ANA CAROLINA OLIVEIRA DE HOLANDA INTEGRAÇÃO DAS ARTES PLÁSTICAS E ARQUITETURA EM PERNAMBUCO, 1950-1980 RECIFE 2011 ANA CAROLINA OLIVEIRA DE HOLANDA INTEGRAÇÃO DAS ARTES PLÁSTICAS E ARQUITETURA EM PERNAMBUCO, 1950-1980 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco – MDU-UFPE como requisito para obtenção de título de Mestre em Ambiente Construído. Orientador: Prof. Dr. Fernando Diniz Moreira Linha de Pesquisa: Ambiente Construído RECIFE 2011 Prof. Fernando Diniz Moreira Orientador Maria do Carmo de Siqueira Nino Examinadora Externa/Deptº Teoria da Arte e Expressão Artística/UFPE Agnaldo Aricê Caldas Farias Examinador Externo/USP Ana Rita Sá Carneiro Examinadora Interna/PPG/MDU Rebeca Júlia Melo Tavares Secretária do Programa Ana Carolina Oliveira de Holanda Candidata Ao meu tio, Anchises Azevedo, e a Vital Pessoa de Melo (in memoriam), por terem me despertado para a importância do trabalho conjunto entre artista plástico e arquiteto. AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço à minha família, pelo apoio constante nesta caminhada de dois anos e meio. Especialmente à minha mãe, Aparecida, por sempre estar do meu lado, me incentivando a sempre ir mais longe e aos meus irmãos, Mônica e Júnior, pela torcida constante desde a seleção até a conclusão do mestrado. A Amore mio, por ter estado sempre ao meu lado nos momentos em que mais precisei, e por ter “puxado minha orelha” quando necessário. A meu orientador, Fernando Diniz, por ter sido paciente e por ter acreditado no meu potencial em todos esses anos de convívio. Aos meus tios, Anchises e Socorro, por continuarem acreditando no meu trabalho. Às meus amigos da faculdade, Raphaela Banks, Carol Freitas, Renata Caldas, Adriana Veras, Bárbara Aguiar, Helen Palmeira, Patrícia Pedrosa, Maria Milet, Márcio Bezerra e Ana Clara Salvador, por terem sido companheiros e terem, cada um de seu jeito, contribuído de forma essencial para meu trabalho. Especialmente agradeço a Fernanda Herbster e Carla Cortês. O apoio constante de vocês duas foi muito importante para mim. À Andréa Steiner, pelas conversas confortantes e pelo apoio indispensável que mesmo neste pouco tempo de convivência, foi algo fundamental. Às amigas e artistas plásticas Marisa Lacerda e Marília Lacerda, pelo constante incentivo. Às minhas colegas de trabalho, Adriana Monteiro, Lúcia Padilha, Mariana Gusmão, Ana Amélia Tavares e Adelaide Henriques por me incentivarem e acreditarem na minha pesquisa. Aos arquitetos Vital Pessoa de Melo (in memoriam), Dinauro Esteves, Reginaldo Esteves, Marcos Domingues, Luiz Amorim, Ricardo Pessoa de Melo, Heitor Maia Neto, Antônio Carlos Maia, e aos artistas plásticos Abelardo da Hora, e Paulo Bruscky, pelas conversas construtivas e discussões acerca da integração das artes. Ao CNPq, que me proporcionou uma bolsa de estudos, essencial para a conclusão desta dissertação, e a todos que de alguma forma, contribuíram para que este trabalho fosse realizado. 5 “Arte na vida!” Vladmir Tátlin HOLANDA, Ana C. O. de. Integração das Artes Plásticas e Arquitetura em Pernambuco, 1950-1980. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco, 2010. 186p. RESUMO A integração das artes é um tema que vem sendo discutido desde o movimento Arts & Crafts e que foi retomado várias vezes em congressos e encontros nacionais e internacionais, principalmente entre as décadas de 1930 e 1950. Em Pernambuco, os rebatimentos dessas discussões podem ser observados principalmente entre 1950 e 1980, período que compreende grande parte da produção moderna do estado. Além disso, muitos teóricos apontam para um enriquecimento mútuo entre artes plásticas e arquitetura, e que o volume final dos edifícios também caracteriza uma obra de arte maior (conjunto da arquitetura e bens integrados). Esta pesquisa procura identificar a relação entre artes plásticas e arquitetura em Pernambuco de 1950 a 1980, observando as possíveis ligações de movimentos artísticos nacionais e internacionais com as obras arquitetônicas e as parcerias entre arquitetos e artistas locais no período estudado, além de analisar os espaços que abrigam estas relações. A fim de identificar as relações entre artes plásticas e arquitetura, esta pesquisa submeteu os espaços que as abrigam à visão do filósofo Maurice MerleauPonty e, principalmente, dos teóricos Juhani Pallasmaa e Evaldo Coutinho. Assim, este trabalho busca mostrar que a arquitetura e outras formas de arte devem caminhar juntas e fazer parte uma da outra. Palavras-chave: arquitetura moderna, artes plásticas, integração das artes. ABSTRACT Integration of the arts is a theme that has been discussed since the Arts & Crafts movement and that has been resumed several times in national and international conferences, especially during the decades of 1930 and 1950. In Pernambuco, these discussions’ reverberations can be observed mainly between 1950 and 1980, a period that encompasses most of the state’s modern production. Additionally, many theorists note mutual enrichment between the fine arts and architecture, and that buildings’ final volume also characterizes a larger work of art (a set of integrated architecture and property). This study sought to identify the relationship between the fine arts and architecture in the state of Pernambuco (Brazil) from 1950 to 1980 by observing possible links of national and international artistic movements with architectural work and the partnerships between local architects and artists during the period studied, as well as to analyze the spaces that house these relationships. In order to identify the relationship between the fine arts and architecture, this study submitted the spaces that house them to the point of view of the philosopher Maurice Merleau-Ponty and, particularly, of the theorists Juhani Pallasmaa and Evaldo Coutinho. Thus, this study seeks to show that architecture and other forms of art must go together and be part of each other. Keywords: modern architecture, fine arts, integration of the arts. