Sociabilidade institucional: "espaços"

Propaganda
1
GRUPO DE TRABALHO 8
CULTURA E SOCIABILIDADES
SOCIABILIDADE INSTITUCIONAL: “ESPAÇOS” E
“CIRCUITOS” JUDEUS EM CURITIBA
Claudinei Uhlmann
2
SOCIABILIDADE INSTITUCIONAL: “ESPAÇOS” E “CIRCUITOS” JUDEUS EM
CURITIBA1
Claudinei Uhlmann2
Resumo
Este resumo pretende apresentar algumas formas de sociabilidade observada entre um segmento
específico de judeus em Curitiba. Este segmento descende dos primeiros imigrantes judeus que se
instalaram na cidade no final do século XIX. Foram eles os responsáveis pela criação das principais
instituições judaicas que configuram uma “comunidade” organizada institucionalmente. São elas:
Escola Israelita; Sinagoga; e Centro Israelita do Paraná. São nesses “espaços” produtores de
significados culturais que são socializadas crianças, jovens e adultos judeus. Nestas instituições
observa-se a existência de alguns “circuitos” que se revelam especificamente judeus. É neles que a
prática cultural (inclusive religiosa) judaica objetiva o aprendizado do que é “ser judeu” num
contexto em que a interação com outros grupos aparentemente pode afastá-los da “comunidade”.
Além dos “circuitos” especificamente judeus as crianças, sobretudo, os jovens e adultos participam
de outros “circuitos” não-judeus ou neutros. Isto significa, principalmente, a possibilidade da
realização de casamentos “mistos” (judeus com não-judeus) de alguns de seus membros. O que não
impede outras formas de troca e interação com o ambiente não-judeu: profissionais, empresariais e
sociais; grande parte deste segmento específico judeu participa de associações de classe, clubes
sociais, assistenciais e beneficentes. Ou seja, participam de “circuitos” não-judeus ou neutros, aonde
“ser judeu” carrega consigo significados distintos.
Gênese da „comunidade judaica de Curitiba‟
Segundo a historiadora Regina Rotenberg Gouvêa (1980), os judeus começaram a chegar ao
Paraná em 1889, especificamente, na colônia Tomás Coelho. É dessa época o registro da primeira
família que veio da Galícia austríaca. As primeiras famílias de imigrantes judeus trabalhavam na
intermediação (produtor/consumidor) de produtos agropecuários. Entre 1902 e 1913, houve um
aumento significativo de famílias judias em Curitiba e arredores. Algumas destas famílias se
transferiram para outras cidades brasileiras3, bem como para outros países, à procura de melhores
oportunidades econômicas (Gouvêa, 1980). A concorrência interna entre os judeus fazia com que
nem todos obtivessem o mesmo “sucesso” em suas atividades profissionais, pois algumas famílias
já tinham conquistado (ou estavam conquistando) prestígio social através de sua ascensão
econômica. Para se obter a ascensão econômica era necessário participar de uma “rede familiar de
negócios”, isto é, a facilidade advinha se esta pessoa fosse membro de uma família que já estivesse
estabelecida com “sucesso” no ramo do comércio e/ou da indústria.
1
Este texto é composto por algumas reflexões retiradas do capítulo 1 e 2 de minha dissertação de mestrado - neste
momento, ainda não concluída.
2
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, da Universidade Federal do Paraná.
3
Os Wagner e alguns membros das famílias Mandelman, Fridman, Rotenberg e Federman se mudaram para Ponta
Grossa, cidade localizada a cerca de 120 km de Curitiba, na chamada região dos “Campos Gerais‟. A maioria deles foi
atuar no comércio; os Wagner, no ramo madeireiro (Paciornik, 1996).
3
Aqueles que não faziam parte de uma dessas “redes” encontravam maiores dificuldades para
se estabelecerem e se afirmarem no ramo do comércio e indústria. Durante esse período inicial era
quase impossível aos judeus atuarem em outras áreas que não a comercial e a industrial. Aqueles
que não eram proprietários, provavelmente seriam empregados nestas áreas por seus conterrâneos
judeus (Gouvêa, 1980; Fausto, 1991; Grinberg, 2005). Portanto, na maioria das vezes se mudavam
para outras cidades objetivando melhores oportunidades.
As primeiras instituições judaicas em Curitiba foram criadas um pouco antes do início da
Primeira Guerra Mundial. Isto é, as atividades dos imigrantes judeus seriam institucionalizadas em
Curitiba a partir de 1913 (data da criação da União Israelita do Paraná) (Gouvêa, 1980). Antes disto,
as reuniões e serviços religiosos eram realizados nas residências de alguns judeus já consolidados
economicamente. O principal deles era Max Rosenmann. Logo após este período inicial as
atividades religiosas e laicas eram realizadas em um único local e instalação, a União Israelita do
Paraná (UIP). Esta instituição deu origem às demais, isto é, a partir de sua criação foram sendo
criadas em seu interior outras instituições e entidades. Na década de 1920 o UIP deu lugar ao
Centro Israelita do Paraná (CIP). Também foi durante essa década que a Escola judaica dela se
separou e se iniciou a construção do primeiro cemitério israelita e da primeira sinagoga (Gouvêa,
1980). Todas estas - inclusive outras - instituições foram concebidas e dirigidas por várias décadas
pelo mesmo grupo de famílias através de seus membros mais influentes e importantes.
O crescimento de contingente possibilitou uma maior interação (e troca) com a sociedade
mais ampla. E, neste contato, foram surgindo membros da coletividade que se destacavam em suas
atividades profissionais (comércio e manufatura). A partir disto prosperaram e conquistaram
prestígio e status social entre os não-judeus o que veio a ser reconhecido em suas participações em
cargos/funções importantes nas associações profissionais, sindicais, sociais, culturais, etc. não
judaicas. O prestígio que estes homens judeus conquistaram fora do âmbito judaico reverteu-se e foi
reconhecido pela coletividade judaica local a partir da prática filantrópica interna. São eles (e
consequentemente suas famílias) que sustentaram e ainda sustentam a noção de „comunidade
judaica‟ enquanto kehilá (organização institucional centralizada).
Percebe-se que a „comunidade‟ emerge - enquanto categoria nativa - a partir da formalização
e consolidação de algumas instituições da coletividade judaica. Isto significou os primeiros passos e
esforços em direção ao nascimento de uma kehilá – basicamente estruturada a partir da criação em
1913 da União Israelita do Paraná (entidade local responsável pelas atividades religiosas, culturais,
políticas, educacionais etc. dos judeus). É interessante notar que estas primeiras instituições da
coletividade judaica - União Israelita do Paraná e sua sucessora, Centro Israelita do Paraná –, são
criadas pelos mesmos homens que irão administrá-las. Nesse sentido, este “poder de criação” –
sustentado pelo prestígio reconhecido na coletividade a partir de sua preeminência fora dela -
4
habilitava-os ao exercício de funções administrativas nas demais instituições judaicas locais,
sobretudo na sinagoga Francisco Frischmann, no Centro Israelita do Paraná (CIP) e na Escola
Israelita Brasileira Salomão Guelmann.
