HELDER NOZIMA PEREIRA UMA ANÁLISE HISTÓRICO-TEOLÓGICA DO BATISMO INFANTIL BRASÍLIA 2006 HELDER NOZIMA PEREIRA UMA ANÁLISE HISTÓRICO-TEOLÓGICA DO BATISMO INFANTIL Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Teologia do Seminário Presbiteriano de Brasília, como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel. Orientador: Rev. Geraldo Henrique Lemos Barbosa. BRASÍLIA 2006 ii TERMO DE APROVAÇÃO O BATISMO INFANTIL: PRÁTICA BÍBLICA OU RESQUÍCIO DO CATOLICISMO ROMANO? Por HELDER NOZIMA PEREIRA Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Teologia do Seminário Presbiteriano de Brasília, como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel, sob avaliação da seguinte banca examinadora: ___________________________________________________________ Rev. Osvaldo de Oliveira Reis ____________________________________________________________ Rev. Luciano Carneiro Ximenes ____________________________________________________________ Rev. Geraldo Henrique Lemos Barbosa Orientador: Prof. Rev. Geraldo Henrique Lemos Barbosa. Brasília, 02 de outubro de 2006 iii Dedico esta monografia: Ao Deus Único, o qual me escolheu antes dos tempos eternos, enviou o Seu Filho para morrer em meu favor, selou-me com o Seu Espírito e me separou para o ministério. A Ele toda a honra e toda a glória! Aos irmãos da lista “Cristãos Reformados”, em especial o Pb. Anamim Lopes Silva, e ao Rev. Marcos Alexandre dos Reis Guimarães Faria, que me conduziram ao presbiterianismo. À minha família, pelo apoio, cuidado e incentivo para que eu chegasse até aqui. Obrigado pelas suas orações! Amo vocês! À Luciane Oliveira Bertulino. iv AGRADECIMENTOS Quero começar agradecendo ao Senhor. Ele é a razão deste trabalho, e sem a Sua permissão, não poderia concluí-Lo. Que esta monografia sirva para o engrandecimento de Seu Santo nome. Agradeço também ao Rev. Geraldo Henrique Lemos Barbosa, pelo amor e paciência com que orientou as minhas leituras. Não poderia deixar de me lembrar da revisão feita pela minha namorada, Luciane Bertulino, que, pacientemente, leu este trabalho. Deixo a ela a minha gratidão. Agradeço também aos meus colegas de Seminário pelo apoio e incentivo. Foi muito bom poder caminhar com vocês nestes anos. v SUMÁRIO RESUMO............................................................................................................ vii INTRODUÇÃO.................................................................................................. 01 1) A DOUTRINA DO BATISMO NA HISTÓRIA......................................... 03 1.1) Antecedentes........................................................................................... 03 1.2) No Novo Testamento.............................................................................. 04 1.3) No Período Patrístico.............................................................................. 05 1.4) Na Idade Média....................................................................................... 08 1.5) Na Reforma Protestante.......................................................................... 09 1.6) No Período Puritano................................................................................ 13 1.7) Na Época Atual....................................................................................... 14 2) O PONTO DE VISTA CATÓLICO ROMANO.......................................... 16 2.1) Definição de Sacramento............................................................................. 16 2.2) Evolução do Conceito de Sacramento......................................................... 18 2.3) Definição de Batismo.................................................................................. 21 2.4) Visão Bíblico-Teológica do Batismo.......................................................... 22 3) O PONTO DE VISTA BATISTA.................................................................. 26 3.1) Batismo: Sacramento ou Ordenança?.......................................................... 26 3.2) Definição de Batismo.................................................................................. 27 3.3) Visão Bíblico-Teológica do Batismo.......................................................... 28 3.4) Argumentos Contra O Pedobatismo............................................................ 34 4) O PONTO DE VISTA REFORMADO.......................................................... 45 4.1) Definição de Sacramento............................................................................. 45 4.2) Definição de Batismo.................................................................................. 48 4.3) Visão Bíblico-Teológica do Batismo.......................................................... 50 4.4) Respostas Às Objeções Batistas.................................................................. 64 CONCLUSÃO.................................................................................................... 68 BIBLIOGRAFIA................................................................................................ 72 vi RESUMO Esta monografia é uma análise histórico-teológica da doutrina do batismo infantil, com a finalidade de descobrir qual é a forma de entendimento mais bíblica acerca deste assunto. A introdução trata da problematização, relevância, metodologia e objetivos deste trabalho. A seguir, é feita uma análise histórica do desenvolvimento da doutrina e prática do batismo de crianças. A posição católica é estudada, com o uso de documentos oficiais, como “O Catecismo Para a Igreja Católica: Compêndio” e o pensamento de teólogos como Régis Duffy. O mesmo é feito com a posição batista, usando a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, a Confissão de Fé de Londres de 1689 e o trabalho de vários teólogos representativos, como Millard Erickson e Wayne Grudem. A posição reformada é analisada, partindo do Cap. XVIII, Art. IV da Confissão de Fé de Westminster e as obras de João Calvino, Charles Hodge e outros. Por fim, na conclusão há uma análise sobre qual a posição mais bíblica. vii INTRODUÇÃO Esta monografia é uma análise histórica e teológica da prática do batismo infantil (pedobatismo) nas igrejas cristãs, a partir de um estudo de três concepções sobre o assunto: a católica, a reformada e a batista, com o objetivo de apontar qual destas concepções é a mais próxima do ensino da Bíblia. A seguinte definição de termos foi adotada: por “católico”, deve-se entender as posições assumidas pela Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR). Já por “reformado” deve-se entender as igrejas protestantes que praticam o pedobatismo, o que neste trabalho inclui não apenas aquelas ligadas ao pensamento de João Calvino (reformadas, presbiterianas, anglicanas e outras), mas também aquelas que seguem os ensinos de Martinho Lutero (luteranas). O termo “batista” é usado para todas as igrejas e teólogos protestantes que condenam a prática do pedobatismo. A motivação desta pesquisa é o desejo do autor de apontar qual a visão mais bíblica sobre este tema, tendo em vista a diversidade de visões presentes nas igrejas cristãs. Esta diversidade leva a uma série de desdobramentos práticos. É praxe, por exemplo, das igrejas afiliadas à Convenção Batista Brasileira (CBB), negar a Ceia do Senhor aos presbiterianos batizados na infância enquanto os últimos não forem rebatizados, de acordo com as crenças da CBB. Se uma pessoa batizada na infância pedir transferência para uma igreja da CBB, ela terá que definir se aceita ou não o rebatismo. A aceitação ou rejeição do pedobatismo também traz implicações sobre qual o conceito correto de Igreja, e qual o lugar das crianças no Corpo de Cristo. Até mesmo a forma como os diferentes pactos entre Deus e o Seu povo são vistos, ou qual o verdadeiro papel dos sacramentos são questões influenciadas por este tema. Portanto, o objetivo geral deste trabalho é analisar as visões católica, batista e reformada sobre o batismo, à luz da Escritura, da história eclesiástica e da teologia sistemática. Inicialmente, será mostrado como o conceito e a prática do batismo se desenvolveram ao longo da História, desde a época do Novo Testamento até os dias atuais, verificado como cada posição usa os textos da Escritura que tratam do batismo, e qual a argumentação teológica construída em cima deste alicerce. Também será viii analisado como a formulação doutrinária e a prática destas diferentes visões foram estruturadas ao longo da História da Igreja. A seguir, será mostrado como os católicos argumentam teologicamente o seu ponto de vista sobre o pedobatismo, considerando as Escrituras, os documentos de fé da ICAR e os escritos de autores representativos desta visão. O mesmo será feito nos capítulos subseqüentes em relação às visões batista e reformada. A metodologia utilizada será a revisão bibliográfica de credos, confissões de fé e livros de autores representativos das três posições. Inicialmente, será descrito o desenvolvimento histórico do conceito e da prática do batismo. A seguir, cada posição receberá um capítulo à parte, onde serão analisados seus credos ou confissões de fé, juntamente com exemplos de autores que seguem os padrões confessionais. No final, o autor apontará qual destas posições é a mais bíblica e argumentará em favor de uma delas. ix 1) A DOUTRINA DO BATISMO NA HISTÓRIA Ao longo da História, a elaboração teológica e a prática litúrgica do batismo sofreram modificações. Uma investigação histórica sobre estas mudanças ajudará a entender quais as indagações que levaram à consolidação das posições católica, reformada e batista. 1.1) ANTECEDENTES Na época do Novo Testamento, o batismo era um ritual usado por vários grupos. Ele era praticado por religiões orientais de mistério como um rito de iniciação, muitas vezes em sangue1. Cerimônias similares eram realizadas por egípcios, persas e hindus, mas eram mais comuns nas religiões greco-romanas, por meio de banhos de mar ou aspersões2. Os judeus também estavam familiarizados com esta cerimônia, usada na conversão de prosélitos. Os judeus sectários de Qumran usavam os batismos em seus rituais de purificação3. Entretanto, isso ainda é objeto de discussão entre os eruditos. Watson, por exemplo, questiona se o batismo de prosélitos era praticado antes dos dias de Jesus: A investigação neste obscuro assunto tem continuado, desde a época de Fairbain e Lindsay, e agora a maioria dos eruditos, batistas e pedobatistas, concorda que existe suficiente evidência para comprovar que o batismo de prosélitos do judaísmo era conhecido e praticado durante as últimas décadas do primeiro século D.C. Se era ou não uma prática conhecida antes da destruição de Jerusalém, em 70 D.C., isto ainda é assunto de debates. No momento, podemos dizer que não existe prova segura de que os judeus batizavam prosélitos, antes da vinda de Cristo.4 Watson também lembra que os filhos de prosélitos que tivessem nascido após o batismo de seus pais, não recebiam o batismo, pois já eram nascidos em santidade5. Se o batismo cristão é uma cópia do batismo judeu, seria de se esperar que as crianças nascidas após o batismo de seus pais cristãos não recebessem este sacramento. Esta hipótese, a saber, que os filhos nascidos após a conversão de seus pais não eram batizados, foi defendida por Oscar Cullmann: “No caso que se refere a 1 Co 7.14 não se trata de uma evolução que vai do batismo de adultos ao de crianças, mas que a primitiva 1 DOCKERY, David S. (ed.), Manual Bíblico Vida Nova, p.719. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática, p.575. 3 Dockery, p.719. 4 WATSON, Bebês devem ser batizados?, p.15. 5 Idem, p.16. 2 x comunidade cristã, como a comunidade Israelita, renunciava o batismo dos filhos nascidos de pais cristãos, mas que depois passou ao batismo das crianças, sempre segundo a mesma noção coletiva de santidade”6. Contudo, é altamente provável que o batismo ou banho de purificação dos prosélitos (pagãos convertidos ao judaísmo) fosse algo comum na Palestina do século I. Joachim Jeremias o prova citando uma disputa entre as escolas rabínicas de Shamai e Hilel acerca da conversão de três pagãos: É para a Jerusalém das últimas décadas antes de nossa era que nos conduz o relato da conversão ao judaísmo de três pagãos rejeitados por Shamai, mas acolhidos por Hilel. Além desse, um caso particular, objeto de uma discussão entre shamaítas e hilelitas, pertence ao ano 30 de nossa era. Os shamaítas declaravam lícito o banho do prosélito no dia de sua circuncisão; os hilelitas, por seu lado, exigiam um intervalo de sete dias entre a circuncisão e o banho, pois, atribuíam ao pagão a impureza do cadáver (...) Uma única coisa é certa: são pagãos que se converteram ao judaísmo, e o fato se deu antes de 30, pois, conforme mostra o Novo Testamento, o critério shamaíta não servia mais de regra no tempo de Jesus7. Donald Bridge e David Phypers concordam: Nos dois séculos que antecederam e se seguiram ao nascimento de Jesus, o batismo de prosélitos foi amplamente praticado. Para os gentios, nascidos pagãos, que eram atraídos para a fé no único Deus vivo, o batismo marcava a entrada na aliança dos judeus. Esse banho cerimonial era acrescentado à circuncisão, a fim de cobrir a impureza cerimonial sofrida após a conversão8. A comprovação deste fato é de grande importância porque os filhos dos prosélitos também eram batizados: De acordo com as autoridades judaicas citadas por Wall em History of Infant Baptism (História do Batismo Infantil), esse batismo tinha que ser ministrado na presença de duas ou três testemunhas. As crianças cujos pais recebiam esse batismo, desde que nascidas antes da administração do rito, também eram batizadas, à solicitação do pai, contanto que não fossem de idade (os meninos, treze anos e as meninas doze), mas se fossem de idade, somente à solicitação delas próprias. As crianças nascidas após o batismo do pai ou dos pais, eram tidas por limpas e, daí, não necessitavam do batismo9. 1.2) NO NOVO TESTAMENTO 6 Barth e Cullmann, p.94. JEREMIAS, Joachim. Jerusalém nos tempos de Jesus, p.425. 8 BRIDGE, Donald e PHYPERS, David. Águas que dividem: uma reflexão sobre a doutrina do batismo, p.19-20. 9 Berkhof, Teologia Sistemática, p.575. 7 xi Assim sendo, quando João Batista iniciou o seu ministério, a novidade que ele trazia não era o ritual do batismo, mas sim o duplo significado dado por ele. João batizava para arrependimento, exortando os judeus a deixarem seus pecados e se voltarem para a Lei, uma ênfase similar às lavagens de purificação típicas do judaísmo10. Por outro lado, João batizava para anunciar a vinda do Messias. Enquanto ele batizava com água, o Messias viria para batizar com o Espírito Santo e com fogo (Mt 3:11; Mc 1:8; Jo 1:33)11. O ministério público de Jesus começou exatamente com o seu batismo. Ali, ele recebeu o Espírito Santo e foi proclamado como Messias por João Batista. O Evangelho de João diz que Jesus, ou melhor, seus discípulos, batizavam, mas não há mais nenhum relato nos Evangelhos que mostre Jesus batizando pessoas. O batismo só reaparece no final da presença de Jesus na terra, quando Ele, já ressurreto, dá a Grande Comissão, com a ordem de batizar os seus discípulos (Mt 28:18-20)12. Os apóstolos foram fiéis à ordem, e o livro de Atos é repleto de relatos de batismos. Assim como João, os apóstolos enfatizavam o arrependimento (At 2:38). O Espírito Santo prometido agora se fazia presente. Em Atos 2:38, Pedro disse aos judeus para serem batizados, e, então, receberiam o dom do Espírito Santo. Na conversão de Saulo, Ananias disse que ele veio orar para que Saulo fosse curado e cheio do Espírito Santo (At 9:17). A seguir, ele batizou-o (At 9:18). Depois que Cornélio e os seus receberam o Espírito Santo, Pedro ordenou que eles fossem batizados (At 10:45-48) e os homens de Éfeso também receberam o Espírito quando Paulo orou por eles, após o batismo deles (At 19:5-6). O mesmo Paulo diz que “todos nós fomos batizados em um único Espírito” (1 Co 12:13) e fala do “lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3:5,7). Embora outros textos mostrem o batismo e o recebimento do Espírito Santo como sendo dois eventos distintas, como enfatizam os pentecostais e carismáticos, o ensino do Novo Testamento enxerga um forte relacionamento entre ambos13. O batismo também é relacionado à salvação, à regeneração, ao perdão dos pecados (Tt 3:4-5). Paulo afirma que no batismo os cristãos são unidos a Cristo em sua morte e ressurreição (Rm 6:1-4; Cl 2:12ss). Desta forma, o Novo Testamento une a fé ao batismo, embora haja casos de batismos de famílias, onde há considerável disputa 10 Dockery, p.719. Idem. 12 Ibidem. 13 Bridge e Phypers, p.23-4. 11 xii sobre a possibilidade de crianças pequenas terem ou não sido batizadas nestes momentos14: Os lares mencionados no que diz respeito ao batismo em Atos são os de Lídia (16:15) e do carcereiro filipense (16:33).Os textos parecem pressupor que as “famílias” (no sentido amplo, inclusive os servos e parentes) inteiras se entregaram à fé. Este fato parece evidente no que diz respeito ao último caso, pois Atos 16:31-34 conta como a casa inteira foi evangelizada e entrou na alegria do principal convertido. Se for correta esta interpretação – e o debate acerca do batismo das crianças ainda continua entre os estudiosos do Novo Testamento e os historiadores da Igreja – então a idade dos membros das famílias ficará sem importância; o fato de que entraram na comunhão dos crentes é de suma importância para a teologia de Atos como um todo15. 1.3) NO PERÍODO PATRÍSTICO No período patrístico, o batismo foi colocado como o mais importante dos sacramentos, por ser o rito de iniciação da Igreja. Começou a ganhar corpo a idéia da regeneração batismal, ou seja, que o batismo dá o perdão dos pecados e promove o novo nascimento16. É deste período a primeira referência explícita ao pedobatismo, feita por Tertuliano (nascido por volta de 155 d.C., falecido em 222 d.C.), em sua obra “De baptismo”, onde ele condena a prática de batizar as crianças17. Entretanto, o ponto de vista de Tertuliano se deve à sua visão sobre o batismo perdoar pecados. Se o batismo perdoa pecados, quanto mais tarde ele for praticado, melhor: O caso de Tertuliano é especialmente interessante. Ele disse que o batismo era uma prática da igreja primitiva. Mais tarde, quando ele começou a ter umas idéias teológicas estranhas, ele argumentou contra o batismo infantil. Ele achava que os cristãos deveriam esperar até logo antes da morte para serem batizados. Agora, se o batismo infantil fosse uma invenção recente, Tertuliano ficaria muito satisfeito em apontar que não era uma prática apostólica! Um ponto de vista deve ser dito a respeito de Tertuliano antes de mudar de assunto: ele era contra o batismo infantil não por uma questão doutrinária, mas pela praticidade (esperar até logo antes da morte era melhor, ele acreditava, pois os pecados pós-batismo seriam bem mais perigosos do que os cometidos antes do batismo e tinham que ser evitados)18. Landes aponta um testemunho ainda mais antigo. Irineu (130-200 d.C.), um dos bispos da Igreja no século II, discípulo de Policarpo, bispo de Esmirna que viu o apóstolo João ainda vivo, escreveu em “Cinco Livros Contra as Heresias: “Ele (Cristo) 14 Idem, p.24-7. MARTIN, Ralph P. Adoração na Igreja Primitiva, p.118-9. 16 BERKHOF, Louis. A História das Doutrinas Cristãs, p.222. 17 Bridge e Phypers, p.66. 18 SARTELLE, John e outros. O Batismo Infantil: O Que Os Pais Deveriam Saber Acerca Deste Sacramento, p.70. 15 xiii veio para salvar todas as pessoas por si mesmo: todas, digo eu, que por Ele renascem para Deus (renascuntur in Deum); infantes, crianças, jovens e pessoas idosas”19. Segundo Landes, a expressão “renascem para Deus” era usada pelos pais da Igreja para se referirem ao batismo20. Assim como Tertuliano, para Irineu, “o batismo purifica tanto a alma quanto o corpo, outorgando o Espírito como garantia da ressurreição”21 Por outro lado, Justino, o Mártir (100-165 d.C.) disse que o batismo deveria ser administrado a todos os que fossem convencidos e cressem nas doutrinas da Igreja, o que excluiria as crianças22. Hipólito (falecido em 235 d.C.) escreveu a “Tradição apostólica”, onde ele descreve um ritual bastante elaborado de batismo, com unção de óleo para exorcismo, oração pelo afastamento de espíritos, questionários sobre o Credo Apostólico, outra unção com óleo para ação de graças e imposição de mãos por parte dos bispos, com orações23. Havia um longo processo de catecumenato, que durava por volta de três anos, o que presumia uma certa idade para que os candidatos se submetessem a todo o processo, o que, em um primeiro momento, afasta a idéia do pedobatismo. Entretanto, Hipólito cita a iniciação de crianças24. Tanto Justino quanto Hipólito defendiam que o batismo conferia a remissão dos pecados25. Já na época de Orígenes (185-253 d.C.), o batismo de crianças era considerado uma prática normal, vinda do tempo dos apóstolos. Se o batismo purificava pecados, surgiu a pergunta sobre qual era o pecado do qual deviam ser perdoadas as crianças. Cipriano (nascido por volta de 200 a 210 d.C. e falecido em 258 d.C.) respondeu que elas deveriam ser perdoadas do pecado de Adão, o que acabou se transformando na doutrina do pecado original, formulada por Agostinho (354- 430 d.C.)26. Para ele, todos os descendentes de Adão herdaram sua alma pecaminosa, a qual é transferida dos pais para os filhos, e a prática do pedobatismo era uma prova da existência deste pecado original. Ao invés de uma doutrina provocar uma prática, ocorreu o contrário: uma prática foi o ponto de partida para uma doutrina, a qual é aceita por católicos e protestantes27. 19 IRINEU in LANDES, Philippe. Estudos bíblicos sobre o batismo de crianças, p.83. Landes, p.83. Para defender este ponto de vista, ele se vale das explicações do Dr. Fairchild, que era batista. 21 KELLY, J.N.D. Doutrinas centrais da fé cristã: origem e desenvolvimento, p.146. 22 Bridge e Phypers, p.68. 23 Idem. 24 FIORENZA, Francis e GALVIN, John P. (orgs.) Teologia Sistemática: Perspectivas CatólicoRomanas, Volume II, p.290-1. 25 Bridge e Phypers, p.71. 26 Idem, p.72-3. 27 Idem, p.73. 