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 (esq.) – Pórtico das Cariátides, Atenas – Grécia (construído entre 421 e 406 a.C.). Fonte: DAMAZ, 1956. p.24. Figura 2 (dir.) – Vitral da Saint-Chappelle, Paris - França. Fonte: http://pt.wikipedia.org/. Acesso em 04-09-10. Figura 3 (esq.) – Igreja de São Carlos das Quatro Fontes, projeto de Francesco Borromini, Roma – Itália. Fonte: http://.wikimedia.org/. Acesso em 10-08-10. Figura 4 (centro) – Igreja de Nossa Senhora do Rosário, frontispício e empenas de Manuel Francisco de Araújo, Minas Gerais – Brasil. Fonte: CASTEDO, 1969, p.189. Figura 5 (dir.) – Igreja da Terceira Ordem de São Francisco de Assis da Penitência, projeto de Aleijadinho, Minas Gerais – Brasil. Fonte: CASTEDO, 1969, p.195. Figura 6 – Manifesto da Bauhaus. Fonte: DROSTE, 2006. p.18. Figura 7 – Estruturação do curso da Bauhaus. Fonte: WINGLER, 1962. p. 34. Figura 8 – Anúncio de empresa para venda de mobiliário produzido pela Bauhaus. Fonte: WINGLER, 1962. p.56. Figura 9 – Comparação de tela de Picasso com Edifício da Bauhaus. Fonte: GIEDION, 2004. p.522523. Figura 10 – Paul Cézanne. Vue panoramique (1874). Fonte: www.flickr.com. Figura 11 – Pablo Picasso. Natureza-morta com cadeira de palha, 1911-12. Fonte: DEMPSEY, 2003. p.84. Figura 12 (esq.) – Cartaz produzido por Samokhvalov, 1924. Fonte: http://www.artesanatonarede.com.br/. Acesso em: 13 de Setembro de 2010. Figura 13 (dir.) – Vladimir Tátlin. Monumento à Terceira Internacional (1919). Fonte: DEMPSEY, 2003. p.107. Figura 14 – El Lissitzky. Proun 2 (1920). National Gallery, Washington-D.C. Foto: Fernando Diniz. Figura 15 (esq.) – Theo Van Doesburg. Relação entre planos horizontais e verticais, 1920. Fonte: GIEDION, 2004. p. 178. Figura 16 (dir.) – Theo Van Doesburg e Van Eesteren. Projeto para uma villa, 1923. Fonte: Relação entre planos horizontais e verticais, 1920. Fonte: GIEDION, 2004. p. 470. Figura 17 (esq.) – Gerrit Rietveld. Casa Schröeder (1924). Imagem Externa. Foto: Fernando Diniz. Figura 18 (dir.) – Gerrit Rietveld. Casa Schröeder (1924) - Imagem Interna. Fonte: OVERY, 1991. p.122. Figura 19 – Max Bill. Ritmo em quatro quadrados. Fonte: DEMPSEY, 2003. p.160. Figura 20 – Lygia Clark. Maquete para interior nº 1 (1955). Fonte: http://www.mac.usp.br/. Acesso em 30 de Janeiro de 2008. Figura 21 – Le Corbusier. Plano para a cidade de Chandigarh. Fonte: http://www.unb.br/. Acesso em: 06 de Novembro de 2007. Figura 22 (esq.) – Biblioteca Central da UNAM. Mosaico de pedra de Juan O’Gorman. Foto: Carla Cortês. Figura 23 (dir.) – Mural de pedra da Biblioteca Central da UNAM. Foto: Carla Cortês. Figura 24 - Estádio Universitário da Universidade do México. Mosaico de pedra de Diego Rivera. Fonte: http://bicentenario.com.mx/. Acesso em 01 de Novembro de 2010. Figura 25 – Edifício de Medicina da Universidade do México. “Fire, Earth, Air and Water – Life and Death”. Mosaico de vidro de Francisco Eppens. Fonte: http://www.munlochygmvigil.org.uk/. Acesso em: 13 de Novembro de 2007. Figura 26 – Planta baixa da Área Central do Campus da UNAM. No centro, vê-se a praça coberta e a Aula Magna. Fonte: VILLANUEVA; PINTÓ, 2000. p.74. Figura 27 – Carlos Raúl Villanueva. Universidade de Caracas – movimentos (I, II, III, IV e V). Fonte: VILLANUEVA; PINTÓ, 2000. p.75. Figura 28 (esq.) – Praça coberta. Painel de Pascual Navarro. Foto: Fernando Diniz. Figura 29 (dir.) – Praça coberta. Painel de placas metálicas móveis, de Victor Vasarely. Foto: Fernando Diniz. Figura 30 (esq.) – Alexander Calder. Croquis para a Aula Magna (1952). Fonte: BRILLEMBOURG, 2004. p.07. Figura 31 (dir.) – Alexander Calder; Carlos Raúl Villanueva. Interior da Aula Magna (1952). Fonte: BRILLEMBOURG, 2004. p.06. Figura 32 (esq.) – Quadro e tapeçaria na “Exposição de uma casa modernista e de arte moderna”. Foto de 1930. Por: Monica Kaneko. Figura 33 (dir.) – Interior da Casa modernista com mobiliário moderno, de Gregory Warchavchik. Foto: O Globo. Figura 34 – Capa do catálogo da 1ª Exposição de Arte Moderna da SPAM. Foto: Francisco Gregório. Figura 35 (esq.) – Baixo-relevo de Albert Freyhoffer para o Monumento Rodoviário, 1936. Foto: Arthur Ramalho. Figura 36 (dir.) – Baixo-relevo de Albert Freyhoffer para o Monumento Rodoviário, 1936. Foto: O Globo. Figura 37 – Localização das obras de arte do Ministério de Educação e Saúde. 01 – “Prometeu” (Jacques Lipchitz); 02 e 03 – Painéis de Azulejos (Portinari); 04 – “Monumento à Juventude” (Bruno Giorgi); 05 – Revestimento de Azulejos (Portinari); 06 – Painéis “Aula Canto Orfeônico” e “A Energia Nacional” (Portinari); 07 – Painel “Meninos de Brodósqui” (Portinari); 08 – “Os Quatro Elementos” (Portinari); 09 – “Os doze ciclos econômicos” (Portinari); 10 – “Mulher Brasileira” (Adriana Janacopulos). Esquema baseado na ilustração de ROSA, 2005. p.43. Figura 38 (esq.) – Cândido Portinari. Painel "Meninos de Brodósqui". Foto: Fernando Diniz. Figura 39 (dir.) – Adriana Janacopulos. Escultura "Mulher Brasileira". Foto: Fernando Diniz. 