A Sinagoga Francisco Frischmann como instituição
“Precisamos atrair mais gente e congregar mais ainda os judeus de Curitiba. Não se trata de
tarefa fácil” – esta tem sido a tônica dominante entre os líderes comunitários. Há muitos anos
tornou-se costumeiro as pessoas utilizarem a leitura da Torá (Antigo Testamento) para obter
donativos. Durante os serviços religiosos os homens presentes podem se candidatar voluntariamente
à leitura de trechos da Torá, quase sempre trechos do livro dos Salmos - às mulheres é vedada tal
leitura4. Tradicionalmente, esses candidatos estão de aniversário ou comemorando alguma outra
data importante em sua vida, nascimento de um filho, uma conquista pessoal, alguma transação ou
negócio fechado, etc. Essas doações são revertidas para a continuidade do ensino judaico: servem
para ajudar a manter a própria Sinagoga e a Escola Israelita. Esse costume não é imune às críticas,
pois os críticos acham que deveria se criar uma maneira mais adequada de fazer esta “coleta” de
doações.
Em Curitiba, geralmente são feitas cerca de cinco ou sete repetições da leitura da Torá em
cada uma das datas festivas do Ano Novo judaico – que chegam a uma dezena de dias. Com a
repetição, muitos dos presentes alegam ficar um momento mecânico, não participativo e sem
significado: “o espiritual se perde”. Muitas vezes vemos o oficiante (rabino ou chazan - cantor
ritual) pedindo silêncio e censurando as pessoas por não se calarem durante as leituras "repetidas"
do texto sagrado. Alguns ainda complementam: “sempre foi assim e não vai mudar”. Outros acham
que conversar na sinagoga seja um gesto "tradicional", pois se trataria de uma Beit Knesset (casa de
encontro). Por outro lado, as pessoas são bastante respeitosas durante orações que propiciam sua
participação, ou melhor, naquelas em que conseguem entendê-la, como por exemplo, no Erev
Shabat (sexta-feira à noite) – que é uma reza conhecida da maioria e repetida semanalmente. Como
as pessoas participam e como há uma Kavaná (intenção e envolvimento espiritual) coletiva, o
serviço transcorre com espiritualidade, respeito e participação.
A questão é – segundo meus interlocutores - como fazê-lo em Rosh Hashaná e Yom Kipur.
Nestas datas comparecem à sinagoga pessoas que não comparecem às sextas-feiras. É um público
heterogêneo - que só vai uma vez ao ano na sinagoga. E trazem consigo alguns amigos não-judeus.
Do ponto de vista de alguns interlocutores estas festas religiosas tornam-se um desfile de moda;
outros o momento do encontro com os amigos que não vêem o ano todo; muitos pensam que devem
4
Na Cerimônia de Bar-mitzvá o menino é chamado à Torá, ou seja, ele complementa seu ritual de passagem após a
leitura da Torá.
5
fazê-lo apenas por um repetitivo costume que se perpetua de geração a geração. Formam-se
“grupinhos” que ficam de lado conversando entre si. Às vezes, se empolgam ao avistarem um excolega de Escola, do Dror, etc. que estava “desaparecido”.
As sinagogas são instituições autônomas5. Esta autonomia refere-se a possibilidade de
qualquer grupo de judeus poderem estabelecer, organizar, manter e controlar localmente uma
sinagoga em seu meio. Veja por exemplo o caso da família de banqueiros paulista Safra que possui
uma sinagoga própria, particular. Cada sinagoga é independente da outra, e presidida por um grupo
eleito de funcionários e/ou por uma “Junta de Diretores”. Embora cada sinagoga esteja basicamente
atada pelos códigos da lei judaica em suas práticas rituais, não há nada para impedir qualquer
sinagoga de estabelecer suas próprias políticas e procedimentos, tanto no ritual quanto em assuntos
gerais. Nesse sentido, as sinagogas podem diferir consideravelmente uma das outras em suas
políticas religiosas e na maneira de conduzir seus respectivos serviços religiosos. Embora a
influência e atitude do rabino quase sempre seja um fator decisivo, a liberdade de escolher um
rabino que seja simpático às opiniões da congregação significa que tal influência é às vezes embora nem sempre - mais teórica que prática. Como as congregações são livres para escolher seus
próprios rabinos, também são livres para renovar um contrato por meio dos votos da congregação.
Qualquer judeu está livre para entrar, rezar e juntar-se a qualquer sinagoga, independentemente de
seu próprio nível de observância ou comprometimento religioso.
No entanto, ela somente é aberta em determinados dias e horários, o que delimita um pouco
esta aproximação de judeus visitantes (“de fora”) ou daqueles que não são muito praticantes, mas
que por algum motivo pessoal queiram adentrá-la. Excluindo-se estes dias e horários de seu
funcionamento é muito difícil acessá-la. Existem dias e horários que são padronizados e podem ser
encontrados em todas as sinagogas. Os mais comuns são segunda-feira, quinta-feira e sábado pela
manhã e sexta-feira à noite. O mais importante deles é o início do shabat que ocorre na sexta-feira
19:00 hs. e/ou também no sábado às 9:00 hs. Para que haja qualquer serviço religioso é necessário
formar um minyan (dez homens com maioridade religiosa), o que nem sempre é fácil conseguir.
Como foi dito acima, somente observa-se uma grande movimentação nos chaguim (festividades
religiosas), nesses dias lotam as dependências da sinagoga Francisco Frischmann (FF). Ao
conversar com estes poucos homens que durante a semana vão à sinagoga na esperança da obtenção
de um minyan pude observar quase todos eram profissionais liberais aposentados ou pequenos
comerciantes do centro de Curitiba. Todos possuem mais de sessenta anos de idade. Foram poucas
as vezes em que conseguimos formar um minyan. Esses anciãos eram, na maioria das vezes,
membros de famílias „tradicionais‟ e já tinham exercido alguns cargos administrativos na sinagoga
5
Do ponto de vista de sua manutenção econômico-financeira elas são dependentes de órgãos, grupos e famílias. Em
Curitiba, a sinagoga Francisco Frischmann é mantida economicamente pelo Centro Israelita do Paraná e administrada
pela Chevra Kadisha.
6
FF e no CIP - neste caso, indicaram-me que os cargos eram de “segundo ou terceiro escalão...
ninguém foi presidente lá [no CIP]”.
Realizei um levantamento para saber quantos eram esses anciãos que vinham até a sinagoga
pela manhã nestes dias em que eram possíveis os serviços. Constatei mais de duas dezenas deles,
mas que por motivos diversos não podiam ou não vinham no mesmo dia – caso isto acontecesse,
seria possível formar um minyan – em que outros estavam por lá. Ora uns ora outros, mas raramente
dez ou mais juntos. Aqueles que vinham até a sinagoga ficavam em suas dependências, sobretudo,
na sala da secretária. Ou iam até a pracinha ao lado da sinagoga e ficavam por ali conversando e
comentando sobre política (nacional e internacional) futebol, negócios, família, amigos (vivos ou
mortos), etc. Ou me descreviam com saudosismo “aqueles tempos”, em que “Curitiba era uma
cidade sem violência... e o trânsito fluía como um rio para o mar”. A presença de mulheres é muito
rara, somente uma única vez uma mulher veio com seu marido, mas como não foi possível formar
um minyan logo foram embora. Religiosamente as mulheres não podem somar-se aos homens para
formarem um minyan, contudo isto não as impedem de participarem dos serviços religiosos caso se
consiga os dez ou mais homens.
Embora – do ponto de vista nativo - seu objetivo principal seja servir como um lugar onde
os judeus possam se reunir para os serviços religiosos, a sinagoga pode e deve ser um instrumento
para a educação religiosa e espiritual de seus membros, dos mais jovens aos mais idosos, para que
possam aprender a apreciar melhor o significado e a importância da fé e tradição judaica. No
entanto, pode-se observar a sinagoga FF como um espaço predominantemente de pessoas mais
velhas, sendo praticamente inexistentes atividades para as crianças e jovens. Tornou-se um espaço
caracterizado pela pouca afluência dos mais jovens. Segundo o que me relatou um interlocutor que
faz parte da administração da sinagoga FF, “o sucesso ou fracasso de uma sinagoga deveria ser
julgado pela medida em que ela cumpre suas responsabilidades, proporcionar oportunidades
educacionais e culturais aos judeus e seus filhos para serem inseridos em uma vida social liderada
pela instituição”.