20 xiv No século V, Agostinho pensava que a prática, já rotineira em seus dias, do batismo infantil, era uma prova de que elas nasciam com o pecado original, o qual antecedia os demais pecados. Á medida em que a Igreja e a convicção de que o batismo purificava as crianças do pecado original se expandiam, vários costumes batismais foram alterados. O batismo deixou de acontecer somente nas festas da Páscoa e do Pentecostes, e, em conseqüência disso e do aumento no número de batizados, o bispo nem sempre estava presente. Começou-se a batizar as crianças o mais cedo possível, nem sempre se esperava pelo bispo, particularmente no caso de crianças moribundas (batismo clínico). Entretanto, após a carta de Inocêncio I a Decêncio, em 416, o bispo manteve a prerrogativa de dar a unção final da iniciação, a qual passou a ser feita na cerimônia da crisma ou confirmação. A ênfase do batismo passou a ser o perdão dos pecados, o que eclipsou outros significados, como a inclusão no corpo de Cristo ou o papel do Espírito Santo na conversão do batizado28. Agostinho usou vários termos militares para se referir aos sacramentos, tais como nota, signum ou signaculum, de onde ele tirou várias analogias: a finalidade do sacramento não é recompensar a boa conduta, nas assegurar fidelidade a Deus; ele aponta para o dom que não se pode perder e é uma marca externa e irremovível; e, no futuro, apontará para a glória ou vergonha final do fiel. Assim, toda ação sacramental é ação singular e exclusiva de Cristo, há distinção entre o ritual e seus efeitos e há um equilíbrio teológico entre o poder do nome trinitário e a dignidade do indivíduo no sacramento. Estas conclusões são extraídas de uma práxis litúrgica e mostram o contexto eclesial em que viveu Agostinho29. Na Idade Média, os ensinos agostinianos sobre o “caráter” ocuparam a atenção dos teólogos. A tendência foi a de interiorizar o “caráter”, fazendo com que sua qualidade externa original se perdesse30. 1.4) NA IDADE MÉDIA Agostinho entendia que a fé e o arrependimento eram essenciais para o batismo de adultos, mas, no caso das crianças, “parece que ele supunha que o sacramento é eficaz ex opere operato”31. Ele também defendeu a idéia de que o batismo confere um “caráter indelével” às crianças que o recebem, que passam a ser de Cristo e da Igreja por 28 Fiorenza e Galvin, p.290-2. Idem, p.292-4. 30 Idem, p.294-5. 31 Berkhof, A História das Doutrinas Cristãs, p.222. 29 xv direito32. Estas idéias foram desenvolvidas na Idade Média, no período escolástico. Nesta época, os sacramentos foram considerados eficazes ex opere operato e o batismo foi colocado como “o sacramento da regeneração e da iniciação à Igreja”33. Os escolásticos também continuaram com a doutrina agostiniana do “caráter indelével” e confirmaram que o batismo livra do pecado original e outros cometidos até a sua ministração, da polução do pecado (embora não possa limpar o homem da concupiscência do pecado) e das punições eternas e castigos temporais decorrentes de práticas pecaminosas. O batismo renovaria espiritualmente a pessoa e, por meio dele, o fiel é incorporado à Igreja34. Contudo, dois grupos cristãos da Idade Média se opuseram a esta visão. Os valdenses rejeitavam o sacerdotalismo e sacramentalismo católicos, a tal ponto que rebatizavam os católicos adultos que se convertiam ao movimento. Todavia, eles batizavam os seus filhos em suas aldeias35. Já os paulicianos, que habitavam a Europa Oriental, recusavam-se a batizar os seus filhos. Para eles, primeiro deveria vir o arrependimento, em segundo lugar, o batismo, e, por fim, a comunhão36. 1.5) NA REFORMA PROTESTANTE No século XVI, os reformadores reacenderam os debates sobre o batismo de crianças. No cerne da questão, estava a pergunta de como o pedobatismo podia ser justificado, se a participação nos sacramentos pressupunha fé. O pensamento agostiniano do pecado original era uma resposta satisfatória? O surgimento dos anabatistas tornou estas questões ainda mais graves. A Reforma Protestante marcou um rompimento ainda maior com o ponto de vista desenvolvido pelos pais e escolásticos. Martinho Lutero (1483-1546) reduziu o número de sacramentos de sete para apenas dois: o batismo e a Ceia. Atacou a idéia de que os sacramentos eram eficazes por si mesmos, ou seja, ex opere operato. Os sacramentos precisavam ser recebidos, cridos e apropriados de modo pessoal, e não eram indispensáveis à salvação (como, de certa forma, defendia o Concílio de Trento, 32 Idem. Berkhof, A História das Doutrinas Cristãs, p.223. 34 Idem. 35 Bridge e Phypers, p.85. 36 Idem, p.86-7. 33 xvi confirmando um pensamento que se desenvolveu no período medieval), mas o seu caráter objetivo ainda era profundamente valorizado: O batismo e a santa comunhão são garantias da promessa de Deus e, nesse sentido, completamente independentes da disposição do receptor. As jóias de ouro não perdem nada de sua pureza quando usadas por uma prostituta! Da mesma maneira, a eficácia dos sacramentos não depende da santidade do ministro que os preside. A santidade dos sacramentos, como a da igreja, reside em Cristo, não naquele que administra de forma que, “mesmo que Judas, Caifás, Pilatos, o papa ou o próprio diabo batizassem verdadeiramente, ainda assim eles receberiam o batismo verdadeiro e santo”37. No seu “Catecismo Menor”, Lutero vai além. Em resposta à pergunta “Que dá ou aproveita o batismo?”, ele diz: “Opera a remissão dos pecados, livra da morte e do diabo, e dá a salvação eterna a quantos crêem na graça, conforme dizem as palavras e promessas de Deus. Como pode a água operar tal maravilha? Certamente não é a água que o faz, mas a Palavra de Deus unida à água comunica a graça ao que tem fé”38. Lutero também defendeu a manutenção da prática do pedobatismo. Segundo ele, o batismo de crianças não foi proibido nem ordenado pelas Escrituras, e Deus não deixaria Sua Igreja na ignorância em um assunto de tal importância39. O batismo é análogo à circuncisão, é um selo das promessas pactuais de Deus. Quanto à questão da fé, Lutero cria que “A fé, por assim dizer, é imputada à criança no batismo, mesmo que ela não esteja consciente de tal fato”40. A criança recebe o batismo sola gratia (somente pela graça), uma vez que não pode crer por si mesma, o que faz do batismo infantil uma excelente analogia da salvação que Deus dá a Sua Igreja41. Outro reformador, o suíço Úlrico Zuínglio (1484-1531) promoveu um distanciamento ainda maior da visão católico-romana. Para ele, sacramentos são apenas sinais exteriores, que não podem comunicar graça alguma, deixados por Deus como uma concessão à fragilidade do homem. Não são, de modo algum, meios de graça. O batismo é, assim, um voto público ou testemunho de fé42. Atualmente, pode-se dizer que a concepção adotada pelas igrejas batistas sobre os sacramentos é muito próxima da adotada por Zuínglio. Entretanto, ele foi um dos mais férreos combatentes dos anabatistas. Assim como Lutero, ele defendia o pedobatismo tendo como base a idéia de 37 GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores, p.93-4. A citação de Lutero usada por George foi extraída de Luther Works 41, p.218. 38 LUTERO, Martinho in KLEIN, Carlos Jeremias. Os Sacramentos na Tradição Reformada, p.71-2. 39 George, p.95 40 Idem. 41 Ibidem. 42 Klein, p.44-6. xvii que o batismo é a circuncisão dos cristãos. Ele também condenou severamente a prática do rebatismo, instituída pelos anabatistas43 A teologia batismal de João Calvino (1509-1564) foi uma espécie de meio-termo entre os pontos de vista luterano e zuingliano. Ele reconhecia que os sacramentos eram um sinal externo, um selo, uma forma de testemunhar aos outros a fé cristã. Mas também os via como meios de graça, embora não da maneira luterana. Em outras palavras, não são meros símbolos, pois Deus, efetivamente, confere graças àqueles que os recebem com fé. Para Calvino, o batismo é o equivalente neotestamentário da circuncisão, o que justificaria o pedobatismo. Mas ele vai além, e retomando o pensamento agostiniano, enxerga no batismo um testemunho da remissão dos pecados. Como as crianças nascem em pecado, elas também têm necessidade da remissão, e, uma vez que elas realmente necessitam dela, por que negar-lhes o sinal? Se a realidade não lhes pode ser negada, muito menos o seu sinal44. Todavia, as posições defendidas pelos principais reformadores não contentaram a uma parte da população alemã, que julgou insuficiente a reforma feita por Lutero. Para este grupo, os anabatistas, ou “aqueles que rebatizam”, a Igreja da Reforma ainda não era a Igreja do Novo Testamento, e, no cerne da questão, estava o pedobatismo: Os anabatistas do século XVI apresentam-nos problemas desconcertantes. Essa palavra significa “aquele que rebatiza”. Seu uso assinala duas características comuns a um grande número de movimentos radicais distintos. Todos condenavam a Reforma como algo incompleto e apático. Todas rejeitavam o pedobatismo e batizavam, ou rebatizavam, somente aqueles que tivessem uma experiência decisiva de compromisso com a fé. Essas duas características também se aplicam aos pentecostais, aos batistas, às igrejas em células, aos cristadelfos, aos mórmons e aos testemunhas-de-jeová, no século XX45. Os anabatistas foram violentamente perseguidos em sua época, e muitos chegaram a morrer por sua causa: Primeiro Zuínglio e depois Lutero pediram ajuda ao poder civil contra os anabatistas. Usando as armas do aprisionamento e do banimento, descobriram que a primeira só atraía simpatia para a causa e que a segunda só provocava uma expansão ainda maior do sectarismo. A decisão inevitável foi tornar a “heresia” passível de pena capital. Decapitar, afogar ou queimar passaram a ser punições comuns para aqueles que pregavam a fé radical46. 43 Idem, p.47. Idem, p.87-91. 45 Bridge e Phypers, p.91. 46 Idem, p.99. 44 xviii Isso levou a um recrudescimento da questão em ambos os lados. Os anabatistas passaram a considerar os reformadores como o anticristo. Os protestantes não permitiam que os anabatistas entrassem em seus templos. Para os últimos, o pedobatismo era visto como o sustentáculo do poder papal, o símbolo de um cristianismo falso, um empecilho para a verdadeira Reforma47. A tensão cresceu em intensidade, até que explodiu a Revolta de Münster. Em 1533, os habitantes desta cidade alemã, próxima à fronteira com a Holanda, se declararam luteranos, e expulsaram o bispo da cidade. Um grande número de anabatistas afluiu para a cidade, que se tornou o refúgio de todo tipo de herege ou pessoa perseguida por suas idéias religiosas. Tropas luteranas e católicas foram chamadas para sitiar a cidade, a pedido do bispo deposto. Neste cenário, o padeiro holandês Jan Matthew e o alfaiate Jan de Leiden assumiram a liderança dos revoltosos. Eles diziam ter visões e diziam que Münster era a Nova Jerusalém, que, em breve, seria resgatada pelo retorno de Cristo. Também coletivizaram as propriedades, permitiram a poligamia e impuseram leis severas. Após dois anos de cerco, a cidade caiu48. A rebelião trouxe um preço muito alto para o anabatismo: “Aos olhos de pessoas respeitáveis, Münster comprovou que todos os anabatistas eram revolucionários assassinos, fanáticos insanos e libertinos morais”49. Após este incidente, começa a ganhar vulto a figura de Meno Simons. Ele era um típico padre católico, que vivia relaxadamente a sua vida cristã. Após conhecer as opiniões de Lutero, Simons leu, pela primeira vez em sua vida, a Bíblia inteira, mas ele não desejava abandonar o conforto de sua vida para se arriscar no luteranismo. Tudo isso mudou quando Simons assistiu a execução do anabatista Sicke Synder e ficou impressionado com a conduta e as idéias por ele defendidas. Contudo, Simons receava unir-se a um movimento que lhe parecia tão estranho e radical. Apesar disso, ele rompeu com o catolicismo e foi rebatizado em 1536, unindo-se ao anabatismo50. Por meio dele, o movimento ganhou moderação e estabilidade: Meno percebeu que quatro coisas seriam necessárias para que seus seguidores sobrevivessem ao escândalo de Münster. Teria de haver o completo abandono do fanatismo e dos sonhos proféticos. Teria de haver um absoluto repúdio ao uso da força, 47 Idem, p.99-100. Idem, p.108-9. 49 Idem, p.109. 50 Idem, p.105-9. 48 xix ainda que em defesa própria. Seria necessária uma organização visível com um ministro capacitado e qualificado. Precisaria haver disciplina nas congregações51. O trabalho de Meno Simons garantiu a sobrevivência do movimento anabatista, dando origem aos menonitas. As idéias de Simons também influenciaram muito a formação das igrejas batistas52. Assim, após o século XVI, os três pontos de vista estavam formados. Os católicos amadureceram os conceitos desenvolvidos nos períodos patrístico e escolástico, e reafirmaram estas crenças no Concílio de Trento (1545-1563). As igrejas ligadas aos reformadores mantiveram o pedobatismo, baseados, principalmente, na analogia entre a circuncisão e o batismo. Passadas as tensões iniciais, os anabatistas, sob a liderança de Simons, também garantiram a sua sobrevivência pelos séculos subseqüentes. 1.6) NO PERÍODO PURITANO A discussão permaneceu ativa nos séculos seguintes, mas com as linhas de debate já bem definidas. Entretanto, a intensidade dos debates começou a arrefecer. Por exemplo, no século XVII, John Owen (pedobatista) defendeu que as igrejas aceitassem na celebração da ceia os membros de outras comunidades, mesmo que tivessem uma visão batismal diferente da sua53. Na mesma época, John Bunyan (batista) recebia em sua igreja cristãos batizados na infância, sem exigir deles o rebatismo54. A discussão ainda causava divisões, mas já se ouviam vozes procurando o consenso. No século XVIII, com a expansão do protestantismo para as colônias britânicas e os reavivamentos de George Whitefield e John Wesley defendiam a necessidade de “conversão”. Ambos relataram experiências onde, já na idade adulta, se sentiram perdoados por Deus ou “aquecidos”, eventos esses que marcaram o curso posterior de suas vidas. Tais experiências acabaram gerando questionamentos à idéia defendida por vários anglicanos, de que as crianças nasciam de novo no batismo. Ambos mantiveram o pedobatismo, mas sua teologia acabou colaborando para que batistas e pedobatistas convivessem lado a lado55. 51 Idem, p.110. Idem, p.111. 53 Idem, p.122. 54 Idem, p.124. 55 Idem, p.130-7. 52 xx Findo este período, verificou-se que, apesar das discordâncias, batistas e pedobatistas já não se tratavam mais como hereges: “O fim da era puritana pôs um limite na controvérsia sobre o batismo. Não quer dizer, é claro, que a controvérsia tivesse sido solucionada, mas os pontos estavam claros, e as linhas divisórias ficariam, dali para a frente, cada vez mais fixas”56. 1.7) NA ÉPOCA ATUAL A questão permaneceu aberta no século XX. Jeremias fez vários estudos históricos, onde entendeu que o pedobatismo era uma prática difundida na Igreja primitiva, mas foi contestado por Aland, que usou, praticamente, as mesmas fontes. Barth voltou a reacender a discussão, condenando o batismo de crianças, adotando uma visão eclesiológica que via no batismo uma comunidade que livremente ouvia e acolhia o dom de Cristo. Esta posição foi fortemente combatida por Oscar Cullmann e Heinrich Schlier, ambos se valendo de Romanos 6:1-11. Cullmann defendeu que os efeitos do batismo independem da decisão da fé, o que justifica o batismo de crianças, ao passo que Schlier viu no batismo um instrumento de salvação ex opere operato57. O Concílio Vaticano II levou à reafirmação de uma perspectiva clássica sobre a iniciação: o batismo de crianças é a práxis costumeira, mas a norma teológica é o fiel solicitar a recepção do sacramento; o batismo, a confirmação e a eucaristia estão unidos como sacramentos da iniciação; a comunidade eclesial possui importância neste processo; e a conversão é um processo gradual58. Sonhando em reunir o cristianismo debaixo de uma só Igreja, surgiu o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), em 1946. Em 1982, a Comissão de Fé e Ordem do CMI produziu o documento “Batismo, eucaristia e ministério”, em uma tentativa de começar a levar católicos, reformados, batistas e outros grupos a dialogarem para chegar a uma fórmula batismal única59. Em seu capítulo IV, artigo V, há um apelo para que as diferentes igrejas aceitem o batismo uma das outras, o que implica no abandono do rebatismo: 56 Idem, p.130. Fiorenza e Galvin, p.297-8. 58 Idem, p.299-301. 59 Bridge e Phypers, p.150-2. 57 xxi As Igrejas são cada vez mais capazes de reconhecer o batismo umas das outras como o único batismo de Cristo, na medida em que o candidato confessa Jesus Cristo como Senhor, ou, no caso de um batismo de criança, quando essa confissão é feita pela Igreja (os pais, os responsáveis, padrinhos, madrinhas e a comunidade) e afirmada mais tarde na fé pessoal e no compromisso. O reconhecimento mútuo do batismo é evidentemente um sinal importante e um meio de exprimir a unidade batismal dada em Cristo. Em toda a parte onde isso é possível, as Igrejas deveriam exprimir de maneira explicita o reconhecimento mútuo de seus batismos60. Apesar deste apelo, o rebatismo continua sendo praticado por muitas igrejas batistas, como as da Convenção Batista Brasileira (CBB) e até mesmo por algumas pedobatistas, caso da Igreja Presbiteriana do Brasil no tocante a católicos, apesar de Calvino ser contrário a esta prática, como será demonstrado no capítulo quatro. Quando o presbiterianismo chegou ao Brasil, em 1859, os missionários, que vieram dos Estados Unidos, haviam crescido em uma atmosfera profundamente anticatólica: Entre 1800 e 1860 desencadeou-se verdadeira cruzada anticatólica nos Estados Unidos. A literatura produzida foi abundante e virulenta. Esse anti-catolicismo militante foi superado pelo debate abolicionista e pelos horrores da Guerra Civil. Mas a perspectiva de nossos pregadores já estava estabelecida. Daí o caráter severamente polêmico, anti-tridentino (pois que o catolicismo norte-americano era tridentino), de nossa literatura protestante de então61. Assim sendo, ser protestante no Brasil do século XIX significava, antes de tudo, romper com a Igreja Católica. A forma mais clara de se mostrar isso era por meio do rebatismo. Foi o que aconteceu com o primeiro presbiteriano convertido brasileiro, Serafim Pinto Ribeiro. Ele foi rebatizado a pedido, pois dizia ter sido batizado na fé idólatra e queria receber o batismo da fé em Cristo62. Tais fatos podiam, inclusive, servir como oportunidades de evangelismo, como ocorreu no rebatismo do primeiro padre convertido no Brasil, José Manoel da Conceição63. Este princípio está de tal forma enraizado na Igreja Presbiteriana do Brasil, que está presente no Art.12 do Cap.VI dos “Princípios de Liturgia": Todo aquele que tiver de ser admitido a fazer a sua profissão de fé será previamente examinado em sua fé em Cristo, em seus conhecimentos da Palavra de Deus e em sua experiência religiosa e, sendo satisfatório este exame, fará a pública profissão de sua fé, sempre que possível em presença da Congregação, sendo em seguida batizado, quando não tenha antes recebido o batismo evangélico64. 60 Conselho Mundial de Igrejas. Batismo, eucaristia e ministério, p.28-9. RIBEIRO, Boanerges. A Igreja Presbiteriana do Brasil: da autonomia ao cisma, p.8. 62 FERREIRA, Júlio Andrade. A História da Igreja Presbiteriana do Brasil, Vol.I, p.29. 63 Idem, p.49. 64 Igreja Presbiteriana do Brasil. Manual Presbiteriano, p.114. Grifo meu. 61 xxii Tal fato mostra o quanto católicos, reformados e batistas ainda estão distantes de seguirem a proposta defendida pelo Conselho Mundial de Igrejas no documento “Batismo, Eucaristia e Ministério”. xxiii 2) O PONTO DE VISTA CATÓLICO-ROMANO A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) pratica o batismo de crianças e bebês, pelo menos desde o século V, quando a prática era considerada ortodoxa e apostólica. A visão católica está alicerçada, principalmente, na tradição e no pensamento teológico de Agostinho, de acordo com a interpretação dada pelos escolásticos. 2.1) DEFINIÇÃO DE SACRAMENTO De acordo com o “Catecismo da Igreja Católica: Compêndio”65, os sacramentos são “sinais sensíveis e eficazes da graça, instituídos por Cristo e confiados à Igreja, mediante os quais nos é concedida a vida divina”66. A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) reconhece sete sacramentos: o batismo, a confirmação, a eucaristia, a penitência, a unção dos enfermos, a ordem e o matrimônio67. O fundamento dos sacramentos são os mistérios da vida de Cristo68. De acordo com Leão Magno, “o que era visível no nosso Salvador passou para os seus sacramentos”69. Os sacramentos foram confiados por Jesus Cristo à Igreja, e são, ao mesmo tempo, ação da Igreja e de Cristo. São também meios pelos quais a Igreja é edificada70. O batismo, junto com a confirmação e a ordem, possui o que se chama de “caráter sacramental”. O “caráter” é uma espécie de selo espiritual, promessa e garantia de proteção divina e é indelével, por esta razão, tais sacramentos só podem ser recebidos uma única vez. Por meio deste selo, “o cristão é configurado a Cristo, participa de diversos modos no seu sacerdócio, e faz parte da Igreja segundo estados e funções diversas, sendo pois consagrado ao culto divino e ao serviço da Igreja”71. No que diz respeito à fé, os sacramentos supõem a sua existência, mas também servem para alimentá-la, fortificá-la e exprimi-la. A celebração dos sacramentos, em si, 65 Extraído de http://www.vatican.va/archive/compendium_ccc/documents/archive_2005_compendiumccc_po.html. Acesso em 23 de setembro de 2006. 66 Catecismo da Igreja Católica, resposta à pergunta 224. 67 Idem. 68 Idem, resposta à pergunta 225. 69 MAGNO, Leão in Catecismo da Igreja Católica, resposta à pergunta 225. 70 Idem, resposta à pergunta 226. 