9 Figura 40 (esq.) – Ministério de Educação e Saúde. Painel de azulejos de Portinari. Foto: Fernando Diniz. Figura 41 (dir.) – Ministério de Educação e Saúde. Azulejos de Portinari e estrutura destacada. Foto: Fernando Diniz Moreira. Figura 42 (esq.) – Vista do interior do pavilhão com as telas de Portinari ao fundo. Fonte: www.jobim.org. Figura 43 (dir.) – Escultura “Mulher Reclinada”, de Celso Antônio. Fonte: www.jobim.org Figura 44 (esq.) – Residência Olivo Gomes. Fonte: Acervo Digital Rino Levi / FAU PUC-Campinas. Figura 45 (dir.) – Painel de Roberto Burle Marx para a Residência Olivo Gomes. Fonte: www.flickr.com. Figura 46 - Pavilhão da I Bienal do Museu de Arte Moderna, Trianon, Avenida Paulista, 1951. Foto: Hans Günter Flieg. In: AMARAL, 1987. p.267. Figura 47 (esq.) – Vilanova Artigas. Residência Rubem Mendonça. Painel de Mário Gruber. Fonte: Masao Kamita. Figura 48 (dir.) – Vilanova Artigas. Escola de Guarulhos. Painel de Mário Gruber. Fonte: Masao Kamita. Figura 49 (esq.) – Oscar Niemeyer. Igreja Nossa Senhora de Fátima. Azulejos de Athos Bulcão. Foto: A autora. Figura 50 (dir.) – Athos Bulcão. Azulejos para a Igreja Nossa Senhora de Fátima. Foto: A autora. Figura 51 (esq.) – Oscar Niemeyer. Teatro Nacional. Painel de Athos Bulcão. Foto: A autora. Figura 52 (dir.) – Blocos do painel externo do Teatro Nacional. Foto: A autora. Figura 53 (esq.) – Roberto Burle Marx. Jardins do Teatro Nacional. Fonte: MONTERO, Marta. Burle Marx – El paisaje lírico. Barcelona: Ed. Gustavo Gili, 2001. p. 133. Figura 54 (dir.) – Athos Bulcão. Painel de mármore para o Teatro Nacional. Foto: A autora. Figura 55 (esq.) – Vicente do Rego Monteiro. A Lua, 1920. Grafite e aquarela sobre papel. 30x10cm. Col. Paula e Jones Bergamin. In: TREVI, 2006, p.40. Figura 56 (dir.) – Vicente do Rego Monteiro. A Lua, 1920. Ilustração para o livro Légendes, croyances et talismans dês indiens de l’Amazone. In: TREVI, 2006, p.41. Figura 57 (esq.) – Vicente do Rego Monteiro. Motivo indígena, 1922. Óleo sobre madeira. 37x49,5cm. Coleção particular, Fortaleza – CE. In: TREVI, 2006, p.42. Figura 58 (dir.) – Vicente do Rego Monteiro. O atirador de arco, 1925. Óleo sobre tela. 65x81cm. Acervo Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. In: TREVI, 2006, p.43. Figura 59 – Vicente do Rego Monteiro. Mulher diante do espelho, 1922. Óleo sobre tela. 98,3x69,3cm. Coleção particular, Rio de Janeiro. In: TREVI, 2006, p.44. Figura 60 (esq.) – Joaquim do Rego Monteiro. América do Sul, 1927. Óleo sobre tela. 73x92cm. Acervo Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. In: TREVI, 2006, p.47. 10 Figura 61 (dir.) – Joaquim do Rego Monteiro. La Rotonde, 1927. Óleo sobre tela. 73x92cm. Acervo Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. In: TREVI, 2006, p.47. Figura 62 (esq.) – Joaquim do Rego Monteiro. Sem título, s/d. Óleo sobre tela. 72x72cm. Coleção particular, Rio de Janeiro. In: TREVI, 2006, p.48. Figura 63 (dir.) – Joaquim do Rego Monteiro. Sem título, s/d. Óleo sobre tela. 65x80cm. Coleção particular, Rio de Janeiro. In: TREVI, 2006, p.48. Figura 64 – Luiz Nunes. Projeto do Hospital da Força Pública de Pernambuco. Fonte: Acervo Arquivo Público do Estado de Pernambuco. In: MENEZES, José Luiz da Mota. O moderno e o modernismo em Pernambuco: Arquitetura e Urbanismo. Apud TREVI, Op. cit. 2006, p.82. Figura 65 – Painel de Cícero Dias, Auditório da Secretaria da Fazenda. Foto: Eduardo Aguiar In: NASLAVSKY, 2004. p.62. Figura 66 (esq.) – Delfim Amorim. Azulejos do Edifício Acaiaca. Foto: A autora. Figura 67 (dir.) – Acácio Gil Borsoi. Elementos vazados para o Edifício Santo Antônio. Foto: A autora. Figura 68 – Vital Pessoa de Melo - Tramas. (A) Exemplo de processo para execução de uma trama; (B) Trama nº12A - Agreste; (C) Trama nº4A – Colméia I. Fonte: MELO, 1989. Com alteração da autora. Figura 69 (esq.) – Capa do catálogo da 1ª Exposição da Galeria de Arte do Recife. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. Figura 70 (dir.) – Texto de apresentação escrito por Abelardo da Hora para o catálogo da 1ª Exposição da Galeria de Arte do Recife. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. Figura 71 – Capa do catálogo de Novembro de 1961 da Galeria de Arte da Ribeira, com obras de Maria Carmen, Anchises Azevedo e João Câmara. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. Figura 72 – Capa do catálogo da Oficina Pernambucana, ocorrida em 1967 no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. Figura 73 (esq.) – Capa do catálogo do IV Salão de Arte Moderna do Distrito Federal. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. Figura 74 (dir.) – Texto explicativo do júri sobre a decisão da premiação de João Câmara, Anchises Azevedo e Hélio Oiticica. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. Figura 75 – Dinauro Esteves. Gárgulas escultóricas para o Edifício Sede da CHESF. Foto: Aristóteles Cantalice II. Figura 76 – Dinauro Esteves. Painel de placas de cimento para o Edifício Sede da CHESF. Foto: Aristóteles Cantalice II. Figura 77 (esq.) – Mural do Edifício Barão de São Borja – vista da rua da parte lateral esquerda. Foto: A autora. Figura 78 (dir.) – Mural do Edifício Barão de São Borja – vista interna da parte lateral direita. Foto: A autora. Figura 79 – Vitral de Ferreira para o restaurante da CHESF. Foto: Marcio Capelini. Figura 80 – Processo de análise do espaço através do corpo. Fonte: A autora. 11 Figura 81 – Tabela das obras selecionadas. AP – Artista plástico / ARQ – Arquiteto. Fonte: a autora. Figura 82 – Heitor Maia Neto. Biblioteca de Casa Amarela. Fonte: Museu da Cidade do Recife (com alteração da autora). Figura 83 (esq.) – Vista externa da Biblioteca de Casa Amarela. Foto: Alexandre Braz de Macedo. Figura 84 (dir.) – Detalhe do painel de Helio Feijó - Biblioteca de Casa Amarela. Foto: Ana Clara Salvador. Figura 85 (esq.) – Heitor Maia Neto. Residência Torquato de Castro. Foto: A autora. Figura 86 (dir.) – Escultura de Corbiniano Lins para a Residência Torquato de Castro. Foto: Mônica Luize Sarabia. Figura 87 – Painel de Reynaldo Fonseca para a Residência Torquato de Castro. Foto: A autora. Figura 88 – Ladrilho cerâmico de Corbiniano Lins para a Residência Torquato de Castro. Foto: A autora. Figura 89 (esq.) – Heitor Maia Neto. Residência Torquato de Castro – planta baixa. Desenho: a autora. Figura 90 (dir.) – Distribuição dos ladrilhos cerâmicos de Corbiniano Lins, passando do interior para o exterior da edificação. Foto: A autora. Figura 91 (esq.) – Delfim Amorim. Edifício Acaiaca. Foto: A autora. Figura 92 (dir.) – Delfim Amorim. Detalhe dos azulejos