Muitos séculos de dispersão geográfica e separação dos judeus têm levado à padrões
ligeiramente diferentes na prece tradicional e a uma variedade de costumes seguidos pelas
sinagogas das diferentes „comunidades‟. A ordem básica do serviço, no entanto, é a mesma em toda
a parte, baseada na orientação e princípios do Talmud (coletânea de comentários e interpretações
sobre a Torá). Não há conflito básico de princípios religiosos ou legais na variedade de costumes
que prevalecem. Eles apenas intensificam a diversidade da vida da sinagoga e, principalmente, as
diferenças culturais conforme a região originária de seus membros.
Uma sinagoga, seja grande ou pequena, requintada ou simples deve conter os seguintes itens
básicos: Arca Sagrada (Aron HaCodesh) um armário, ou um recesso na parede no qual são
7
guardados os Rolos de Torá (Sifrei Torá). A cortina cobrindo o Aron Ha-Codesh é chamada de
paroquet. O Aron HaCodesh é colocado em uma parede de forma que a congregação ao rezar a
amidá, por exemplo, deve posicionar seu corpo em direção à parede onde se encontra o Aron
HaCodesh, ou seja, em direção à Jerusalém. Luz Eterna (ner tamid) uma lâmpada colocada acima e
em frente da Arca Sagrada. É deixada sempre acesa. É simbólica da diretiva bíblica de fazer uma
lâmpada arder continuamente no tabernáculo do lado de fora da paroquet. Bimá é a plataforma,
tradicionalmente separada da Arca, sobre a qual há uma mesa (shulchan). Nesta mesa, a Torá é lida
para a congregação e o ledor ou cantor lidera a congregação nos serviços.
Nas sinagogas asquenazim6 (como a Francisco Frischmann) há uma plataforma adicional
(amud), entre a bimá e o Aron HaCodesh, num nível mais baixo, em deferência a Deus e de onde
alguns serviços são conduzidos. Embora não seja essencial, geralmente há um candelabro (menorá)
reminiscente da menorá de sete braços do Templo Sagrado de Jerusalém (destruído pelos romanos
em 70 d. C.), geralmente colocada em local proeminente perto do Aron HaCodesh ou da bimá.
(Para não duplicar aquela usada no Templo, é usada uma menorá de seis ou oito braços). Uma
seção para mulheres (ezrat nashim) é um aspecto antigo e representativo na sinagoga ortodoxa,
inclusive em muitas conservadoras, como por exemplo, a sinagoga FF. Segue o padrão estabelecido
no Templo Sagrado de Jerusalém, que possuía um ezrat nashim, o que promove do ponto de vista
dos administradores uma maior concentração no momento das preces.
Se alguma pessoa não-judia quiser visitar a sinagoga é necessário fazer um pedido formal ao
Departamento de Segurança da Kehilá/CIP. Mesmo se um judeu (de Curitiba ou “de fora”) queira
visitá-la e não seja (re) conhecido pelos judeus que a freqüentam também se faz necessário entrar
em contato com este Departamento, pois é imprescindível que saibam “quem você é”, isto é, de que
família você veio, quem são seus ascendentes. Por outro lado, se você é convidado de algum ilustre
freqüentador toda esta formalidade burocrática se torna desnecessária e, consequentemente, “as
portas se abrem” com mais facilidade. Esta lógica também é observada em se tratando do CIP e
suas dependências. Nesse sentido, pode-se dizer que estes locais operam segundo a lógica do
pedaço que “supõe uma referência espacial, a presença regular de seus membros e um código de
reconhecimento e comunicação entre eles” (Magnani, 2002: 20).
A sinagoga FF está localizada junto a uma praça no centro de Curitiba, em seu prédio todas
suas janelas e portas possuem grades de ferro e câmeras de vigilância. O prédio possui dois andares.
Na parte superior encontra-se a sinagoga propriamente dita, isto é, o local onde são realizados os
serviços religiosos; na parte inferior existem salas de sua administração, de arquivos, do rabino,
uma sala para o banho ritual (mikve), etc. Existem poucos funcionários da sinagoga que são
6
Em hebraico, judeus de origem centro e leste europeu. Diferentemente dos judeus sefaradim: originários da península
ibérica.
8
remunerados (especificamente dois: o rabino e a secretaria), sendo a maioria dos cargos e papéis
exercidos voluntariamente. Os membros da Chevra Kadisha (órgão que administra a sinagoga e os
cemitérios israelitas da cidade) são eleitos para um mandato de dois anos – quase sempre
reconduzidos por mais alguns mandatos; o que se comprova pela permanência de alguns membros
durante três décadas ou um pouco mais. Estes administradores são sempre pessoas mais velhas – o
que demonstra novamente este local como sendo o espaço dos mais velhos.
A sinagoga FF, ou melhor, e entidade que a administra (Chevra Kadisha) é subordinada à
administração do Kehilá/CIP. O que à primeira vista poderia se verificar numa subordinação ou
englobamento da esfera religiosa pela esfera política nem sempre é tão previsível e direta quanto
poderia supor um olhar apressado e superficial. Até porque princípios hierárquicos não seguem
esquemas baseados em simples organogramas administrativos. Além do mais só podemos confirmálos contextualmente. Desta perspectiva é possível compreender alguns conflitos entre os líderes que
representam estas duas esferas. Esta disputa entre poderes (religioso e político) será mais bem
desenvolvida no decorrer deste capítulo através da análise de um fato ocorrido entre as lideranças
religiosa e política.
Alguns cargos e papéis exercidos na Sinagoga
O cantor (ou chazan, em hebraico) desempenha o papel de emissário da congregação
(sheliach tzibur), muitas vezes ele substitui o rabino oficiando casamentos, bar-mitzvá e bat-mitzvá,
e outros serviços e cerimônias. É ele que representa e lidera a congregação em prece perante o Todo
Poderoso. Dependendo das necessidades da congregação, há deveres e responsabilidades em outras
áreas de trabalho da sinagoga e da educação religiosa que ele poderá ser chamado a suprir, caso
possua as qualificações. Nos serviços diários, porém, e nas ocasiões onde o cantor esteja ausente,
um devoto qualificado na congregação deve ser convocado para servir como sheliach tzibur. O
zelador (ou shamash, em hebraico) é um funcionário religioso com muitos deveres em uma
sinagoga. Geralmente está encarregado de supervisionar os serviços diários, cuidar e manter os
objetos rituais da sinagoga – os livros de orações, etc. Ele trabalha com o rabino e o auxilia de
diversas maneiras. Embora não haja exigências religiosas formais para alguém preencher este cargo,
e qualquer instrução especial além daquela que um “judeu educado religiosamente” possui. Quanto
maior for sua educação e seus estudos judaicos, e quanto mais competente na área religiosa, mais
valioso será seu serviço e mais variadas as tarefas e responsabilidades que poderão lhe ser
designadas. O termo gabai tem sido tradicionalmente aplicado ao leigo que é líder de uma
comunidade religiosa. Atualmente, o presidente e outros oficiais leigos de uma congregação agem
naquela função. Eles, auxiliados pela Junta de Diretores e rabino, têm a responsabilidade primária
pela manutenção financeira da sinagoga e por conduzirem os assuntos gerais da congregação.