71 Idem, resposta à pergunta 227. xxiv já é uma confissão da fé apostólica, de acordo com o adágio lex orandi, lex credendi, ou seja, a Igreja crê no que reza72. A eficácia deles é ex opere operato, isto é, “pelo próprio facto de a acção sacramental ser realizada”73. Por esta razão, a santidade pessoal do ministro não interfere na graça comunicada, pois é Cristo quem age e comunica a Sua graça nos sacramentos. Entretanto, os frutos do ato são dependentes das disposições presentes no fiel74. A ICAR reconhece que os sacramentos são necessários para a salvação75, pois conferem “as graças sacramentais, o perdão de pecados, a adopção de filhos de Deus, a conformação a Cristo Senhor e a pertença à Igreja”76, além da ação de cura e transformação efetuada pelo Espírito Santo naqueles que os recebem77. Por “graça sacramental”, deve-se entender uma graça do Espírito, dada por Cristo e própria de cada sacramento, a qual ajuda o fiel em seu caminho de santidade e a Igreja a crescer na caridade e no testemunho78. Eles também dão à Igreja uma garantia, um penhor da vida eterna79. Assim, verifica-se que os sacramentos possuem uma espécie de caráter complementar na obra da salvação, tendo em vista que trazem o perdão dos pecados. Na visão do sacerdote franciscano Régis Duffy, os sacramentos devem ser tratados dentro da vida litúrgica da Igreja. A liturgia seria o termo que se refere “à totalidade de ações de palavras de louvor e agradecimento que a igreja oferece a Deus”80. Os sacramentos seriam “palavras-ações altamente focalizadas nesse contexto litúrgico mais amplo”81. Eles seriam retratos de como a Igreja compreendeu, desenvolveu e aprofundou as formulações doutrinárias por trás de cada ato sacramental82. Deste modo, uma definição de sacramento deveria contemplar alguns aspectos: Algumas dimensões dessa conscientização seriam: (1) o caráter gratuito e capacitador da oferta de salvação de Deus conforme proclamada pela Palavra do evangelho; (2) o contexto eclesial no qual o sacramento é celebrado; (3) restauração e fortalecimento sacramental conforme dirigido, quer para a missão efetiva da igreja, quer para a 72 Idem, resposta à pergunta 228. Idem, resposta à pergunta 229. 74 Idem. 75 Grifo meu. O termo é usado na resposta à pergunta 230: “Porque motivo os sacramentos são necessários para a salvação?”. 76 Catecismo da Igreja Católica, resposta à pergunta 230. 77 Idem. 78 Idem, resposta à pergunta 231. 79 Idem, resposta à pergunta 232. 80 Fiorenza e Galvin, p.246. 81 Idem. 82 Idem, p.247. 73 xxv necessidade de redenção do indivíduo; (4) a dimensão trinitária de todo sacramento; (5) o mistério pascal; (6) a ação do Espírito Santo como decisiva; e (7) o impulso escatológico de todo sacramento.83 Desta forma, pode-se dar a seguinte definição sobre sacramento: O sacramento, portanto, é evento pleno da presença no qual Deus gratuitamente capacitanos para acolhermos a mensagem da salvação, para adentrarmos mais profundamente no mistério pascal, e para recebermos agradecidamente aquele poder restaurador e transformador que nos reúne como a comunidade do Filho de Deus para anunciarmos o reino de Deus no poder do Espírito.84 As experiências sacramentais, individuais ou comunitárias, não podem ser separadas da presença autocomunicadora de Deus, e isso se dá de forma que elas estão enraizadas na experiência do mistério de Deus85. Neles, adaptando uma citação de Atanásio, Deus se torna portador da carne para que os homens possam ser portadores do Espírito86. Cristo é, na verdade, o sacramento básico, e o Espírito, o doador de todo sacramento87. Isto se reflete quando se consideram duas cristologias complementares: uma é descendente, a cristologia-Logos, onde Jesus desce para cumprir o seu papel redentor, e a outra é ascendente, a cristologia-Espírito, que mostra a santificação da humanidade de Jesus feita pelo Espírito Santo, quando ela é elevada até a união com a Palavra que a assume88. As comunidades que compreendem estas cristologias compreendem melhor o papel da epiclese, ou seja, da invocação do Espírito Santo, sobre os sacramentos. As epicleses presentes nas orações eucarísticas trazem o princípio de que se deve pedir que o Espírito desça sobre a comunidade e traga os seus dons, para que a comunidade se torne, efetivamente, o corpo de Cristo89. De acordo com o Concílio Vaticano II, Jesus é o Sacrosanctum Concilium, ou seja, o “sublime sacramento de toda a Igreja”90. Assim como Cristo, a Igreja também pode ser vista como um sacramento, pois a sua missão é a missão de Cristo91. 2.2) EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE SACRAMENTO 83 Idem, p.248. Idem. 85 Fiorenza e Galvin, p.249. 86 Idem. 87 Idem, p.250. 88 Idem, p.250-1. 89 Idem, p.251-2. 90 Idem, p.251. 91 Idem, p.252. 84 xxvi A forma como a Igreja compreende os sacramentos foi sendo modificada ao longo dos séculos. Inicialmente, eles eram vistos como o mistério de Deus (mysterion), expresso na totalidade da obra redentora de Cristo, que é o mistério pascal. O sangue e a água que jorram do lado de Cristo foram vistos por João Crisóstomo, Agostinho e até por Calvino92 como símbolos da eucaristia e do batismo93. A partir daí, seguem-se quatro estágios de compreensão: a síntese agostiniana, a síntese medieval, o desafio da Reforma e a recuperação contemporânea94. No século III, Tertuliano escreveu “Sobre o batismo” e lá ele traduziu mysterion como sacramentum. A partir dele, começou uma teologia sacramental africana, que se tornou a base da Igreja Ocidental, com quatro características relevantes: forte preocupação eclesiológica, expectativa de testemunho resoluto diante da perseguição, honestidade espiritual na participação sacramental e ortodoxia reflexiva como resposta à heresia95. Esta teologia começou a ser formulada por Tertuliano, mas foi desenvolvida por Cipriano, e, depois, por Agostinho. Ele teve que enfrentar várias dificuldades em seu tempo, em particular as heresias do donatismo e do pelagianismo, o que o levou a dar respostas sobre a questão dos sacramentos. Influenciado pelo platonismo, Agostinho ressaltou que as realidades físicas são como um portal para as espirituais e que há alguma ligação entre o sinal (sacramento) e o que é significado (realidade espiritual)96. Os donatistas criam que a santidade do ministro poderia anular o sacramento, ou seja, um sacramento celebrado por um ministro ímpio não seria válido. Para Agostinho, o sacramento material está ligado a uma realidade espiritual. O batismo purifica o coração porque a palavra é dita, e crida. A Igreja deve se tornar aquilo que ela recebe, logo, ela é uma comunidade sacramental97. Há também uma distinção entre uso e fruto do sacramento, e alguns sacramentos possuem uma natureza duradoura, e não podem ser repetidos98. O período medieval é marcado pelos debates sobre a opinião de Berengário acerca da eucaristia no século XI. Ele recuperou a distinção agostiniana entre a realidade visível (sacramentum) e o fruto invisível que ela simboliza (res sacramenti) e 92 CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã, Volume III, p.156. Fiorenza e Galvin, p.252-3. 94 Idem, p.256. 95 Idem, p.258. 96 Ibidem. 97 Fiorenza e Galvin, p.259. 98 Idem, p.260. 93 xxvii as aplicou ao pão e o vinho (realidade) e a presença de Cristo (fruto). Tal opinião era insustentável por causa da doutrina da transubstanciação, o que levou os teólogos da época a usarem a categoria aristotélica de “substância” para defender que a presença de Cristo na eucaristia era real, e não simbólica99. Berengário teve que fazer uma profissão de fé, onde dizia que o pão e o vinho eram verdadeiramente o corpo e o sangue de Cristo, “e que eles são manipulados sensivelmente e quebrados pelas mãos dos sacerdotes e esmagados pelos dentes dos fiéis, não apenas sacramentalmente, mas na realidade”100. Agostinho descreveu os sacramentos como sinais, Tomás de Aquino foi além e o descreveu como “uma causa instrumental efetuando dinamicamente aquilo que simboliza e explicou sua caracterização em termos aristotélicos das coisas sensíveis como matéria e as palavras como forma”101. Os abusos da práxis sacramental medieval levaram a denúncias feitas pelos reformadores no século XVI. Lutero usava definições sacramentais mais afinadas com a posição agostiniana. Ele reconhecia três elementos: o sinal, o significado e a fé responsiva. O sacramento é sacramento, não por causa de sua realização, mas por causa da fé de que Deus efetua o que nele é simbolizado102. Lutero entendia que, para ser um sacramento, a Palavra deveria relacionar o sinal com a promessa de Deus, razão pela qual ele reduziu os sacramentos de sete para dois, o batismo e a eucaristia103. Calvino defendia que o sacramento confirma a Palavra de Deus, e o Espírito Santo ilumina os fiéis, para a Palavra ou para o sacramento. Em outras palavras, “a Palavra de Deus nos ensina, os sacramentos confirmam essa Palavra e o Espírito Santo nos capacita a acolher essa Palavra ordenada”104. Calvino também combateu a visão escolástica de que os sacramentos conferiam justificação mesmo com a ausência de fé, contanto que não houvesse algum obstáculo a isso105. A resposta a estes questionamentos dada pelo Concílio de Trento foi: tratar do abuso dos sacramentos feitos por particulares; entender que a justificação possibilita a fé, e que a fé serve como “porta” para a participação nos sacramentos; reafirmar o caráter singular dos sacramentos cristãos; reafirmar a sua natureza objetiva e eficaz (ex opere operato); sua expressão sêptupla; sua importância 99 Idem, p.261. Enchiridion Symbolorum in Fiorenza e Galvin, p.263. 101 Fiorenza e Galvin, p.262. 102 Idem, p.265. 103 Ibidem. 104 Fiorenza e Galvin, p.265. 105 Idem. 100 xxviii na salvação; a necessidade de um mínimo de intenção eclesial pelo celebrante; e a existência de um “caráter” no batismo, na confirmação e na ordem106. No século XX houve uma ligação maior entre sacramentos e liturgia, e a Igreja passou a ser vista como comunidade sacramental. Na obra de Edward Schillebeeckx, os sacramentos passaram a ser vistos como encontros, como diálogos entre Deus e seus fiéis. Eles seriam a face de Deus voltada para o povo, que neles se encontra com Cristo107. Já Karl Rahner enxergou os sacramentos dentro de sua noção sobre símbolos. Os seres humanos precisam dos símbolos para perceberem a essência de um ser, e sua existência é modelada por eles. Jesus seria o símbolo perfeito e perene da ação e amor redentivos de Deus, e a Igreja é a continuação de sua presença simbólica no mundo. Os sacramentos tornariam concreta e real a realidade simbólica da Igreja, de modo que a Igreja também é sacramento, pois a Palavra não é dirigida somente ao indivíduo, mas a toda a comunidade108. Por esta razão, o Concílio Vaticano II também entende a Igreja como sacramento109. A teologia do batismo, assim, está ligada à teologia da Igreja. Os catecúmenos são iniciados e incluídos na comunidade dos fiéis110. 2.3) DEFINIÇÃO DE BATISMO O batismo, juntamente com a confirmação e a eucaristia, compõe os chamados “sacramentos de iniciação”. Ao batismo, cabe o papel da regeneração: “os fiéis, renascidos pelo Baptismo, são fortalecidos pela Confirmação e alimentados pela Eucaristia”111. De acordo com “O Novo Catecismo: A Fé Para Adultos”, editado pelos bispos da Holanda, este nascimento é o Espírito Santo indo habitar no cristão, dando-lhe vida e transformando-o em filho do Pai112. O termo “batizar” significa imergir em água. O batizado é “imerso na morte de Cristo e ressurge com Ele como «nova criatura» (2 Co 5:17)”113 e é também chamado de “banho da regeneração e da renovação do Espírito Santo”114 (Tt 3:5) e “iluminação”, 106 Idem, p.266. Idem, p.270. 108 Idem, p.271. 109 Ibidem. 110 Fiorenza e Galvin, p.282. 111 Catecismo da Igreja Católica, resposta à pergunta 251. 112 O Novo Catecismo: A Fé Para Adultos, p.286. 113 Catecismo da Igreja Católica, resposta à pergunta 252. 114 Idem. 107 xxix pois quem o recebe se torna “filho da luz” (Ef 5:8)115. A água também simboliza a ablução, a purificação. De acordo com O Novo Catecismo: A água derramada significa, além de nascimento, também ablução. O batismo purifica a pessoa dos pecados cometidos em sua vida. Arranca a raiz do pecado, o pecado original, vencido pelo contato com Jesus. Mesmo que os pecados do homem sejam vermelhos somo o escarlate, Cristo torna-o agora mais branco do que a neve. Doravante são amigos. O homem recomeça página inteiramente branca.116 A água também carrega consigo um sentido de “dilúvio”, pois batizar-se é morrer. O batismo é morrer com Cristo e ser sepultado juntamente com Ele, o que envolve duas noções: o perdão dos pecados e uma mudança de vida. Isso pode ser verificado no batismo do próprio Jesus. Cristo é consagrado para morrer, para servir, a ponto de ele chamar a sua morte de batismo (Mc 10:38; Lc 12:50). De modo semelhante, para o cristão, seu batismo é um chamado para a serviçalidade, a pequenez, a humildade e a obediência até a morte117. 2.4) VISÃO BÍBLICO-TEOLÓGICA DO BATISMO O batismo já era prefigurado no Antigo Testamento, em várias situações. Em Noé, a água é símbolo de vida e morte, e a arca representa a salvação por meio da água. Outras prefigurações estão presentes na passagem do Mar Vermelho, simbolizando o fim da escravidão, e na travessia do Jordão, onde Israel é introduzido na terra prometida, a qual é imagem da vida eterna118. Estas prefigurações se cumprem em Cristo, que foi batizado por João Batista, verteu água e sangue quando foi traspassado na cruz (símbolos do batismo e da eucaristia) e que, após a ressurreição, ordenou aos apóstolos que batizassem (Mt 28:19-20)119. A Igreja vem administrando o batismo desde o dia de Pentecostes120, por meio de imersão ou aspersão, invocando a Trindade121. De acordo com o Catecismo da Igreja Católica, “É capaz para receber o Baptismo toda a pessoa ainda não baptizada”122. As crianças estão incluídas, pois “tendo nascido com o pecado original, elas têm 115 Ibidem. O Novo Catecismo: A Fé Para Adultos, p.286-7. 117 Idem, p.287-8. 118 Idem, resposta à pergunta 253. 119 Idem, resposta à pergunta 254. 120 Idem, resposta à pergunta 255. 121 Idem, resposta à pergunta 256. 122 Idem, resposta à pergunta 257. 116 xxx necessidade de ser libertadas do poder do Maligno e de ser transferidas para o reino da liberdade dos filhos de Deus”123. Logo, sem o batismo, as crianças estão debaixo do poder de Satanás, e a razão principal pelas quais elas devem ser batizadas é para que sejam libertas do pecado original. De acordo com o Catecismo da Igreja Católica: O Baptismo perdoa o pecado original, todos os pecados pessoais e as penas devidas ao pecado; faz participar na vida divina trinitária mediante a graça santificante, a graça da justificação que incorpora em Cristo e na Igreja; faz participar no sacerdócio de Cristo e constitui o fundamento da comunhão entre todos os cristãos; confere as virtudes teologais e os dons do Espírito Santo. O baptizado pertence para sempre a Cristo: com efeito, é assinalado com o selo indelével de Cristo (carácter)124. A negação deste ensino implica em anátema, de acordo com a Seção V, artigo 791 do Concílio de Trento: Se alguém negar que se devam batizar as crianças recém-nascidas, ainda mesmo quando nascidas de pais batizados; ou disse que devem ser batizadas, sim, para a remissão dos pecados, mas que nada trazem do pecado original de Adão que seja necessário expiar-se no lavacro da regeneração para conseguir a vida eterna, donde resulta que neles a forma do batismo não deve ser entendida como em remissão dos pecados – seja excomungado, porque não é de outro modo que se deve entender o que o Apóstolo: Por um só homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte e assim a morte passou a todos os homens naquele em que todos pecaram (Rom 5, 12), senão do modo que a Igreja Católica, espalhada por todo o mundo, sempre o entendeu; porquanto, em razão desta regra de fé, segundo a tradição dos Apóstolos, ainda as criancinhas que não puderam cometer nenhum pecado, também são verdadeiramente batizadas para a remissão dos pecados, a fim de ser nelas purificado pela regeneração o que contraíram pela geração, pois, se alguém não renascer da água e do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus (Jo 3, 5)125. O batismo é necessário à salvação daqueles que ouviram o Evangelho e possuem condições de pedir por ele126. Para estas pessoas, a fé no sacrifício de Jesus não é suficiente, o batismo é colocado como uma necessidade para que a salvação se efetue. Sobre isto diz o artigo 861 da Sessão VII do Concílio de Trento: “Se alguém disser que o Batismo é facultativo, isto é, não necessário para a salvação — seja excomungado”127. Entretanto, como, para a ICAR, Jesus Cristo morreu por todos os homens, podem ser salvos sem o batismo os que morrem por causa da fé (batismo de sangue), os 123 Idem, resposta à pergunta 258. Idem, resposta à pergunta 263. 125 Extraído de http://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=concilios&artigo=trento&lang=bra #sessao24. Acesso em 23 de setembro de 2006. 126 Catecismo da Igreja Católica, resposta à pergunta 261. 127 Extraído de http://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=concilios&artigo=trento&lang=bra #sessao24. Acesso em 23 de setembro de 2006. 124 xxxi catecúmenos e aqueles que, “impulsionados pela graça, sem conhecer Cristo e a Igreja, procuram sinceramente a Deus e se esforçam por cumprir a sua vontade”128, chamado de “batismo de desejo”. As crianças que morrem sem o batismo são confiadas à misericórdia de Deus129, o que mostra o papel do batismo para a salvação na teologia católico-romana. Na visão de Duffy, Paulo liga a compreensão do batismo a uma compreensão da morte de Jesus e suas implicações redentivas sobre a humanidade. De acordo com o Novo Testamento, o batismo serve para o perdão dos pecados e o recebimento do dom do Espírito Santo (At 2:38). Na carta aos Romanos, após tratar do problema do pecado do homem e da solução trazida pela justificação por meio da morte de Cristo, Paulo relaciona o batismo com o Salvador crucificado, de tal modo que o evento batismo e o evento Cristo seriam idênticos130. Como a entrega de Cristo foi radical, a mudança no estilo de vida dos fiéis também deve ser radical (Rm 6:12-14). Os cristãos são batizados em Cristo Jesus (Rm 6:3), e no corpo de Cristo (1 Co 12:12-14, 27). Por isso, estão vinculados ao Senhor Jesus e a Igreja, pois todos são um em Cristo (Gl 3:28), em uma união que transcende divisões sociais, éticas ou de gênero. Para Duffy, “O batismo é a entrada no mistério pascal da morte e ressurreição com Cristo”. A compreensão do batismo depende da compreensão desse mistério131 Quando Paulo trata do batismo como sendo um lavar que santifica, ele recupera uma relação vetotestamentária entre a santificação e o Espírito Santo. O batismo deve transformar a vida de quem o recebe. O Espírito Santo é também aquele que torna possível a conversão que precede e acompanha o sacramento. O Pentecostes foi para os apóstolos o que o Jordão foi para Jesus, o momento em que foram ungidos pelo Espírito para o serviço. Os relatos presentes em Lucas-Atos mostram, não a ineficácia do batismo em água, mas a necessidade da ação do Espírito Santo para que a conversão seja autêntica e duradoura. O batismo é também o momento em que o fiel é iniciado e ungido para servir no Reino de Deus132 Para receber o batismo, portanto, a profissão de fé deve ser exigida. No caso dos adultos, o próprio candidato deve fazê-la. Em se tratando de crianças, a fé vem por parte 128 Catecismo da Igreja Católica, resposta à pergunta 262. Idem. 130 Fiorenza e Galvin, p.286. 131 Idem, p.284-6. 132 Idem, p.287-90. 129 xxxii dos pais ou da Igreja133. É reconhecida uma solidariedade comunitária. Sobre isso, diz “O Novo Catecismo”: A pergunta, pois, que surge, é esta: a criança não tem ainda consciência e, conseqüentemente, não é capaz de “conversão”, de entrega de fé; como pode, no entanto, receber o sinal de conversão e de fé? Recebe-o da maneira com que vive, atualmente, tôda a sua vida: em dependência dos adultos. Cristo deu-nos sua salvação de modo social, comunitário. Não a pessoas isoladas, mas a um povo. Assim como cada rebanho tem seus carneirinhos, assim também cada povo que cresce possui seus filhos, pequenos sêres cuja vida é ainda carregada pelos outros. Pelo que, os bebês não são batizados porque já crêem, mas, porque queremos, naturalmente, transmitir-lhes a nossa fé. Trazemos os filhos dentro de nossa fé, dentro da fé da Igreja.134 Á medida em que a criança cresce, espera-se dela que se “converta”, isto é, que faça uma entrega de fé consciente. Essa “conversão” é sinalizada quando ela for renovar os seus votos batismais no sacramento da confirmação. Por esta razão, entende-se que o batismo deve ser acompanhado de uma educação cristã135. Assim sendo, os padrinhos e a comunidade eclesial também possuem parte na responsabilidade no preparo do catecúmeno e/ou no desenvolvimento da fé e da graça batismal136. Ordinariamente, o batismo deve ser celebrado pelo bispo e pelo presbítero, mas o diácono também é incluído. Em caso de necessidade, qualquer pessoa pode fazer o batismo, “desde que entenda fazer o que faz a Igreja e derrame água sobre a cabeça do candidato, dizendo a fórmula trinitária baptismal: «Eu te baptizo em Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo»”137. O Concílio Vaticano II, em sua Constituição Lumen Gentium vê no batismo um traço de unidade entre cristãos católicos e não-católicos (LG 15)138. O batismo ainda é visto como sendo necessário à salvação: “Os Bispos, como sucessores dos Apóstolos, recebem do Senhor, a quem foi dado todo o poder no céu e na terra, a missão de ensinar todos os povos e de pregar o Evangelho a toda a criatura, para que todos os homens se salvem pela fé, pelo Baptismo e pelo cumprimento dos mandamentos (cfr. Mt 28,18; Mc. 16, 15-16; Act. 26, 17 ss.).” (LG 24)139. 133 Catecismo da Igreja Católica, resposta à pergunta 259. O Novo Catecismo: A Fé Para Adultos, p.291-2. 135 Idem, p.292. 136 Catecismo da Igreja Católica, resposta à pergunta 259. 137 Idem, resposta à pergunta 260. 138 Extraído de http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_const_19641121_lumen-gentium_po.html 139 Idem. 134 xxxiii 3) O PONTO DE VISTA BATISTA Atualmente, os batistas, os menonitas e a grande maioria das igrejas pentecostais e neopentecostais não batizam crianças, pelo menos até que elas manifestem o desejo de serem batizadas e façam pública profissão de fé perante a Igreja. Mesmo entre os adeptos da teologia calvinista ou puritana, é possível achar vários teólogos que, ao longo da História, defenderam esta visão, tais como John Bunyan e Charles Spurgeon. Esta questão, entretanto, foi mais sensível para os batistas, que deram a ela tal importância, que fizeram de sua doutrina sobre o batismo a marca que os diferencia dos demais evangélicos. 