ENGENHEIROS DO HAWAII NO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA

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ENGENHEIROS DO HAWAII NO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA ANÁLISE DO
CONCEITO DE GUERRA1
Marília Luana Pinheiro de Paiva - UEPG2
A relação existente entre história e música, permite a compreensão da relação desses
dois campos de conhecimento como objetos de pesquisa para se discutir aspectos políticos,
sociais, culturais, indenitários, sociológicos, entre outros.
Pois, como afirma Napolitano
Além disso, a música tem sido ao menos em boa parte do século XX, a
tradutora dos nossos dilemas nacionais e veículo de nossas utopias
sociais, para completar, ela conseguiu, ao menos nos últimos
quarenta anos, atingir um grau de reconhecimento cultural que
encontra poucos paralelos no mundo ocidental. Portanto, arrisco
dizer que o Brasil, sem dúvida uma das grandes usinas sonoras do
planeta, é um lugar privilegiado não apenas para ouvir musica, mas
também para pensar a música. [...]. (2002, p.5).
O autor comenta sobre as possibilidades de se compreender as várias manifestações e
estilos musicais dentro de sua época, ajudando a pensar a sociedade e a história, ou seja, a
música não é feita apenas com o sentido de se “ouvir”, mas para “refletir” e, ainda, é a
expressão cultural mais presente no dia a dia das pessoas. Em uma sociedade marcada pela
oralidade (ALMEIDA, 2001), a música se torna referência, difunde ideias e comportamentos.
Assim, segundo Vinci de Moraes,
Sons e ruídos estão impregnados no nosso cotidiano de tal forma que,
na maioria das vezes, não tomamos consciência deles. Eles nos
acompanham diariamente, como uma autêntica trilha sonora de
nossas vidas, manifestando-se sem distinção nas experiências
individuais ou coletivas.
1
Trabalho orientado pela Profa. Dra. Silvana Maura Batista de Carvalho UEPG (Universidade Estadual de Ponta
Grossa).
2
Acadêmica do quarto ano de Licenciatura em História e bolsista do Programa de Bolsa de Iniciação à Docência
(PIBID) da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), da Universidade
Estadual de Ponta Grossa (UEPG) 2011 – 2013.
[...]. (2000, p 204).
A música tem a habilidade de atingir o íntimo, o pessoal, pois permite uma maior
aproximação com o ouvinte, estabelecendo uma ligação do compositor (suas ideologias) e o
receptor. Muitas vezes, a música é o meio mais acessível de se chegar às pessoas, pois se
aproxima e se encontra com o receptor de forma mais clara, objetiva e simples. Como uma
expressão artística, tem uma admirável função de comunicação e atinge desde o público
menos escolarizado até a classe alta sem distinção, sendo um importante veículo de
propagação e expressão de conceitos e ideias. Através dela se podem constatar conceitos já
existentes, produtos do seu próprio tempo.
A música tem a habilidade de atingir o íntimo, o pessoal, pois permite uma maior
aproximação com o ouvinte, estabelecendo uma ligação do compositor e o receptor que ouve
a canção e reflete, sobre ela, assim, as ideologias, valores expressos na música influenciam e
afetam o ouvinte, podendo provocar mudanças em sua maneira de pensar e agir, como
assevera Zhumthor, ao comentar que “Comunicar [não importa o quê: com mais forte razão
um texto literário] não consiste somente em fazer passar uma informação; é tentar mudar
aquele a quem se dirige; receber uma comunicação é necessariamente sofrer uma
transformação. [...]. ( 2007 p 52)”
Assim, a relação existente entre a história e a música como uma representação e
produção social, logo uma cultura, que influência e intervém na sociedade de maneira
intrínseca, no seu dia-a dia (de forma coletiva e individual) pelo encontro e identificação com
o discurso da música.