9
O rabino é o líder religioso da congregação. Seu diploma rabínico chama-se smichá. Seu
rigoroso treinamento e conhecimento profundo de Torá, Talmud e dos Códigos de Lei, além de sua
fé e devoção pessoais, são a base da autoridade que um grupo de judeus reconhece e aceita. No
entanto, existem outros parâmetros que são mais importantes e que levam aceitá-lo ou não. Entre
eles podemos indicar que o principal é a aprovação dada pelos líderes comunitários que se
enquadram na mesma corrente do rabino. O carisma também é muito importante. Conforme me
relatou um rabino, “ele não deve apenas ensinar a Torá e o modo de vida judaico através daquilo
que diz, mas principalmente através de seu exemplo”, e completa, “não deve apenas ensinar o
judaísmo e ser líder de instituições”. Tradicionalmente o rabino serve a todos os judeus que o
procurarem, não somente à sinagoga. Como a Torá confere autoridade ao rabino para analisar,
orientar e decidir sobre questões religiosas trazidas perante ele deve possuir conhecimento para
poder exercer com fidelidade os ensinamentos e diretrizes expressas na Torá para as soluções de
cada caso. Ele próprio deve ser leal e fiel àquela lei, e estar comprometido com seus princípios.
O Centro Israelita do Paraná (CIP)
O CIP é uma instituição que congrega todas as entidades judaicas de Curitiba. Tendo em
vista um sentido histórico tem se uma concepção de kehilá (um grupo de judeus com uma
instituição administrativa centralizada). É através da kehilá que se organiza uma „comunidade‟ e
suas instituições e entidades. Além do mais, sinagoga FF, CIP e Escola Israelita formam um
circuito, pois se observa nelas “o exercício de uma prática ou a oferta de determinado serviço por
meio de estabelecimentos, equipamentos e espaços que não mantêm entre si uma relação de
contigüidade espacial, sendo reconhecido em seu conjunto pelos usuários habituais” (Magnani
2002: 23). A partir desta noção podemos visualizar com mais clareza o processo de sociabilidade
de crianças, jovens e adultos nestas instituições e entidades, sendo a principal delas a Kehilá/CIP.
O CIP foi reformado, ou melhor, reconstruído e sua reinauguração aconteceu no final de
2007. Foram realizadas ampliações de alguns espaços, construídos outros. O salão de festas foi
ampliado para atender grandes eventos: casamentos, bar-mitzvá, bat-mitzvá, aniversários e outras
comemorações. Foram realizadas reformas em todo prédio, na área das piscinas, no ginásio de
esportes, etc. Inclusive na sala para o Departamento esportivo do CIP, bar e depósitos para materiais
esportivos. “A intenção foi deixá-lo semelhante a alguns dos melhores clubes da cidade” - me
confidenciou um dos responsáveis pelo projeto.
O novo acesso também possui uma nova guarita com portaria e portões de segurança.
Integra também um novo edifício, construído sobre a parte do antigo estacionamento, que abriga a
tão controversa sinagoga, além de outros departamentos da Kehilá/CIP. O grande prédio do CIP,
10
que abrigava poucas dependências, foi totalmente reformado. Um restaurante, uma cozinha kasher7,
além da normal, bar para a piscina, salas de jogos, de estar, de reuniões, academia, vestiários,
biblioteca, cinema e um cyber café são alguns dos atrativos da construção. O prédio tem espaço
reservado também para as sedes das entidades (p. ex: Habonim Dror, WIZO, Na‟amat Pioneiras,
etc.), administração da Kehilá/CIP e outras atividades.
Segundo o arquiteto responsável e a presidente da Kehilá/CIP, o objetivo de tal empreitada além da reforma – é “oferecer maior conforto e equipamentos para todos os seus associados,
especialmente os jovens”. O que não veio a ocorrer, pois a maioria dos jovens judeus de Curitiba
continua distante do CIP e não o tem freqüentado. Esta foi uma das reclamações da anterior
presidente da Kehilá/CIP (seu mandato expirou em 2007). Ela comentou o seu desapontamento
diante da rara freqüência dos jovens no CIP. Isto ocorre desde o início da implantação desta
instituição em Curitiba e segundo a bibliografia específica não é muito diferente de outras cidades
brasileiras (Topel, 2005; Gruman 2002).
A participação e a freqüência de jovens - e também crianças e adultos - nas instituições e em
entidades por elas sediadas se assemelha à lógica do circuito. De acordo com Magnani (2002), o
circuito pode operar num nível mais geral que pode englobar outros níveis, mais específicos.
Assim, neste contexto etnográfico encontraríamos um nível mais geral – composto pelas
instituições exclusivamente judaicas: Escola Israelita, CIP, sinagoga FF -; e, outros mais específicos
que delimitam a participação por idade, gênero, ideologia política, etc. – compostos pelas entidades
como o „Dror‟, B‟nai B‟rith, WIZO, etc. Também poderemos encontrar outros “circuitos nãojudaicos ou neutros” onde o “ser judeu” não é o principal elemento classificador.
Entidades sediadas na Kehilá/CIP
A Associação Beneficente e Cultural B´nai B´rith foi criada em Nova York no ano de 1843,
como uma entidade judaica análoga a organizações como a dos maçons (Scheindlin, 2003). Nasceu
com o objetivo de servir aos judeus e aos não-judeus. Foi a primeira instituição a reunir judeus das
diversas congregações, dos ortodoxos aos liberais e reformistas, os asquenazim e os sefaradim,
incluindo imigrantes dos países árabes, Alemanha, Rússia, Polônia, entre outros. Fato raro em se
tratando das históricas disputas e hostilidades entre imigrantes judeus da Europa. A entidade
escolheu como símbolo a Menorá (candelabro de sete braços), porque significa Luz, e como lema:
“Benevolência, Amor fraternal e Harmonia”. A luta contra a discriminação de modo geral e contra
o anti-semitismo é um dos pilares da entidade, bem como tentar combater toda e qualquer
discriminação a qualquer grupo humano que sofra perseguições, independentemente de cor, credo
7
Apropriado, puro, segundo os preceitos religiosos.
11
ou ideal político, em todos os países onde estabeleceu suas lojas. Baseia-se no conceito judaicocristão de que Deus é Um só e igual para todos os seres humanos, que assim têm direitos e deveres
iguais.
A B´nai B´rith é uma entidade judaica que tem grande poder político articulador com o
ambiente não-judaico. Em Curitiba, a B‟nai B‟rith administra a “loja” Chaim Weizmann. Seus
membros, na maioria das vezes, também são membros de clubes e associações de classe: Moysés
Bronfman é membro ativo fundador do Rotary Club Curitiba Norte; Maurício Frischmann (filho de
Francisco Frischmann e cunhado de Moysés Bronfman) é membro fundador do Rotaract Batel. A
B‟nai B‟rith é formada predominantemente por empresários (comércio, indústria, serviços) e
profissionais liberais (médicos, engenheiros, arquitetos). Esses membros têm grande mobilidade em
“circuitos não-judaicos ou neutros”, pois suas atividades permitem-lhes estar constantemente em
contato profissional – também de amizade – com não-judeus. Essa entidade tem um modus
operandi semelhante à maçonaria, permitindo o ingresso somente a partir de um convite formal de
algum membro. Ela é estritamente judaica não permitindo o ingresso de não-judeus. Diferentemente
da maçonaria não é uma sociedade secreta, pois a maioria dos judeus sabe quem são seus membros.
Todos os seus membros contribuem para a entidade pagando uma mensalidade endereçada ao
Fundo Comunitário (Keven Hayesod). O B‟nai B‟rith está em vias de mudança para um local
exclusivo. Quase todas as esposas dos membros do B‟nai B‟rith fazem parte das principais
entidades exclusivamente femininas da Kehilá/CIP (Na‟amat Pioneiras e WIZO).
