragma. A combinação de todas essas alterações
desencadeia a dispnéia e, como mecanismo de proteção da mesma, surge o
descondicionamento físico. Sendo assim, a literatura mostra que o treinamento físico
é capaz de romper o círculo vicioso do descondicionamento. Concluiu-se que, além
das adaptações cardiovasculares e musculares, ele proporciona um aumento do
limiar de percepção da dispnéia e melhora a qualidade de vida do paciente.
Também, reduz o índice de mortalidade, diminuindo as internações e os custos
socioeconômicos.
1
Fisioterapeuta graduado pelo Instituto de Ensino Superior de Rio Verde – IESRIVER
Fisioterapeuta do Centro de Reabilitação de Anicuns - GO
3
Docente do Instituto de Ensino Superior de Rio Verde – IESRIVER.
4
Docente do Instituto de Ensino Superior de Rio Verde – IESRIVER
5
Docente da Universidade de Rio Verde – FESURV
6
Fisioterapeuta do Hospital Municipal de Rio Verde – GO
7
Docente da Universidade de Rio Verde – FESURV
2
82
Palavras-chaves: DPOC; pneumopatias obstrutivas; reabilitação; desnutrição;
condicionamento físico humano; anormalidades musculoesqueléticas; tolerância ao
exercício.
ABSTRACT
Chronic obstructive pulmonary disease (COPD) is characterized by limitation or
obstruction of airflow to slow progression and partially reversible, usually diagnosed
between the fifth and sixth decade of life. It is a major cause of morbidity and
mortality in the world and can no longer be considered a pulmonary disease only to
present important extrapulmonary involvement, which contribute in determining the
prognosis of the disease. Through the numerous changes generated by the disease
and the socioeconomic impact of the same, this study was performed in order to
demonstrate, through a literature review, the major musculoskeletal abnormalities in
individuals with COPD and their effects on physical capacity. This study is restricted
to research of the last thirteen years in the data banks Bireme, Lilacs, Medline,
Scielo, among others. It was found that the protein energy changes are very frequent
in patients with COPD, and the causes of such changes are multifactorial. The
increase of inflammatory mediators in the disease reduces the weight and,
consequently, in the absence of reserve body muscle mass is degraded generating
muscle depletion, including the diaphragm. The combination of all these changes
trigger the dyspnea, and protection mechanism of it, is the unconditioned physical.
Thus, the literature shows that physical training is able to break the vicious circle of
unconditioned. It was concluded that in addition to cardiovascular and muscular
adaptations, it provides an increase in the threshold of perception of dyspnea and
improves quality of life. Also, reduces the mortality rate, reducing hospitalizations and
socioeconomic costs.
Keywords: COPD; obstructive lung diseases; rehabilitation; malnutrition; human
physical fitness; musculoskeletal abnormalities; exercise tolerance.
1. INTRODUÇÃO
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) caracteriza-se pela presença
de obstrução ou limitação crônica do fluxo aéreo de progressão lenta e parcialmente
irreversível e está associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões a
partículas ou gases nocivos (MACEDO; VIEIRA; QUIRINO; FONSECA; FREITAS
FILHO; CABRAL; SILVA, 2011).
A doença pulmonar obstrutiva crônica é reconhecida, como a quarta causa de
morte no mundo, estima-se que ela mata mais de 2,75 milhões de pessoas/ano,
83
matando uma pessoa a cada 10 segundos. No Brasil, são cerca de 7000000 de
doentes e aproximadamente 40000 mortes/ano. Por não ter cura e gerar frequentes
agudizações, causa muitas hospitalizações o que gera um grande custo assistencial
e a torna a doença respiratória mais dispendiosa para o Sistema Único de Saúde
(SUS) (BIONDO; SANTOS; SILVA, 2011; GONÇALVES; SANTANA; AZEVEDO,
2012).
A DPOC é uma doença primária do aparelho respiratório. Porém, atualmente
é considerada uma doença de ordem sistêmica causando manifestações
extrapulmonares como aumento dos níveis de mediadores inflamatórios, alterações
nutricionais, osteoporose, resposta cardiovascular inadequada ao exercício,
diminuição da massa muscular, da capacidade física e da qualidade de vida destes
pacientes com importantes repercussões no prognóstico e sobrevida dos mesmos
(DOURADO; TANNI; VALE; FAGANELLO; SANCHEZ; GODOY, 2006; RIBEIRO;
VIEGAS, 2008; ANTÓNIO; GONÇALVES; TAVARES, 2010).