do Edifício Acaiaca, desenhados pelo arquiteto. Foto: A autora. Figura 93 – Detalhe das diferentes texturas dos materiais. Foto: A autora. Figura 94 (esq.) – Residência Isnard de Castro e Silva. Foto: A autora. Figura 95 (dir.) – Painel de Reynaldo Fonseca para a Residência Isnard de Castro e Silva. Foto: A autora. Figura 96 (esq.) – Mural de mosaico para a Residência Isnard de Castro e Silva. Autor não identificado. Foto: A autora. Figura 97 (dir.) – Vista aproximada do mural de mosaico para a Residência Isnard de Castro e Silva. Autor não identificado. Foto: Fernando Diniz. Figura 98 (esq.) – Biblioteca Central da UFPE. Foto: Aristóteles Cantalice II. Figura 99 (dir.) – Vista externa do vitral da Biblioteca Central da UFPE. Foto: A autora. Figura 100 (esq.) – Recuo da faixa de pastilhas afastadas do vitral da Biblioteca Central da UFPE. Foto: A autora. Figura 101 (dir.) – Vista do vitral da Biblioteca Central da UFPE a partir de um dos corredores. Foto: A autora. Figura 102 (esq.) – Edifício Santo Antônio. Foto: A autora. Figura 103 (dir.) – Detalhe dos elementos vazados do Edifício Santo Antônio. Foto: A autora. 12 Figura 104 (esq.) – Painel de tijolos do Edifício Santo Antônio. Foto: A autora. Figura 105 (dir.) – Portão-painel de Corbiniano Lins para o Edifício Santo Antônio. Foto: A autora. Figura 106 – Corte transversal do Edifício Santo Antônio mostrando a clarabóia e os mezaninos com patamares das escadas. Fonte: Borsoi Arquitetos Associados. In: NASLAVSKY, Op. cit., 2004. p.195. Figura 107 (esq.) – Edifício Santo Antônio. Vista do vazio iluminado pela clarabóia a partir do último pavimento. Foto: Borsoi Arquitetos Associados. Figura 108 (dir.) – Edifício Santo Antônio. Vista do vazio iluminado pela clarabóia a partir do hall do térreo. Foto: A autora. Figura 109 (esq.) – Edifício Sede da SUDENE. Foto: A autora. Figura 110 (dir.) – Piso com cerâmica de Brennand para o Edifício Sede da SUDENE. Foto: A autora. Figura 111 (esq.) – Painel de placas de concreto em baixo-relevo para o Edifício Sede da SUDENE. Foto: A autora. Figura 112 (dir.) – Painel da biblioteca do Edifício Sede da SUDENE. Foto: A autora. Figura 113 (esq.) – Edifício Sahara. Foto: A autora. Figura 114 (dir.) – Painel de cimento para o Edifício Sahara. Foto: A autora. Figura 115 – Edifício Sahara. Vista do painel de Anchises Azevedo a partir da rua. Foto: Fernando Diniz. Figura 116 (esq.) – Edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Figura 117 (dir.) – Vista do jardim de Burle Marx para o Edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Figura 118 (esq.) – Painel de Neves para o edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Figura 119 (dir.) – Painel de Brennand para o edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Figura 120 – Locação do Edifício Sede da CELPE. Fonte: VRF Arquitetura. Figura 121 – Edifício Sede da CELPE, Fachada Noroeste. Fonte: VRF Arquitetura. Figura 122 (esq.) – Edifício Sede da RFFSA. Foto: A autora. Figura 123 (dir.) – Painel de Brennand para o edifício Sede da RFFSA. Foto: A autora. Figura 124 – Armando de Holanda. Plano Geral para o Parque Histórico Nacional dos Guararapes. Fonte: Universidade Federal de Pernambuco. Parque Histórico Nacional dos Guararapes: projeto físico. Recife: UFPE, 1975. p.27. Figura 125 – Armando de Holanda. Croqui para explicação da formação das cascas as das estruturas do Parque Histórico Nacional dos Guararapes. Fonte: Universidade Federal de Pernambuco. Op.cit.. Recife: UFPE, 1975. p.45. Figura 126 – Pavilhão de acesso do PHNG. Foto: A autora. Figura 127 (esq.) – Bloco de administração do PHNG. Foto: A autora. 13 Figura 128 (dir.) – Blocos da lanchonete do PHNG. Foto: A autora. Figura 129 (esq.) – Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. Figura 130 (dir.) – Croqui que mostra a relação cheio/vazio do Edifício Sede da CHESF. Fonte: Aristóteles Cantalice II Figura 131 (esq.) – Escultura de Corbiniano Lins para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. Figura 132 (dir.) – Painel de Mirella Andreotti para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. Figura 133 (esq.) – Painel de Francisco Brennand para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. Figura 134 (dir.) – Vitral de Francisco Brennand para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. Figura 135 (esq.) – Edifício Gropius. Foto: A autora. Figura 136 (dir.) – Painel de Athos Bulcão para o Edifício Gropius. Foto: A autora. Figura 137 (esq.) – Serpenteamento do painel de Athos Bulcão para o Edifício Gropius. Foto: A autora. Figura 138 (dir.) – Detalhe da caixa de concreto sacada, de uma das esquadrias da fachada lateral. Foto: A autora. Figura 139 – Quadro com a distribuição das obras em relação às classificações. Fonte: a autora. Figura 140 (dir.) – Detalhe da diversidade de materiais - azulejo, pedra, elemento vazado, pastilha cerâmica, vidro. Foto: A autora. Figura 141 (esq.) – PHNG - detalhe dos azulejos do bloco de administração. Foto: A autora. Figura 142 (dir.) – PHNG - observação macro dos elementos da lanchonete – módulo-padrão e módulo branco. Foto: A autora. Figura 143 – PHNG - repetição dos módulos do bloco de acesso. Foto: A autora. Figura 144 – Observação micro das pastilhas do Edifício Gropius. Foto: A autora. Figura 145 – Residência Torquato de Castro - vista do painel de azulejos de Corbiniano Lins. Foto: A autora. Figura 146 – Painel de Ferreira para o edifício sede da CHESF. Foto: Léo Caldas. Figura 147 (esq.) – Vitral da Biblioteca Central da UFPE. Foto: A autora. Figura 148 (dir.) – Biblioteca Central/UFPE. Detalhe da junção do patamar da escada com o vitral . Foto: A autora. Figura 149 – Croqui sobre a observação do vitral de Francisco Brennand para o edifício Sede da CHESF. Desenho: a autora. Figura 150 (esq.) – Recuo do revestimento da parede lateral em relação ao vitral de Brennand para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. Figura 151 (dir.) – Observação externa do vitral de Brennand para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. 