A Na‟amat Pioneiras é uma Organização Brasileira Feminina Judaica Sionista Cultural e
Beneficente, ligada ao MAPAI (Partido dos Trabalhadores de Israel), atuando em 15 países em um
movimento ideológico para alcançar metas e solucionar problemas inerentes às mulheres e suas
famílias. A entidade pratica um trabalho assistencial direcionado às pessoas e órgãos independentemente de serem judeus ou não.
Em Israel, é o maior movimento de mulheres trabalhadoras e voluntárias, fundado em 1921.
A sua principal e mais famosa líder foi Golda Meyer (ex-Primeira Ministra de Israel). A Na‟amat
Brasil, foi fundada em 1948 (neste ano completa 61 anos de existência no país), e conta com
aproximadamente mil voluntárias atuando em doze centros espalhados pelas principais capitais. Um
de seus principais objetivos é auxiliar as escolas judaicas e os movimentos juvenis carentes da
sociedade mais ampla.
O Centro Na‟amat Curitiba foi fundado em 1954. Na época, Rosa Zaguer atuava como
presidente do Executivo Nacional, e visitando a cidade, fundou o Centro Na‟amat Curitiba. A
primeira reunião aconteceu na casa de Helena Paciornik, e o grupo foi chamado de “Pioneiras de
Curitiba”, tendo como sua primeira presidente Bela Glock. Vale ressaltar alguns empreendimentos
que tornaram marcante a presença das Pioneiras entre os judeus de Curitiba, como o festejo do Dia
12
das Mães; a venda de chocolates em Rosh Hashaná. Hoje, o Centro Curitiba conta com dois grupos:
“Sarita Paciornik” e “Atid”, responsáveis pela organização de eventos sócio-culturais e
beneficentes.
Visando uma integração com a sociedade mais ampla, empreende algumas atividades com
instituições assistenciais da cidade, segundo seu lema: “buscando uma melhora na qualidade de vida
dos menos favorecidos”. De acordo com a atual presidente, as chaverot (membros da entidade) de
Curitiba preocupam-se com a questão de sua continuidade e permanência, e, nesse sentido, os
grupos promovem atividades que possam levar ao conhecimento das novas famílias judias - que
chegam à cidade -, a existência e o trabalho desenvolvido pela Na‟amat. Consequentemente, como
me informaram algumas „Pioneiras‟, seu mais forte anseio é a adesão de novas chaverot considerado a força motriz de seu trabalho e de sua existência. Seus principais objetivos: elevar o
status da mulher; estimular a mulher a assumir cargos de lideranças – o que veio se concretizar com
a eleição da Martha Schulman para a presidência da Kehilá/CIP -; contribuir para minimizar as
carências sociais dos judeus e não-judeus; desenvolver a capacidade da mulher para entrar no
mercado de trabalho; transmitir as tradições e ética judaica; promover o intercâmbio cultural e
social entre Na‟amat Israel e Na‟amat Brasil.
A WIZO (Women‟s International Zionist Organizacion), “Organização Internacional das
Mulheres Sionistas” é um movimento feminino semelhante ao Na‟amat Pioneiras, porém,
apartidária. Foi fundada em 1926, na Inglaterra, por esposas de diplomatas, com o objetivo de tomar
cuidado das mulheres e crianças judias desamparadas na região da Palestina. Organização que se
afirma apolítica, não governamental - mas, no entanto, possui inclusive uma representante na ONU
(Organização das Nações Unidas) -, continua atuante em Israel e na diáspora. No Brasil,
conjuntamente às „comunidades judaicas locais‟, tem como objetivo central a transmissão da cultura
e das tradições judaicas e, em parceria com a sociedade mais ampla, trabalha em prol da população
carente.
Como entidade feminina beneficente judaica é uma das mais prestigiadas entre os judeus.
Mulheres judias de todos os níveis sociais e econômicos podem participar da WIZO. Em Curitiba,
suas participantes são quase sempre de classe média alta ou rica. Suas participantes são mulheres
casadas com idade média de 50 anos, não existem dirigentes abaixo desta faixa, todas tem idade
superior à média. Suas ações se dão através da realização de bazares, onde conseguem angariar
recursos financeiros para o cumprimento de seus objetivos. Patrocinam viagens para Israel àqueles
jovens judeus que não possuem recursos financeiros para tal. Por isso a entidade tem boa abertura
diante da Escola Israelita e do „Dror‟. O que também se pode observar na interação entre Na‟amat
Pioneiras e Escola Israelita e „Dror‟. Assim, os filhos de judeus que não possuem condição
financeira para enviar seus filhos à “Terra Santa” se beneficiam desta parceria. A escolha dos
13
potenciais beneficiários se dá através de concursos culturais nos quais o candidato (jovem judeu)
tem que responder questões sobre História judaica e de Israel, tradições judaicas, Língua hebraica,
etc.
Tanto a Na‟amat quanto a WIZO ajudam financeiramente organizações não-governamentais
nas cidades onde estão sediadas. Entre suas beneficiárias encontramos entidades como hospitais,
creches, asilos, etc. Martha Schulman, a primeira mulher presidente do Centro Israelita do Paraná
(ex-presidente da Kehilá/CIP), foi homenageada pela Na‟amat Pioneiras de Curitiba com um jantar
animado pelo “Duo La Gioconda” (pianista Maria Manoelita Jorge Patto PY e tenor Rogério
Ferreira). Toda a renda do evento se reverteu em benefício do Hospital Erasto Gaertner, em
Curitiba. Martha lembrou na ocasião “que desde sua juventude sempre participou de tudo relativo á
comunidade, mas que nada se compara ao desafio de presidir um clube com uma escola, parte
esportiva, sinagoga, sede social, ajuda aos necessitados e três cemitérios” (Visão Judaica,
Jun/2008).
O Habonim Dror é um movimento juvenil existente em diversos países e em oito cidades do
Brasil, cujo objetivo “é difundir os valores do judaísmo e lutar contra a assimilação nas
comunidades da diáspora” (www.kehila.com.br). Em Curitiba, atua desde 1945, tendo educado de
forma não-formal (por meio de jogos, músicas, discussões, etc.) várias gerações. Hoje, conta com
mais de 100 membros que comparecem aos sábados para aprender, ensinar e se divertir.
De acordo com a historiadora Carla Bassanezi Pinsky (2000), o Habonim Dror no Brasil
surgiu da inquietude ideológica de jovens que não aceitavam a situação da „comunidade judaica
aristocrata‟ que existia no Brasil. Uma fusão de muitos movimentos alicerçados nos pensamentos de
diversos ideólogos sionistas como A.D. Gordon, Borochov, Sirkin, Achad Haam. Estes movimentos
originaram-se na Europa no início do século: Freheit, Hechalutz Hatzair, Ichud Habonim. Seguindo
o processo histórico, alguns fatores causaram a fusão destes movimentos através do tempo, sendo
que em 1981 aqui no Brasil surgiu o Habonim Dror, fruto da ligação do Dror com o Ichud
Habonim (Pinsky, 2000).
No Brasil, desde 1945, o primeiro snif (núcleo, sede) do Dror foi fundado em Porto Alegre,
sob a influência do movimento Freheit da Argentina, que por sua vez formou-se de jovens
praticantes do mesmo na Polônia que imigraram para a Argentina. Rapidamente, espalharam-se
outros três snifim até 1948: Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro e alguns anos mais tarde outros três
snifim em Recife, Salvador e Belo Horizonte (Pinsky, 2000).