De maneira particular, peculiar cada receptor se relaciona com a
música que, atingindo o seu íntimo, suas emoções, e suas percepções, sobre tal relação,
esclarece Rosennwein,
Embora tendamos a falar das emoções de indivíduos, emoções são,
acima de tudo, instrumentos de sociabilidade. Elas não apenas são
socialmente construídas e ‘sustentam e reforçam sistemas culturais’,
mas também agem sobre relações humanas em todos os níveis, da
conversa íntima entre conjugues e relações globais [...]. Expressões
de emoções devem então ser lidas como interações sociais. O vaivém
de emoções entre pessoas forma roteiros, que levam a novas emoções
e a relacionamentos reajustados. (2011, p. 37)
Sendo as emoções produtos sociais que intensificam e estruturam as relações de
indivíduos-sociedade, são essas que provocam mudanças e geram reflexões sobre as relações
em si, essas emoções que estão presente no cotidiano e são reproduzidas nas canções. Assim,
partindo dessa perspectiva e da importância da relação entre história e música como um fruto
cultural propõe-se pesquisar as representações sociais presente em determinadas músicas e
sua relação com conceitos históricos, referindo-se às “comunidades emocionais”, as quais
para Rosenwein
[...] são fundamentalmente o mesmo que comunidades sociaisfamílias, bairros, sindicatos, instituições acadêmicas, conventos,
fábricas, pelotões, cortes principescas. Mas o pesquisador que se
debruça sobre elas procura, acima de tudo, desvendar os sistemas de
sentimento, estabelecer o que essas comunidades [e os indivíduos em
seu interior] definem e julgam como valoroso ou prejudicial para si
[pois é sobre isso que as pessoas expressam emoções]; as emoções
que eles valorizam, desvalorizam ou ignoram; a natureza dos laços
afetivos entre pessoas que eles reconhecem; e os modos de expressão
emocional que eles pressupõem, encorajam, toleram e deploram. [...].
(2011-b, p. 23).
Portanto, a música é uns dos principais meios de deflagração de sentimentos e
emoções, produzidas por sujeitos no tempo. Entre os diversos estilos musicais, destaca-se o
rock , como um exemplo clássico de fusão de ideias, valores e ideologias, nas letras musicais
carregadas de anseios emoções e sentimentos. Na sociedade brasileira, o rock se fez presente
partir dos meados nos anos cinquenta, como afirma Gutierrez
Na década de 50 surgia nos EUA, Elvis Presley, o mito do rock n´roll.
Além dele, outros expoentes de destaque como Chuck Berry e Little
Richard aparecem nesta mesma década levando o estilo musical ao
sucesso.
Enquanto isso no Brasil, o Rock caminhava a passos lentos. Ainda na
década de 50 o rock aparece aos brasileiros na trilha sonora do filme
‘The blackboard jungle’, que trazia a música ‘Rock around the clock’,
de Bill Haley and His Comets. Assim, inserido em trilhas sonoras de
filmes, ou, musicais, o rock foi formando seus primeiros seguidores no
país.
Em 1957 a música “Rock and roll em Copacabana, cantada por
Cauby Peixoto surge como o embrião do estilo. De acordo com o
escritor Arthur Dapieve, este é ‘o primeiro rock made in Brazil’. [...].
( 2009 p. 6).
Assim, o rock já inserido na cultura brasileira foi, de maneira lenta e gradual, o rock
foi ganhando adeptos no Brasil, com os cantores Celly Campello e Tony Campello, nos anos
sessenta com o grupo Jovem Guarda que se tornou sinônimo de rock devido algumas músicas
e suas referencias. Mas, prevaleceu o movimento Tropicália que se instaurou sob o regime
militar, com grande aceitação.
Nos anos setenta foram surgindo novos nomes como, Raul Seixas nos anos setenta e,
nos anos oitenta com uma abertura política do governo brasileiro e a redemocratização do
país, há uma expansão do rock brasileiro com diversas bandas como: Blitz, Legião Urbana,
Capital Inicial, Kid Abelha, Camisa de Vênus, Barão Vermelho, Engenheiros do Hawaii,
entre outras.