3.1) BATISMO: SACRAMENTO OU ORDENANÇA? Há uma relutância, por parte dos batistas, em usar o termo “sacramento” para se referirem ao batismo e à ceia do Senhor. Ao invés disso, eles preferem se referir a estas cerimônias como sendo “ordenanças”: “O batismo e a ceia do Senhor são as duas ordenanças da igreja estabelecidas pelo próprio Jesus Cristo, sendo ambas de natureza simbólica”140. O mesmo termo é usado no documento “Princípios Batistas”, adotado pela Convenção Batista Brasileira (CBB), a mais antiga denominação batista atuando no Brasil: “O batismo e a ceia do Senhor são as duas ordenanças da igreja”141. Millard Erickson, em sua “Introdução à Teologia Sistemática”, também chama o batismo e a ceia de ordenanças142. Tal entendimento é bem antigo, e já estava presente na Confissão de Fé Batista de 1689, feita em Londres: “O Batismo e a Ceia do Senhor são ordenanças que foram instituídas de maneira explícita e soberana, pelo próprio Senhor Jesus - o único Legislador”143. Grudem também segue esta linha de raciocínio. Para ele, o batismo é uma ordenança (pelo fato de ter sido ordenado por Cristo)144 ou, mais precisamente, um 140 Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, art.IX, número 1. Extraído de http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=143&sub=629&c=&d=1. Acesso em 24 de setembro de 2006. 141 Princípios Batistas, Sessão IV, Art.3. Extraído de http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=141&sub=632&c=&d=1. Acesso em 24 de setembro de 2006. 142 ERICKSON, Millard J. Introdução á Teologia Sistemática, p.459. 143 Confissão de Fé Batista de Londres de 1689, Cap. 28, Art.1. Extraído de http://www.monergismo.com/textos/credos/1689.htm. Acesso em 24 de setembro de 2006. 144 GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática, p.801. xxxiv “meio de graça”. Para Grudem, meios de graça seriam “quaisquer atividades na comunhão da igreja que Deus usa para distribuir mais graça aos cristãos”145. Os meios de graça apenas concedem bênçãos aos cristãos, sem acrescentar nenhuma aptidão ou benefício quanto ao recebimento da graça divina. A graça só seria dispensada se houver fé por parte das pessoas que administram ou recebem estes meios146. Esta definição não se restringe apenas ao batismo e à ceia do Senhor, mas, de modo não exaustivo, também se aplica ao ensino da Palavra, à oração uns pelos outros, à adoração, à disciplina na Igreja, à oferta, aos dons espirituais, à comunhão (entre os irmãos, e não em um sentido eucarístico), à evangelização e até mesmo ao ministério individual147. 3.2) DEFINIÇÃO DE BATISMO Segundo a Declaração Doutrinária da CBB, o batismo simboliza “a morte e sepultamento do velho homem e a ressurreição para uma nova vida em identificação com a morte, sepultamento e a ressurreição do Senhor Jesus Cristo e é também prenúncio da ressurreição dos remidos”148. É também “um sinal de sua comunhão com Cristo, na sua morte e ressurreição; de sua união com Ele; da remissão dos pecados; da consagração da pessoa a Deus, através de Jesus Cristo, para viver e andar em novidade de Vida.”149. Erickson explica melhor: É um rito de iniciação – somos batizados no150 nome de Cristo. O ato do batismo foi ordenado por Cristo (Mt 28.19,20). Uma vez que foi ordenado por ele, é mais adequado entendê-lo como uma ordenança, não como um sacramento. Ele não produz nenhuma mudança espiritual na pessoa que o recebe. Continuamos praticando o batismo simplesmente porque Cristo ordenou e porque serve como uma forma de proclamação de nossa salvação151. Nesta definição, ressalta a idéia de que o batismo é um rito de iniciação, simbólico, que não confere nenhuma mudança espiritual na pessoa que o recebe. É visto 145 Idem. Idem, p,802. 147 Ibidem. 148 Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, art.IX, número 2. Extraído de http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=143&sub=629&c=&d=1. Acesso em 24 de setembro de 2006. 149 Confissão de Fé Batista de Londres de 1689, Cap.29, Art.1. Extraído de http://www.monergismo.com/textos/credos/1689.htm. Acesso em 24 de setembro de 2006. 150 Todos os grifos desta citação são do autor. 151 Erickson, p.463. 146 xxxv como uma oportunidade para testemunho da salvação, e não como uma forma de abençoar o fiel. Em seu artigo “O Ensino Bíblico da Igreja Acerca do Batismo”, Barth dá a seguinte definição: O batismo cristão é, em sua essência, a imagem da renovação do homem devido à sua participação, pelo poder do Espírito Santo, na morte e ressurreição de Jesus Cristo; e é, portanto, também a imagem daquilo que em si é executado pelo testamento da graça, e pela comunhão da sua Igreja que em Jesus são cumpridos e realizados152. Para Barth, a palavra grega baptizein tem o significado de imergir completamente um objeto na água, retirando-o a seguir153. Esta simbologia ilustra um perigo eminente de vida, seguido por uma reabilitação ou preservação, de tal forma que “é impossível compreender o significado do batismo se não estiver claro que o batismo representa um perigo de morte e preservação de vida”154. O batismo é, em suma, uma reprodução da participação do batizando na morte e ressurreição de Jesus Cristo. O salvo é aquela pessoa que morre, é sepultada e ressuscita juntamente com Cristo. Este processo é real na vida do salvo, a união dele com Cristo é real. No momento da salvação, o Espírito Santo une o crente a Cristo, de modo que “ele nunca mais pode existir sem Jesus Cristo, porque Jesus Cristo nunca mais pode existir sem ele; isto é, que ele já não está fora, mas em Jesus Cristo e com Ele permanece no início de um novo céu e de uma nova terra”155. Esta união acontece no batismo do Espírito Santo156. 3.3) VISÃO BÍBLICO-TEOLÓGICA DO BATISMO Para os batistas, o novo nascimento é essencial para a compreensão do batismo. Erickson fundamenta este posicionamento com dois argumentos. O primeiro é que, no Novo Testamento, as únicas pessoas batizadas identificadas pelo nome eram adultas. Quanto aos batismos de famílias, eles não excluem a possibilidade de que as supostas crianças presentes pudessem ter exercido a sua fé157. Donald Bridge assim o expressa: 152 BARTH, Karl e CULLMANN, Oscar. Batismo em diferentes visões, p.13. Idem. 154 Idem, p.14. 155 Idem, p.15. 156 Ibidem. 157 Erickson, p.463. 153 xxxvi Os relatos neotestamentários de batismos de famílias e lares não têm valor algum para comprovar o pedobatismo. Ou não havia bebês nas famílias mencionadas, ou eles foram deixados de lado pelo fato de ser bebês. Se foram batizados bebês na casa de Cornélio, a história exige que acreditemos que eles falaram em línguas e exaltaram a Deus! (v.At 10.46-48) Se alguma criança foi batizada na família do carcereiro filipense, devia ter idade suficiente para crer, pois foi isso que Paulo e Silas disseram a eles! (v.At 16.33) Se havia bebês nos lares batizados em Corinto (1 Co 1.16), eles deviam ser realmente precoces, pois vemos mais tarde que “a casa de Estéfanas” [...] têm se dedicado ao serviço dos santos” (1 Co 16.15). Ora, se os bebês foram incluídos no batismo, devem ter partilhado o serviço subseqüente!158 O segundo argumento usado por Erickson é que a Escritura exige a fé pessoal e consciente em Cristo como pré-requisito para o batismo. A Grande Comissão coloca o batismo após o fazer discípulos (Mt 28:19). João Batista fazia um batismo de arrependimento e pedia confissão de pecados (Mt 3:2,6). Pedro exigiu arrependimento antes do batismo (At 2:37-41). O batismo é subseqüente à fé em Atos 8:12; 18:8 e 19:17159. Os “Princípios Batistas” dizem que a observância do batismo “envolve fé, exame de consciência, discernimento, confissão, gratidão, comunhão e culto”160. Para a Confissão de Fé Batista de 1689: “Somente podem ser submetidas a esta ordenança as pessoas que de fato professam arrependimento para com Deus, fé e obediência ao Senhor Jesus”161. Donald Bridge é ainda mais enfático: “A fé, para o batista, está acima de tudo. Um batismo sem fé consciente não é o batismo do Novo Testamento, sendo, portanto, inválido”162. Na verdade, crer de modo diferente pode ser um grande perigo para a fé cristã: Ora, o batista crê que a única forma de impedir que o próprio batismo se transforme numa armadilha e num meio falso de salvação é insistir que a relação entre batismo e fé é clara, reconhecível, fundamental e inequívoca. Ele teme que não seja esse o caso quando se trata de um bebê. Não basta que a fé seja identificada nos pais, nos padrinhos, na igreja,ou na esperança de que o bebê algum dia creia. Isso faria com que existisse um intervalo de tempo ou uma dependência entre o batismo em si e a fé pessoal do candidato. Dessa forma, acabamos por prestar atenção na coisa errada. As bênçãos associadas, nas Escrituras, tanto à fé quanto ao batismo, acabam sendo associadas, no pedobatismo, mais ao batismo do que à fé. Embora se fale muito na fé que surge posteriormente, todo o processo começa de forma equivocada. Muitas pessoas batizadas na infância crescem sem se dar conta da necessidade de ter fé pessoal. A única defesa é evitar o batismo até que a fé se expresse163. 158 Bridge e Phypers, p.50. Erickson, p.463. 160 Princípios Batistas, Sessão IV, Art.3. Extraído de http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=141&sub=632&c=&d=1. Acesso em 24 de setembro de 2006. 161 Confissão de Fé Batista de Londres de 1689, Cap.29, Art.2. Extraído de http://www.monergismo.com/textos/credos/1689.htm. Acesso em 24 de setembro de 2006. 162 Bridge e Phypers, p.54. 163 Idem, p.61. 159 xxxvii Para Russell Shedd, a fé e o batismo são inseparáveis: Para Paulo, o sacramento é o que poderíamos chamar de “fé-batismo”. Isso evidencia-se em Gálatas 3.26, 27: “Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo, de Cristo vos revestistes”. De igual modo em Romanos 10.8, 9: “Porém, que se diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos. Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo”. Pela confissão de fé no batismo, o neófito é incorporado no novo Israel; ele torna-se parte do novo homem, ou seja, ele é “salvo”164. Á luz de Romanos 6:5, o batismo é uma omoiwma (semelhança) da morte de Cristo, um símbolo, um selo, um sinal, uma figura ou uma representação165. Segundo Barth: O batismo é santo e santificador, embora ainda tenhamos de ver o por quê, e em que medida. Mas ele não é Deus, nem Jesus Cristo, nem o Testamento, nem a Graça, nem a fé, nem a Igreja. O batismo dá testemunho de tudo isso, como também do acontecimento no qual Deus, em Jesus Cristo, faz com que um homem seja Seu filho, Seu Testamento, despertando fé pela Sua graça e chamando o homem para a vida na igreja O batismo testifica ao homem que esse acontecimento não é um produto da sua imaginação, mas que é uma realidade objetiva, a qual nenhum poder terreno pode alterar166. Assim, o batismo em si não é a história sagrada (Heilsgeschichte), mas é a mais viva e expressiva representação dessa história167. O batismo, assim como a ceia do Senhor, a pregação, a oração e outras ações eclesiásticas é uma parte da proclamação da Igreja e, portanto, uma atividade humana: “O batismo, como já dissemos, de qualquer maneira, como todos os outros atos da Igreja, é claramente um ato humano”168. Contudo, assim como os outros elementos da proclamação da Igreja, o batismo é também uma palavra e ato livre de Jesus Cristo, ainda que de maneira indireta e mediadora169. Assim, Barth afirma: O batismo de João pela água dá testemunho do batismo com o Espírito e com fogo do próprio Jesus Cristo. Por esta razão, o grande dispensador do batismo pela água não é João nem a Igreja, mas o próprio Senhor Jesus Cristo, embora mediadora e indiretamente seja realizado através do serviço de João e do serviço da Igreja. Quem poderia, senão o próprio Jesus Cristo, testemunhar com eficácia acerca de Jesus Cristo?170 164 SHEDD, Russell. A Solidariedade da Raça, p.173. Barth e Cullmann, p.16. 166 Idem, p.16-7. 167 Idem, p.18. 168 Ibidem. 169 Barth e Cullmann, p.20. 170 Idem. 165 xxxviii Jesus submeteu-se ao batismo para identificar-se com os pecadores, para unir-se a eles, de forma que os salvos, juntamente com Cristo, podem sair da água com a confiança de que possuem a aprovação do Pai e a comunhão do Espírito Santo, razão pela qual o batismo deve ser feito em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e não somente em nome de Jesus171. Todavia, há que se considerar que o batismo é uma representação da morte e ressurreição de Jesus, e não contém a salvação em si mesmo. O poder do batismo é este: o de testemunhar e simbolizar o sacrifício expiatório de Cristo pela humanidade. O poder está na palavra e ação de Cristo no batismo, e não no ato em si172. Esta palavra e ação presentes no batismo devem ser livres e não podem ser manipuladas pelos homens, pois somente Cristo pode oferecer estas coisas aos salvos173. Barth critica Zuínglio por limitar a potência do batismo a uma fé que se limita e, ao mesmo tempo, se fortifica pelo uso do símbolo. Entretanto, o elogia por ver no batismo “um símbolo da fé da Igreja e da fé dos seus membros em particular, e que a sua execução é um ato que recorda, e, portanto, um ato de confissão, e consequentemente, algo que confirma esta fé”174. Ele também critica a concepção católico-romana de que a eficácia do batismo é ex opere operato, ou seja, que a eficácia do batismo está no ato em si. Uma das afirmações mais fortes de Barth é precisamente a de que a eficácia do batismo está no poder de Deus, e não no poder do ritual em si175. De modo semelhante, Lutero estaria errado por valorizar excessivamente as águas batismais, chegando a chamá-las de “água de Deus”, que chega a eliminar o pecado, a morte e a miséria, ajudando o homem a atingir o céu e a vida eterna176. Barth também critica aqueles que consideram o batismo essencial à salvação. Jesus Cristo não é limitado pelo batismo em suas ações, portanto, não se pode condenar um homem apenas porque ele não recebeu o sinal do que Cristo fez em favor dele177. O verdadeiro significado do batismo é “a glorificação de Deus no desenvolvimento da Igreja de Jesus Cristo através da promessa dada ao homem, com a divina certeza da graça que lhe é dirigida, e através da promessa de obediência 171 Idem, p.20-1. Idem, p.21. 173 Idem, p.21-2. 174 Idem, p.22. 175 Idem, p.23. 176 Idem, p.24. 177 Idem, p.25-6. 172 xxxix pronunciada sobre o homem, com autoridade divina, em referência ao grato serviço que lhe é oferecido”178. O batismo não salva o homem mais do que a fé o salva, ele não é a causa da salvação, mas sim o cognitio salutis179. Desta forma, “se alguém confundir causa e cognitio, imediata e inevitavelmente ignora e confunde a peculiaridade do propósito do batismo e também o da fé”180. Em outras palavras, a causa da salvação é a palavra e o trabalho de Cristo pela humanidade, o batismo é um reconhecimento desta oferta de salvação, mas, em si mesmo, não salva: A palavra e trabalho de Cristo, únicos meios de redenção, estendem-se não somente à fé, mas também ad fidei nostrae sensum; pois a própria fé implica decisão e experiência. No batismo, assim como na Ceia do Senhor, na pregação ou em qualquer outra parte da proclamação da Igreja, a palavra e trabalho de Jesus Cristo são uma oferta de salvação que é reconhecida – uma revelação do testamento da graça, do renascimento, do perdão de pecados, que satisfaz uma confissão ao homem crente, da realidade divino-humana que o cerca e suporta – um convite para o homem crente, chamando-o a responder a esta realidade no seu próprio ser e a se tornar obediente ao Espírito Santo, de acordo com o 181 dom que é seu . O texto de 1 Pedro 3:21 mostraria isso, uma vez que o batismo é o apelo de uma boa consciência para com Deus. Assim o batismo é um evento onde Cristo fala de si mesmo e de sua ação em favor do batizando, mas também onde o batizando é convidado por Cristo para ser, em Cristo, aquilo que Cristo já é182. O batismo não salva, mas é um selo desta salvação, e é neste sentido que devemos entender as passagens do Novo Testamento que falam que o batismo perdoa pecados: No batismo, Jesus Cristo sela a carta que escreveu na Sua pessoa com o Seu trabalho e que nós, pela nossa fé Nele, já recebemos. Selar – obsignare – é o trabalho especial do batismo. Se for compreendido assim, podemos e devemos dizer a seu respeito, nas palavras da Escritura: salva, santifica, purifica e dá o perdão dos pecados e a graça do Espírito Santo, e efetua o novo nascimento, é a admissão do homem no Testamento da Graça e da Igreja. Isto é tudo verdade, no sentido em que, no batismo, uma palavra autêntica nos é proferida de maneira decisiva acerca de tudo isto183. Barth explica isso com a analogia da naturalização. O batismo seria como o recebimento de um certificado de naturalização. O estrangeiro naturalizado suíço, por exemplo, pode perfeitamente viver e sentir como um bom suíço antes de ser 178 Idem, p.27. Idem, p.28. 180 Idem. 181 Idem, p.29. 182 Idem, p.30. 183 Idem. 179 xl reconhecido como tal. Entretanto, a naturalização é importante porque é o reconhecimento de sua cidadania. De igual modo, o batismo não faz do salvo um cristão, mas é o meio pelo qual ele é reconhecido publicamente como tal184. Desta forma, há dois aspectos a se considerar no significado do batismo. O primeiro é o de que ele é ministrado para a glória de Deus e a edificação da Igreja de Jesus Cristo, pois no batismo se faz a lembrança da morte e da ressurreição de Cristo, da graça que é oferecida ao batizando e dos benefícios decorrentes desta graça, como o perdão dos pecados, o renascimento espiritual e o dom do Espírito Santo. Tudo isso é feito não pela Igreja em si, mas por Jesus, que é quem efetivamente batiza, por meio da instrumentalidade humana185. O segundo aspecto é a resposta humana a este oferecimento: A segunda coisa é esta: tem sido muitas vezes impropriamente relegado a segundo plano, mas o significado do batismo seria imperfeitamente descrito se isto não fosse especificamente mencionado. Com autoridade divina é pronunciado sobre o candidato, para a glória de Deus na edificação da Igreja de Jesus Cristo, seu voto de fidelidade e de grato serviço que lhe são exigidos. É dito ao candidato que em virtude da morte e ressurreição de Jesus Cristo, que se deu em seu favor, ele já não pertence a si mesmo, está em dívida para com o seu Salvador; que como alguém que foi sem dúvida e completamente liberto, foi igualmente, sem dúvida, preso e está completamente preso: que foi colocado num caminho do qual, desde agora, já não se pode desviar186. Não vai se discutir aqui sobre a doutrina da perseverança dos santos, por não fazer parte do escopo desta monografia. O que se quer enfatizar aqui é a resposta humana esperada do batizando: fidelidade e obediência a Cristo. O batismo não é apenas o momento em que ele reconhece seus direitos, é também a ocasião onde ele é lembrado dos deveres decorrentes do trabalho de Cristo feito em seu favor. Tudo isso traz conseqüências para a forma correta de administrar o batismo. O batismo é, quanto a sua ordem e prática, uma cerimônia divino-humana, embora seja divina no que respeita a sua natureza, poder e significado187. Por esta razão, mesmo que a Igreja cometa erros quanto à prática do batismo, estes erros não invalidam o ato, nem exigem a realização de um segundo batismo para corrigir as falhas do primeiro188. Segundo Barth: 184 Ibidem. Idem, p.32. 186 Idem, p.32-3. 187 Idem, p.35-6. 188 Idem, p.36. 185 xli Mas, não pode haver lugar para nenhuma destruição objetiva da natureza do batismo, nenhuma anulação objetiva do seu poder, nenhum impedimento objetivo do seu trabalho, e, portanto, nenhuma ineficácia objetiva do batismo pode resultar devido à administração e recepção inadequadas do sacramento. (...) Não há nenhuma espécie de inconvenientes na ordem e prática do batismo que não possam ser removidas ou corrigidas por outros meios que não sejam o rebatismo189. Um outro aspecto do batismo é o apontado por Shedd, que vê no batismo uma admissão do batizado na Igreja e na comunhão do Espírito Santo: “O batismo de fato conferia ao iniciado o direito de ser admitido na comunidade visível na igreja, o corpo de Cristo. Uma vez que o corpo também é a morada do Espírito, a integração no corpo significava integração no Espírito”190. Ou ainda: Está claro, pelas referências bíblicas mencionadas, que muitos desses sentidos estão exemplificados nas epístolas de Paulo. Mas precisamos observar mais detidamente os significados enfatizados por Paulo. Um deles é a identificação do batismo com a incorporação na comunhão do Espírito Santo (1 Co 12.13, citado acima). Observa-se a significação disso no fato de o único Espírito ser a fonte da unidade da igreja, ao mesmo tempo em que é a base da nova vida em Cristo191. 3.4) ARGUMENTOS CONTRA O PEDOBATISMO Para os batistas, o batismo infantil não deve ser praticado por não encontrar respaldo bíblico. O Novo Testamento não teria nenhuma passagem que ensinasse o pedobatismo. Para Barth, a exegese do Novo Testamento mostra que, em todos os casos, o batismo é uma resposta a uma pergunta feita a um crente que exerce a sua fé. É uma resposta acerca da certeza divina e da autoridade divina da palavra proclamada. No Novo Testamento a pessoa não é trazida ao batismo, ela vai até ele192. A ausência de casos de batismo infantil praticados por João Batista ou por Jesus também é lembrada por Watson. No caso de João, o teor de sua pregação era crítico ao apego dos judeus por sua filiação a Abraão (Mt 3:9), com uma forte ênfase no arrependimento193. Baseado em João 4:1, Watson retira três conclusões sobre os batismos feitos por Jesus: os batizados eram chamados de discípulos, Jesus fazia discípulos antes de batizá-los e o batismo não faz um discípulo194. 189 Idem. Shedd, p.175. 191 Idem, p.174. 192 Barth e Cullmann, p.41. 193 Watson, p.18. 194 Idem, p.21. 