Eles desempenharam nesta época um papel fundamental na educação e preparação de jovens
judeus que se realizaram através de uma aliá8 kibutziana, contribuindo assim, para a construção,
fortalecimento, criação e desenvolvimento do Estado de Israel. O Habonim Dror está filiado ao
8
Dever religioso do retorno de todos os judeus para Israel; movimento migratório.
14
movimento trabalhista de Israel, compartilhando de seus princípios e fins como, por exemplo, o
apoio ao processo de paz, o pluralismo religioso, etc. Hoje em dia presente em todos os continentes
nos seguintes países Israel, Brasil, África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Bélgica, Canadá,
Croácia, EUA, França, Holanda, Hungria, Nova Zelândia, México, Romênia, Suécia, Turquia,
Ucrânia, Uruguai, Zimbábue (Pinsky, 2000).
Mantêm em sua base ideológica, os valores e a importância de uma aliá kibutziana,
aparecendo esta como uma realização pessoal para seus chaverim que optarem por este caminho.
Tendo sua estrutura baseada nos moldes da sociedade kibutziana. O Habonim Dror vê como uma de
suas prioridades transmitir uma educação judaica e a luta contra a assimilação (via casamento
misto) de seus jovens. Dentre as fases da vida de um chanich (educando) no Movimento são
prioridades: a coletividade, a igualdade e o respeito mútuo. Como me disse a presidente do „Dror‟
Curitiba, “todos esses fatores objetivam proporcionar um ambiente judaico que forme jovens
críticos, grandes líderes comunitários e/ou futuros israelenses”.
O Habonim Dror ou „Dror‟ – como é chamado e conhecido nativamente – possui um
objetivo informal, mas que num sentido já se formalizou àqueles que foram membros e está sendo
formalizado aos seus atuais membros. Do que foi me revelado por seus ex-membros e dos atuais
membros, o „Dror‟ opera numa lógica que possibilita e tenta facilitar o contato entre potenciais
namorados ou cônjuges num duplo movimento: para “dentro” judeus de Curitiba e; para “fora”,
quando promove eventos realizados em Curitiba e os „Dror‟ de outras cidades são convidados, bem
como quando participa de eventos que são realizados em outras cidades e o „Dror‟ de Curitiba é
convidado. Um exemplo etnográfico é a Haboníadas, isto é, uma espécie de “Olimpíadas” com
mais de 250 participantes vindos de seis estados do Brasil. Dentre os diversos eventos que
aconteceram destacaram-se a abertura (a qual pude presenciar), com a temática circense e ainda
uma grande festa no Castelinho Veneza (restaurante localizado em Santa Felicidade; bairro
gastronômico italiano de Curitiba) que contou com a participação de mais de 300 jovens.
Esta competição se dá em várias modalidades esportivas (algumas culturais). Têm-se
competições de voleibol, futebol, xadrez etc., além de algumas gincanas culturais onde os
competidores respondem questões sobre a história judaica, tradições etc. Há inclusive apresentações
de danças e canções folclóricas judias. Um de seus objetivos centrais é a interação dos jovens
judeus das diversas cidades do país. Esta interação permite muitas vezes o início de uma amizade e,
posteriormente, um possível namoro.
Esses encontros e eventos promovem uma maior interatividade entre os jovens judeus das
distintas cidades. É daí que surgem alguns namoros e, provavelmente, alguns casamentos. No
entanto, existe uma maior freqüência de casamentos intra-„Dror‟. Um casal formado por
interlocutores começaram a namorar quando participavam do „Dror‟ e acabaram se casando no
15
início do ano. Conforme o que vários interlocutores me disseram, o „Dror‟ é um “lugar” para
arrumar namoro e, consequentemente, casamento. Poder-se-ia dizer que essa concepção nativa do
„Dror‟ é recente, mas, no entanto, conforme o livro “Pássaros da Liberdade: jovens, judeus e
revolucionários no Brasil”, da historiadora Carla B. Pinsky (2000), o movimento, desde sua
consolidação no Brasil já se orientava e promovia muitos namoros e casamentos.
Em Curitiba, o „Dror‟ faz parte do Departamento Juvenil da Kehilá/CIP. Porém ele tem sua
quase total autonomia do Departamento, dependendo às vezes de algum auxílio econômico, mas, no
entanto, ele é subordinado do „Dror Brasil‟ que institui suas diretrizes. O „Dror Curitiba‟ ocupa
algumas salas da Kehilá/CIP onde desenvolve a maioria de suas atividades. Ele atua em diferentes
faixas etárias – desde crianças em idade pré-escolar até jovens já formados em universidades. É
interessante notar que é justamente nesses dois extremos onde se encontra a maior dificuldade de
arregimentar novos membros. Desta forma, fica visível a participação dos mesmos jovens que se
iniciaram no „Dror‟ ainda criança e continuam até o limite de permanência que, como observamos,
é o casamento (entre 22 e 25 anos). Estes jovens que passam por todas as fases do „Dror‟ têm maior
inclinação a se casar com judeus. Assim, Escola Israelita, „Dror‟ e Kehilá/CIP formam explícita e
conscientemente um “circuito matrimonial”.
O „Dror‟ organiza viagens culturais dentro e fora do Brasil, mas, sobretudo para Israel. Em
Israel visitam-se kibbutz (especialmente, o Bror Chail formado exclusivamente por sul-americanos,
sendo os brasileiros seu maior contingente), o “muro das lamentações”, knesset (parlamento
israelense), sinagogas, universidades, etc. Promove também a aliá para aqueles que queiram ir
morar na “Terra Santa”. Uma interlocutora me disse que fez sua aliá quando era jovem e membro
do „Dror Curitiba‟, casou-se por lá e ficou morando durante 16 anos, retornou para Curitiba e ficou
por aqui quase 8 anos, no ano passado ela retornou para Israel. Segundo os relatos de alguns exmembros, antes (na época em que participavam do Movimento) se discutia muito mais sobre
questões como o sionismo, socialismo, isto é, sobre a situação política e ideológica dos judeus, de
Israel e do Brasil. Esta afirmação se baseia – segundo estes interlocutores - na comparação de sua
experiência e vivência no „Dror‟ e aquilo que em casa seus filhos comentam ter discutido nas
reuniões do „Dror‟.
Já faz algum tempo que são eleitas moças para exercer o cargo de presidente do „Dror
Curitiba‟. A partir dos anos 1990 até agora a presidência é ocupada por mulheres. As últimas três a
ocuparem o cargo possuem estreitos laços de parentesco. Há um “acordo de cavalheiros” – que
neste caso poderia ser chamado de “acordo de damas” -, em que a presidência seja ocupada (o) por
um membro que esteja cursando a faculdade e, portanto, já tenha se livrado do temível vestibular, o
que possibilitaria uma maior disponibilidade e atenção ao tratar dos assuntos do „Dror‟. Então,
16
nestas últimas gestões se vê uma jovem de 17, 18 anos de idade presidindo a mais importante
entidade juvenil judaica de Curitiba.
A maioria dos membros do „Dror‟ é originária de famílias „tradicionais‟, e filhos e netos de
ex-membros da entidade. A participação de crianças e jovens gira em torno de 50% de membros
oriundos da Escola Israelita e de 50% de outras Escolas particulares da cidade. Além é claro
daqueles jovens que estão cursando a universidade. Existe um grande esforço de líderes
comunitários para que estes jovens continuem freqüentando o „Dror‟ e outras dependências da
Kehilá/CIP. Porém agora (anteriormente também, porém com menos freqüência) eles também
fazem parte de outros “circuitos” que não somente o exclusivamente judaico. Nesse sentido, tornase uma tarefa de difícil realização – como me disse a atual presidente do „Dror‟. Isto quer dizer que
o “circuito” tornou-se maior e com maior possibilidade de abertura do que apenas o circunscrito
ambiente Dror-CIP. O que não significa que isso seja um problema, mas como uma indicação de
que não é possível reificar a „comunidade‟ – embora seus membros (“nativos”) o façam.