Nessa perspectiva pretendo analisar a produção musical da banda “Engenheiros do
Havaii”, os conceitos, ideologias e valores difundidos em suas letras, estabelecendo uma
relação entre a história e a música, no ensino de história na sala de aula.
Assim traçando um paralelo entre o ensino de história e as emoções pessoais
sentimentais de cada aluno, a música atinge o íntimo e relacionando a história e os anseios de
cada aluno, trazendo um enriquecimento ao aprendizado, pois com a inserção da música no
ensino de história e sua correlação permite uma maior aproximação do aluno, suas emoções
sendo elas produtos sociais que relaciona de forma indireta com a história e possibilita um
meio alternativo e atrativo ao se estudar história em sala de aula. Através da música como
meio para se trabalhar História, trás outras concepções ao aluno e lhe proporciona uma
sensibilidade maior com a História, uma vez que ela esta associada ao seu pessoal, aos seus
sentimentos próprios.
A música em sala de aula viabiliza uma interação e um meio distinto para que possa
relacionar a História, tendendo a abordar as sensibilidades do aluno, buscando sua
identificação e sua proximidade através de suas emoções, que são produtos de sociabilidades
que constrói uma sociedade; emoções, anseios, ideologias, traços que compõem e estruturam
a História individual e coletiva.
Partindo-se dessa perspectiva, sobre a importância da relação entre música e o ensino
de história, propõe-se investigar a relação entre o conceito histórico de guerra e as ideias
expressas e o emprego do termo – guerra presentes nas músicas da Banda Engenheiros do
Hawaii que surgiu em meados dos anos de 1980, na cidade de Porto Alegre - RS, por três
integrantes: Humberto Gessinger (vocal e guitarra), Marcelo Pitz (baixo e voz) e Carlos
Maltz (bateria). Foi criada com o intuito de se apresentar em um festival da faculdade e durar
apenas uma noite, como comenta Gessinger,
No fim de 1984 rolou uma greve que fez as aulas se estenderem
janeiro adentro. Sem muito que fazer no verão porto-alegrense, a
estudantada inventava atividades paralelas: exposições, festas,
happenings... . Numa dessas, me juntei a três colegas para fazer um
show no auditório da faculdade [...]. ( 2010, p 15).
A referida banda passou por diversas formações, novos integrantes e mudanças no
estilo musical. Aos poucos foi se estabelecendo no cenário musical, se tornou um grande
sucesso, atingindo principalmente o público jovem. Os Engenheiros do Hawaii permaneceram
até 2007 e, ainda são destaque no cenário musical por suas músicas polêmicas, com várias
considerações históricas.
O tema guerra é empregado em várias canções, fazendo um contraponto com as
reflexões sentimentais, sociológicas e históricas, estabelecendo uma analogia entre
sentimentos pessoais e acontecimentos históricos. Essas canções reproduzem fragmentos de
uma sociedade, de sua cultura, de suas percepções e do seu tempo, expressando seus valores e
suas convicções, se tornando uma fonte importante para se estudar história em sala de aula.
Conforme Moraes, a música é “[...] Como parte constitutiva de uma trama repleta de
contradições e tensões em que os sujeitos sociais, com suas relações e práticas coletivas e
individuais e por meio de sons, vão (re) construir partes da realidade social e cultural. [...].
(1997 p 212).”. Portanto, cada receptor se identifica à sua maneira, criando um elo com sua
cultura, estabelecendo uma aproximação e um reflexo do seu “eu” e da sua realidade social,
tendo a música um papel importante carregado de características e simbologias.
A banda “ Engenheiros do Havaii” expressa em suas músicas conceitos, emoções, a
percepção sobre a história e as guerras,os quais são assimilados pelo receptor, que liga a
mensagem musical aos seus anseios, sua realidade social, à sua história e aos seus
conhecimentos sobre História e os embates. Nesse sentido, analisa-se nas letras musicais, o
conceito de guerra, suas várias conotações e referências e a relação desse pelo público e seus
conflitos pessoais.