190 xlii Os textos que mostram Jesus abençoando as criancinhas e orando por elas (Mt 19:13ss) seriam “uma prova de que o Seu Reino é realmente maior do que a Sua Igreja, mas de maneira nenhuma constitui prova de que tais crianças devem ser batizadas”195. Sobre isso, diz Watson: Observemos bem este fato. O Senhor não utilizou esta circunstância tão bem quanto poderia, se Ele realmente queria instituir o batismo infantil. Até aquela época, Ele não havia ordenado a seus discípulos que batizassem criancinhas. Se, portanto, os bebês deveriam ser batizados, qual seria uma circunstância melhor do que esta para ordenar isto: Por que o Senhor não concedeu aos seus discípulos uma lição ao batizar aquelas criancinhas? Ou por que Ele não ordenou, explicitamente, aos seus discípulos que, no futuro, os bebês deveriam ser batizados – especialmente por haver acabado de ensinarlhes: “Dos tais é o reino dos céus?"196 Outros textos considerados importantes por Watson são os referentes à Grande Comissão, em Mateus 28:18-20 e Marcos 16.15-16. Se estes textos forem interpretados de forma seqüencial, então primeiro é preciso ir e fazer discípulos e, só então, batizálos: “Sua primeira tarefa consistia em, através do ensino, fazer discípulos, que Marcos chamou de crentes. A segunda, batizá-los... A terceira, ensinar-lhes todas as demais coisas, que posteriormente seriam aprendidas na escola de Cristo. Menosprezar esta ordem é renunciar todas as suas regras; pois, onde esperamos encontrá-la, senão aqui?”197 Segundo Watson, até mesmo Calvino concorda com esta interpretação, ao comentar Mateus 28.18-20: “Visto que Cristo os exortou a ensinarem, antes de batizarem, e deseja que somente os crentes sejam admitidos ao batismo, parece que o batismo é propriamente administrado apenas quando precedido pela fé”198. Barth admite que há uma possível argumentação bíblica favorável ao pedobatismo estaria nos textos que falam do batismo de famílias (At 16:15, 23; 18:8 e 1 Co 1:16), pois eles não proíbem explicitamente a hipótese de crianças terem sido batizadas nestas ocasiões. Todavia, a ordem pregação da palavra, fé e batismo é preservada em todas as passagens199. Entretanto, Watson não reconhece estes textos como sendo ocorrências de batismos de crianças no período apostólico. No caso do batismo dos três mil, em Atos 2, Watson explica Atos 2.39 dizendo que a promessa é para todos aqueles que forem 195 Barth e Cullmann, p.41-2. Watson, p.23. 197 Baxter in Watson, p.26. 198 Calvino in Watson, p.29. 199 Idem. 196 xliii chamados por Deus. Uma vez que criancinhas são incapazes de entender ou responder a este chamado, não podem receber a promessa e serem batizadas200. Como a promessa também está ligada ao derramamento do Espírito Santo, e não há relato de que alguma criança tenha profetizado, tido algum sonho, visão ou outra manifestação evidente de recebimento do Espírito Santo, a promessa não poderia alcançá-las, excluindo-as do batismo201. Já para Barth, o versículo mostra que a promessa é universal no tempo, mas a ação da promessa exige uma decisão responsável, o que exclui as crianças202. Watson destaca que o batismo de samaritanos, em Atos 8, registra a sua ministração a homens e mulheres, mas não a crianças (At 8:12)203. Em Atos 22:16, Ananias diz para Saulo receber o batismo e lavar os seus pecados. Isto mostra que o batismo “é símbolo do perdão, ou da purificação dos pecados da pessoa batizada”204. Watson não crê na possibilidade de que tal purificação possa acontecer quando uma criancinha é batizada205. Argumento semelhante é usado no batismo de Cornélio: os batizados ouviram a Palavra, presumivelmente já tendo capacidade para compreendêla206. Embora Atos 16:15 se refira ao batismo de Lídia e de toda a sua casa, Watson sugere que “casa” pode significar “família” ou “assistentes nos negócios”207 e chega a colocar em dúvida se Lídia era ou não casada208. No batismo do carcereiro e de sua casa (At 16:33-34), ele reconhece que “casa” significa “família”, mas lembra que todos manifestaram grande alegria por terem crido em Deus (At 16:34), o que seria um indício de que não havia bebês naquele lar209. Argumentos semelhantes são usados no batismo da família de Crispo (At 18:8), somente crentes foram batizados210. No caso da família de Estéfanas, todos os que se batizaram se consagraram ao serviço dos santos (1 Co 1.16). Nos dois casos, Watson descarta a possibilidade dos bebês serem batizados, por sua impossibilidade de crer ou se consagrar a algum serviço. Após falar brevemente sobre o batismo de doze homens em Éfeso (At 19.1-7), Watson cita vários autores que admitiram a ausência de uma referência direta ao 200 Watson, p.32. Watson, p.33. 202 Idem. 203 Idem, p.34. 204 Ibidem. 205 Ibidem. 206 Ibidem. 207 Alexander in Watson, p.34. 208 Watson, p.35. 209 Idem. 210 Idem, p.36. 201 xliv batismo infantil, entre eles, Louis Berkhof: “O Novo Testamento não contém nenhuma evidência direta em favor da prática do batismo infantil, nos dias dos apóstolos”211. O texto de 1 Coríntios 7:14, segundo Barth, mostra uma visão mais extensa sobre o que é o Reino de Cristo, mas não pode ser usado como prova para o batismo, pois, neste caso, seria forçoso dizer o mesmo sobre o cônjuge santificado por seu marido ou esposa crente212. Já Watson nega que o termo “santos” signifique “membros do povo de Deus”213. De acordo com ele, o termo agiov incluiria não apenas os filhos, mas toda a descendência posterior de um crente. Como a santidade dos filhos é comparada à santidade do cônjuge incrédulo, os descendentes não podem ser mais santos do que um cônjuge incrédulo, isto é, não são salvos214. Mais do que isso, se esta passagem puder ser usada como justificativa para o batismo de crianças, então, segundo ele, os cônjuges incrédulos também têm direito ao batismo215. Além disso, ele destaca que alguns autores pedobatistas, como Stier ou Olshausen vêem em 1 Coríntios 7:14 uma evidência de que o batismo infantil não era praticado nos dias de Paulo216. Segundo Olshausen: “É claro que Paulo não poderia ter seguido esta linha de argumentação, se o batismo infantil estivesse sendo praticado naquela época”217. Desta forma, a santidade das crianças ensinada por Paulo em 1 Coríntios 7:14 não implica no pedobatismo: Nesse sentido, a afirmação de Paulo de que filhos de famílias divididas, em que apenas ou o pai ou a mãe é cristão, são “santos” (1 Co 7.14) vai muito além de provar o pedobatismo, pois Paulo afirma que o cônjuge ímpio é semelhantemente “santificado”. Se crianças “santas” devem ser batizadas, o mesmo vale para os cônjuges “santificados”. Isso todavia é um grande absurdo, pois Paulo, logo em seguida, insiste que tais companheiros são “descrentes” e precisam ser salvos (v. 1 Co 7.15, 16)218. Zabatiero, em artigo para o “Dicionário Internacional da Teologia”, afirma que o texto se refere à impureza do pecado, e não ao batismo: Antes de qualquer consideração, é preciso levar em conta o contexto do versículo em discussão. Nos capítulos 5 e 6 Paulo fala da impureza que o pecado traz á vida do cristão e 211 Berkhof in Watson, p.38. Barth e Cullmann, p.42. 213 Watson, p.39. 214 Idem, p.40. 215 Idem, p.40-41. 216 Idem, p.42. 217 Olshausen in Watson, p.42. 218 Bridge e Phypers, p.51. 212 xlv da Igreja. No capítulo 7 ele responde a perguntas sobre a validade do casamento. Especificamente, a partir do v.10 ele fala sobre a indissolubilidade do casamento de cônjuges crentes e do casamento misto — e é nesta conexão que ele cita a “santificação”. O texto, em si, portanto nada tem a ver com batismo ou salvação, mas sim com pureza ou impureza219. Sobre Colossenses 2:11-12, usado pelos pedobatistas para apontar o batismo como o substituto da circuncisão, Watson aponta que o texto não diz que os gentios estavam dispensados da circuncisão pelo fato de terem sido batizados, mas sim porque eles foram circuncidados espiritualmente, quando repudiaram sua velha natureza220. Além disso, a circuncisão era defendida por cristãos judaizantes, mesmo após a instituição do batismo: Paulo estava dizendo que a circuncisão e o batismo são símbolos diferentes da mesma verdade. Mas ele não afirmou que o batismo suplantou a circuncisão. O apóstolo não ensinou que o batismo assumiu o lugar da circuncisão, isto é evidente do fato que ainda encontramos, em Jerusalém, crentes zelosos da circuncisão, no ano 60 D.C. (...) Por conseguinte, os crentes de Jerusalém continuaram a circuncidar seus filhos. Este fato, e somente ele, demonstra que o batismo não era considerado como um substituto da circuncisão221. Para Barth, Colossenses 2:11 pode indicar o batismo como um substituto da circuncisão. Entretanto, a circuncisão referia-se a um nascimento natural, à eleição de uma linhagem santa que encontrou seu alvo no Messias e, desde então, perdeu o seu significado. Analisando o versículo à luz de Romanos 4, conclui-se que a circuncisão, de modo algum se relacionava com a sucessão racial, e a sucessão na Igreja neotestamentária não depende de critérios genealógicos, mas sim de uma decisão individual222. Já Erickson nega que o batismo seja um substituto da circuncisão, pelo menos ao ponto de ser usado como base para o batismo de crianças: Que dizer da idéia de que o batismo substitui o rito veterotestamentário da circuncisão, como marca da entrada na aliança? Aqui é significativa a afirmação de Paulo de que a circuncisão do Antigo Testamento era uma formalidade externa que caracterizava a descendência judia, mas quem para ser verdadeiro judeu, é preciso sê-lo por dentro: “Porém judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão, a que é do coração, no espírito, não segundo a letra” (Rm 2.29). Paulo está dizendo não apenas que a circuncisão passou, mas que toda a estrutura de que fazia parte a circuncisão foi substituída. Se 219 COENEN, Lothar e BROWN, Colin e outros. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, p.202. 220 Watson, p.43. 221 Idem, p.44. 222 Idem. xlvi alguma coisa assumiu o lugar da circuncisão exterior, não é o batismo, mas a circuncisão interior223. Isso traz implicações sobre o lugar da criança na doutrina batista: A promessa pentecostal de Pedro, “para vocês, para os seus filhos”, traz a seguinte ressalva: “para todos quantos o Senhor, o nosso Deus, chamar” (At 2.39). Tal “chamado” inclui arrependimento e batismo, nessa ordem. As crianças já não estabelecem um relacionamento com Deus em função do nascimento natural em uma nação escolhida; mas a graça de Deus passa a ser oferecida a pessoas de todas as nações por meio da fé e do arrependimento. Ora, muitos dos que crêem certamente serão crianças. Elas são abordadas nas cartas de Paulo (como por exemplo em Ef 6.1-3), não por serem filhas e filhos de cristãos, mas porque elas mesmas são cristãs224. Até mesmo os batistas que aceitam a teologia da aliança se recusam a ver no batismo um equivalente da circuncisão. Isso é explicado pelo fato da aliança abraâmica possuir elementos físicos e espirituais. Os primeiros se cumpriram antes da vinda de Cristo, e incluem, por exemplo, a terra de Canaã e a circuncisão. Os últimos se cumprem com a chegada de Cristo, por exemplo, “a cidade que tem alicerces, cujo arquiteto e edificador é Deus” (Hb 11:10) e a descendência espiritual de Abraão, formada por aqueles que possuem uma fé semelhante à dele225. Logo: A circuncisão era o sacramento de um grupo nacional que recebeu um país físico, herdado por seus descendentes naturais. Por esse motivo, eles foram reunidos no sistema nacional dado no Sinai. Ainda assim, a circuncisão também simboliza uma mudança de coração concedida a quem tinha fé. Por esse motivo, ela foi utilizada na aliança da graça, a aliança primordial no Antigo Testamento, ainda que também profetizada. No Novo Testamento, esta aliança é cumprida na realidade do novo nascimento. Portanto, o equivalente cristão da circuncisão não é o batismo226, mas a regeneração227. Desta forma, Watson conclui que: “o batismo de criancinhas não foi autorizado pelo Novo Testamento”228. Mais do que isso, existiriam textos bíblicos que mostrariam a inconsistência do batismo de crianças com o ensino neotestamentário. O texto de Romanos 6:2-4 não faz sentido se aplicado a cristãos que não demonstram fé229. Quando uma pessoa é batizada em nome de outra, ela assume o compromisso de ser um discípulo daquela pessoa, em nome de quem ela é batizada. Como 1 Coríntios 1:13 mostra que as pessoas são batizadas em nome de alguém, as criancinhas estariam 223 Erickson, p.465. Bridge e Phypers, p.55. 225 Idem, p.57. 226 Grifo meu. 227 Bridge e Phypers, p.57. 228 Watson, p.47. 229 Idem, p.54. 224 xlvii excluídas, por não poderem assumir tal compromisso230. Em Gálatas 3:27, o batismo é associado ao revestir-se de Cristo, um outro ato impossível a bebês231. Da mesma forma, como bebês não podem ter fé, não podem ressuscitar com Cristo, uma realidade simbolizada pelo batismo em Colossenses 2.12232. A afirmação de 1 Pedro 3:20-21, de que o batismo salva, só faz sentido com o restante do Novo Testamento se for admitida a hipótese de que ele só é ministrado a pessoas salvas. Caso contrário, o texto ensinaria a regeneração batismal233. Quanto ao uso de passagens do Antigo Testamento, Watson aponta que recorrer ao Antigo Testamento em busca de autoridade para uma ordenança neotestamentária seria uma fraqueza234. Além disso, segundo ele, o uso de textos do AT leva a inferências remotas, duvidosas e debatidas235. Para ilustrar esta visão, ele critica as teorias pedobatistas esposadas por Charles Hodge e Geerhardus Vos. Watson mostra que, o próprio Hodge reconhecia que “a dificuldade neste assunto é que o batismo, por sua própria natureza, envolve uma profissão de fé: o batismo é a maneira através da qual, pela ordem de Cristo, Ele é confessado diante dos homens”236. Para vencer esta dificuldade, Hodge precisou construir uma definição de igreja que incluísse os filhos de crentes, contudo, todas as definições por ele apresentadas envolvem a profissão de fé, o que excluiria os bebês237. Em sua crítica à visão de Hodge sobre a Igreja, Watson ataca várias destas afirmações, como a de que a comunidade de Israel era a Igreja: Este apelo de Hodge ao Antigo Testamento sugere que é impossível derivar das páginas do Novo Testamento a idéia desejada a respeito da igreja cristã. Que a comunidade de Israel não pode ser equiparada à Igreja torna-se evidente da definição apresentada por Hodge a respeito do vocábulo igreja – “Todo o conjunto daqueles que professam a verdadeira religião”. Conforme vimos antes, os bebês são incapazes de professar coisa alguma, conseqüentemente não podem ser membros da igreja.238 Segundo o autor, “nada existe no Antigo Testamento que justifique a inclusão dos filhos dos crentes à membresia da igreja”239. 230 Idem, p.55. Idem, p.56. 232 Idem, p.57. 233 Watson, p.58-59. 234 Watson, p.71. 235 Watson, p.74. 236 Hodge in Watson, p.78. 237 Watson, p.79. 238 Watson, p.80, grifo do autor. 239 Watson, p.83. 231 xlviii Sobre o argumento de Vos, Watson diz que ele está estruturado em cima de três idéias: o batismo é um símbolo e selo da Aliança da Graça; os filhos dos crentes estão incluídos na Aliança da Graça e os filhos dos crentes têm direito ao batismo, que é um símbolo e selo da Aliança da Graça240. A definição de Vos sobre “Aliança da Graça” diz que: “Na eternidade passada, o Pai estabeleceu a aliança da graça com o Filho unigênito, Jesus Cristo, o segundo Adão, na qualidade de representante de todo o povo que Deus elegeu para a vida eterna”241. Se o batismo é um símbolo da aliança com Jesus para a salvação dos eleitos, então ele perde parte de seu significado, se atribuído a bebês. Se é apenas uma promessa desta aliança, nada impediria que ele fosse administrado indiscriminadamente242. Se é um selo, ou ele é um selo de promessa, portanto, geral e não particular, ou só deveria ser administrado àqueles que possuem fé, que demonstram estar na Aliança da Graça243. Na verdade, o próprio Vos diz que o batismo serve como sinal, quando acompanhado de fé244, o que, para Watson, leva à conclusão de que o batismo não é um selo, pois, de si mesmo, não distingue um cristão das outras pessoas. O verdadeiro selo é o Espírito Santo, e não o batismo245. Os filhos dos eleitos não fazem parte desta Aliança, pois o próprio Vos admite que vários deles quebram a aliança, o que levou Vos a falar em duas fases na Aliança da Graça, uma legal ou externa (onde estão todos os filhos de crentes) e outra vital ou espiritual (onde estão os eleitos)246. Para Watson, “a correspondente teoria de que há duas esferas da Aliança da Graça é antibíblica, embaraçosa e idealizada para confundir”247. Além disso, nem todas as pessoas debaixo de uma aliança recebem um sinal. As mulheres no Antigo Testamento não eram circuncidadas — o sinal da aliança dado a Abraão — logo, estar debaixo de uma aliança não significa, necessariamente, ter direito ao sinal característico desta aliança248. Assim sendo, a visão reformada de unidade entre a aliança abraâmica e a Nova Aliança também é questionada. Os batistas que seguem o dispensacionalismo e rejeitam a Teologia do Pacto vêem no Antigo Testamento uma aliança imperfeita e incompleta, 240 Watson, p.85. Vos in Watson, p.86. 242 Watson, p.86. 243 Idem, p.87. 244 Vos in Watson, p.87. 245 Watson, p.88. 246 Vos in Watson, p.90-91. 247 Watson, p.91-92. 248 Idem, p.95. 241 xlix presa ainda a considerações étnicas e sangüíneas. Já no Novo Testamento a ênfase recai sobre o nascimento espiritual: Qualquer outra posição contradiz toda a vertente dos ensinamentos encontrados no Novo Testamento. Se filhos de cristãos já nascem membros da aliança da graça, como Jesus poderia dizer que: “O que nasce da carne é carne” (Jo 3.6), e que “Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo” (Jo 3.3)? Como poderia João, ao comentar essas palavras, enfatizar a diferença absoluta entre nascer de Deus de pais humanos (v.Jo 1.12, 13)? Se uma pessoa é batizada na infância, não ficará, no decorrer de sua vida, confusa quanto a sua necessidade de um encontro pessoal com Deus249? Assim sendo, o nascimento físico não possui nenhuma importância no Novo Testamento: Portanto, o que acontece com a promessa feita “a seus futuros descendentes” (Gn 17.7)? Isso só se aplica aos descendentes naturais de Abraão durante o período da dispensação da aliança. Afora a transdispensação, os descendentes de Abraão são aqueles que possuem a fé de Abraão. A promessa não diz que os filhos dos judeus ou cristãos seriam automaticamente incluídos na aliança, mas que seriam sempre acompanhados por crentes. Simples assim. Não há nada aqui que indique duas formas de salvação; uma pelo novo nascimento e outra pelo nascimento em uma família piedosa. As referências neotestamentárias a famílias são apenas aplicações localizadas da mensagem universal de que aquele que crer viverá. E, logicamente, quem crer deve ser batizado. Assim (e somente assim) o símbolo corresponde à realidade250. Zabatiero reconhece que existem pontos em comum nas alianças. Contudo, o caráter inovador da Nova Aliança exclui qualquer argumentação pedobatista baseado em uma teologia da aliança: O problema é que, embora haja uma correspondência entre os dois “ritos”, as diferenças entre os dois pactos são tão grandes que a correspondência não passa além do sentido formal. O pacto com Israel era defeituoso, exterior, não podia resolver todos os problemas gerados pelo pecado, era apenas uma “sombra” da Nova Aliança firmada por Cristo (cf. Hebreus caps. 8 – 10). Paulo argumenta que o pacto cristão, sendo um pacto de graça confirma a lei de Deus (Rm 3:31) mas anula o anterior – no sentido de que quem quiser a salvação através da guarda da lei (praticando a circuncisão, etc.) cairá da graça (cf. Gl 5:1ss). Esse é o ensino de todo NT (cf. Mt 26:28, Lc 22:20) e exclui a possibilidade de identificação entre as duas alianças e seus sinais. Certamente o problema do relacionamento entre as duas alianças, a velha e a nova, é bastante complexo, mas os dados do NT indicam que a descontinuidade entre ambas é maior que a continuidade, e por isso é impossível justificar o batismo de crianças à luz da teologia dos pactos251. Para Zabatiero, a própria idéia de unidade das alianças não se sustenta biblicamente: 249 Bridge e Phypers, p.55. Bridge e Phypers, p.58. Grifo meu. 251 Coenen e Brown, p.198-9. 250 l O autor aos Hebreus demonstra claramente o fato da Nova Aliança revogar a Antiga (Hb 8:13 cf. 7:18, 9:10, 15) e toda a sua carta é uma exortação a cristãos judeus, impedindo-os de voltar ao judaísmo (cf. 2:1-4; 3:12ss; 6:4-12; 10:26-39; 12:14-17). Sua argumentação é diferente da de Paulo, mas a conclusão é idêntica. A antiga aliança era apenas sombra, não tinha realidade, não era eficaz para perdoar pecados e purificar as consciências. Por isso, Jesus veio, a fim de salvar os que, sob a primeira aliança — herdeiros da fé de Abraão — foram chamados (Hb 10:14-15)252. A doutrina do batismo também traz implicações para a forma como se entende o conceito de “Igreja”. Os batistas insistem que a Igreja neotestamentária era formada apenas por crentes professos, cujo ingresso estava condicionado à fé. O raciocínio pedobatista faz com que o nascimento seja aceito como uma porta de entrada para a Igreja, o que seria inadmissível: “Nem é possível que alguém pertença à igreja graças ao lugar de seu nascimento, pois isso despojaria a fé de seu lugar de estaque no significado da salvação”253. Logo, não há base bíblica para que o batismo seja feito em cima da fé da Igreja, de pais ou padrinhos. Não há uma fé substituta quando se trata de salvação254. Por isso, Barth critica a posição luterana de que o batismo confira às crianças uma fé primitiva e a regeneração, ao passo que os mesmos luteranos dizem que os adultos são regenerados primeiro, e batizados depois255. Barth também não aceita a idéia de João Calvino de que o Espírito Santo ativaria, no batismo, uma semente de fé presente nas crianças256. Por estas razões, o batismo infantil acaba exigindo uma cerimônia posterior de confirmação, pois, efetivamente, a fé que conta é a do batizado, o que mostraria como o batismo infantil é incompleto257. Deste modo, o batismo de crianças ou de pessoas que não compreendem o batismo deveria ser evitado. O batismo corretamente administrado exige a vontade do batizando e um preparo adequado, embora, para Barth, seja válido quando estes elementos estão ausentes. Entretanto, insistir nesta prática causa muitos males à Igreja: Batismo sem a vontade e preparo da pessoa batizada é verdadeiro, eficaz e efetivo. Contudo não é correto; não é feito em obediência, não é administrado segundo a ordem própria, e, portanto, é um batismo nublado. Não deve e nem pode ser repetido. É, portanto, uma ferida no corpo da Igreja e uma fraqueza para o batizado que pode, por certo, ser curada, mas que é tão perigosa que outra pergunta tem de ser feita à Igreja: até quando 252 Idem, p.200-1. Bridge e Phypers, p.59. 