A Europa e a política de ambiente em Portugal

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DEBATER A EUROPA
Periódico do CIEDA e do CEIS20, em parceria com GPE e a RCE.
N.7 Julho/Dezembro 2012 – Semestral
ISSN 1647-6336
Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/
A Europa e a política de ambiente em Portugal
Helena Freitas
Vice-Reitora da UC
Professora Catedrática do DCV da FCTUC
E-mail: [email protected]
Maria João Martins
Doutoranda do CEF-DCV da UC
E-mail: [email protected]
Resumo
Desde o início da década de 50 que se assiste na Europa, e no mundo, a uma crescente
tomada de consciência ambiental. Em Portugal o impulso é dado pela fundação da Liga
para a Protecção da Natureza (LPN), em 1948. É já na década de 70 que é criada a
primeira Comissão Nacional do Ambiente, produzido o primeiro relatório relativo a
temas ambientais e fundada a primeira reserva nacional. Nesta mesma década, a
Comunidade Económica Europeia (CEE) é líder mundial na produção de instrumentos e
de medidas em matéria de ambiente. A adesão de Portugal à CEE, em 1986, constitui
um marco fundamental no desenvolvimento da política ambiental no país. No ano
subsequente, as Nações Unidas publicam o famoso “Relatório Brundtland” que introduz
o conceito de desenvolvimento sustentável. Nesse mesmo ano (1987), Portugal publica
a Lei de Bases do Ambiente, em vigor até aos nossos dias. Nos anos seguintes são
publicados vários diplomas dedicados a questões ambientais, ainda que muitos deles
tenham ficado aquém das expectativas criadas. Os fundos estruturais foram, igualmente,
ineficazes na resolução dos problemas ambientais básicos e estruturais que o país
apresentava em matéria de ambiente. Em 1990, é criada a Agência Europeia do
Ambiente e, em Portugal, o Ministério do Ambiente. É no seio da “Conferência do Rio”
(ONU, 1992) que é consolidado o conceito de desenvolvimento sustentável e assinadas
as convenções para a diversidade biológica e para o combate às alterações climáticas.
Sob inspiração do “Rio 92”, o ano de 1992 é profícuo em publicações dedicadas ao
ambiente, passando o desenvolvimento sustentável a ser um objectivo da, agora, Europa
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dos 15. Nesse mesmo ano é lançado o programa LIFE, considerado como alicerce
fundamental da consolidação da política ambiental europeia. Em 1998, com a
Convenção de Aarhus, é formalizada a cidadania activa, promulgada que estava o
direito à informação e o dever da participação pública nas questões ambientais. No
entanto, Portugal (dados de 2007) é o país com menores níveis de interesse e de
conhecimento. A Cimeira da Terra (Joanesburgo, 2002) revela o fracasso do “Rio 92” e
nela são assumidos novos compromissos e novas metas. É com o Tratado de Lisboa
(2009) que é criado o quadro jurídico e os instrumentos políticos para fazer face aos
novos desafios do séc. XXI: a globalização e a urbanização explosiva. De forma geral, a
agenda europeia tem sido favorável a uma legislação nacional mais coerente e exigente.
Todo o acervo comunitário foi transposto para o direito nacional. No entanto, apesar dos
inúmeros planos aprovados, estes continuam, e até aos nossos dias, a ser ultrapassados
pelos sucessivos governos que constantemente se sobrepõem às políticas ambientais.
Palavras-chave: Europa; Portugal; Protecção da Natureza; Políticas Ambientais
Abstract
Environmental concern in Europe and worldwide is particularly evident after the
1950’s. In Portugal, the fist public initiative is the foundation of LPN, the League for
the Protection of Nature (1948). In the 1970’s, the first National Commission for the
Environment was formed, and the first reports on the Environment were produced. In
the same decade, the European Commission (EEC) was the world leader in terms of
environmental policy and related legislation. In 1986, Portugal joined the EEC and this
was an essential step forward for the nation’s environmental policy. In 1987, The UN
famous Brundtland report introduced the sustainable development concept. In this same
year, Portugal published the National Environment framework (Lei de Bases do
Ambiente). The European structural funds were not very enough to solve all the basic
environmental problems in the country. In 1990 the European Environmental Agency
was established and in Portugal the first Ministry for Environment. The Rio Conference
(1992), is considered a landmark to the global objective of sustainable development,
with the signature of the Conventions for Biological Diversity and Climate change. In
1998, the Aarhus convention brings the active citizenship and public participation to the
core of the environmental policies. The Earth summit, in 2000, proves the failure of the
Rio objectives, as most of milestones were not attained. In 2009, the Treaty of Lisbon
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set up the framework to support the new challenges of the XXI century: globalization
and urban sprawl. In general, the European programmes and policies for Environment
were relevant to produce a national agenda for Environment, supporting a more sound
and tough law.