Tomando-se o conceito de guerra, segundo a percepção de Howard, é possível
percebê-lo como “[...] a continuação da política por outros meios [...]” (apud:
CLAUSEWITZ,1986, p. 59). A guerra em si não é só composta por fatores físicos, mas
sobretudo fatores morais, políticos e econômicos em prol de um interesse, de uma classe, de
um grupo social. Como, ainda afirma o autor,
Toda guerra pressupõe a fraqueza humana e procura explora-la. Ou
afirmou ele a guerra é um teste de forças físicas e morais por meio
das últimas. Podemos dizer que a força física parece ser um pouco
mais do que o cabo de madeira de uma espada, enquanto que os
fatores morais são um metal precioso, a verdadeira arma, a lâmina
minuciosamente amolada.[...]. (Ibid, p 23).
Os meios morais são pontos cruciais na guerra, pois a partir deles que serão pensadas
as estratégias, os meios e as técnicas, que precisam ser precisamente calculadas e analisadas.
Os meios morais são o motor que concretiza todo o conflito e estabelecem os meios políticos,
econômicos, sociais, que diferem em todo o país. Dessa forma, a guerra é entendida não só
como um movimento armado, mas, sobretudo como um instrumento ideológico, entendida
nas músicas como um embate histórico comparado a um combate pessoal interno, uma guerra
de conflitos pessoais, que se relacionam com as guerras históricas. Assim, a música se torna
uma ferramenta importante para se desvendar aspectos significativos da história, sendo fontes
importantes para compreender conceito histórico de guerra e seus meios políticos.
Com as possibilidades de se usar outras linguagens e documentos no ensino de
História, a música tem o intuito de proporcionar novas formas de percepção sobre a história e
um novo olhar do aluno sobre os conteúdos, estabelecendo uma ligação entre a linguagem
musical e os conceitos históricos, além do seu próprio tempo, fazendo com que o aluno
perceba esta relação existente entre a história e a música. Pois, segundo Rossi, “[...] as
canções absorvem frações do momento histórico, os gestos e o imaginário, as pulsões latentes
e as contradições, das quais ficam empregadas, e que poderão ser moduladas em novos
momentos, por novas interpretações [...]. (In: WISNIKI, 2004/2005, p. 2)”.
A música é a ferramenta que possibilita uma maior aproximação do receptor, com
probabilidades de interpretações devido as suas linguagens e referenciais ao assunto difundido
e, como um veículo de comunicação e representação de determinado período histórico. Por
isso, é uma importante ferramenta no ensino pela aproximação ao objeto em estudo e, pela
reflexão do ouvinte.
Nas músicas selecionadas da banda Engenheiros do Hawaii, é possível estabelecer
relações sobre o conceito de guerra e os conflitos afetivos internos resultado das experiências
pessoais dos alunos como: término de um relacionamento, uma fase difícil, perda ou um
sofrimento qualquer, os quais podem ser comparados aos conflitos históricos, como: guerras,
repressões de governo. Demonstra-se assim, a viabilidade da utilização da música como fonte
histórica para se compreender o termo “guerra” e os conflitos, relacionando o campo pessoal e
o campo da história.