Frente às inúmeras alterações decorrentes do processo fisiopatológico da
DPOC e as repercussões que estas causam no organismo e o impacto
socioeconômico da doença. Este estudo tem como objetivo evidenciar através de
uma revisão da literatura as principais alterações musculoesqueléticas dos
portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica e os principais efeitos na
capacidade física.
2. METODOLOGIA
O presente trabalho trata-se de uma revisão narrativa da literatura científica. As
bases de dados Medline e Lilacs, bireme, scielo, teses, dissertações, consensos,
diretrizes
e
literatura
relacionados ao
reabilitação;
clássica
assunto desta
desnutrição;
foram
consultadas,
revisão;
condicionamento
utilizando-se
unitermos
DPOC; pneumopatias obstrutivas;
físico
humano;
anormalidades
musculoesqueléticas; tolerância ao exercício. O período da pesquisa foi restrito às
publicações dos últimos treze anos.
84
3. DESENVOLVIMENTO
3.1 Alterações Musculoesqueléticas Na DPOC
A desnutrição proteico-energética é uma manifestação comum em pacientes
com doença pulmonar obstrutiva crônica, observada em 25% dos pacientes
ambulatoriais e em 50% dos pacientes hospitalares (BIONDO; SANTOS; SILVA,
2011).
Citocinas como interleucina 1 Beta (IL-1β) e Fator de Necrose Tumoral (TNF)
pode levar a proteólise, através da ativação da enzima ubiquitina proteossoma
presente nos músculos esqueléticos periféricos, causando quebra de proteínas
miofibrilares e intracelular de células eucariontes, e anorexia (DOURADO; TANNI;
VALE; FAGANELLO; SANCHEZ; GODOY, 2006; VOLTARELLI; MELLO, 2008).
A depleção de massa muscular é o principal efeito negativo da desnutrição.
Na ausência de reserva corporal de gordura o organismo mobiliza a reserva corporal
de proteína para ser utilizada como fonte de energia ocorrendo desta forma
depleção muscular. Essas alterações afetam os músculos ventilatórios reduzindo
sua massa e contribuindo para diminuir força e resistência dos músculos
respiratórios tornando-os menos eficientes (FENANDES; BEZERRA, 2006; AQUINO;
PERES; LOPES; CASTRO; COELHO; CUNHA FILHO, 2010).
Estudos verificaram que a desvantagem mecânica do diafragma, pela
hiperinsulflação pulmonar leva ao encurtamento dos sarcômeros e a diminuição da
força muscular respiratória. A hiperinsulflação reduz a zona de aposição diminuindo
a ação do diafragma sobre as costelas na última fase da inspiração. Nessa
condição, o recrutamento de músculos acessórios, junto com o diafragma para
vencer a pressão inspiratória final intrínseca aumenta o consumo de O2 gerando
85
maior gasto energético (VELLOSO; JARDIM, 2006; ALMEIDA; COLUCCI; DIB,
2009).
Entre os pacientes com DPOC, 50% sofrem limitação em suas atividades em
consequência dos déficits respiratórios adotando um estilo de vida sedentário como
mecanismo
protetor
da
dispnéia
que
se
agrava
ainda
mais
pelo
descondicionamento. Embora a dispnéia proveniente da limitação ventilatória seja
vista como a maior causa de intolerância ao exercício, estudos verificam que
indivíduos portadores de DPOC moderada e grave interrompem o exercício por
fadiga muscular de membros inferiores e não pela dispnéia (BITTENCOURT;
KNORST, 2009; MIRANDA; MALAGUTI; CORSO, 2011).
O desuso está associado ao maior estresse oxidativo, à redução de força
muscular, redução da atividade neuronal e maior consumo muscular para
manutenção energética, desencadeando atrofia muscular e mudança na proporção
das fibras musculares com redução das fibras tipo I e aumento das fibras tipo II
(ALMEIDA; COLUCCI; DIB, 2009; STEIDL; TASSINARI; MACHADO; ANTUNES;
PASQUALOTO; LUCHESE, 2012).
A
hipoxemia
e
a
diminuição
do
condicionamento
possuem
como
consequência a substituição da miosina de cadeia leve (MCL), típica da fibra tipo I,
por miosina de cadeia pesada (MCP), típica das fibras tipo II (DOURADO; GODOY,
2006; ANTÓNIO; GONÇALVES; TAVARES, 2010).