14 Figura 152 (esq.) – Contato do vitral de Brennand para o Edf. Sede da CHESF, em um jardim de seixos. Foto: A autora. Figura 153 (dir.) – Contato do vitral da Biblioteca Central da UFPE com o piso, terminando em uma estrutura metálica que repousa diretamente no mesmo. Foto: A autora. Figura 154 (esq.) – Detalhe dos metais retorcidos do portão-painel para o Edifício Santo Antônio. Foto: A autora. Figura 155 (dir.) – Portão-painel do Edifício Santo Antônio repousando sobre a parede de tijolos. Foto: A autora. Figura 156 (esq.) – Planta baixa do hall do Edifício Santo Antônio com as locações das obras de arte. Desenho: a autora. Figura 157 (dir.) – Edifício Santo Antônio. Vista do espaço que abriga o portão-painel e o painel de tijolos a partir da galeria. Foto: Fernando Diniz. Figura 158 (esq.) – Edf. Santo Antônio – detalhe de variações do módulo-padrão. Foto: A autora. Figura 159 (dir.) – Edifício Santo Antônio - detalhe saques/recuos do módulo e moldura com assinatura do arquiteto. Foto: A autora. Figura 160 (esq.) – Detalhe de baixo relevo na lateral do bloco de apoio do Edf. Sede da SUDENE. Foto: A autora. Figura 161 (dir.) – Edf. Sede da SUDENE. Ritmos aleatórios da malha reguladora e dos módulos em baixo relevo do painel do bloco anexo (lateral direita). Desenho: a autora. Figura 162 (esq.) – Painel da biblioteca do Edifício Sede da SUDENE. Foto: A autora. Figura 163 (dir.) – Detalhe de uma das aberturas trapezoidais do painel da biblioteca do Edf. Sede da SUDENE. Foto: A autora. Figura 164 – Corte dos módulos do painel do Edifício Sahara. Foto: A autora. Figura 165 (esq.) – Edifício Sahara. Barras verticais de cimento no alisar da porta vizinha ao painel. Foto: A autora. Figura 166 (dir.) – Edifício Sahara. Cerâmica do piso do hall de elevadores invadindo o rasgo e blocos flutuantes do painel. Foto: A autora. Figura 167 (esq.) – Detalhe do painel do Edifício Sede da RFFSA. Foto: A autora. Figura 168 (dir.) – Edifício Sede da RFFSA. Detalhe de uma das garras de concreto inferior. Foto: A autora. Figura 169 (esq.) – Edifício Sede da RFFSA. Textura das peças do painel de cerâmicas. Foto: A autora. Figura 170 (dir.) – Edifício Sede da RFFSA. "Mordida" das cerâmicas na lateral do painel. Foto: A autora. Figura 171 – Croqui sobre a localização da escultura em relação à fachada. Fonte: a autora. Figura 172 (esq.) – Escultura de Corbiniano Lins para a Residência Torquato de Castro. Foto: A autora. 15 Figura 173 (dir.) – Escultura de Corbiniano Lins para o Edifício Sede da CHESF. A seta indica o percurso para a porta principal. Foto: A autora. Figura 174 (esq.) – Mosaico da Residência Isnard de Castro e Silva. Foto: A autora. Figura 175 (dir.) – Vista do mosaico da Residência Isnard de Castro e Silva a partir do acesso lateral. Foto: A autora. Figura 176 (esq.) – Vista do painel de Francisco Brennand no Edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Figura 177 (dir.) – Detalhe do englobamento do painel de Francisco Brennand na parede do Edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Figura 178 – Painel de Brennand no Edifício Sede da RFFSA.Foto: A autora. Figura 179 (esq.) – Relação visual do painel de Reynaldo para a Residência Torquato de Castro com os ambientes adjacentes. Foto: A autora. Figura 180 (dir.) – Painel da Residência Isnard de Castro e Silva - detalhe da moldura. Foto: A autora. Figura 181 – Detalhe de parte do painel do Edifício Sahara - descolamento piso e teto. A esquadria metálica e as cerâmicas acima e abaixo do painel são intervenções posteriores e que prejudicam a contemplação da obra. Foto: A autora. Figura 182 (esq.) – Painel de P. Neves no Edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Figura 183 (dir.) – Painel de P. Neves no Edifício Sede da CELPE - detalhe da superfície vitrificada. Foto: A autora. Figura 184 (esq.) – Painel de Mirella para o Edifício Sede da CHESF - vista para a entrada principal. Foto: A autora. Figura 185 (dir.) – Painel de Francisco Brennand para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. 16 ÍNDICE INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 18 1. ARTE E ARQUITETURA NA ERA MODERNA ....................................................................... 23 1.2 O Pós-guerra, Monumentalidade e Civismo ............................................................................... 43 1.3 Arte, Arquitetura e a América Latina ........................................................................................... 46 2. ARTES PLÁSTICAS E ARQUITETURA MODERNAS NO BRASIL ........................................ 57 2.1 O Ministério de Educação e Saúde – meados da década de 1930 até 1950 ............................. 61 2.2 A década de 1950 e a integração das artes ............................................................................... 68 2.3 Herança da Escola Carioca e a fundação de Brasília – década de 1960 .................................. 73 3. PERNAMBUCO ..................................................................................................................... 80 3.1 Arte no Recife/Olinda .................................................................................................................. 80 3.2 A relação arquiteto-artista plástico ............................................................................................ 100 4. A INTEGRAÇÃO DAS ARTES NA PRODUÇÃO MODERNA PERNAMBUCANA ................. 109 4.1 Arte, espaço e corpo em Pallasmaa e Coutinho ....................................................................... 109 4.2 A análise do espaço .................................................................................................................. 