A utilização da música em sala de aula tem por finalidade uma analise de suas letras,
de forma utilitária e intuitiva, compreendendo a relação história e música presente nas
canções, a partir dos fragmentos históricos nelas empregados como o termo guerra, no qual
esta presente em várias canções e conduz a uma percepção e uma associação com anseios
pessoais, comprando-se com conflitos internos. Dessa forma os alunos escutam a canção e
analisa seus trechos historicamente comparando evidenciando suas emoções
As músicas escolhidas para análise neste trabalho são: Toda Forma de Poder (Longe
demais das capitais ,1986); Filmes de guerra, canções de amor (Revolta dos Dândis, 1987)
Alívio Imediato (álbum Alívio Imediato,1989). A finalidade é fazer uma ponte entre as letras
das músicas selecionadas e a percepção musical do aluno, fazendo um paralelo com o viés
histórico e o pessoal. Nesse sentido a metodologia corresponde à análise, comparação e
dissecação histórica, para que seja compreendida como uma representação da história, ou
seja, aquilo que a música traz consigo, como: pensamentos, ideias e relatos de uma época.
A guerra é entendida como um instrumento ideológico, dotado de estratégias, meios e
principalmente um fator moral, que permite esse choque. Essa difusão é percebida como “uma
continuação da política por outros meios” (HOWARD. In: CLAUSEWITZ 1986, p 59). Ela
pode ser compreendida além de embates e conflitos, mas “[...] Hoje a ‘força’ não se expressa
mais (nem é mais concebida) apenas em termos militares, mas em termos econômicos,
psicológicos e outros tipos[...] (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998 p. 571).”
Dessa forma a guerra é um conflito entre entidades que visam mudanças, é mais que
um conflito de armas ou físico, se constitui também como um embate entre ideias, culturas
distintas, aspectos socioeconômicos e as divergências sobre esses fatores na sociedade.
Ainda, nesse campo de percepção sobre o significado da guerra é possível traçar uma relação
com as músicas escolhidas e os sentimentos pessoais que enfrentados como: perda, solidão,
angústias, término de relacionamentos, sofrimentos, dúvidas, entre outros. Valores que estão
presentes nas músicas selecionadas.
Na produção musical da banda Engenheiros do Havaii, a guerra é considerada como
um conflito interno, no campo pessoal. Assim percebida nas letras de “Filmes de guerra
canções de amor” “Alivio imediato”, que fazem menção às desavenças amorosas, à estrutura
de um relacionamento, ao seu fim e suas dificuldades. É uma guerra interior comparada com
as guerras históricas. Essas músicas estabelecem um diálogo entre a guerra particular e as
guerras na história evidenciando as suas singularidades, sendo elas no âmbito pessoal ou
histórico, as suas divergências e suas várias consequências além de proporções. Como
comenta Magnoli que,
A história das guerras é uma história de alteridades. Cada guerra é um
fenômeno único, singular, irredutível. Os gregos guerreavam em nome
da virtude, os “bárbaros” germânicos e os cavaleiros das estepes
asiáticas, em nome do saque. As cruzadas lutaram na Terra Santa por
Deus e pela Igreja [...]. (2006, p. 15)
Cada guerra se define pelo seu objetivo, pela sua ideologia, pelos envolvidos e suas
percepções de mundo e sobre os acontecimentos. Seja ela determinada como pessoal ou
política haverá consequências e desfechos próprios, devido às suas práticas que dependem
de indivíduos, estes que são vulneráveis e influenciados pelo meio em que estão inseridos.
Na canção “Filmes de guerra canções de amor” destaca-se o trecho :
[...]filmes de guerra, canções de amor
manchetes de jornal, ou seja lá o que for
há sempre uma estória infeliz
esperando uma atriz e um
ator[...](ENGENHEIROS DO HAVAII, 1987.)
Nessa letra musical, o autor coloca a guerra e o amor se referindo a canções de
amor, como cenários da história, embora utilize o termo estórias, que se na época referia-se a
uma ficção, o autor a compara com a realidade, e com histórias infelizes.
[...]não tenho medo de perder a guerra
pois no fim da guerra todos perdem
no fim das contas as nações unidas
'tão sempre prontas pra desunião
não tenho medo de perder você
desde o início eu sabia
era só questão de dias
um dia iria acontecer
preciso beber qualquer coisa
não me lembre que eu não bebo
o que só nós dois sabemos
nós sabemos que é segredo
há um guarda em cada esquina
esperando o sinal
pra transformar um banho de piscina
numa batalha naval[...]