254 Barth e Cullmann, p.43-4. 255 Idem, p.44. 256 Idem. 257 Idem, p.45. 253 li deseja ser culpada de provocar essa ferida e enfraquecimento do corpo através de uma prática de batismo que é, segundo esse ponto de vista, arbitrária e despótica?258 Estes elementos não estão presentes no pedobatismo, pois as crianças são passivas, não têm a capacidade de responder a perguntas sobre sua fé e, portanto, não têm o que confessar. Conforme Barth: A prática em uso do batismo com base no ensino prevalecente é arbitrária e despótica. Nem por exegese, nem, tão pouco pela natureza do caso, pode ser estabelecido que a pessoa batizada pode ser um simples instrumento passivo. Pelo contrário, pode mostrar-se, pela exegese e pela natureza do caso que nessa ação, o batizando é uma parte ativa e não importa em que período da vida, por certo nenhum infans pode ser tal pessoa259. 258 259 Idem, p.40. Barth e Cullmann, p.40-1. lii 4) O PONTO DE VISTA REFORMADO Durante a Reforma Protestante, o pedobatismo foi mantido por todos os reformadores, exceto aqueles ligados ao movimento anabatista. Todavia, o alicerce teológico usado pelos protestantes seja diferente daquele adotado pela Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR). A ortodoxia reformada recomenda o batismo infantil em seus documentos de fé, como a Confissão de Fé de Westminster, Capítulo XVIII, Art. IV: “Não só os que de fato professam a sua fé em Cristo e obediência a ele; mas também os filhos de pais crentes (ainda que só um deles o seja) devem ser batizados”. 4.1) DEFINIÇÃO DE SACRAMENTO Para os reformados, o batismo é um sacramento. Contudo, não há uniformidade quanto a forma de se entender o que é sacramento. O luteranismo, para Millard Erickson, possui aspectos semelhantes aos adotados pelo catolicismo, no que ele considera uma forma extrema de sacramentalismo260. Já as igrejas calvinistas vêem os sacramentos como inseridos em um contexto de aliança. Isto pode ser visto na Confissão de Fé de Westminster (CFW), adotada pela Igreja Presbiteriana do Brasil: Os sacramentos são santos sinais e selos do pacto da graça, imediatamente instituídos por Deus para representar Cristo e seus benefícios, e confirmar o nosso interesse nele, bem como para fazer uma diferença visível entre os que pertencem à Igreja e o restante do mundo, e solenemente obrigá-los ao serviço de Deus em Cristo, segundo a sua Palavra261. Para Calvino, sacramento é “um sinal exterior pelo qual o Senhor representa para nós e nos testifica a sua boa vontade para conosco, para sustentar, confirmar e fortalecer a nossa fraca fé”262. É um testemunho da graça de Deus declarado mediante um sinal exterior263. Os sacramentos não possuem poder em si mesmos. A sua eficácia independe da piedade ou intenção do ministro, mas sim da ação do Espírito Santo e daquilo que a Assembléia de Westminster chama de “palavra da instituição”: 260 Erickson, p.460. CFW, Cap.XXVII, Art.I. 262 Calvino, p.141. 263 Idem. 261 liii A graça revelada nos sacramentos, ou por meio deles, quando devidamente usados, não é conferida por qualquer poder neles existente; nem a eficácia de um sacramento depende da piedade ou intenção de quem o administra, mas da obra do Espírito e da palavra da instituição, a qual, juntamente com o preceito que autoriza o uso dele, contém uma promessa de benefício aos que dignamente o recebem264. Calvino também concorda: Portanto, desejo que os leitores estejam avisados de que eu atribuo aos sacramentos o ofício de confirmar e aumentar a fé, não porque eu considere que eles tenham em si a virtude necessária e perpétua para fazerem isso, mas porque foram instituídos por Deus para essa finalidade. De resto, eles produzem eficazmente o esperado efeito quando o Mestre interno, instruidor do espírito, lhes acrescenta a sua virtude, único poder capaz de penetrar o coração, sensibilizar nossos afetos e possibilitar a entrada dos sacramentos em nosso ser interior. Se esta ação do Espírito de Deus faltar, os sacramentos não poderão oferecer ao nosso espírito mais que aquilo que a luz do Sol pode oferecer aos cegos, nem mais que o que uma voz altissonante pode dar a ouvidos surdos.265 Isso quer dizer que eles são mais que simples símbolos. Berkouwer afirma: “As diversas definições reformadas de sacramento mostram que sua doutrina não pode ser descrita adequadamente como ‘simbólica’”266. Nos sacramentos, os benefícios da graça não são apenas representados, eles são aplicados aos crentes: “Um sacramento é uma santa ordenança instituída por Cristo, na qual, mediante sinais perceptíveis, a graça de Deus em Cristo e os benefícios da aliança da graça são representados, selados e aplicados aos crentes, e estes, por sua vez expressam sua fé e sua fidelidade a Deus”267. A.A.Hodge vai além, por meio dos sacramentos as graças são transmitidas aos crentes: Como selos afixados à aliança, segue-se que realmente transmitem a graça significada, como forma legal de investidura, àqueles a quem ela pertence – segundo os termos da aliança. Assim como se diz que os títulos de uma propriedade, quando assinados e selados, transmitem a propriedade que eles representam, por serem eles a forma legal pela qual a intenção do proprietário original fica expressa publicamente e ratificado o seu ato. É por esse motivo que nas Escrituras, como também na linguagem geral, os nomes e os atributos das graças seladas são atribuídos aos sacramentos pelos quais eles são selados e transmitidos aos seus legítimos possuidores268. Eles também são dependentes da Palavra de Deus. Os sacramentos são sinais que remetem às promessas contidas na Escritura, de tal modo que “os sacramentos nunca são completos sem a Palavra”269. Para Calvino, o sacramento não pode ser 264 CFW, Cap.XXVII, Art.III. Calvino, p.146. 266 McKIM, Donald K (ed.) Grandes Temas da Tradição Reformada, p.180. 267 Berkhof, Teologia Sistemática, p.570. 268 HODGE, A.A. Esboços de Teologia, p.834. 269 Berkhof, Teologia Sistemática, p.570. 265 liv apresentado pela Palavra de Deus, mas deve ser precedido por ela, pois serve para simbolizar, confirmar e certificar mais fortemente a Palavra de Deus270. Os sacramentos servem como um selo da Palavra, como confirma o apóstolo Paulo ao usar o termo sfraguida (selo) para se referir à circuncisão271. Servem, portanto, como sinais das alianças entre Deus e os homens, com o fim de tornar a fé humana mais firme e segura nas promessas divinas272. O uso dos sacramentos proporciona três benefícios aos homens: Deus dá ensino e instrução da Palavra por meio deles, confirma e fortalece os cristãos e, por meio do Espírito Santo, esclarece o entendimento, de tal forma que a Palavra consegue penetrar o íntimo e comover o coração dos salvos273. A palavra “sacramento” não deve ser entendida apenas em seu sentido original, que é o de um juramento solene feito pelo soldado ao seu comandante no momento de seu engajamento nas tropas. Calvino defende que também deve ser visto no sentido oposto, isto é, como um ato pelo qual o comandante admite o soldado em seu exército e sob o seu soldo, ou seja, trata-se de uma promessa pela qual a Igreja se compromete a ser o povo de Deus, e o Senhor se compromete a ser o Deus da Igreja274. É preciso destacar também que, na tradução latina da Escritura, “sacramento” é, várias vezes, traduzida como “mistério”275. Á luz destes significados, percebe-se que, primeiramente, os sacramentos são destinados a servir à fé dos salvos, mas também para dar testemunho aos homens da profissão de fé dos cristãos276. O ofício dos sacramentos é oferecer e apresentar Jesus Cristo e os tesouros da graça celestial que nele estão. Entretanto, eles não possuem proveito algum se não forem tomados e recebidos pela fé277. Desta forma, Calvino usa o termo “sacramento” em dois sentidos. Em um sentido abrangente, ele inclui “todos os sinais que Deus concedeu aos homens para os certificar e lhes dar segurança da veracidade das suas promessas”278. Estes sinais podem ser mostrados em coisas naturais, como o arco-íris para Noé, ou em milagres, como o 270 Ibidem. Calvino, p.142. 272 Calvino, p.143. 273 Calvino, p.145-6. 274 Calvino, p.149. 275 Calvino, p.150. 276 Idem. 277 Calvino, p.151. 278 Calvino, p.152. 271 lv retrocesso em dez graus no relógio de Sol de Acaz279. Em um sentido estrito, trata-se de “sacramentos que o nosso Senhor instituiu e quis que fossem de uso comum em sua igreja, para edificar e manter os seus numa só fé e na confissão desta fé”280. Calvino dá a eles um significado ainda mais forte: Por isso faz bem Crisóstomo em chamá-los pactos ou alianças, pelas quais a escrita da nossa dívida é cancelada e, por outro lado, por elas nos tornamos devedores, com a obrigação de vivermos de maneira pura e santa. Porque, assim como nelas o Senhor promete perdoar, e perdoa, toda a dívida que pesa sobre nós pelas faltas e ofensas por nós cometidas, assim também nós, reciprocamente, nos obrigamos a servi-lo com pureza e santidade em nosso viver.281 Eles já estavam presentes no Antigo Testamento, por exemplo, na circuncisão, mas foram abolidos com a vinda de Jesus, quando dois sacramentos foram instituídos para a Igreja: o batismo e a Ceia do Senhor282. No Novo Testamento, as igrejas reformadas reconhecem apenas dois sacramentos: o batismo e a ceia do Senhor283. Segundo o Catecismo Maior de Westminster: Batismo é um sacramento do Novo Testamento no qual Cristo ordenou a lavagem com água em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, para ser um sinal e selo de nos unir a si mesmo, da remissão de pecados pelo seu sangue e da regeneração pelo seu Espírito; da adoção e ressurreição para a vida eterna; e por ele os batizando são solenemente admitidos à Igreja visível e entram em um comprometimento público, professando pertencer inteira e unicamente ao Senhor284. 4.2) DEFINIÇÃO DE BATISMO Para definir o que é batismo, Charles Hodge fez um estudo das palavras bapto, baptizo, baptismos e seus cognatos. Ele destaca que estes termos não possuem um sentido único, podendo ser traduzidas por “derramar sobre, lavar, limpar, tingir, manchar, etc.”285 e que, de acordo com os dicionários respeitáveis da língua grega, 279 Calvino, p.152-3. Calvino, p.153. 281 Idem. 282 Idem, p.154. 283 Catecismo Maior de Westminster, resposta a pergunta 164. Extraído de http://www.monergismo.com/textos/catecismos/catecismomaior_westminster.htm. Acesso em 26 de setembro de 2006. 284 Idem, resposta a pergunta 165. 285 Hodge, p.8. 280 lvi podem expressar “imersão parcial, imersão total, absorção ou efusão”286. Além disso, Hodge afirma que estas palavras não são empregadas sempre em sentido literal, e eram usadas de várias formas pelos judeus. Por exemplo, em Marcos 7:4, quando se fala que os fariseus guardavam vários “batismos”, como a lavagem de copos, jarros, utensílios de metal e camas287. O mesmo se dá em Lucas 11:38, onde o fariseu se admira de que Jesus não tivesse se “batizado” (lavado as mãos) antes de comer ou em Eclesiástico 34:25, que fala de batismo como a cerimônia de lavagem cerimonial de purificação depois de um judeu tocar um cadáver288. Estes e outros textos, tais como Hebreus 9:10, junto com a opinião dos melhores dicionários e lexicográficos de língua grega, mostram que os termos “aspergir, fazer ablução, lavar” servem como traduções aceitáveis de bapto e seus derivados289. O batismo deve ser feito em água, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, por um ministro ordenado do Evangelho290. Pode ser feito por imersão, efusão ou aspersão291. De acordo com a Confissão de Fé de Westminster: “Não só os que de fato professam a sua fé em Cristo e obediência a ele; mas também os filhos de pais crentes (ainda que só um deles o seja) devem ser batizados”292. É um sacramento importante, mas não é considerada essencial à salvação ou garantia de regeneração para os que o recebem293. Sobre a sua eficácia, a CFW ensina que, no batismo, a graça do Espírito Santo é mais do que oferecida, ela é manifestada e conferida pelo Espírito Santo àqueles que, de acordo com o conselho da vontade de Deus e no tempo determinado, devem recebê-la294. Berkhof destaca que o batismo é uma ordem perpétua para a Igreja (Mt 28:1920), como “sinal e selo do fato de que (os convertidos) tinham entrado numa nova relação com Deus e, nesta qualidade, estavam obrigados a viver de acordo com as leis do Reino de Deus”295. A.Hodge destaca que os propósitos do batismo são: significar, selar e comunicar os benefícios da aliança da graça; ser uma insígnia visível de um voto de pertencimento ao Senhor, onde o batizado declara aceitar a salvação e se dedicar ao 286 Idem. Hodge, p.11. 288 Idem. 289 Hodge, p.11-2. 290 CFW, Cap.XXVIII, Art.II. 291 CFW, Cap.XXVIII, Art.III. 292 CFW, Cap.XXVIII, Art.IV. 293 CFW, Cap.XXVIII, Art V. 294 CFW, Cap.XXVIII, Art.VI. 295 Berkhof, Teologia Sistemática, p.577. 287 lvii serviço divino; e ser uma insígnia da profissão pública de fé, da separação do mundo e da iniciação na Igreja visível296. Percebe-se nestas definições a idéia de que o batismo é um sinal de uma nova união entre o fiel e Cristo Jesus. Nele, o batizado declara, publicamente, a sua fé em Jesus e o seu desejo de receber a salvação e recebe de volta os benefícios da graça. Verifica-se, portanto, que o batismo deve ser entendido em um contexto de aliança. 4.3) VISÃO BÍBLICO-TEOLÓGICA DO BATISMO A visão reformada diz que o batismo deve ser entendido em um contexto de aliança. O.Palmer Robertson destaca que “a aliança estabelece compromisso de uma pessoa com outra”297. E os sinais externos são marcas das alianças divinas: A presença de sinais em muitas das alianças bíblicas também enfatiza que as alianças divinas unem as pessoas. O sinal do arco-íris, o selo da circuncisão, o sinal do Sábado – estes sinais da aliança reforçam o caráter de ligação da aliança. Da mesma forma, como uma noiva e um noivo trocam as alianças como um “sinal e penhor” de sua “fidelidade constante e amor permanente”, assim também os sinais da aliança divina simbolizam a permanência do pacto entre Deus e o seu povo298. No batismo percebem-se estes dois elementos. De certa forma, o batizado jura que vai viver segundo as leis de Deus. Por outro lado, o evento lhe serve como um sinal, um penhor de que Deus cumprirá com as Suas promessas. Mas o pacto é celebrado entre Deus e o Seu povo. É importante enfatizar esse ponto para que se compreenda a razão pela qual os reformados batizam crianças. Em primeiro lugar porque, no entendimento dos reformados, não há diferentes alianças presentes na Bíblia. Os pactos adâmico, noêmico, abraâmico, mosaico, davídico e a Nova Aliança são, na verdade, diferentes dispensações, ou modos de administração de uma única aliança. A dispensação posterior não anula as anteriores, na verdade, ela vem para complementá-las e nelas se fundamenta. Segundo Robertson: A evidência cumulativa das Escrituras aponta definitivamente em direção ao caráter unificado das alianças bíblicas. Os múltiplos pactos de Deus com o seu povo unem-se basicamente em um único relacionamento. Detalhes particulares das alianças podem 296 A.Hodge, p.848. ROBERTSON, O.Palmer. O Cristo dos Pactos, p.12. 298 Idem, p.13. 297 lviii variar. Pode-se notar uma linha definida de progresso. Todavia, as alianças de Deus são uma299. Deste modo, a Nova Aliança, feita por Cristo Jesus, não anula as alianças anteriores. Existe uma unidade orgânica entre as diferentes alianças presentes na Bíblia. Isso pode ser comprovado em vários textos bíblicos. Por exemplo, em Jeremias 33:2021, o profeta condiciona uma anulação da aliança davídica a uma anulação da aliança com o dia e a noite, o que remete ao texto de Gênesis 8:21-22, onde Deus, em aliança com Noé, promete que enquanto a terra durasse, haveria dia e noite300. Deus levanta Moisés para libertar o povo de Israel por se lembrar de sua aliança com Abraão, Isaque e Jacó (Ex 2:24)301. No episódio do bezerro de ouro, Moisés apela para que Deus se lembre de sua aliança com Abraão para que Ele não destrua os israelitas (Ex 32:1314)302. Quando Deus estabelece sua aliança com Davi em 2 Samuel 7:6, ele lembra que é o mesmo Deus que fez subir os filhos de Israel do Egito (aliança mosaica)303. A construção do Templo de Jerusalém, um santuário centralizado para o culto israelita, não era uma novidade da aliança davídica, mas uma prescrição da aliança mosaica (Dt 12)304. Da mesma forma, Davi interpretou a entrada da Arca em Jerusalém como um cumprimento das promessas de Deus feitas a Abraão (1 Cr 16:15-18)305. A Nova Aliança não é exceção. Jesus é o descendente da mulher, prometido a Adão em Gênesis 3:15 (compare com Romanos 16:20, onde se diz: “E o Deus da paz, em breve, esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás”)306. O dilúvio e a Arca de Noé são uma figura do batismo (1 Pe 3:18-22). Paulo lembra que Jesus Cristo morreu para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios (Gl 3:13-14) e os gentios salvos são vistos como sendo enxertados em Israel (Rm 11:17-19)307. Com efeito, Mateus abre o seu Evangelho destacando que Jesus Cristo é filho de Abraão e de Davi (Mt 1:1). Fazendo uma citação de Ezequiel 37:24-26, Robertson mostra como estas alianças estão interligadas: 299 Idem, p.31-2. Idem, p.22-3. 301 Idem, p.33. 302 Idem, p.35-6. 303 Idem, p.35. 304 Idem, p.37. 305 Ibidem. 306 Idem, p.47. 307 Idem, p.42. 300 lix O meu servo Davi reinará sobre eles; todos eles terão um só pastor [alusão à aliança davídica], andarão nos meus juízos, guardarão os meus estatutos e os observarão [alusão à aliança mosaica]. Habitarão na terra que dei a meu servo Jacó, na qual vossos pais habitaram [alusão à aliança abraâmica]... Farei com eles uma aliança de paz; será aliança perpétua [alusão à nova aliança]308. Tal fato leva Robertson a concluir que: “A nova aliança não aparece nas promessas do Antigo Testamento como alguma novidade previamente desconhecida ao povo de Deus. Ao contrário, a nova aliança representa a fusão de todas as velhas promessas da aliança em termos de uma futura expectação”309. Este ponto de vista é endossado pela Confissão de Fé de Westminster: Sob o Evangelho, quando Cristo, a substância, se manifestou, as ordenanças, pelas quais este pacto é dispensado, são a pregação da Palavra e a administração dos Sacramentos do Batismo e da Ceia do Senhor; por estas ordenanças, posto que em número menor e administradas com mais simplicidade e menos glória externa, o pacto se manifesta com mais plenitude, evidência e eficácia espiritual, a todas as nações – tanto aos judeus como aos gentios. Isto é chamado o Novo Testamento. Não há, pois, dois pactos da graça diferentes em substância, mas um e o mesmo sob várias dispensações310. Há, portanto, uma unidade orgânica entre as alianças divinas, de tal forma que há, na verdade, um único pacto. Nas antigas dispensações, verifica-se que a aliança se estendia não apenas aos adultos, mas também contemplava a sua descendência. O texto de Salmos 105:8-10 fala que Deus empenhou a sua palavra e se lembra da sua aliança com Abraão por mil gerações, mesma idéia presente em Deuteronômio 7:9311. Em Gênesis 17:7, Deus deixa claro que a sua aliança era com Abraão e com a sua descendência. Já em Deuteronômio 5:2-3, Moisés diz que Deus fez uma aliança no Horebe com os israelitas que estavam vivos no momento em que eles se preparavam para entrar na terra. Só que, à luz de Deuteronômio 2:14-15 e Números 14:28-35 e 26:63-65, os israelitas que estavam entrando em Canaã, ou eram crianças, ou não tinham nascido quando a aliança foi feita no Horebe312! Da mesma forma, em Deuteronômio 29:14, Moisés diz que a aliança não estava sendo feita apenas com os hebreus que estavam vivos naquele momento, mas também “com aquele que não está aqui, hoje, conosco”, isto é, com a descendência futura de Israel313. Logo, não é de se 308 Ezequiel 37:24-26 citado por Robertson, p.45. Os acréscimos são do autor. Idem, p.45. 310 CFW, Cap.VII, Art. VI, grifo meu. 311 Robertson, p.40. 312 Idem, p.38-9. 313 Idem, p.39. 309 lx estranhar que Pedro afirme: “Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus estabeleceu com vossos pais” (At 3:25)314. Assim sendo, percebe-se que as crianças eram incluídas nas antigas dispensações da aliança. A melhor ilustração deste fato é a aplicação da circuncisão, o sinal de inclusão da aliança, às crianças. Se isso acontecia nas antigas dispensações, também deve acontecer na nova: As passagens acima citadas tornam bem claro que, desde os tempos antigos, Deus determinou que as crianças, filhas de pais crentes, fizessem parte da sua Igreja visível, aqui no mundo. Está, portanto, claramente estabelecida a origem divina da inclusão dos pequeninos na Igreja de Deus. Veremos que êsse direito das criancinhas nunca lhes foi cassado. Sendo, pois, as crianças membros infantis da Igreja, têm elas o direito ao sinal exterior e visível dessa preciosa realidade, que, na Antiga Dispensação, foi a circuncisão e na Nova, é o batismo315. Louis Berkhof acrescenta: Pela determinação de Deus, as crianças participavam dos benefícios da aliança e, portanto, recebiam a circuncisão como sinal e selo. Segundo a Bíblia, a aliança é, evidentemente, um conceito orgânico, e sua realização segue linhas orgânicas e históricas. Há um povo ou nação de Deus, um conjunto orgânico tal que só pode constituir-se de famílias. Naturalmente, esta idéia de nação é muito proeminente no Antigo Testamento, mas o notável é que ela não desapareceu depois da nação de Israel ter servido ao seu propósito. Ela foi espiritualizada e, assim, passou para o Novo Testamento, de modo que o povo de Deus, no Novo Testamento, também é apresentado como nação, Mt 21.43; Rm 9.25,26 (comp. Oséias 2.23); 2 Co 6.16; Tt 2.14; 1 Pe 2.9. Durante a antiga dispensação, as crianças eram consideradas parte integrante de Israel como o povo de Deus. Estavam presentes quando era renovada a aliança, Dt 29.10-13; Js 8.35; 2 Cr 20.13, tinham um lugar na congregação de Israel e, portanto, estavam presentes em suas assembléias religiosas, 2 Cr 20.13; Jl 2.16. Em vista de promessas ricas como as de Is 54.13; Jr 21.34; Jl 2.28, dificilmente esperaríamos que os privilégios de tais crianças fossem reduzidos na nova dispensação, e, certamente, não procuraríamos sua exclusão de todo e qualquer lugar na Igreja. Jesus e os apóstolos não as excluíram, Mt 19.14; At 2.39; 1 Co 7.14. A referida exclusão por certo exigiria uma declaração muito explícita a respeito316. Por conseguinte, o batismo é o substituto da circuncisão como sinal da aliança, e assim como ele, deve ser administrado às crianças: Na nova dispensação o batismo, pela autoridade divina, substitui a circuncisão como o sinal e selo iniciatório da aliança da graça. A Escritura insiste vigorosamente em que a circuncisão não pode mais servir como tal, At 15.1,2; 21.21; Gl 2.3-5; 5.2-6; 6.12, 13, 15. Se o batismo não lhe tomou o lugar, o Novo Testamento não tem nenhum rito iniciatório. Mas Cristo o estabeleceu como tal substituto, Mt 28.19,20; Mc 16.15, 16. Seu sentido espiritual corresponde ao da circuncisão. Como a circuncisão se referia à eliminação do pecado e à mudança do coração, Dt 10.16; 30.6; Jr 4.4; 9.25, 26; Ez 44.7, 9, assim o 314 Idem, p.41. Landes, p.19. 