Keywords: Europe; Portugal; Environmental Protection; Environmental Policies
A consciência ambiental começa a ter expressão na Europa e no mundo a partir
de 1950. No entanto, o ambientalismo e os movimentos ambientalistas, surgem ainda
durante o século XIX, em particular em Inglaterra e nos Estados Unidos, em resposta à
revolução industrial (Beuad et al., 1993). Em 1900, assinava-se em Londres a
Convenção para a Preservação de Animais, Pássaros e Peixes de África (Flores, 1937).
Quase todos os movimentos que surgiram durante o século XIX e início do século XX,
eram direccionados para a conservação da natureza e para a gestão dos recursos
naturais. É já na década de 1960, no decorrer da Conferência Intergovernamental sobre
o Uso e a Conservação da Biosfera, (UNESCO, 1968) que surge o primeiro debate
sobre sustentabilidade. Nesse mesmo ano, realiza-se nos Estados Unidos o primeiro acto
político na área do ambiente: o National Environment Policy Act. Assiste-se desde então
a uma crescente consciencialização ambiental em todo o mundo, e à percepção pública
dos temas ambientais como parte do conjunto das preocupações sociais, políticas e
culturais (Schmidt, 2008).
Pode considerar-se que foram três os eixos impulsionadores da consciência
ambiental internacional: a conservação da natureza, a escassez de recursos alimentares e
a energia nuclear. Por um lado, o usufruto, o lazer e a beleza natural, por outro, a
sobrevivência, quer pela limitação de recursos, quer pela contaminação do ar e do meio
envolvente (Schmidt, 2008). Portugal escapa um pouco a esta trilogia na génese das
suas políticas ambientais, com excepção da consciência conservacionista impulsionada
pela fundação da Liga para a Protecção da Natureza, em 1948. Esta organização é
igualmente responsável pelos primeiros inventários do património natural, que
posteriormente servirão de base ao primeiro conjunto de áreas protegidas.
Em 1972, o Clube de Roma divulga o estudo “Limites do Crescimento”
(Meadows et al., 1972) e é publicada a Declaração de Estocolmo, formulada na
Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano. Esta declaração reconhece
a necessidade de um ambiente saudável para assegurar o bem-estar humano. A
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participação de Portugal nesta Conferência esteve na origem da Comissão Nacional de
Ambiente (1971), criada no âmbito da Junta Nacional de Investigação Científica e
Tecnológica, que, nesse mesmo ano, produz o primeiro “Relatório Nacional sobre os
Problemas Relativos ao Ambiente” (Borrego, 2010). Dois anos antes (1970) decorria o
Ano Europeu da Conservação da Natureza, que culmina, em Portugal, com a publicação
da Legislação da Conservação da Natureza (Lei 7/70). Nesse mesmo ano, é ainda criada
a primeira área protegida em Portugal: o Parque Nacional da Peneda-Gerês. Com a
revolução de Abril é criado o Ministério do Equipamento Social e do Ambiente, que
será extinto menos de ano depois.
A primeira crise do petróleo, em 1973, lança a OPEP num debate sobre os
limites dos combustíveis fósseis; a publicação na revista Nature (1974) de um artigo
sobre a degradação da camada de ozono e a sua relação com os CFC’s; o acidente do
petroleiro “Amoco Cadiz” na costa da Bretanha e o acidente nuclear “Three Miles
Island” (1979), na Pensilvânia, nos Estados Unidos, reacendem o debate internacional
em torno do ambiente.
Nas décadas seguintes, tornou-se evidente a necessidade de estabelecer uma
nova ordem nas políticas ambientais. A necessidade de controlo e redução da poluição
do ar é consumada na Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça de
longa distância (CEE/ONU, 1979) e, nesse mesmo ano, é assumido que as estratégias de
conservação das espécies só teriam viabilidade se integradas num contexto ecológico e
social mais abrangente. Esta nova concepção é consignada na Estratégia Mundial para a
Conservação da Natureza (IUCN, 1980). Neste mesmo ano, sob o auspício do
Presidente Jimmy Carter, redige-se o relatório “Global 2000” onde a biodiversidade é
reconhecida como uma questão crítica para o adequado funcionamento do ecossistema
planetário. A CEE tornou-se nesta década a principal fonte de orientação das estratégias
ambientais, sobretudo na produção de instrumentos, acções e medidas, lançando em
1973 o 1º Programa Comunitário em Matéria de Ambiente (1973-1976). Actualmente, a
União Europeia é o espaço político com as normas ambientais mais exigentes do
mundo.