( Ibid.)
Assim, guerra e relacionamento amoroso são colocados lado a lado como condições
propícias a conflitos, perdas, sofrimentos, em que ambos podem se chocar, como a guerra
pode trazer fortes consequências, sequelas emocionais, ( no caso da guerra tanto físicas como
emocionais) assim quando o autor coloca “ preciso beber qualquer coisa, não me lembre que
eu não bebo” como um estado de choque, devido a um embate, um conflito um momento de
fúria, dor, desespero, pode provocar o sujeito a ter hábitos inesperados, para sanar o aflição.
Ainda, como na guerra que não há como prever ações de indivíduos devido ao rumo que ela
vai tomando, as consequências e a sua direção se torna inesperada.
Com relação ao verso “[...] há um guarda em cada esquina esperando o sinal pra
transformar um banho de piscina numa batalha naval, a referência que como em um
relacionamento, e uma guerra qualquer atitude mal interpretada, pode desencadear um choque
maior, qualquer ação mal tomada, mal vista pode ocasionar conflito seja na guerra ou no
amor.
[...] se alguém, seja lá quem for
tiver que morrer,
na guerra ou no amor,
não me peça pra entender
não me peça pra esquecer
não me peça para entender
não me peça pra escolher
entre o fio ciumento da navalha
e o frio de um campo de batalha
chegamos ao fim do dia
chegamos, quem diria?
ninguém é bastante lúcido
pra andar tão rápido
chegamos ao fim do século
voltamos enfim ao início
quando se anda em círculos
nunca se é bastante rápido[...].
( Ibid.)
Nas estrofes seguinte, percebe-se que a relação amor e guerra continua posta no
mesmo patamar de sofrimentos, estando ambas em categorias iguais de “dor”, podendo o
receptor( o aluno) aproximar a relação da guerra e suas proporções, identificando-as com seus
sentimentos pessoais e o real sentido e proporção de uma guerra, tanto para um soldado
inserido em campo de batalha, quanto a população que convive com ela.
Analisando a letra da música “Alivio Imediato” apresenta-se outra visão sobre
guerra, como pode-se perceber nas estrofes a seguir:
O melhor esconderijo, a maior
escuridão
Já não servem de abrigo, já não dão
proteção
A Líbia é bombardeada, a libido e o
vírus
O poder, o pudor, os lábios e o batom
(2x)
Que a chuva caia
Como uma luva
Um dilúvio
Um delírio
Que a chuva traga
Alívio imediato
Que a noite caia
De repente caia
Tão demente
Quanto um raio
Que a noite traga
Alívio imediato [...]
( ENGENHEIROS DO HAVAII,1989 .)
Essa canção relata sobre um estado de sofrimento, podendo ser entendido como o fim
de um relacionamento, no qual o sujeito está triste, deprimido e nada consegue livrá-lo desse
sentimento infeliz, assim a assemelhação vem no final da estrofe com “A Líbia é
bombardeada, a libido e o vírus o poder, o pudor, os lábios e o batom”. Sabe-se que Líbia
esteve sob o poder do ditador Muammar Kadhafi, desde 1969, sobre um regime fechado,
antidemocrático e autocrático.
Assim, quando da produção dessa canção em 1986, pode-se inferir que essa música
traz ideias e oposição ao regime de governo libanês, nas palavras “o poder, o pudor, os lábios
e o batom” . Já, nas estrofes seguintes o autor continua com o desejo de alivio desse
sentimento que está lhe deprimindo em “Que a chuva caia, como uma luva, um dilúvio, um
delírio, que a chuva traga alívio imediato”.
Na estrofe seguinte, nota-se a referência ao término de um relacionamento, nas
frases:
Há espaço pra todos há um imenso vazio
Nesse espelho quebrado por alguém que partiu
A noite cai de alturas impossíveis
E quebra o silêncio e parte o coração ( Ibid.)