Algumas estratégias têm sido colocadas em ação para que crianças e jovens judeus
participem das atividades propostas e organizadas pelo „Dror‟. Para as crianças as atividades
propostas e realizadas com um caráter lúdico, o que se desenvolvem através de várias
„brincadeiras‟. A categoria criança comporta algumas diferenciações de idade, assim as tais
„brincadeiras‟ acompanham a seguinte divisão: 5-8 anos; 9-12 anos; a partir dos 13 anos (já
conquistada a maioridade religiosa) esses meninos e meninas são classificados como jovens, porém
fazem parte do grupo 13-17 anos; restando uma última fase ainda classificada entre os jovens que se
inicia aos 18 anos e vai até, aproximadamente, os 25 anos. Para os jovens entre 13-17 anos as
atividades tem um caráter mais esportivo. Já para aqueles a partir dos 18 anos as atividades
carregam consigo um caráter mais intelectual. Isto tudo pensando a grosso modo, pois as atividades
se entrelaçam e o que não quer dizer que esses vários grupos de idade não façam outros tipos de
atividades em comum. Uma atividade realizada em comum é o acampamento na sede campestre do
CIP ou em sítios e fazendas da região metropolitana de Curitiba, em Morretes, em Ponta Grossa
(todos municípios do Paraná).
O „Dror Curitiba‟ possui um grupo de dança – que apresenta danças típicas judaicas, mas
não somente, pois também desenvolve jazz, street dance e outras danças contemporâneas -,
promove um círculo de leitura e palestras sobre temas judaicos e não-judaicos, promove e organiza
gincanas e festas temáticas – noite da pizza, do sushi, etc. Tudo isto no intuito de evitar a dispersão
dos jovens diante dos sedutores “circuitos não-judaicos”. No entanto, este “circuito não-judaico”
não exclui o “circuito judaico”. Nesse sentido, dá para pensá-los através do aspecto da
complementaridade, ou seja, é impossível pensarmos que esses jovens (inclusive as crianças e os
17
adultos) participem tão e somente de um “circuito” eliminado, ou melhor, excluindo o outro
“circuito”.
O que vem corroborar a hipótese de uma afluência dos imigrantes judeus e seus filhos
quando participavam de ambos os “circuitos” (judaicos e não-judaicos), sem o que não teriam
chegado aonde chegaram. Ou seja: a possibilidade de fazer parte de um “circuito” não-judeu
permitiu a ascensão de alguns desses imigrantes e, consequentemente, suas famílias, o que permitiu
a participação num grupo de judeus que se tornou uma elite – e parte da elite mais geral - em
Curitiba. Foi esta elite que através de sua prosperidade organizou institucionalmente os judeus da
região. São estas famílias, ou melhor, são seus representantes (descendentes) que se reconhecem
enquanto uma „comunidade‟ (Kehilá/CIP). E, nesse sentido, fazer parte da „comunidade‟ é
reconhecer a hegemonia destas famílias. O que nem todos os judeus em (e de) Curitiba aceitam. O
que se percebe na recorrente tentativa de aproximar (ou congregar) os judeus que vivem na cidade e
que não se envolvem nas atividades/eventos promovidos pela Kehilá/CIP ou pela sinagoga FF.
A Escola Israelita Brasileira Salomão Guelmann
A Escola Israelita localiza-se na mesma quadra da Kehilá/CIP, são áreas basicamente
contíguas. Seu prédio possui dois andares que contém salas de aula, biblioteca, laboratório, salão
nobre, cozinha, cantina e área administrativa. Nele estudam alguns alunos não-judeus (cerca de
20%, isto é, 60 alunos), mas que seguem a mesma grade curricular – o que inclui disciplinas
específicas sobre o judaísmo. Nas festas judaicas sua participação é facultativa, no entanto, pude
observar a sua maciça participação. O que de certo modo indica a participação de não-judeus no
“circuito judaico”. A Escola mantém os seguintes cursos: Educação Infantil (Maternal a Jardim III)
e Ensino Fundamental (1ª a 8ª séries). Possui 40 funcionários, sendo a maioria deles professores;
entre eles encontramos 28 judeus. A Escola tem uma parceria com a Secretaria de Educação do
Estado do Paraná o que possibilita a sua “abertura” aos alunos e funcionários não-judeus.
Esta parceria também se revela em sua administração que possui uma Direção Geral que
pode ter a sua frente tanto um judeu como um não-judeu. Essa Direção é escolhida através de uma
eleição interna – aos moldes de outras escolas e colégios públicos do Estado do Paraná. Atualmente,
este cargo é exercido por uma não-judia, o que vem acontecendo nas últimas eleições. Além da
Direção Geral, os principais cargos administrativos são: Coordenação de Cultura Judaica (sempre
ocupado por judeu); Coordenação de Educação Infantil; Coordenação de 1ª a 8ª séries; Orientação
Psicopedagógica.
A Escola Israelita promove atividades e eventos em datas comemorativas da tradição e da
religião judaica, da história dos judeus e de Israel, bem como das principais datas comemorativas do
Brasil. Para estes eventos são convidados alguns intelectuais (historiadores, sociólogos, jornalistas,
18
escritores, médicos etc) judeus e não-judeus para palestras. Na maioria das vezes esses mesmos
convidados participam no mesmo dia (à noite) de eventos realizados na Kehilá/CIP. É interessante
notar que há uma grande e constante repetição de nomes, ou seja, são quase sempre os mesmos
intelectuais participantes (M. Luzia Tucci Carneiro, Nilton Bonder, Alberto Dines, Moacyr Scliar,
Jairo Bauer etc.).
Os alunos não-judeus que freqüentam a Escola Israelita moram na sua circunvizinhança. Já
os alunos judeus moram em vários bairros de Curitiba. Muitos deles completam todas as séries na
Escola; alguns começam em suas séries iniciais posteriormente transferindo-se para Colégios
particulares; e, de tempos em tempos, há uma maior transferência de alunos judeus de Colégios e
Escolas particulares para a Escola Israelita. A maioria dos alunos judeus pertence às famílias
„tradicionais‟ e ricas, o que não exclui ou impede a freqüência de alunos judeus da classe média,
inclusive da classe baixa. O que contraria a percepção do senso comum geral que apregoa somente
a existência de judeus, ou melhor, de famílias, que pertençam às camadas mais abastadas da
população. Há famílias judias formada por operários e outras funções de menos prestígio,
assalariadas.
Conforme pude observar existe uma boa relação entre alunos judeus e não-judeus. Durante
os intervalos de aula formam-se “rodinhas” que agrupam tanto alunos judeus quanto não-judeus.
Isto significa dizer que ser ou não judeu não é critério de exclusão ou inclusão no rol de possíveis
amizades. Há até “namorinhos” - me relataram alguns alunos. Pode-se dizer que a Escola Israelita
seja um ambiente que compõem um “circuito misto”, portanto diferentemente da sinagoga
Francisco Frischmann e da Kehilá/CIP (e suas entidades) que formam basicamente um “circuito
judaico”. O contexto da Escola é também o das demais escolas, das normas públicas da educação
regidas por órgãos e regras formuladas pelo Estado. Já o contexto da sinagoga FF e da Kehilá/CIP é
o das demais entidades judaicas locais e não-locais, nesse sentido, muito mais exclusivista que a
Escola Israelita que atende às normas propostas “de fora”, de um âmbito, ou melhor, de um
“circuito” não-judaico.