Em Portugal, é criada em 1983 a Reserva Ecológica Nacional (D.L. 321/83, de 5
Julho), na vigência de Ribeiro-Telles. Trata-se de um instrumento fundamental no
ordenamento do território que, desde essa data, ainda que com várias revisões do
diploma (1990, 2006 e 2008), tem contribuído para proteger os recursos naturais,
especialmente os recursos água e solo, para salvaguardar processos indispensáveis a
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uma boa gestão do território e para favorecer a conservação da natureza e da
biodiversidade. Assiste-se, actualmente, ao desvirtuar contínuo desta figura estratégica
de ordenamento do território (Pardal, 2004; 2012).
Em 1986, Portugal adere à União Europeia, o que constitui um marco
fundamental no desenvolvimento da política ambiental do país através da intensificação
da legislação e das medidas. Nesse mesmo ano, o ambiente é assumido como uma acção
comunitária e são introduzidos três artigos sobre ambiente no Tratado da Comunidade
Económica Europeia. No ano seguinte, comemora-se o Ano Europeu do Ambiente, e as
Nações Unidas tornam público o relatório “O nosso futuro comum”, habitualmente
designado por “Relatório Brundtland”, que introduz o conceito de "desenvolvimento
sustentável".
Nesse mesmo ano, em 1987, Portugal, acabado de aderir à Comunidade
Económica Europeia, aprova e publica a Lei de Bases do Ambiente (LBA), que
materializa os direitos e deveres ambientais já consagrados na Constituição de 1976.
Surge a primeira referência à avaliação de impacte ambiental, determina o princípio de
“avaliação prévia de impacte ambiental” e estabelece que “os projectos que possam
afectar o ambiente terão de ser acompanhados de um estudo de impacte ambiental” (in
Relatórios do Estado do Ambiente, Agência Portuguesa do Ambiente). Nos anos
subsequentes, são publicados vários diplomas dedicados a questões ambientais: gestão
da água, do ar, do ruído, resíduos e conservação na natureza. A avaliação de impacte
ambiental só seria regulamentada em 2000, com a transposição da Directiva
85/337/CEE para o direito nacional. Muitas destas leis ficaram aquém das expectativas
então criadas. Os financiamentos europeus, inicialmente com o objectivo de consolidar
infra-estruturas, tornaram-se ineficazes na solução de problemas básicos e estruturantes
como o saneamento básico e os resíduos sólidos (Schmidt, 2008; Borrego, 2010).
É no final da década de 80, início da década de 90, que as alterações climáticas e
a degradação da camada de ozono passam a ser tema central de vários protocolos e
convenções, (Protocolo de Montreal, ONU) sendo criado o Painel Intergovernamental
sobre as Alterações Climáticas. No período entre 1987 e 1992, assiste-se a um reforço
da legislação ambiental europeia, consolidada no Acto Único Europeu e no alargamento
das competências do Parlamento Europeu em matéria de ambiente. Em 1990, é criada a
Agência Europeia do Ambiente (EEA) e em Portugal, o Ministério do Ambiente, mais
tarde Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, actualmente convertido
em Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território.
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Em 1992, ano em que Portugal presidiu pela primeira vez à União Europeia,
realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento,
também designada Conferência do Rio. Portugal liderou a delegação europeia a esta
conferência, tendo desempenhado um papel preponderante na elaboração de vários
documentos estratégicos (Borrego, 2010). É no seio do “Rio 92” que são formalizadas a
Declaração de Princípios do Rio e a Agenda 21, consolidado o conceito de
Desenvolvimento Sustentável, e são redigidos dois documentos jurídicos estratégicos
para o ambiente e o desenvolvimento: a Convenção para a Diversidade Biológica e a
Convenção Quadro das Nações Unidas para o Combate às Alterações Climáticas
Globais. A Convenção para a Diversidade Biológica vem associar a conservação da
diversidade biológica ao novo paradigma do desenvolvimento sustentável, assumindo 3
grandes objectivos: i) a conservação da diversidade biológica; ii) o uso sustentável da
diversidade biológica e iii) a divisão justa e equitativa dos benefícios obtidos pela
utilização dos recursos genéticos.