E, um término que causou essa “dor” pela partida de alguém. Ainda, na mesma letra
musical, na sequencia faz alusão ao período da Guerra Fria , como se vê na estrofe:
Há um muro de concreto entre nossos lábios
Há um muro de Berlim dentro de mim
Tudo se divide, todos se separam
(Duas Alemanhas, duas Coreias)
Tudo se divide, todos se separam[...]
Nesse trecho o autor busca fazer uma analogia da Guerra Fria com um conflito
pessoal interno, uma ruptura entre duas pessoas, como está se referindo à construção de um
muro entre o casal. Comparando, na o segundo verso “Há um muro de Berlim dentro de
mim” e o seu rumo que ocasionou a divisão das duas Alemanhas, Alemanha Ocidental
(capitalista) sob o domínio dos EUA, e a Alemanha( socialista) sob a URSS.
O muro de Berlim construído em 1961 da noite para o dia, se instaurando uma
mudança brusca e violenta no cenário histórico político, com a separação da Alemanha, a
divisão por duas ideologias, por uma guerra ideológica prevalecida na Europa no século XX.
Contudo no verso seguinte, na expressão “Tudo se divide, todos se separam (duas
Alemanhas, duas Coreias) reforça o conceito de desagregação e ruptura incluindo o país da
Coréia que também foi separado em Coréia do Sul (apoiado pelos Estados Unidos) e a Coréia
do Norte (apoiada pela União Soviética) por ideologias distintas capitalismo versus
comunismo, um exemplo de um regime comunista stalinista deste 1948 (até hoje).
Na letra da música “Toda forma de poder” ( 1986) , o grupo faz menção à guerra e
as formas de governo, ou seja, a repressão exercida por alguns governos, estabelecendo um
sistema autocrático, comunista, socialista sendo caracterizado como uma ditadura.
Os regimes ditatoriais ganham força no século XX e, são denominados como a
ditadura moderna que se caracteriza por um poder ilimitado nas mãos do governante. total
poder. Como afirmam Bobbio, Matteuci e Pasquino
Com a palavra Ditadura, tende-se a designar toda classe dos regimes
não democráticos especificamente modernos, isto é, dos regimes não
democráticos existentes nos países modernos ou em vias de
modernização (com que se podem assemelhar também as tiranias
gregas dos séculos VII e VI a.C. e alguns outros Governos surgidos
na história do Ocidente). Temos, no entanto, de reconhecer que este
significado de Ditadura, embora possua uma indubitável dimensão
descritiva, tem sido frequentemente usado com fins prático
ideológicos, como alvo de valor negativo a contrapor polemicamente
à democracia. ( 1998 p. 382)
A referida música faz referência a regimes políticos instaurados no século XX, suas
consequências, representações e as suas repercussões, na forma de governo comunista, ou
capitalista ditatorial, como se pode notar no verso:
Eu presto atenção no que eles dizem,mas eles não dizem nada.
Fidel e Pinochet tiram sarro de você que não faz nada[...]
Nesse primeiro verso, Fidel e Pinochet são colocados na mesma frase e, se
assemelham pelo mesma forma de repressão, vistos como ditadores, chefes de estado e de
governo, porém o primeiro num regime comunista em Cuba (1976-2008) e o segundo um
regime ditador autocrático no Chile ( 1974-1990). A ditadura chilena que matou milhares de
pessoas, revolucionários de esquerda, chefes de partidos, entre outras lideranças.
Ambos com regimes políticos instituídos, vistos como uma guerra contra a
democracia, nos quais o discurso manipulador e repressor faziam da população um fantoche
ao qual só restava aceitar as condições impostas pelos governos, caso contrário às
reivindicações seriam violentamente reprimidas.
Na estrofe seguinte:
Se tudo passa, talvez você passe por
aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi
Se tudo passa talvez você passe por
aqui
E me faça esquecer[...]( Ibid.)