O TNF-alfa e o interferon IFN-Y afetam a regulação muscular por inibição da
formação de novas miofibrilas, pela degradação de novos miotúbulos formados e
pela inatividade da reparação do músculo lesado. O TNF-alfa também compromete
a função contrátil do diafragma e músculo periférico através do bloqueio da resposta
do miofilamento ao cálcio (FERREIRA, 2003).
Pacientes com DPOC apresentam reduzida quantidade de fosfocreatina (CP)
e baixa capacidade de ressintetizá-la. O sistema ATP-CP é fundamental os primeiros
instantes de qualquer atividade física e sua atividade protela a lactoacidose. Assim,
o déficit de CP associado à baixa concentração de enzimas oxidativas e a
manutenção ou aumento da concentração de enzimas glicolíticas faz com que a
acidose metabólica devida ao acúmulo de ácido lático ocorra precocemente nesses
86
indivíduos (DOURADO; GODOY, 2006; RONDELLI; DAL CORSO; SIMÕES;
MALAGUTI, 2009).
Quando o organismo lança mão do metabolismo anaeróbio, mais eficiente
que o aeróbico, ocorre o acúmulo precoce de ácido lático no músculo. O ácido lático
é tamponado pelo bicarbonato de sódio com consequente produção de gás
carbônico e estímulo da ventilação e aumento do volume minuto resultando em
maior dispnéia e redução da atividade física e maior descondicionamento muscular.
Isso causa anaerobiose cada vez mais precoce e desencadeia o círculo vicioso do
sedentarismo (GULINI; LIMA, 2006).
A disfunção dos músculos periféricos é uma das principais manifestações
extrapulmonares da DPOC. Embora sua causa seja multifatorial a perda progressiva
do condicionamento físico é a principal causa das alterações musculares. Pacientes
com DPOC apresentam redução da força muscular de membros superiores e
inferiores quando comparado com conjures controle (DOURADO; GODOY, 2006;
POSSANI; CARVALHO; PROBST; PITTA; BRUNETTO, 2009).
Esforços de membros superiores (MMSS) não sustentado levam a disfunção
neuromecânica (dissincronia toracoabdominal) e a dispnéia em tempo mais curto e
com menor consumo de oxigênio do que os exercícios de membros inferiores.
Exercícios que envolvem elevação dos membros superiores levam à diminuição das
reservas metabólicas e ventilatória, aumento da sensação de dispnéia, diminuição
ao exercício e limitação das AVD’s nos indivíduos com DPOC (SANTOS; KARLOH;
AQUINO; MAYER, 2010).
Embora as atividades que envolvam os membros superiores são as que mais
causam dispnéia, a diminuição da força muscular é predominantemente em
membros inferiores, pois, estes pacientes frequentemente evitam atividades
relacionadas à marcha como mecanismo de proteção da dispnéia, enquanto a força
de membros superiores permanece preservada uma vez que, a maioria das AVD’s
requer o uso da musculatura de membros superiores. Consequentemente a
diminuição da força muscular de membros inferiores, surge o descondicionamento
físico que agrava a dispnéia e compromete a realização de atividades de vida diária,
levando estes pacientes ao quadro de dependência para tais atividades.
87
Estudos mostram que a diminuição de força muscular é preferencialmente
localizada em membros inferiores isto pode ser explicado em parte pela menor
sustentação de atividades como caminhar e ficar na posição ortostática ao contrário,
os pacientes com DPOC gasta maior parte do tempo em posição sentada e deitada
com relatos na literatura de redução de 50% da resistência muscular de quadríceps
(DOURADO; GODOY, 2006; MIRANDA; MALAGUTI; DAL CORSO, 2009; SANTOS;
KARLOH; AQUINO; MAYER, 2010).
A força muscular de quadríceps reflete melhor a função dos músculos de
membros inferiores e, além de estar associada à menor sobrevida é um melhor
preditor de mortalidade que o IMC, idade e VEF1. Além de contribuir para
intolerância ao exercício a disfunção muscular periférica constitui um dos fatores
determinantes do prognóstico dos pacientes com DPOC (RIBEIRO; GODOY, 2008;
SILVA; DOURADO, 2008).
O uso crônico de corticosteróide no tratamento de DPOC está associado com
fraqueza e perda de massa. Glicorticóide inibe a síntese e estimula a degradação de
proteína e impede o transporte de aminoácidos para dentro das células musculares
(FERREIRA, 2003; POSSANI; CARVALHO; PROBST; PITTA; BRUNETTO, 2009).