O ano de 1992, sob a inspiração do “Rio 92”, é profícuo em matéria de ambiente
e são publicados vários documentos fundamentais: a Convenção sobre a Avaliação de
Impacte Ambiental num Contexto Transfronteiriço (CEE/ONU, Espoo); a Convenção
sobre a Protecção dos Solos e os Usos dos Cursos de Água Transfronteiriços e dos
Lagos Internacionais (CEE/ONU, Helsínquia); a Convenção sobre os Efeitos
Transfronteiriços dos Acidentes Industriais (CEE/ONU, Helsínquia) e a Convenção
para a Protecção do Ambiente Marinho do Atlântico Nordeste (CEE, Paris). Os
princípios da precaução, da prevenção, e do poluidor-pagador, começam a desenhar-se
no contexto europeu e internacional. É lançado o primeiro programa de financiamento
LIFE I (L’Instrument Financier pour L’Environment) (1992-1995) considerado um
alicerce fundamental da política ambiental europeia. Este programa visa a aplicação, o
desenvolvimento e o reforço da política legislativa comunitária em matéria de ambiente,
assim como a integração do ambiente de forma transversal noutras políticas da União
Europeia. Até 2004 (final do programa LIFE III) tinham sido financiados 118 projectos
em Portugal, 63 centrados na inovação ambiental e 55 na conservação da natureza.
Nesse mesmo ano, decorriam 26 projectos num total de 35 milhões de euros de
financiamento, 20 dos quais provenientes da União Europeia. Actualmente, está em
vigor o Programa LIFE + (2007-2013) cujo objectivo central é o desenvolvimento, a
aplicação e a actualização da política e da legislação comunitária a nível ambiental em
três áreas fundamentais: natureza e biodiversidade; política e governação ambiental, e
83
informação
e
comunicação
(in
Projectos
LIFE
em
Portugal,
ec.europa.eu/environment/LIFE/).
A assinatura do Tratado de Maastricht (UE, 1992) e a sua entrada em vigor
(1993) transpõe para a União Europeia (EU) as linhas orientadoras da Conferência do
Rio, tratando o ambiente como uma política comunitária e definindo como missão da
UE a promoção de um desenvolvimento harmonioso e equilibrado das actividades
humanas, o crescimento sustentável, e o respeito pelo ambiente. O desenvolvimento
sustentável passa a ser um objectivo na Europa dos 15. É no ano de 1993 que é
aprovado o 5º Programa de Acção em Matéria de Ambiente (1993-2000) sob o tema
“Em direcção a um futuro sustentável”.
Assumidas que estão as questões ambientais e reconhecida a necessidade de
actuação conjunta, em 1994, em Washington, é criado o Fundo Mundial para o
Ambiente cujo propósito é fomentar projectos direccionados para a perda de
biodiversidade, as alterações climáticas, a degradação da camada de ozono, a
degradação das água internacionais, a degradação dos solos e os poluentes orgânicos
persistentes.
O ano de 1997 é novamente fértil em acontecimentos que marcarão o futuro das
políticas ambientais internacionais e europeias: Tratado de Amesterdão (UE), que
reforça a política ambiental europeia “Viver num meio ambiente são – uma exigência
dos europeus”; a Conferência Rio +5 (ONU) que em sessão especial analisa os
progressos na implementação dos acordos do Rio 92, em particular a Agenda 21,
reconhecendo que o progresso realizado é pouco; é assinado o Protocolo de Quioto que
estabelece os limites para a redução das emissões de gases com efeito de estufa e criado
o “mercado de emissões” para os países desenvolvidos e o “mecanismos de
desenvolvimento limpo” para os países em vias de desenvolvimento.
O Protocolo de Quioto é adoptado no âmbito da Convenção Quadro das Nações
Unidas para o Combate às Alterações Climáticas Globais e os limites às emissões de
gases com efeito de estufa passam a ser vinculativos. Neste cenário, a União Europeia
compromete-se, solidariamente, a reduzir em 8% as emissões desses gases no período
de 2008-2012, relativamente às emissões de 1990. Portugal beneficia do chamado
“Burden sharing” – podendo aumentar em 27% as emissões sob “a cobertura” do
crescimento económico (Borrego, 2010). No entanto, em 2001, Portugal já tinha
ultrapassado a sua quota em 36%, em especial pelo impacto da energia e dos
transportes. Em 2004, é aprovado em Conselho de Ministros o Programa Nacional para
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as Alterações Climáticas (PNAC 2001-2007), com a primeira alteração em 2006, e em
vigor até aos nossos dias. Está em revisão até 31 de Dezembro de 2012.