O autor remete-se a uma terceira pessoa, entendo que seja um amor (talvez) uma
pessoa com quem tem um enorme apreço e lhe tire daquela situação, no caso, tirar o povo, os
países da situação em que estão vivendo, na qual o regime político está em constante guerra
proclamada contra os direitos de reivindicação, direitos de expressão dos cidadãos. Portanto
essa parte da canção é compreendida como um apelo, um pedido de socorro, de necessidade e
mudança, de atendimento às carências sociais geradas pelo regime político. Entende-se como
um aclamado de esquecimento causado pela repressão vivida.O que corrobora nas frases:
Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada.
Toda forma de conduta se transforma numa luta
armada[...]. ( Ibid)
Toda forma de poder, acaba por cegar as pessoas, não somente no setor político, o
poder ,muitas vezes, se torna repressor, ambicioso e controlador. Podendo levar a uma guerra
física, ideológica, como na Primeira e Segunda Guerra Mundiais. Pode-se
citar como
exemplo, o caso da Alemanha com interesses em agregar os povos pangermânicos e, a
Rússia agregar os povos eslavos, o que levou à formação de alianças em torno de cada
interesse e à condutas diferentes, pelas quais eclodiu a Primeira Guerra Mundial ( 19141918), cujos resultados levaram à eclosão da Segunda Grande Guerra ( 1939-1945).
Nesse sentido, a música em análise, faz referência ao segundo episódio, na expressão:
A história se repete, mas a força deixa a história
mal contada[...]( Ibid).
Embora saiba-se que cada momento histórico é único e irrepetível e, que portanto
dizer que a história se repete seria uma afirmação errônea, se reconhece que, a afirmação “a
história se repete” é uma alusão às ideologias e comportamentos diferentes e, as divergências
entre os países europeus que ocasionam novamente uma guerra, a Segunda Guerra Mundial.
O que se ratifica na estrofe seguinte:
E o fascismo é fascinante deixa a gente ignorante e fascinada.
É tão fácil ir adiante e se esquecer que a coisa toda tá errada.
Eu presto atenção no que eles dizem mas eles não dizem
nada[...]. (Ibid.)
A letra da música questiona regimes autoritários de governo estabelecidos na
Europa,nas décadas de 1920 e 30, como o Fascismo, na Itália, instituído por Mussolini com
influência em outros países, até no Brasil , no Governo Vargas ( 1930-1945). Tratava-se de
uma política para um nacionalismo exagerado, um discurso ditador totalitário, visando uma
guerra em si contra a democracia, uma vez que a guerra não é somente como um fator físico,
mas como um fator moral, ou um “conflito de vontades” e condutas, de governo.
(CLAUSEWITZ,1986).
Contudo a música expressa considerações, estimas, conceitos e se relacionam
historicamente com a História, e com o sujeito de forma intrínseca e sutil, ligando-se ao
íntimo, pessoal de forma natural, simples, se identificando com os receptores, estes alunos que
podem fazer uma assimilação com o conteúdo histórico e o campo pessoal.
O intuito é trabalhar com as músicas selecionas em uma oficina pedagógica abordando
os temas históricos que estão relacionados na música, e discutindo questões referentes a
sensibilidades e as emoções de cada aluno. A oficina pedagógica se destina a alunos do ensino
médio, e propõe uma debate em torno do assunto. Após a aplicação desta oficina a intenção é
avaliar através de atividades a sua validade, a interação e o desempenho de cada aluno na
oficina.
No ensino de História a interdisciplinaridade ao se trabalhar com música, possibilita
uma maior identificação, pois tem o caráter de atingir os sentimentos de cada aluno, e permite
apropriações e interpretações diante da sua leitura e re-leitura, na qual o aluno encontra se de
forma contínua uma relação sentimental e histórica.
Referências
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2001. ( Coleção Questões de nossa época).
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