114 4.2.1 Espaço interno x espaço externo .......................................................................... 116 4.3 Apresentação das obras ........................................................................................................... 118 4.4 Análise da integração entre arte e arquitetura .......................................................................... 140 CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 170 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................... 175 ANEXOS .................................................................................................................................. 179 INTRODUÇÃO Em meados de 2006, ainda estudante de graduação, participei de uma pesquisa sobre Arquitetura Moderna em Pernambuco, coordenada pelo Professor Fernando Diniz na qual tive a oportunidade de conhecer mais a fundo a obra do arquiteto pernambucano Vital Pessoa de Melo. O interesse pela sua obra, e particularmente pela forma como integrava o trabalho de artistas e como tratava os materiais, resultou no meu trabalho de graduação, Arte e Ética na obra de Vital Pessoa de Melo, 1960-1980. Motivada pelo anseio de conhecer melhor as relações entre artes plásticas e arquitetura, comecei a me questionar sobre a situação atual da arquitetura desenvolvida no estado. A meu ver, muitos arquitetos atuais não se preocupam em criar espaços que sejam apropriados para receber uma obra de arte ou colocam obras que não possuem relação com a edificação. Em conversas com artistas plásticos e arquitetos, comecei a perceber que no passado, particularmente nas décadas de 1950 a 1980, os profissionais possuíam um cuidado maior entre arte e espaço, resultando em trabalhos conjuntos que merecem atenção e devem ser reconhecidos como espaços que conferem maior valor artístico e cultural ao edifício. Poderíamos pensar que as obras produzidas entre 1950 e 1980 em Pernambuco que possuem obras de artes plásticas, a fazem puramente por atendimento à legislação municipal, que obriga edifícios com mais de 2.000m² (dois mil metros quadrados) a possuir uma obra de arte. Esta afirmação é derrubada principalmente por dois motivos: primeiro, porque a lei em questão foi redigida em 1960 e entrou em vigor em 1961; segundo, porque ela se limitava à cidade do Recife. Os arquitetos desta época produziram obras que comunicam com as artes plásticas antes de 1960, a exemplo da Biblioteca de Casa Amarela ou a Residência Torquato de Castro e, mesmo após a data de implantação da lei, os arquitetos continuaram a produzir obras integradas com as artes plásticas em locais fora do polígono de obrigatoriedade. Daí surge a questão: de onde veio esta necessidade de se unir os diferentes tipos de arte? No sistema clássico, arte e arquitetura não eram vistas como elementos separados, tudo era integrado resultando numa obra maior. A historiografia demonstra que após a revolução industrial, novos materiais e técnicas foram desenvolvidos, resultando numa crise que gerou reações desde meados do século XIX, como o Arts & Crafts, por exemplo. O século XX também assistiu vários episódios que questionaram a racionalização em contraposição ao sentido emocional das produções. Movimentos como a Deutscher Werkbund e Bauhaus surgiram procurando incluir a arte nas produções em série integrando o trabalho dos diferentes profissionais. O Arbeitsrat für Kunst e Construtivismo Russo tentaram unir arquitetos, pintores, escultores, e outros profissionais em prol de uma verdadeira reforma social em seus países. Já movimentos como o Neoplasticismo ou a Arte Concreta, se fixaram na geometrização, tanto na arquitetura quanto nas artes plásticas. Assim a arte e arquitetura modernas sofreram transformações em relação ao século XIX e antes, e encontraram novas formas de integração entre si. As preocupações de união das artes apareceram em vários encontros, como os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM) de 1933 e 1947 ou Congresso Internacional dos Artistas de 1952. Vários textos começam a ser produzidos, questionando a posição separada entre artistas plásticos e arquitetos. Estas discussões não se limitaram à Europa, acontecendo também na América Latina, cujos grandes exemplos de integração entre as artes podem ser vistos nas cidades universitárias do México e Caracas, e no edifício do Ministério de Educação e Saúde, no Rio de Janeiro. Diante das discussões nacionais e internacionais sobre a integração das artes, alguns questionamentos surgiram sobre como a relação entre artes plásticas e arquitetura ocorreu em Pernambuco. Como era a relação entre o espaço arquitetônico e a obra de arte? Como a obra de arte é apreciada? Como era o diálogo entre artistas plásticos e arquitetos? Como a obra de arte pode conferir valor ao edifício? Existia unidade entre arte e arquitetura? Dessa forma, este trabalho tem como objetivo investigar como se deu a relação entre artes plásticas e arquitetura em Pernambuco dentro do período de 1950 a 1980, limitando-se a obras realizadas dentro da Região Metropolitana do Recife e a obras de arte que compreendessem murais, painéis e esculturas. Através de entrevistas com arquitetos e artistas, detalhes sobre as parcerias desenvolvidas foram levantados. Faz-se necessário deixar claro que o objeto desta pesquisa não é a arte (movimentos, artistas) nem a arquitetura (princípios, arquitetos). Tomamos como consenso que Pernambuco sediou uma produção artística e arquitetônica digna de 19 nota neste período, com ricos espaços de integração. Assim, as formas de integração ocorrentes nesses espaços é que realmente é o objeto da pesquisa. O recorte do período escolhido (1950-1980) se deu principalmente por quatro motivos: 1- a chegada de Delfim Fernandes Amorim, Mário Russo e Acácio Gil Borsoi para a consolidação da arquitetura