A cidadania activa é um elemento essencial para o desenvolvimento das
sociedades democráticas, assentando em 3 pilares fundamentais: 1. o conhecimento
sobre os mecanismos e processos democráticos; 2. a atitude e envolvimento do cidadão;
3. algum conhecimento sobre a sociedade em geral e a aceitação das suas regras
elementares de funcionamento democrático. Uma cidadania activa implica, por isso, que
os instrumentos de participação do cidadão têm acesso fácil e devem conduzir a uma
actuação eficaz. O cidadão tem que identificar esses instrumentos, compreender
facilmente a sua utilização e confiar na resposta dos serviços. Qualquer ineficácia na
resposta, num processo que conta apenas com a atitude e o empenho do cidadão,
integrado numa organização ou não, forçosamente dissuade a sua participação. Por
outro lado, a participação pública deve ser reconhecida e o seu interesse claramente
percepcionado pelo cidadão. A Convenção sobre o Acesso à informação, Participação
do Público na Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria Ambiental –
“Convenção de Aarhus” (1998) formaliza esta cidadania activa, o direito/obrigação de
participação activa e de responsabilidade partilhada, no sentido que estabelece o direito
do público e obrigações das autoridades públicas no acesso à informação, a participação
do público na tomada de decisão e o acesso à justiça em matéria ambiental e estabelece,
pela primeira, uma relação directa entre os direitos humanos e o direito ao ambiente. Em
2005, Portugal, é palco de várias manifestações e manifestos públicos contra a
implementação da co-incineração. Àquela data, a participação pública travou o
processo, tendo sido retomado apenas alguns anos depois. No entanto, de acordo com o
European Values Survey (2007), os índices de intervenção e de conhecimento em
Portugal são os mais baixos da Europa.
O ano 2000 é marcado pela Cimeira do Milénio (ONU), a maior Assembleiageral da Nações Unidas de governos e de chefes de estado. Nesta cimeira é adoptada a
“Declaração do Milénio”, destacando-se o compromisso de erradicação da pobreza e o
reconhecimento da importância de uma economia mundial mais justa. Nesse mesmo
ano, em Portugal, é publicada a primeira edição do SIDS Portugal (Sistema de
Indicadores de Desenvolvimento Sustentável), com um conjunto de 118 indicadores,
categorizado por 10 temas de Estratégia de Desenvolvimento Sustentável da UE.
Em Setembro de 2002, realiza-se em Joanesburgo, na África do Sul, uma
Cimeira Mundial do Desenvolvimento Sustentável, a Cimeira da Terra, sob os auspícios
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da Organização das Nações Unidas. Uma década depois da Conferência do Rio, esta
reunião visava fazer o balanço de 10 anos de políticas ambientais, económicas e de
desenvolvimento, actualizar o diagnóstico da situação, e propor as medidas necessárias
à prossecução dos objectivos da sustentabilidade. Esta Cimeira, revelou existir um hiato
entre as boas intenções políticas e a concretização das acções que podem levar ao seu
êxito. Os compromissos mais importantes desta Cimeira, terão sido a intenção
proclamada e assumida por todos, de “reduzir de forma significativa a de perda da
biodiversidade até 2010” e a aprovação do “Plano de Implementação de Joanesburgo”
que operacionaliza as orientações da Agenda 21. Para que tal, serão necessários novos
programas de avaliação e monitorização e, sobretudo, o respeito integral pelo seu
cumprimento.
O cumprimento dos compromissos ambientais até agora estabelecidos, regra
geral falharam. O governo português, elaborou a Estratégia Nacional para a
Conservação da Natureza e da Biodiversidade em 2001, assumindo-a como uma
resposta formal aos compromissos do Rio mas a verdade é que, desde a sua
apresentação pública, as suas acções, metas e obrigações têm sido ignoradas.
Anteriormente, a Comunidade Económica Europeia, já tinha publicado a Convenção
sobre a Diversidade Biológica (1992), a “Directiva Aves” (1979) e a “Directiva
Habitats” (1992). Estes dois últimos documentos são transpostos para o direito nacional
apenas em 1999 (D.L. 140/99, de 24 de Abril) e republicados em 2005 (D.L. n.º
49/2005). O programa LIFE II (1996-1999) financia a implementação em Portugal da
Directiva Habitats e a produção das Lista de Sítios (Sítios de Importância Comunitária).