316 Berkhof, Teologia Sistemática, p.585. 315 lxi batismo se refere ao lavamento purificador do pecado., At 2.38; 1 Pe 3.21; Tt 3.5, e à renovação espiritual, Rm 6.4; Cl 2.11, 12. Esta última passagem claramente liga a circuncisão ao batismo e, ensina que a circuncisão de Cristo, isto é, a circuncisão do coração, simbolizada pela circuncisão da carne, é realizada no batismo, isto é, por aquilo que o batismo simboliza. Mas, se as crianças recebiam o sinal e selo da aliança na antiga dispensação, a pressuposição é que certamente elas têm direito de recebê-lo na nova, a qual os fiéis do Antigo Testamento eram ensinados a aguardar como sendo uma dispensação muito mais completa e muito mais rica317. Assim, a Igreja não é uma associação completamente nova, ela é a continuação do Israel da antiga dispensação. No Antigo Testamento, o pacto feito entre Deus e o Seu povo incluíam os filhos dos fiéis e eles recebiam o sinal da aliança. Eles possuem os mesmos privilégios, a não ser que uma ordem expressa revogue o pacto ou retire este privilégio das crianças318. Hodge defende esta definição de Igreja mostrando que as profecias do Antigo Testamento, tais como Miquéias 4:1 ou Isaías 60, mostram que a Igreja é a ampliação e o engrandecimento de Israel, por meio da inclusão dos gentios, e não algo distinto319. A oliveira de Romanos onde os gentios são incluídos é o Israel vetotestamentário, a oliveira de hoje é a mesma desde o princípio, Cristo ocupa o trono de Davi, que era rei de Israel. Estes fatos mostram que a Igreja é a mesma nas duas dispensações320. Os apóstolos diziam que os gentios convertidos eram filhos de Abraão (Gl 3:7)321. Mais do que isso, nas duas alianças a salvação é pela fé em Jesus Cristo, de tal forma que os judeus do Antigo Testamento são tão cristãos quanto os cristãos do Novo Testamento322. O objeto de culto e adoração, o Mediador entre Deus e os homens e o Espírito de vida e poder é o mesmo, o que mostra que, indiscutivelmente, a Igreja é a mesma no Antigo e no Novo Testamento323. Se a Igreja, em sua origem, incluía os filhos dos justos, por que seria diferente na nova dispensação? Se tal coisa aconteceu, seria necessário provar que houve uma mudança, seria necessário um testemunho explícito de que este privilégio foi cancelado por Deus324. O argumento do silêncio não é válido: Eles nos dizem, na verdade, que não há menção explícita do batismo de crianças no Novo Testamento; porém, a resposta óbvia é que o silêncio, mesmo que o admitamos, não o 317 Idem, p.585-6. Idem, p.40-1. 319 Idem, p.42-3. 320 Idem, p.43. 321 Idem, p.44. 322 Idem, p.45. 323 Idem, p.46. 324 Ibidem. 318 lxii exclui. Não temos uma repetição do quarto mandamento na nova dispensação e, sem dúvida, nem por isso fica abrogada a lei do dia do descanso. Este antigo mandamento está ainda em vigor. Tão pouco nada se diz, no Novo Testamento, quanto a que mulheres participem da Ceia do Senhor; porém, nem por isso ficam elas excluídas da mesa da comunhão. Comiam a Páscoa e eram membros da Igreja na antiga dispensação, por isso, com toda justiça, se não forem proibidas, têm direito aos privilégios correspondentes na nova. Assim, pois, não se necessita de mandamento para admiti-las, mas para excluí-las (...) É exatamente isto o que ocorre no caso das crianças-membros. Foram recebidas segundo os estatutos originais e sempre estiveram incluídas na Igreja. Não houve, portanto, necessidade de determinar sua admissão325. Desta maneira, a única forma de negar a prática do pedobatismo é negar a unidade da Igreja nas duas dispensações, o que é impossível: Tal é, pois, o primeiro argumento, e poderíamos dizer que é o principal, para admitir os filhos dos crentes na igreja visível. Assim foi estabelecido por mandato divino, na organização original da Igreja, na família de Abraão. A constituição da Igreja, quanto a isso, jamais foi alterada. O privilégio dos filhos não cessou, nem acabou a obrigação dos pais. A semente dos justos, pois, ainda tem o direito de ocupar um lugar no reino visível. A única via de escape, à força, deste argumento, é negar a identidade da Igreja em ambas as dispensações. Porém, isto, como já vimos, é impossível. A Igreja de Deus é uma – uma família de filhos, uma irmandade de crentes – em qualquer época ou nação e quaisquer que tenham sido as modificações externas introduzidas. A menos que os filhos de pais crentes tenham sido excluídos, estão eles, ainda, no seio da dita família326. A não inclusão das crianças na Igreja seria um ato de tal magnitude que, com certeza, seria aproveitado por judeus em suas disputas com os cristãos, pois se trataria de uma mudança dos cristãos no pacto feito por Deus com Abraão327. Além disso, o Novo Testamento possui testemunhos favoráveis ao pedobatismo. Em Atos 2:39, Pedro diz aos judeus que a promessa alcançaria seus filhos, o que está em harmonia com o pensamento judaico de que seus filhos herdam suas bênçãos e privilégios espirituais328. Em 1 Coríntios 7:14, Paulo considera os filhos dos crentes como santos. Isso, sem dúvida, não pode ser entendido como sinônimo de “salvos”, pois ninguém pode ser salvo por nascimento, mas refere-se ao lugar que estes filhos ocupam na relação pactual entre Deus e os homens. A passagem visa resolver uma dificuldade prática, sobre qual a posição espiritual dos filhos quando somente um dos pais era cristão. Se as crianças estivessem excluídas da Igreja por não poderem exercer a sua fé, seria irrelevante tratar desta questão329. Os textos onde Jesus recebe as crianças também são relevantes, pois lá Jesus repreende os apóstolos por afastarem as crianças dele. 325 Idem, p.47. Idem, p.49-50. 327 Idem, p.50. 328 Idem, p.51-2. 329 Idem, p.52-3. 326 lxiii Além disso, Jesus diz que o Reino de Deus é delas, e o Reino a que Cristo se refere é a Igreja330. Os textos de batismo de famílias mostram que o batismo infantil era praticado pela Igreja primitiva. Há quatro relatos claros: as famílias de Cornélio, Lídia, Estevão e do carcereiro, e quatro muito prováveis: Crispo, Onesíforo, Aristóbulo e Narciso. É muito improvável que, nestas oito famílias, não houvesse criança alguma. A naturalidade com que se narra o batismo de famílias mostra que tal fato não era estranho, mas que devia ser um costume da Igreja apostólica331. O batismo testifica que os cristãos foram lavados e purificados por Cristo332. Calvino diz que “o batismo nos foi dado por Deus, primeiramente para servir à nossa fé naquele que o instituiu e, em segundo lugar, para servir à nossa confissão dessa fé perante os homens”333. Para cumprir o seu primeiro objetivo, o batismo é enviado por Deus “como uma mensagem pela qual ele nos comunica, confirma e assegura que todos os nossos pecados foram perdoados, cobertos, abolidos e cancelados de tal maneira que jamais serão apresentados à sua consideração, nem recordados para nova remissão, nem imputados a nós”334. Calvino continua: Nesse sentido, ele quer que todos os que crerem sejam batizados para a remissão dos pecados. Por isso, aqueles que se atreveram a escrever que o Batismo não é senão uma marca e um símbolo pelo qual declaramos diante dos homens a nossa religião, como um soldado leva a farda e a insígnia do seu príncipe para com isso declarar-se subordinado a ele, deixaram de considerar o principal do Batismo, a saber: que devemos recebê-lo com a promessa de que os que crerem e forem batizados receberão a salvação.335 Contudo, Calvino não ensina que o batismo salva. Ele lembra do texto de Efésios 5:26, onde Paulo fala que Cristo purificou a Igreja por meio da lavagem de água pela Palavra, isto é, pelo batismo com água. Paulo não está ensinando que este lavar e a salvação sejam realizadas perfeitamente na água, ou que esta tenha, em si mesma, virtude ou poder para tanto. Antes, Paulo junta a água à Palavra, “como se dissesse: pelo evangelho nos é anunciada a nossa purificação e santificação, e pelo Batismo esse 330 Idem, p.54. Idem, p.55. 332 Calvino, p.155. 333 Idem, p.159. 334 Ibidem. 335 Idem, p.159-60. 331 lxiv anúncio ou essa mensagem é simbolizada e selada”336. O mesmo pode ser dito de 1 Pedro 3:21, onde está escrito que o batismo salva. Pedro não afirma que a água é a causa da salvação, pois, a seguir, acrescenta “não sendo a remoção da imundícia da carne, mas a indagação de uma boa consciência para com Deus”337. Logo, o que o apóstolo quis dizer é que o batismo dá a segurança desta graça338. O batismo não serve apenas para purificar os pecados do passado, como pensavam muitos que só se deixavam batizar no fim da vida, mas atesta a purificação de pecados passados, presentes e futuros: Mas devemos saber que em qualquer tempo que sejamos batizados, somos lavados e purificados uma vez por todas e por todo o tempo da nossa vida. Por essa razão, toda vez que cairmos em pecado devemos recorrer à lembrança do Batismo e por ela nos confirmar e nos fortalecer na fé, para que estejamos sempre certos e seguros do perdão dos nossos pecados. Porque, embora pareça que, por nos ter sido administrado uma só vez, o Batismo já tenha perdido o seu efeito, todavia ele não é cancelado ou apagado pelos pecados subseqüentes. Porquanto a pureza de Cristo nos é oferecida nele, e a sua pureza está sempre em vigor, dura para sempre, e não há mancha alguma que a possa sobrepujar339. O batismo também simboliza a morte e ressurreição de Jesus Cristo. Entretanto, referindo-se ao ensino paulino de Romanos 6:4, Calvino afirma que o batismo é bem mais que um exemplo ou uma exortação à imitação de Cristo: Porque, como diz o apóstolo Paulo, “em Cristo fomos batizados em sua morte” e fomos “sepultados com ele na morte pelo batismo; para que... também andemos nós em novidade de vida”. Com essas palavras ele nos exorta, não somente a que o imitemos, como se dissesse que o Batismo nos admoesta no sentido de que, à semelhança e segundo o exemplo da morte de Jesus Cristo, morramos para as nossas concupiscências, e que, a exemplo da sua ressurreição, revivamos para a justiça. Não. Ele sobe a maiores alturas e afirma que pelo Batismo somos feitos participantes da sua morte, a fim de que sejamos enxertados nela. E como o enxerto extrai a sua substância e o seu nutriente da raiz na qual foi inserido, assim também, aqueles que recebem o Batismo com a fé com a qual ele deve ser recebido, sentem verdadeiramente a eficácia da morte de Jesus Cristo na mortificação da sua carne. E o mesmo se dá também com a ressurreição na vivificação do seu espírito340. Esta união é tão forte, que no batismo também é dada a certeza de que Cristo faz a Igreja participante de todos os seus bens341. Contudo, o batismo não restaura o homem 336 Idem, p.160. Todas as citações bíblicas são de acordo com a Edição Revista e Atualizada de João Ferreira de Almeida (ARA), salvo quando indicado o contrário. 338 Calvino, p.160. 339 Idem, p.161. 340 Idem, p.161-2. 341 Idem, p.162. 337 lxv da Queda, isto é, não dá a mesma natureza e pureza que Adão possuía antes da Queda no Jardim do Éden342. O arrependimento é outro elemento presente no batismo, já desde os tempos de João Batista343. Para Calvino, não há diferença entre o batismo de João e o dos apóstolos, pois ambos possuem a mesma doutrina e a mesma riqueza de dons do Espírito, de tal forma que a única diferença é que João batizava em nome do que havia de vir, e os apóstolos no nome daquele que havia se manifestado344. O texto de Mateus 3:11, que fala do batismo de Jesus Cristo com o Espírito e com fogo, não faz uma distinção entre dois tipos de batismo, mas é apenas uma comparação entre os batizadores João e Jesus. João se identifica como ministro da água e Cristo como o doador do Espírito, e que faria isso por meio de um milagre visível mediante línguas de fogo345. Quanto ao segundo objetivo do batismo, o de confessar a fé perante os homens, Calvino afirma que o batismo é um símbolo pelo qual o cristão declara, publicamente, seu desejo de ser contado com o povo de Deus e consente em servir a um só Deus e seguir uma só religião346. O ministro que celebra o batismo não pode influir na eficácia do mesmo, pois o sacramento não provém do celebrante, mas sim de Deus. Por esta razão, Calvino entendia como válido o batismo feito por católicos romanos, pois, “se uma carta é enviada, pouco importa o seu portador, desde que se reconheça a assinatura do missivista, assim também devemos dar-nos por satisfeitos em reconhecer a mão e a assinatura do Senhor em seus sacramentos, seja quem for o mensageiro que no-los traga”347. Para defender a prática do pedobatismo, Calvino começa mostrando que o que conta no batismo é a realidade espiritual e interior por ele representada, e, neste sentido, ele é compatível com a sua ministração a crianças. O problema reside na questão da confissão da fé perante os homens348. Para resolver este problema, é preciso entender o relacionamento entre o batismo e a circuncisão. Ambos significam a remissão dos pecados e a mortificação da carne 342 Idem, p.165. Idem, p.163. 344 Ibidem. 345 Calvino, p.164. 346 Idem, p.167. 347 Idem, p.169. 348 Idem, p.171-3. 343 lxvi para uma nova vida na justiça. Jesus é o fundamento dos dois sacramentos, pois Abraão recebeu a promessa de que, por meio de sua descendência, todas as famílias da terra seriam abençoadas, e a circuncisão é sinal desta aliança349. Sobre a relação entre circuncisão e mortificação, Calvino aponta Deuteronômio 10 como texto de prova, onde Moisés exorta os israelitas a circuncidarem seus corações, ou seja, viverem uma vida agradável a Deus350. Se a circuncisão é o selo da promessa que o Senhor fez a Abraão, de que seria o Deus dele e de sua descendência, o mesmo acontece no batismo351. Segundo Calvino: O Senhor disse expressamente que a Circuncisão ministrada à criança seria para confirmar a aliança que acima expusemos. Porque, como é certo que a aliança permanece sempre a mesma, é mais que certo que os filhos dos cristãos não são menos participantes dela do que o foram os filhos dos judeus no Antigo Testamento. Ora, se as crianças participam da realidade representada ou simbolizada, por que não deverão receber também o sacramento, que é seu símbolo ou sua representação?352 Além disso, assim como os filhos dos judeus eram chamados de “linhagem santa”, o mesmo se aplica aos cristãos, pois a Escritura diz que seus filhos são santos, ainda que apenas um dos pais seja crente353. Jesus Cristo não veio para diminuir e restringir a graça divina, mas sim para aumentá-la e multiplicá-la. Por isso, ele repreendeu os apóstolos que impediam as crianças de se aproximarem dele. Jesus afirmou que o reino dos céus lhes pertencia e orou por elas. Assim sendo, por que negar às crianças o sinal exterior desta comunhão que existe entre elas e Cristo?354 Além disso, quando a Escritura menciona os batismos de famílias, é óbvio que as crianças não foram excluídas. Negar a elas o batismo é o mesmo que negar a Ceia às mulheres, já que não há nenhum registro de que mulheres comungaram nos dias dos apóstolos355. O pedobatismo é uma manifestação da misericórdia divina. Ele é uma prova de que Deus cuida não somente dos cristãos, mas também de seus filhos. E a criança batizada é recebida como membro da Igreja e, quando atingir a idade apropriada, estará 349 Idem, p.174-5. Idem, p.174. 351 Ibidem. 352 Calvino, p.176. 353 Idem, p.177. 354 Idem, p.178. 355 Idem, p.179. 350 lxvii mais inclinada a servir ao Deus que se declarou seu Pai antes que ela o conhecesse e que a recebeu como filho desde o ventre materno356. Para Cullmann, o que torna o batismo cristão diferente de outros batismos, como o judaico, é a presença do Espírito Santo. Enquanto João batizava com água (Mt 3:11; Lc 3:16), Jesus batizaria com o Espírito Santo e com fogo. Este batismo seria definitivo, e faria o batizado entrar diretamente no Reino de Deus357. Como a efusão do Espírito Santo depende da morte e da ressurreição de Cristo, o batismo cristão só poderia, efetivamente, acontecer após o Pentecostes358. Entretanto, o batismo não significa apenas o recebimento do dom do Espírito Santo. Ele também está ligado ao arrependimento, ao perdão dos pecados simbolizado nos batismos judaico e joanino359. Isto estabelece um vínculo real entre o perdão dos pecados e o dom do Espírito, por meio do batismo. Todavia, isto quase levou à cisão do batismo em dois sacramentos distintos. Um seria a lavagem, por imersão, como símbolo da remissão dos pecados, o outro seria a imposição de mãos, para recebimento do Espírito Santo360. Em Atos 8:12ss e em Atos 19:1-7, temos dois casos em que os dois atos estão separados, em que o batismo acontece em um momento, e a imposição de mãos para recebimento do Espírito, em outro361. Já em Atos 10:44 a ordem é invertida: primeiro houve o derramamento do Espírito (sem imposição de mãos) e, a seguir, foi feito o batismo362. A forma correta de se entender a junção de todos estes elementos deve ser buscada no batismo de Jesus, e na interpretação feita por Paulo deste acontecimento em Romanos 6. O batismo de Jesus é o cumprimento do batismo de João, pois este último depende completamente da morte expiatória de Cristo363. No batismo, adquire-se “uma mesma semelhança” com Cristo, a tal ponto que o batizado morre e ressuscita com Ele364. Morre quando entra na água, ressuscita quando sai dela365, de tal forma que: Graças somente a este ato, os dois efeitos do batismo se tornam inseparáveis, posto que ser sepultado com Cristo significa o perdão dos pecados, enquanto que ressuscitar com Ele quer dizer “viver uma nova 356 Idem, p.180. Ibidem. 358 Ibidem. 359 Barth e Cullmann, p.64. 360 Idem, p.65. 361 Ibidem. 362 Ibidem. 363 Barth e Cullmann, p.66. 364 Idem, p.66-7. 365 Idem, p.67. 357 lxviii vida” (v.4), isto é, viver segundo o Espírito (Gl 5.16). Os dois efeitos do batismo estão, assim, ligados tão indissoluvelmente como a morte e a ressurreição de Cristo366. Isto traz três conseqüências: o perdão dos pecados está fundado sobre a expiação de Cristo; o perdão de pecados e o dom do Espírito estão unidos em um forte vínculo teológico; e os significados do batismo estão ligados ao único ato exterior de imersão e emersão da água367. Desta forma, para o Novo Testamento, ser batizado é morrer com Cristo. Além de Romanos 6, isto pode ser deduzido de 1 Coríntios 1:33, onde as expressões “estais batizados” e “foi crucificado por vós” são usadas como sinônimas, o que ilustra que Cristo é quem atua no batismo, o batizado permanece passivo368. Este significado está presente no próprio batismo de Jesus. Por que ele deveria se batizar, se ele não cometeu pecados e não tinha do que se arrepender? Para entender isso, é preciso compreender a resposta dada por Jesus quando ele foi interpelado por João: assim convém cumprir toda a justiça. É preciso também entender que a voz celestial, que disse: “Este é o meu filho amado, em quem me comprazo” estava citando Isaías 42:1, o início dos Cânticos do Servo. O servo do Senhor deve sofrer pelo seu povo: Podemos formular a resposta da maneira seguinte: no instante de Seu batismo, Jesus foi investido da missão de realizar o papel de servo sofredor, que deve carregar os pecados de seu povo. Os outros judeus vão ao Jordão para serem batizados por João por causa de seus próprios pecados. Jesus, no mesmo momento em que todo o povo se fez batizar, ouve uma voz que diz: “Tu não és batizado por teu próprio pecado, mas pelo pecado de todo o povo, pois de ti profetizou Isaías: será destroçado por causa dos pecados do povo”. Isto é, Jesus é batizado visando um sofrimento substitutivo, implicando Sua morte, pela qual será outorgado o perdão dos pecados a todos os homens369. O batismo era um anúncio da cruz, onde Jesus celebrou um batismo geral em favor da humanidade. Esta é a explicação de porque o próprio Jesus não batizava, mas sim os seus discípulos. Nas duas únicas passagens onde Jesus usa o verbo baptizesyai, em Mc 10:38 e Lc 12:50, batismo significa morrer370. Contudo, este ato de Jesus independe da fé ou da compreensão daqueles que o recebem: “Este batismo geral, 366 Ibidem. Ibidem. 368 Barth e Cullmann, p.68. 369 Idem, p.70. 370 Idem, p.71. 