3.2
Capacidade Física Em Portadores De DPOC
A capacidade física constitui-se um determinante para a realização das
atividades de vida diária (AVD’s), as quais são fundamentais para a manutenção da
qualidade de vida em indivíduos com doenças crônicas como a DPOC (ANTÓNIO;
GONÇALVES; TAVARES, 2010).
Os pacientes portadores de DPOC apresentam redução importante da
capacidade física devido a vários fatores, tais como hiperinsulflação dinâmica e
aumento do metabolismo muscular glicolítico acompanhado de descondicionamento
físico progressivo associado à inatividade (LAIZO, 2009).
A razão para prescrição de exercícios para pacientes com DPOC é melhorar
a capacidade física e o desempenho nas AVD’s. É através da reabilitação que o
círculo vicioso da dispnéia e descondicionamento é rompido e o exercício constitui88
se o estímulo fisiológico perturbador da homeostasia mais estudado que estimula
respostas do sistema cardiovascular e metabólico promovendo a dessensibilização
da dispnéia além de melhorar força, flexibilidade e coordenação motora
(BITTENCOURT; KNORST, 2009).
Para prescrição de exercício para pacientes com DPOC é preciso que se
compreendam os princípios do treinamento físico; especificidade do treinamento (o
treino de músculos ou grupos musculares é benéfico apenas para o grupo treinado e
atinge apenas o objetivo específico do tipo de treinamento empregado) sobrecarga,
deve-se especificar a intensidade, a frequência e a duração do treino (quanto maior
o número de sessões e mais intenso, maiores são os resultados) reversibilidade (o
efeito obtido pelo treinamento é perdido após a cessação do exercício de forma
gradual) individualização (a limitação individual deve ser avaliada para prescrição de
exercício) (GULINI; LIMA, 2006; ANTÓNIO; GONÇALVES; TAVARES, 2010).
Nos programas de exercícios adotados em reabilitação duas modalidades são
essenciais: treino aeróbico ou endurance, exercícios de alta intensidade e longa
duração, utiliza grandes grupos musculares, treino de força ou resistence, alta
intensidade e
curta duração
direcionado
a
pequenos grupos musculares
(PAMPLONA; MORAIS, 2007; ALMEIDA; COLUCCI; DIB, 2009; MANGABEIRA;
MACEDO, 2012).
Com o treinamento aeróbico ocorrem adaptações cardiovasculares, sendo
relatado na literatura o aumento do tamanho do coração; o miocárdio é um músculo
estriado e com o treinamento ocorre hipertrofia e gera maior força de contração e
aumento do volume de ejeção que passa a manter o débito cardíaco. A frequência
cardíaca (FC) diminui em função da maior atuação do sistema parassimpático
permitindo maior tempo de diástole, e com o treinamento ocorre também aumento
do fluxo sanguíneo através do aumento da capilarização dos músculos treinados,
reabertura dos capilares já existentes redistribuindo o sangue de forma mais efetiva.
O volume sanguíneo aumenta em função da retenção de albumina e aumento da
produção de hormônio antidiurético, consequentemente maior volume de sangue
retorna ao coração gerando maior distensibilidade e maior força de contração e
como resultado gera hipertrofia (POWERS; HOWLEY, 2000).
89
A
resposta
ao
treinamento
aeróbico
sofre
influência
do
nível
de
condicionamento, da hereditariedade, sexo e idade sendo este último, importante
para os programas de reabilitação uma vez que a DPOC é diagnosticada na maioria
dos casos entre a quinta e sexta década de vida.
As alterações fisiológicas do envelhecimento associada à doença respiratória
crônica diminuem a capacidade aeróbica destes indivíduos e constitui um importante
fator limitante a ser considerado durante um programa de treinamento uma vez, que
a maior parte dos pacientes com DPOC são idosos (FERNANDES; BEZERRA,
2006; SIMÕES; DIAS; BRITTO, 2007; VIEIRA; BOTTARO; CELES; VIEGAS; SILVA,
2010).