Até hoje, a rede NATURA 2000, não tem grande significado na gestão das áreas
circunscritas, funcionando apenas como figura legal restritiva de algumas actividades.
Em 2001 é aprovado o 6º Programa de Acção em Matéria de Ambiente (20022010) – “Ambiente: o ambiente até ao ano 2010. Estabelece quatro domínios
prioritários de actuação: alterações climáticas, protecção da natureza e da
biodiversidade; saúde e qualidade de vida e utilização sustentável dos recursos (política
energética 20-20-20: 20% aumento da eficiência; 20% redução das emissões; 20%
quota de energias renováveis). Introduz de forma clara e inequívoca seis princípios
fundamentais: o da precaução, da prevenção, da correcção na fonte, do poluidorpagador e da subsidiariedade. Em 2009, é publicada a directiva 2009/28/CE, de 23 de
Abril, relativa à promoção e utilização de energias provenientes de fontes renováveis,
pelo que Portugal elabora no seu âmbito o Plano Nacional de Acção para as Energias
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Renováveis (PNAER) para o horizonte de 2020, assumindo as metas traçadas por
Bruxelas.
O século XXI traz para a agenda política internacional e europeia novos
desafios: a globalização e a urbanização explosiva (metade da população mundial vive
em cidades que ocupam 2% da superfície terrestre e consomem 75% dos recursos
naturais). A urbanização e as cidades eram debatidas na Europa desde o ano de 1994 primeira Conferência sobre Cidades Europeias Sustentáveis - Carta de Aalborg
(Dinamarca, 1994). Esta Carta assume as cidades como entidades passíveis de serem
sustentáveis e que essa sustentabilidade passa por ser um processo criativo, local e
equilibrado, lançando questões várias relacionadas com os padrões de uso sustentável
do território. O Tratado de Lisboa (UE, 2009) cria o quadro jurídico e os instrumentos
políticos para fazer face a estes novos desafios, tendo como principais objectivos em
matéria de ambiente: as alterações climáticas; os habitats naturais e a vida selvagem; o
ambiente e a saúde e a gestão de resíduos, em tudo similares aos já definidos objectivos
do 6º Programa de Acção (Borrego, 2010).
Todo o acervo comunitário em matéria de ambiente foi, até hoje, transposto para
a legislação nacional com implicações no planeamento do território e com obrigação de
elaboração de diversos planos: Plano Nacional da Água - PNA; Plano Estratégico para
os Resíduos Sólidos Urbanos – PERSU I (1997) e II (2007); Plano de Ordenamento da
Orla Costeira – POOC; Plano de Acção Ambiente e Saúde – PNAA’s; e estratégias:
Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas; Estratégia Nacional de
Educação para o Desenvolvimento; Estratégia Nacional de Desenvolvimento
Sustentável – ENDS15, entre outros. Apesar dos inúmeros planos aprovados, a verdade
é que acabam por ser ultrapassados pelas dinâmicas locais de ocupação do território ou
por propostas dos sucessivos governos, que assim contornam e desacreditam as políticas
ambientais.
A agenda ambiental europeia, para além de proporcionar um enquadramento
legislativo mais exigente do ponto de vista ambiental, obriga a reproduzir as regras e as
intenções e a responder pelo seu incumprimento. De forma geral, a agenda ambiental
europeia tem sido favorável a uma legislação nacional mais coerente e exigente, com
reflexos notórios na percepção das questões ambientais por parte da sociedade civil
(exemplo: qualidade do ar e da água). Só em 2009, foram publicados mais de 100
diplomas relativos ao ambiente (Borrego, 2010). Os compromissos políticos crescentes
e a necessidade de respostas políticas transversais, de certa forma também catapultou a
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própria importância das políticas ambientais nacionais no seio da actividade
governativa. Esta legislação, obrigou ainda a uma abertura dos processos de decisão à
participação pública, com a criação simultânea de diversas plataformas organizadas para
responder às novas solicitações (comissões de acompanhamento, instrumentos de
ordenamento). Excepção feita à introdução do conceito de governança ambiental e à
integração do elemento transversalidade à política ambiental. O desafio mais urgente,
para além da credibilidade das próprias políticas, passará sempre pela educação para a
cidadania ambiental e para o desenvolvimento sustentável.
Bibliografia
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88
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