367 lxix representado por Jesus, tem como essencial o ser totalmente independente da fé e da compreensão do que se beneficiam com ele”371. Mas o batismo de Jesus também é relacionado ao dom do Espírito. É em seu batismo que o Espírito Santo desce, em forma de pomba, sobre Jesus, é ali que ele recebe o Espírito em plenitude, o que é um cumprimento de Isaías 42:1, citado pela voz que veio do céu: Os Sinópticos mostram, com efeito, tão bem como o Evangelho de João, que o batismo cristão tem sua origem no batismo de Jesus na medida em que é um batismo do Espírito. Pois, também Jesus, no momento de seu batismo com água, recebe o Espírito372 de maneira plena. Este dom está também relacionado com o sofrimento substitutivo do servo de Iahvé. Com efeito, na segunda metade do versículo de Is 42.1, citado pela voz celeste, se diz: “Pus o meu Espírito sobre ele (o servo), ele fará reinar a justiça no meio das nações”. Assim, comprovamos que a possessão do Espírito é prometida no mesmo versículo do ebed Iahvé.373 Isto mostra que o batismo cristão está ligado à morte e ressurreição de Cristo, e que ele só poderia existir quando a obra da salvação estivesse concluída374. Mais do que isso, o batismo cristão só seria possível após Jesus ser glorificado (Jo 7:39) e ele ir aos céus (Jo 16:7), porque é somente após estes acontecimentos que o derramamento do Espírito Santo seria possível375. Em outras palavras, o batismo cristão faz parte da História da Salvação, e só poderia acontecer após o Pentecostes376. Deste modo, “segundo o Novo Testamento, todos os homens receberam fundamentalmente o batismo desde há muito tempo: no Gólgota, no dia da sexta feira santa e da páscoa”377. Participam do batismo infantil quatro atores: os pais, a Igreja e os filhos de um lado, e Deus do outro378. Pelo menos um dos pais deve ser cristão, de acordo com 1 Coríntios 7:14, para que o batismo possa ser realizado. A fé dos pais os levará a reconhecerem a depravação da criança, e, por esta razão, apresentam a criança como uma oferta a Deus para que ela seja purificada, e empregarão todos os seus esforços para educá-la nos caminhos do Senhor. O batismo também dará aos pais uma confiança de que Deus se interessa por 371 Idem, grifo do autor. Grifo do autor. 373 Barth e Cullmann, p.73. Grifo do autor. 374 Idem. 375 Ibidem. 376 Barth e Cullmann, p.74. 377 Idem. 378 Hodge, p.62. 372 lxx seus filhos, e os ajudará, fazendo aquilo que, muitas vezes, é impossível aos pais. O batismo também envolve um compromisso de que os pais criarão seus filhos na Igreja, que, desta forma, colabora com eles na formação das crianças379. A Igreja ocupa um papel importante, pois, por meio do batismo, ela recebe as crianças como seus filhos. Ela se compromete a orar pela criança e deve oferecer a ela o ensino do Evangelho e as influências de uma formação bíblica. Ela também deve ajudar os pais e animá-los em seu trabalho, e se coloca, diante de Deus, como responsável pelos cordeirinhos do rebanho divino, com a missão de conduzi-los até o Deus de Abraão380. Quanto às crianças, elas não são regeneradas no batismo, como pensam os católicos romanos. Embora seja possível que algumas pessoas nasçam de novo no batismo, ou até antes dele, isso não ocorre com a maioria. Crer que a regeneração acontece no batismo, como um artigo de fé, é falso e nocivo, pois é contrário à verdade e pode gerar superstições acerca de cerimônia, podendo levar os pais a negligenciarem seus deveres381. De acordo com Hodge: “Para nós o batismo é uma consagração formal e pública de nossos filhos a Deus; uma expressão de nossa fé na promessa de Seu pacto; uma representação emblemática da necessidade da purificação de nossos filhos e da natureza da obra do Espírito Santo”382. O batismo não regenera, mas dá outros benefícios: coloca as crianças debaixo dos cuidados da Igreja, o que as compele a seguir os seus ensinos; vincula a Igreja às crianças, pois ela assume o compromisso de velar por elas; introduz os pais em um pacto público com Deus e com a Igreja, obrigando-as a zelarem pela educação de seus filhos e; coloca as crianças em um pacto com Deus, no qual Ele se compromete a ser o Deus de seu povo e de sua semente383. Se, posteriormente, uma destas crianças se desviar da fé, ela deve ser tratada como alguém que não pode usufruir plenamente de seus direitos, mas que ainda tem o direito legal de ser protegida e educada. Deve ser tratada como um pai trata um filho ingrato e rebelde, todos os meios devem ser empregados para conduzi-la ao arrependimento. Agir deste modo traz mais esperanças de arrependimento do que a pronta aplicação de um juízo mais severo. Estas pessoas devem permanecer sob a influência da Igreja. Entretanto, tal situação poderia ser evitada se os pais e a Igreja 379 Idem, p.62-5. Idem, p.66-9. 381 Idem, p.69-72. 382 Idem, p.72. 383 Idem, p.73. 380 lxxi cumprissem fielmente as obrigações assumidas no batismo, e tivessem uma fé viva acerca da ação divina na aliança entre o Senhor e a Igreja384. Deus é, aliás, a base da aliança. Sem o Seu compromisso, a cerimônia não possui significado algum. Em Atos 2:39 e Gênesis 17:7, Ele se compromete a ser, para os filhos do seu povo, a mesma coisa que Ele é para eles. Os filhos dos cristãos são santos, isto é, consagrados a Deus, e Ele os aceita, dando-lhes lugar na Igreja. São diferentes dos filhos dos pagãos. Deus se interessa pela semente de Seu povo e, certamente, cumprirá com as obrigações por Ele assumidas em Sua aliança com a Igreja385. 4.4) RESPOSTAS ÀS OBJEÇOES BATISTAS Devido à atuação dos anabatistas em sua época, Calvino deu, em suas Institutas, várias respostas a objeções levantadas pelos antipedobatistas. Usando Colossenses 2, ele mostra que o cumprimento do batismo e o cumprimento da circuncisão são a mesma coisa, que o batismo significa para os cristãos o mesmo que a circuncisão para os judeus386. Os filhos de Abraão não são apenas os carnais, mas sim os da fé, como ensina o apóstolo Paulo387. Entretanto, a bondade de Deus permanece sobre os judeus, pois os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis, mesmo que eles permaneçam em sua rejeição a Cristo388. Logo, a aliança é a mesma para judeus e gentios389. As crianças devem ser batizadas, mesmo que não entendam o significado do batismo. Isso não foi visto por Jesus como um impedimento para que elas se aproximassem dele, porque Cristo é a vida, e elas também precisam desta vivificação390. Além disso, bebês podem ser regenerados, como mostra o caso de João Batista391. Jesus Cristo foi santificado desde a sua concepção para santificar os seus eleitos, inclusive as crianças392. A fé também não é um obstáculo. Quando Paulo ensina que a fé vem pelo ouvir, ele se refere à maneira comum pela qual Deus dá a fé, mas isso não quer dizer que Ele não possa usar outros meios, como acontece com muitos que se sentem tocados no 384 Idem, p.75-80. Idem, p.81-3. 386 Calvino, p.181-2. 387 Idem, p.182-3. 388 Idem, p.184. 389 Idem, p.184-5. 390 Idem, p.186-7. 391 Idem, p.188. 392 Ibidem. 385 lxxii íntimo, embora nunca tenham ouvido a Palavra393. O arrependimento também não é problema, porque, de acordo com Jeremias 4, a circuncisão é um símbolo do arrependimento, e isso não impediu Deus de ordenar que criancinhas fossem circuncidadas394. Além disso, as crianças que morrem antes da idade da razão, se eleitas, são salvas: Ao argumento acima exposto contra o Batismo infantil respondemos da seguinte maneira: os pequeninos que recebem o sinal da regeneração e da renovação, se passam deste mundo antes de chegarem à idade da razão, caso tenham sido escolhidos pelo Senhor, são regenerados e renovados pelo seu espírito, como lhe apraz, segundo o seu poder, para nós oculto e incompreensível395. Calvino também refuta o argumento batista sobre Mateus 28:19-20, onde eles afirmam que Jesus ordenou que a instrução deveria preceder o batismo. Calvino lembra que o batismo foi instituído antes desta declaração. Além disso, pela ordem apresentada, o batizar deve ocorrer antes do ensinar a guardar todas as coisas que Jesus fez e ensinou, e isso, no entender de Calvino, prova que o batismo precede a regeneração espiritual396. Argumento semelhante pode ser deduzido da ordem paulina que diz “se alguém não quer trabalhar, também não coma”, pois, se a ordem for cumprida à risca, as crianças morrerão de fome397. Alguns batistas também usam o texto de Atos 19:1-7, para mostrar que, se os discípulos de João foram rebatizados por Paulo porque não compreendiam o Espírito Santo, isso mostraria a necessidade de uma compreensão correta da doutrina antes do batismo. Mas, se tal fosse verdade, os cristãos precisariam se rebatizar várias vezes, a cada vez que percebessem uma crença errada em seu interior. Ademais, a leitura atenta do texto mostra que Paulo não os batizou com água, mas que impôs as mãos sobre eles para que eles recebessem o Espírito Santo398. Nem todos os reformados aceitam que o Novo Testamento apresente um caso explícito de batismo de crianças. É o caso, por exemplo, de Berkhof399. Já outros, como Landes aceitam os textos de batismo de famílias como uma prova bíblica da prática do pedobatismo: “As famílias dos judeus eram grandes e seria uma anormalidade, se não 393 Calvino, p.189. Idem, p.190. 395 Calvino, p.191. 396 Calvino, p.197. 397 Calvino, p.198. 398 Calvino, p.199. 399 Berkhof, Teologia Sistemática, p.586. 394 lxxiii houvesse crianças pequenas nessas cinco famílias (cujos batismos estão registrados no Novo Testamento)”400. Quanto á objeção batista de que é preciso ter fé para que o batismo seja válido, Calvino dá três respostas. A primeira é a de que o batismo pode infundir alguma fé no bebê401. Landes lembra que João Batista era cheio do Espírito Santo no ventre de sua mãe (Lc 1:15); que Samuel foi dedicado a Deus antes de seu nascimento (1 Sm 1:11, 28); e que o profeta Jeremias foi santificado por Deus antes de nascer (Jr 1:5), o que mostra a possibilidade da regeneração infantil402. A segunda resposta é que as crianças são batizadas por causa da expectativa de uma fé vindoura: “A fé é realmente necessária para que o batismo seja válido, mas as Escrituras não aventam em parte alguma que a fé deve sempre preceder o batismo. Pode muito bem surgir posteriormente e, quando isso ocorre, torna o batismo tão válido quanto nos momentos em que efetivamente acompanha o ritual”403. Uma terceira resposta é a de que a Igreja pode exercer fé no lugar da criança. Textos como a cura do servo do centurião (Mt 8:5-13), do paralítico carregado por seus amigos (Mt 9:1-2), a ressurreição da filha de Jairo (Mt 9:18, 23-26) ou a cura do epiléptico (Mt 17:14-21), mostram que é possível uma pessoa ser curada ou receber algum benefício em virtude da fé de outra pessoa404. Além disso, se a fé é condição indispensável para o batismo, a conclusão lógica é a de que elas também não podem ser salvas: Os batistas generalizam essa declaração do Salvador ensinando que ela torna todo batismo dependente da fé ativa do batizando. Seu argumento vai como segue: A fé ativa é o requisito do batismo. As crianças não podem exercer fé. Portanto, as crianças não devem ser batizadas. Mas, dessa maneira, essas palavras também podem ser elaboradas como argumento contra a salvação de crianças, visto que elas não somente implicam, mas afirmam explicitamente que a fé (fé ativa) é condição para a salvação405. Ainda sobre a objeção batista de que o arrependimento e a fé são condições para o batismo, Hodge responde que, se este raciocínio está correto, elas estão excluídas do céu, pois o arrependimento e a fé também são exigidos para a salvação (At 20:21, Lc 13:3, Jo 3:18). Como crianças não podem crer ou se arrepender, elas não poderiam ser 400 Landes, p.98. Bridge e Phypers, p.46. 402 Landes, p.29. 403 Bridge e Phypers, p.47. 404 Bridge e Phypers, p.47-8. 405 Berkhof, Teologia Sistemática, p.589. 401 lxxiv salvas406. Além disso, o pensamento batista se sustenta apenas em cima de relatos sobre adultos, contudo, eles não negam a salvação de crianças que morrem na infância407. Os batistas também questionam a utilidade de se administrar crianças que não compreendem o que está acontecendo, mas criticar isso seria o mesmo que criticar Deus por instituir a circuncisão, que era feita a bebês408. A ignorância não anula o valor do ato: A segunda é que nossa incapacidade para descobrir a utilidade da ordenança, não prova que esta não tenha valor. A água não terá eficácia purificadora em si mesma – jamais o imaginamos; porém, não obstante, o seu uso religioso, na forma prescrita, pode ser valioso. Se consagramos nossos filhos a Deus, com espírito de amor e submissão a Ele, quem poderá dizer que, por meio do batismo e da instrução que ele implica, não possa descer uma bênção inefável sobre cada uma das partes interessadas: pais, filhos, Igreja e mundo?409 Quanto à objeção batista de que o pedobatismo não é ordenado nas Escrituras, os reformados respondem que, devido à unidade das alianças divinas, não há necessidade de uma ordem explícita para realizá-lo. Uma ordem explícita seria necessária apenas se tal privilégio fosse retirado das crianças. Se tal regra fosse válida em todos os casos, os batistas não poderiam afirmar que o domingo deve ser guardado como o sábado cristão ou dar lugar às mulheres na Ceia, pois não há ordenança bíblica alguma a este respeito410. 406 Hodge, p.58. Idem. 408 Hodge, p.59. 409 Idem. 410 Berkhof, Teologia Sistemática, p.588. 407 lxxv CONCLUSÃO A exposição dos pontos de vista católico-romano, batista e reformado mostra alguns pontos em comum sobre o batismo. Todas elas reconhecem que os batismos são sinais que simbolizam a morte e a ressurreição de Cristo; que o batismo é o rito pelo qual os fiéis são admitidos na Igreja; que é uma ordenança de Jesus; que a fé é, de algum modo, essencial ao batismo; e que o Espírito Santo possui algum papel a desempenhar, antes, durante ou depois do batismo. Apesar de tantas semelhanças, também é possível anotar várias diferenças. Enquanto o batista se recusa a ver no ato do batismo qualquer benefício espiritual, vendo-o apenas como algo simbólico, o católico romano o vê como um ato eficaz por si mesmo, ex opere operato e o reformado enxerga benefícios espirituais no sacramento, desde que a fé se manifeste, no momento do batismo, ou posteriormente. A riqueza simbólica, entretanto, desfavorece a interpretação batista: O batismo é a participação na morte e na ressurreição de Cristo (Rm 6.3-5; Cl 2.12); purificação do pecado (1 Co 6.11); novo nascimento (Jo 3.5); iluminação por Cristo (Ef 5.14); mudança de vestuário em Cristo (Gl 3.27); renovação pelo Espírito (Tt 3.5); experiência de livramento através das vagas da destruição (1 Pe 3.20-21); saída da escravatura (1 Co 10.1-2); liberação em vista de uma nova humanidade no qual são ultrapassadas as barreiras entre os sexos, as raças e as situações sociais (Gl 3.27-28; 1 Co 12.13). As imagens são numerosas mas a realidade é una411. A citação de alguns versículos mostra, claramente que o batismo é mais que um símbolo: “fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo” (Rm 6:4); “tendo sido sepultados, juntamente com ele, no batismo, no qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos” (Cl 2:12); “porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes” (Gl 3:27); “ele nos lavou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3:5); “a saber, oito pessoas, foram salvos, através da água, a qual, figurando o batismo, agora também vos salva, não sendo a remoção da imundícia da carne, mas a indagação de uma boa consciência para com Deus, por meio da ressurreição de Cristo” (1 Pe 3:2021). Entretanto, a Bíblia é clara em afirmar que a salvação é pela fé, e não por meio de obras (Ef 2:8-9; Rm 3:28; Gl 2:16, etc.). A salvação só pode ser obtida por meio do 411 Batismo, eucaristia e ministério, p.22. lxxvi sacrifício expiatório de Jesus, e não por meio de qualquer cerimônia ou ritual (Rm 5:89; Gl 3:13-14; Ef 1:7; Hb 9:28, etc.). Os símbolos presentes no batismo só se tornam reais por causa do sacrifício expiatório de Cristo, quando há fé por parte do batizado. Deste modo, não há como concordar com os católicos quando eles defendem o pedobatismo por causa da necessidade de purificação do pecado original. Somente o sangue de Jesus pode purificar pecados (Hb 9:14, 1 Jo 1:7). Por outro lado, o batismo também não pode ser eficaz ex opere operato, pois sua eficácia é dependente da obra de Cristo. A história de Simão, o mago, mostra claramente que o batismo pode não produzir efeito algum na vida de quem o recebe (At 8:9-24). Entretanto, é nítido o relacionamento entre batismo e circuncisão. Embora a Nova Aliança tenha aspectos distintos em relação a antiga, a tal ponto de Paulo afirmar que o fim da lei é Cristo (Rm 10:4), o próprio Jesus disse que não veio revogar a Lei ou os Profetas (o Antigo Testamento), mas para cumprir, e que era mais fácil o céu e a terra passarem do que cair alguma coisa da Lei (Mt 7:17-19). Na verdade, o ensino do Novo Testamento é o de que, em Cristo, a Lei e os Profetas encontram a sua consumação plena. Por esta razão, os apóstolos estão, constantemente, mostrando como o seu ensino se harmoniza com o Antigo Testamento (At 2:16; 25-28; 7:2-53; 10:43; 13:23, etc.). A Lei é um aio que leva a Cristo (Gl 3:24). Com efeito, a Igreja é o Israel de Deus (Rm 11:16-24) e os verdadeiros filhos de Abraão (Gl 3:7). Os argumentos levantados pelos teólogos do pacto em prol da unidade das alianças divinas são mais fortes e convincentes do que os usados pelos dispensacionalistas. Jesus não veio para romper com o que estava instituído antes, Ele veio para ser o cumprimento e o ápice da Lei e dos Profetas. A unidade das alianças pode ser considerada um fato. Esta unidade é que é a base sobre a qual se assenta a doutrina reformada do pedobatismo. O relacionamento entre batismo e circuncisão é explícito em Colossenses 2:11-12. Além disso, os dois rituais são ritos de admissão. Ambos possuem simbolismos ligados à purificação de pecados. Se o batismo simboliza a morte, a circuncisão implica em derramamento de sangue. Por outro lado, a circuncisão, se não for acompanhada da fé e de uma vida transformada, não possui valor algum (Gl 5:6; 6:15), como prova Paulo em Romanos 4. Esta analogia ajuda a explicar muitas coisas. Em primeiro lugar, ela explica por que os reformados batizam crianças. O batismo vem para substituir a circuncisão como sinal da aliança, e assim como a circuncisão, deve ser administrado às crianças. Esta posição foi assumida por todos os principais reformadores: Martinho Lutero, João Calvino e Úlrico Zuínglio. Para os lxxvii reformados, o pedobatismo se justifica pela teologia da aliança, e não pela visão católico-romana de que os sacramentos são essenciais à salvação e purificam ex opere operato a pessoa do pecado original (desde que não haja nenhum obstáculo que impeça esta ação). Trata-se de bases diferentes, logo, o pedobatismo não é um resquício da teologia católico-romana no meio reformado. A analogia também responde a várias objeções levantadas pelos batistas. A circuncisão era administrada antes que o israelita pudesse manifestar a fé (a saber, aos oito dias de vida), baseada na fé dos pais. Todavia, a circuncisão exterior só tinha valor se fosse acompanhada da circuncisão do coração. O que havia, portanto, era a fé dos pais e a expectativa de uma fé futura, a qual só iria se manifestar mais tarde. O mesmo ocorre com o batismo: pode ser administrado antes da manifestação da fé, baseado na fé paterna e na expectativa da fé futura. Como mostra a história de Simão, o mago, o batismo só é eficaz quando acompanhado de fé, da mesma forma que a circuncisão no Antigo Testamento. O pedobatismo, assim como a circuncisão, mostra o poder da fé dos pais e dá um lugar às crianças no povo de Deus. A Bíblia mostra que é possível os pais fazerem até mesmo votos em favor de seus filhos. Samuel nem havia nascido, e Ana, por meio de um voto, determinou que ele seria do Senhor e viveria como um nazireu (1 Sm 1:11). A mãe de Sansão não podia tomar vinho, pois, se o fizesse, poderia quebrar o voto de nazireado imposto por Deus a Sansão antes de seu nascimento (Jz 13:4-5). A santidade dos filhos é garantida pela fé dos pais (ou de apenas um deles), como ensina 1 Coríntios 7:14. Embora os batistas digam que o versículo implicaria também na possibilidade dos cônjuges incrédulos serem batizados, há outras coisas a se considerar no texto. Primeiro, o texto efetivamente ensina que até mesmo o cônjuge incrédulo é santificado, mas Paulo não iguala santificação a salvação. Em segundo lugar, o texto mostra uma diferença real entre o filho de um cristão (santo) e o de pagãos (impuro). Por fim, o cônjuge, ao contrário do filho, já é adulto e pode manifestar a sua vontade. Ele não é igual a criança. Embora o cônjuge colha algum benefício espiritual de seu casamento, ele, espontaneamente, rejeita a graça oferecida, ao contrário dos filhos, que ainda não podem exercer a sua fé, e, como em tudo no início da vida, são dependentes de seus pais. Os batistas não enxergam esta diferença. Se o Novo Testamento não contém um relato específico de batismo de bebês, ele também não mostra nenhum filho adulto de cristão recebendo o batismo. Por outro lado, há vários relatos de batismos de famílias. Se considerarmos o desenvolvimento das lxxviii pirâmides etárias, veremos que, antes da Revolução Industrial, em todas as sociedades, a base da pirâmide é larga, o que mostra um grande número de crianças e adolescentes na composição da população, além de altas taxas de natalidade e mortalidade. O desenho das pirâmides só começou a mudar quando os países desenvolvidos atingiram a Revolução Industrial412. Desta forma, é muito provável a existência de bebês e crianças de colo nas famílias batizadas no Novo Testamento. Desta forma, quando se observa a teologia da aliança, verifica-se um sólido conjunto de textos e inferências bíblicas que suportam a prática do pedobatismo. Assim sendo, o batismo das crianças, como ensinado pela CFW, está fundamentado nas Escrituras, e não em uma herança do catolicismo romano. É preciso, no entanto, recuperar o ensino pedobatista nas igrejas presbiterianas. O pedobatismo mostra a importância dos pais na influência espiritual de seus filhos, o que deveria estimulá-los a se esmerarem na educação religiosa em seus lares. Também mostra que as crianças são parte do Reino de Deus, e não devem ser impedidas em seu caminho para Cristo. Mais do que isso, as igrejas precisam reaprender a considerar as crianças como sendo parte da Igreja. É preciso entender que Jesus não veio salvar indivíduos, mas sim um povo, um corpo. O pedobatismo ajuda as igrejas a compreenderem a dimensão comunitária do Evangelho, e esta compreensão pode revolucionar, não apenas a educação das crianças, mas toda a práxis eclesiástica. E, em uma sociedade cada vez mais marcada pelo individualismo, tal ensino pode fazer da Igreja uma fortaleza de unidade, em meio a um mundo cada vez mais fragmentado. 412 De acordo com http://pessoal.educacional.com.br/up/4770001/1306260/t131.asp. Acesso em 01 de outubro de 2006. lxxix BIBLIOGRAFIA A Confissão de Fé de Westminster. 17ª ed. 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