Tendo em vista a perspectiva geracional, de faixas etárias, pode-se dizer que a Escola
Israelita pode ser considerada e reconhecida como um espaço das crianças e adolescentes (jovens).
Já a Sinagoga FF é reconhecidamente como um espaço dos mais velhos – o que não quer dizer que
jovens e crianças não a freqüentem -; o Kehilá/CIP pode ser considerado como um espaço “misto”,
onde se observa uma maior participação e freqüência de crianças, jovens, adultos e velhos.
Há uma complementaridade bastante interessante entre a Escola Israelita e a Kehilá/CIP,
sobretudo através do „Dror‟. Assim, toda educação judaica ensinada na Escola é complementada
pelas atividades sionistas e culturais do „Dror‟. É interessante notar que todas as principais
lideranças comunitárias tiveram e seguiram uma trajetória de envolvimento com a Escola Israelita e
19
entidades como o Dror, B‟nai B‟rith, WIZO, Na‟amat, etc. Para almejar cargos administrativos nas
instituições e entidades judaicas de Curitiba é necessário e imperativo seguir essa trajetória. E como
essas instituições e entidades foram criadas (umas exclusivas, locais; outras, globais, filiais) por
seus ancestrais (bisavós, avós, pais) o principal atributo ainda é pertencer ao segmento composto
pelas famílias “criadoras” de instituições, da Kehilá, da „comunidade‟.
Em conformidade com esses atributos observa-se uma grande fluência em “circuitos nãojudaicos ou neutros”. O que se comprova na habilidade ao tratar com o ambiente não-judeu.
Participam e muitas vezes ajudaram a fundar associações de classe (Associação Comercial do
Paraná, Sindicato da Construção Civil, dos Proprietários de Shopping, etc.), de clubes sociais e
esportivos (Clube Curitibano, Graciosa Country Club, Paraná Clube, Coritiba Futebol Clube, Clube
Atlético Paranaense, etc.), de ajuda e assistência (Rotaract, Rotary, Lions, etc.), partidos políticos,
organizações não-governamentais, etc. Essa constante interação com esse “circuito não-judeu ou
neutro” reverte-se cada vez mais no fortalecimento deste grupo de judeus, consequentemente de
suas famílias, entre seus pares. Em outros termos, o contato com o “exterior” fortaleceu e continua a
fortalecer o “interior”.
Para os jovens a universidade, o trabalho, os shoppings, boates, bares, etc. também fazem
parte do “circuito não-judaico ou neutro”. É nesse “circuito” que existem maiores possibilidades de
namoros e casamentos com não-judeus. No entanto, essa interação com não-judeus não quer dizer
que se excluíram outros jovens judeus de seu círculo de amizade. Às vezes mesmo estando num
“circuito não-judeu” os grupos são formados somente por jovens judeus: saem juntos, apresentam
amigos (as), parentes, daí surgem alguns namoros, noivados e casamentos.
Apontamentos finais
Há uma grande preocupação por parte das lideranças comunitárias e dos membros da
„comunidade‟ com a possível e potencial assimilação (termo utilizado nativamente) via casamentos
„mistos‟. Nesse sentido, se torna imperativo colocar as crianças e os jovens em freqüente interação
nas entidades (Dror) e instituições (Escola e CIP) para que no futuro venham namorar, noivar e
casar com outros filhos de famílias judias. Este processo é explícito e consciente. E desde cedo as
crianças e jovens judeus sabem disso. Conforme pude constatar – através de conversas com jovens
judeus de outras cidades brasileiras - esta lógica se repete em outras „comunidades judaicas‟ do
Brasil. Assim, segue-se uma reiterada “sociabilidade institucional”, isto é, as instituições, através de
seus administradores e dirigentes, promovem-na reproduzindo uma fórmula (“circuito matrimonial
judaico”) que visa à endogamia. No entanto, este procedimento não dá conta da realidade empírica
que comporta outros arranjos matrimoniais possíveis.
20
A organização institucional da „comunidade judaica de Curitiba‟ traz consigo a seguinte
questão: as famílias parecem dever sua posição de preeminência na „comunidade‟ não só por sua
dedicação às instituições judaicas (as quais criaram), mas por sua prosperidade econômica, que
assim o permitiu. Juntamente com ela vem também uma forte inserção social e política na
sociedade mais ampla. Mas aqui surgem duas faces de um mesmo fenômeno, observados
articuladamente nesse segmento - que, no entanto, não é toda a coletividade judaica, nem muito
menos todos os judeus de Curitiba: de um lado, a importância da família e dos casamentos
endogâmicos (um certo ideal exclusivista das instituições); de outro lado, a importância das relações
“exteriores” e, portanto, a abertura da „comunidade‟ a outros “circuitos” que não somente o judaico.
Diante disso é possível assegurar que os casamentos „mistos‟ (com não-judeus) não são
capazes de proclamar o desaparecimento da “cultura judaica”; muito pelo contrário, aqui se observa
um grande incremento na „comunidade‟ via casamentos „mistos‟ e relações, não matrimoniais, com
a sociedade mais ampla. Muitos líderes religiosos e alguns pesquisadores acadêmicos (de origem
judia) têm insistido no solapamento da “cultura judaica” e, conseqüentemente, das „comunidades
judaicas‟, do “povo judeu”; esta posição ideológica e religiosa está sempre decretando o
desaparecimento da “cultura judaica”. Esta posição credita e supõe que as „comunidades judaicas‟
equivalessem a “mônadas culturais” (Sahlins, 1997), nesse sentido crendo na possibilidade de isolálas da sociedade que a circunda. Quando os judeus do leste europeu viviam em shtetls (aldeias e
vilas exclusivamente judias) e guetos voluntários ou não os contatos e trocas culturais aconteciam.
Nem mesmo no Mea Shearim (bairro onde residem os judeus ultra-ortodoxos) em Jerusalém é
possível isolar-se do contato com não-judeus ou com os “outros judeus”.
21
Bibliografia
a) livros e artigos
FAUSTO, Boris. Historiografia da imigração para São Paulo. São Paulo: Sumaré, 1991.
GOUVÊIA, Regina R. Comunidade Judaica em Curitiba (1889-1970). Dissertação de Mestrado.
Curitiba: PPGH/CNPq/Departamento de História UFPR, 1980.
GRINBERG, Keila. Os judeus no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
GRUMAN, Marcelo. Sociabillidade e Aliança entre jovens judeus no Rio de Janeiro. Dissertação
de Mestrado. Rio de Janeiro: PPGSA-UFRJ, 2002.
MAGNANI, José G. C. “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana”. In: RBCS Vol.
17 n. 49 junho/2002.
PACIORNIK, Moysés G. Brincando de contar histórias – “Os Griner”. Porto Alegre: Artes &
Ofícios, 1996.
PINSKY, Carla B. Pássaros da Liberdade – Jovens, judeus e revolucionários no Brasil. São
Paulo: Editora Contexto/FAPESP, 2000.
SAHLINS, Marshall. “Pessimismo Sentimental”. In: Mana vol. 3 (I e II), 1997.
SCHEINDLIN, Raymond P. História Ilustrada do Povo Judeu. São Paulo: Ediouro, 2002.
TOPEL, Marta F. Jerusalém & São Paulo – a nova ortodoxia judaica em cena. Rio de Janeiro:
FAPESP-TOP BOOKS-Associação Universitária de Cultura Judaica, 2005
b) periódicos
Visão Judaica
c) internet
www.kehila.com.br
Download