Durante muitos anos estudos afirmavam que o efeito do treinamento aeróbico
não era alcançado por pacientes com DPOC. Tais estudos sustentavam esta
afirmação através do argumento de que os pacientes com DPOC grave não
conseguiam atingir a intensidade ideal do treinamento capaz de promover
adaptações. Estudos posteriores verificaram que o treino em indivíduos com DPOC
desencadeava metabolismo anaeróbio e início precoce da acidose lática. Portanto, a
intensidade do treinamento pode ser baseada na limitação dos sintomas. Com o
passar do treinamento ocorre melhora significativa com redução da FC, da
ventilação, dos níveis de lactato e aumento das enzimas oxidativas comprovando
melhora do metabolismo aeróbico (GULINI; LIMA, 2006; PAMPLONA; MORAIS,
2007; MARRARA; LOURENZO, 2007; TASSINARI; MACHADO; ANTUNES;
PAQUALOTO; LUCHESE, 2012).
O treinamento de membros superiores em portadores de DPOC tem como
objetivo incrementar atividade de vida diária (AVD) uma vez que, a grande maioria
destas atividades requer o uso de membros superiores. Com o treinamento
incrementa-se força e endurance aos músculos, reduz a demanda ventilatória e
melhora a atividade muscular da cintura escapular (MARRARA; LOURENZO, 2007).
O treino de endurance de membros superiores é menos eficaz que o de
membros inferiores para melhora da capacidade funcional, porém, o recrutamento
cardiovascular é mais intenso no treino de membros superiores que o treino
específico de membros inferiores (PAMPLONA; MORAIS, 2007; ANTÓNIO;
GONÇALVES; TAVARES, 2010).
90
Durante o exercício submáximo, o maior condicionamento resulta em uma
frequência cardíaca menor em uma determinada taxa de trabalho. Essa diminuição
da frequência cardíaca indica maior eficiência cardíaca obtida pelas adaptações ao
treinamento, supondo que o coração treinado realize um trabalho menor por
aumentar sua força de contração levando a um maior volume de ejeção,
consequentemente a frequência cardíaca diminui para aumentar o tempo de
enchimento ventricular. Assim, o débito cardíaco é mantido através do aumento do
volume de ejeção e não pela frequência cardíaca (POWERS; HOWLEY, 2000).
Um estudo composto por uma amostra de dez pacientes de ambos os sexos,
submetidos a oito semanas de treinamento muscular respiratório, exercícios em
cicloergômetro e exercício para membros superiores não foram observadas
diferenças significativas nas variáveis fisiológicas frequência cardíaca e saturação
periférica de hemoglobina pelo oxigênio (SpO2) (RIBEIRO; TOLEDO; COSTA;
PÊGAS; REYES, 2005).
Outro estudo realizado, composto por vinte indivíduos dos quais, dez foram
inseridos em um programa de treinamento físico há seis meses e dez sedentários,
ao avaliar a FC durante a realização de atividades cotidianas que envolvem
membros superiores verificou-se que o grupo treinado apresentou diminuição da FC
quando comparado ao grupo não treinado e a SpO 2 não apresentou queda durante
as AVD’s inferindo melhora da oxigenação (REGUEIRO; LOURENZO; PARIZOTTO;
NEGRINI; SAMPAIO, 2006).
Uma amostra composta por quarenta pacientes portadores de DPOC em
diferentes níveis de gravidade da doença submetidos a oito semanas de treinamento
físico verificou uma redução da FC pós-treinamento, bem como redução da
sensação subjetiva de dispnéia e dor em membros inferiores e melhora da tolerância
ao exercício físico de forma semelhante, evidenciando que pacientes em todas as
fases se beneficiam com o treinamento (GULINI; LIMA, 2006).
Com o treinamento ocorre um aumento do volume plasmático e um discreto
aumento do volume de eritrócitos. No entanto, o volume plasmático supera o volume
de eritrócito e por esta razão o hematócrito diminui. Com isso, ocorre a redução da
viscosidade sanguínea e aumento da liberação de oxigênio aos tecidos. Tanto a
quantidade
total de hemoglobina
como o
total de eritrócito
encontra-se
91
discretamente acima dos valores normais após o treinamento, garantindo uma maior
capacidade de transporte de transporte de oxigênio (O2) (POWERS; HOWLEY,
2000).
A redução de massa muscular é predominante em membros inferiores visto
que, as atividades relacionadas à marcha são evitadas como mecanismo protetor da
dispnéia. Portanto, a força muscular de quadríceps reflete a função muscular dos
membros inferiores e relaciona-se com a distância percorrida no teste de caminhada
de seis minutos. Alguns autores consideram que o aumento da distância percorrida
de 50-54 metros após a realização de um programa de treinamento reflete melhora
da
capacidade
física
(GULINI;
LIMA,
2006;
DOURADO;
TANNI;
VALE;
FAGANELLO; SANCHEZ; GODOY, 2006; PAMPLONA; MORAIS, 2007; MARRARA;
LOURENZO, 2007; RIBEIRO; VIEGAS, 2008).
O treinamento físico foi proposto como o método mais eficaz para
dessensibilização da dispnéia e para que isso ocorra o doente deverá ser exposto a
níveis superiores de dispnéia que o habitual em ambiente seguro melhorando a
eficácia em lidar com o sintoma e aumento do limiar de percepção (PAMPLONA;
MORAIS, 2007).
Estudos verificam uma redução da percepção da dispnéia após o programa
de treinamento físico (RIBEIRO; TOLEDO; COSTA; PÊGAS; REYES, 2005; GULINI;
LIMA, 2006; MARRARA; LOURENZO, 2007).
Exercícios são incluídos como parte do programa de reabilitação pulmonar,
porém, ainda não existe um protocolo estabelecido mundialmente para reabilitação
do paciente com DPOC, tornando a prescrição de exercício bastante diversificada e
os parâmetros de monitorização variados. O período de reabilitação pulmonar é
muito variado; seis, oito, nove, dez, doze ou vinte e seis semanas (ZANCHET;
VIEGAS; LIMA, 2005; ANTÓNIO; GONÇALVES; TAVARES, 2010).
A duração de um programa de reabilitação é muito discutida atualmente, pois,
sabe-se que a perda progressiva dos benefícios ocorre após a sua suspensão. A
frequência e a duração do treinamento físico podem variar de 3 a 5 vezes por
semana de 30 a 90 minutos por sessão de 6 a 12 meses. Porém, estudos mostram
que programas com duração maior que oito semanas apresentam melhores
92
resultados que os de curta duração (GULINI; LIMA, 2006; PAMPLONA; MORAIS,
2007).
As alterações nutricionais presentes nos pacientes com DPOC associadas às
alterações musculares, expostas ao longo deste estudo, intensificam o ciclo do
descondicionamento e inatividade e leva à maior exacerbação da doença, maior
índice de internação hospitalar, pior prognóstico, menor sobrevida destes pacientes
e consequentemente requer maiores custos com o tratamento. O treinamento físico
surge como parte fundamental do tratamento de indivíduos com doença pulmonar
obstrutiva crônica por promover adaptações cardiorrespiratórias e musculares
refletindo em melhora da qualidade de vida, menor índice de exacerbações e
internações e custos menos dispendiosos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente revisão permite afirmar que a doença pulmonar obstrutiva crônica
não é apenas uma doença do aparelho respiratório, mas, uma doença com
alterações sistêmicas caracterizada por um processo inflamatório constante. As
células
inflamatórias
levam
a
alteração
do
metabolismo
da
leptina
e
hipermetabolismo resultando em desnutrição destes pacientes. O principal efeito
negativo da desnutrição na DPOC é a depleção muscular, pois, o organismo começa
a mobilizar as reservas de proteína para utilizar como fonte de energia e
conseqüentemente leva a alterações musculares resultando em diminuição de força
e resistência tanto dos músculos periféricos quanto dos músculos respiratórios.
Além das alterações nutricionais as alterações da caixa torácica levam a
desvantagem mecânica do diafragma e encurtamento de suas fibras, em função
disto ocorre uma diminuição da capacidade de suprir as demandas durante o
exercício
e
dispnéia,
como
mecanismo
protetor
da
dispnéia
surge
o
descondicionamento físico. O desuso associado ao maior estresse oxidativo e
depleção muscular leva a hipotrofia muscular e substituição das fibras do tipo I pelas
fibras do tipo II. A disfunção muscular periférica é uma das principais alterações
extrapulmonares da DPOC, pois, em função destas alterações surge o
93
descondicionamento que agrava ainda mais a dispnéia gerando o círculo vicioso do
sedentarismo.
O treinamento físico constitui a base do programa de reabilitação pulmonar
uma vez que, age diretamente no círculo vicioso do sedentarismo. O treinamento
possui como principais efeitos a dessensibilização da dispnéia, aumento das fibras
do tipo I, aumento da massa muscular, melhor oxigenação tecidual, maior eficiência
cardíaca, maior tolerância ao exercício com decréscimo do índice de internações
hospitalares, melhor prognostico e aumento da sobrevida do paciente refletindo
diretamente na qualidade de vida.
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