moderna no estado e a presença destes arquitetos na escola de arquitetura; 2- A unidade em torno de alguns princípios projetuais e formais mantidas pela produção arquitetônica deste período; 3- A efervescência ocorrida nas artes plásticas, pois artistas como Corbiniano Lins, Reynaldo Fonseca e Francisco Brennand tiveram a oportunidade de realizar uma grande produção, incluindo obras feitas para as edificações; e 4- A maior ligação entre artistas plásticos e arquitetos. Grupos pequenos se formaram, proporcionando trocas entre os profissionais e contribuindo para as parcerias entre eles. Para viabilizarmos a análise do espaço, procurou-se estabelecer uma forma de interpretar o espaço de integração utilizando como arcabouço teórico os conceitos desenvolvidos por Maurice Merleau-Ponty em Fenomenologia da Percepção, Juhanni Pallasmaa em Os Olhos da Pele e Evaldo Coutinho em O Espaço da Arquitetura. Os três autores destacam a importância da interpretação dos sentidos para a apreensão do espaço, e baseado nisso, criou-se uma metodologia de análise fincada nos dois sentidos mais ligados à dimensão material: o tato e a visão e aplicou-se esta metodologia em treze obras selecionadas. Para a seleção das obras, levamos em consideração os seguintes pontos: a importância da edificação para a arquitetura local, pois muitas são ícones da arquitetura moderna do estado; o arquiteto (selecionamos obras de professores e alunos formados entre a primeira e segunda gerações pós chegada de Delfim, Borsoi e Russo); a localização da obra, limitando-se à Região Metropolitana de Recife; os usos, restringidos a residências unifamiliares, multifamiliares e edifícios públicos; e, por fim, o tipo de obra de arte que o edifício abriga, limitados em murais, painéis e esculturas. Dessa forma, este trabalho foi dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo, Arte e Arquitetura na Era Moderna, teve como objetivo pontuar como foi a relação entre artes plásticas e arquitetura desde antes do modernismo até a sua afirmação, com 20 foco na Europa e América Latina. O segundo capítulo, Artes Plásticas e Arquitetura Modernas no Brasil, procura prover um panorama das artes plásticas e arquitetura, procurando focar em marcos da integração das artes no Brasil. O terceiro capítulo, Pernambuco, procura fazer um apanhado dos acontecimentos artísticos e arquitetônicos no estado, como também busca mostrar detalhes gerais sobre o relacionamento dos arquitetos com os artistas plásticos locais. Como se acredita que a maior parte dos futuros leitores desta dissertação sejam arquitetos que estes já detenham certo conhecimento sobre o desenvolvimento da arquitetura moderna no estado, privilegiamos neste panorama os acontecimentos nas artes plásticas. Por fim, o quarto capítulo, A integração das artes na produção moderna Pernambucana, é o ponto central da dissertação. Nele, buscou-se mostrar como aconteceu a integração entre artes plásticas e arquitetura em algumas obras selecionadas em Pernambuco através da análise destas de acordo com os conceitos extraídos da base teórica. Ao fim de cada capítulo procurou-se fazer uma conclusão parcial para situar o leitor sobre os principais pontos vistos. Dessa forma, espera-se que esta pesquisa contribua para o entendimento da integração entre artes plásticas e arquitetura na produção moderna de Pernambuco, além de mostrar que a arquitetura e outras formas de arte devem sempre caminhar juntas, fazendo parte uma da outra. 21 CAPÍTULO 1 ARTE E ARQUITETURA NA ERA MODERNA 1. ARTE E ARQUITETURA NA ERA MODERNA Eu não peço ao meu pintor que seja discreto. Digo-lhe: Aqui você tem a 1 palavra; fale! (Le Corbusier). A integração das artes plásticas e arquitetura foi um tema muito debatido, principalmente a partir de meados do século XIX com o Arts & Crafts de William Morris até o início da década de 1960, com o Congresso Internacional de Críticos de Arte (1959). Acreditamos que essas discussões foram provocadas pela mesma razão: a percepção de um distanciamento entre artes plásticas e arquitetura na era moderna, algo que não ocorria antes, pois até então arquitetura e artes plásticas eram consideradas inseparáveis, sendo as catedrais góticas um dos exemplos mais evidentes desta integração. Naquele período, o ato de construir ia muito além da questão prática, pois era símbolo da coletividade, havia um senso de cooperação, resultando na união dos mais diferentes profissionais e na conseqüente união das artes. Paul Damaz, em sua obra Art in European Architecture – Synthese des Arts demonstra que a relação entre artes plásticas e arquitetura antes do século XIX não foi tão estável, se modificou ao longo dos anos. Na Grécia Antiga a relação entre as artes era bastante forte. Pintura e escultura estavam tão ligadas aos edifícios que chegavam inclusive a substituir elementos estruturais. As cariátides são os exemplos mais conhecidos dessa ligação. Ainda segundo Damaz, do Período Romano ao Barroco, a relação entre as diferentes formas de arte se modificou e passou por um período de crise na qual a obra de arte é considerada uma obra decorativa. Mesmo assim, houve momentos em que algumas formas de arte se reaproximaram da arquitetura. No período Bizantino a pintura mural voltou a ser importante, destacando principalmente temas religiosos. Já no período da arte Romanesca a pintura foi utilizada como decoração de superfícies, mas a escultura foi utilizada nas estruturas das edificações, integradas principalmente em colunas e capitéis. Na Arquitetura gótica, houve a grande contribuição da escultura nas estruturas e superfícies e o trabalho com 1 CORBUSIER, Le. A Arquitetura e as Belas-Artes. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nº19, 1984. p.66. vitrais. As estruturas também assumiram papéis artísticos. Os contrafortes e arcos estavam associados a esculturas e à marcação das aberturas. Figura 1 (esq.) – Pórtico das Cariátides, Atenas – Grécia (construído entre 421 e 406 a.C.). Fonte: DAMAZ, 1956. p.24. Figura 2 (dir.) – Vitral da Saint-Chappelle, Paris - França. Fonte: http://pt.wikipedia.org/. Acesso em 04-0910. O período do Renascimento sofreu com a individualidade do artista, mesmo assim, a obra de arte, isolada ou não, cumpriu seu papel de enriquecer e completar um todo e os artistas tinham um bom senso de composição, perspectiva, unidade e proporções artísticas. Após este longo período de afastamento e aproximação entre artes plásticas e arquitetura, o Barroco surgiu como o momento onde houve o ápice da integração entre as diferentes formas de arte. Damaz afirma que no Barroco arquitetura, pintura, escultura e decoração “eram tão intimamente ligados que às vezes era difícil de perceber onde o trabalho de arquitetura terminava e onde o do escultor começava.”2 No Brasil, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Ouro Preto, Minas Gerais, é apontada por Leopoldo Castedo como o primeiro momento da arte brasileira em que arquitetura e escultura se fundem, sendo o prenúncio de um duradouro estilo nacional3. A autoria da planta é desconhecida, já o frontispício e a empena são atribuídos a Manuel Francisco de Araújo. Como outros exemplos do 2 DAMAZ, Paul. Art in European Architecture – Synthese des Arts. New York: Reinhold, 1956. p.27. “In the Rosário, this scheme of undulating walls, in the style of Borromini, reaches a point where it should properly be considered a molded form. This is the first time in Brazilian art that the concepts of architecture and sculpture fuse, and it is a harbinger of the enduring national style”. Fonte: CASTEDO, Leopoldo. A History of Latin American Art and Architecture: from Pre-Columbian times to the present. New York: Frederick A. Praeger, 1969. p.190. Tradução da autora. 3 24 Barroco, podemos citar os trabalhos do arquiteto Francesco Borromini, na Itália e do escultor Aleijadinho, no Brasil. Figura 3 (esq.) – Igreja de São Carlos das Quatro Fontes, projeto de Francesco Borromini, Roma – Itália. Fonte: http://.wikimedia.org/. Acesso em 10-08-10. Figura 4 (centro) – Igreja de Nossa Senhora do Rosário, frontispício e empenas de Manuel Francisco de Araújo, Minas Gerais – Brasil. Fonte: CASTEDO, 1969, p.189. Figura 5 (dir.) – Igreja da Terceira Ordem de São Francisco de Assis da Penitência, projeto de Aleijadinho, Minas Gerais – Brasil. Fonte: CASTEDO, 1969, p.195. Wölfflin também destaca a noção de conjunto que havia no Barroco e a questão da monumentalidade das obras: Torna-se costume conceber o belo apenas como colossal. A variedade e delicadeza cedem lugar a uma simplificação, que só procura grandes massas, e toda a obra é percorrida por um traço unificador, que não deve 4 parecer constituída de elementos isolados. Do século XVII em diante, considerando o universo latino-americano, a inclusão do Barroco no Brasil aconteceu de forma mais fluida, pois diferentemente do que aconteceu no México ou Peru (colonizados pela Espanha), os colonizadores não encontraram em território brasileiro um trabalho indígena com grande tradição artística construída, portanto não houve nenhum choque cultural quanto à linguagem das novas construções.5 É nos templos e igrejas onde se encontram os melhores exemplos da união das artes, pois estas sempre foram consideradas símbolo do trabalho coletivo para com o divino. 4 "Es habitual no pensar en lo belo más que como algo colosal. Variedad y delicadeza dejan paso a una simplificación, que no busca sino las grandes masas y en su totalidad adquiere un aire de uniformidad y grandiosidad, que no debe dar la impresión de estar consituída de elementos aislados." In: WOLFFLIN, H. Renacimiento y Barroco. Barcelona: Paidós Ibérica, 1986. p.40. Tradução da autora. 5 CASTEDO, Op. cit. 1969, p.181. 25 Como demonstram Damaz e Castedo, a relação entre as artes plásticas e arquitetura sempre existiu, mesmo que de formas diferentes em cada período, ou seja, foi uma relação oscilatória. Ora a escultura recebeu mais atenção que a pintura, ora o contrário. A partir de meados do século XIX com o início da Revolução Industrial, novas técnicas construtivas e novos materiais apareceram, e juntamente com estes, novas demandas de edificações. Ainda segundo Damaz, o academicismo do século XIX contribuiu para uma nova tensão na relação entre as artes. O emprego de novos materiais e técnicas exigiu do trabalho do arquiteto uma racionalidade que afetou esta relação entre a obra de arte e arquitetura. Depois do academicismo do século XIX, arte e arquitetura se desenvolveram e direções opostas. Pouco a pouco, pintura e escultura abandonaram o mundo externo e figurativo. [...] Arquitetura se tornou produto da lógica, enquanto a pintura e escultura estavam se isolando no 6 campo da metafísica. 1.1 Arte e Arquitetura Modernas O período moderno assistiu a várias tentativas de reaproximação entre arquitetura e outras artes. Os novos materiais e técnicas construtivas juntamente com a industrialização chegaram ao século XX numa atmosfera de separação entre os profissionais e desvalorização do trabalho artesanal. Assim, vários movimentos surgiram buscando reestruturar esta relação entre artes plásticas e arquitetura em prol de um trabalho único resultante do trabalho integrado dos diferentes profissionais. A partir de meados do século XIX, a Revolução Industrial provocou uma crise entre o trabalho manual e a produção em massa. Esta foi a discussão principal dos artistas e críticos em torno do Arts & Crafts (1880-1910), movimento liderado por John Ruskin na Inglaterra da segunda metade do século XIX, com o intuito de recuperar e revalorizar o trabalho artesanal em contraste com a produção industrial, por eles considerada mecânica e sem qualidade artística. Durante sua existência, o movimento criticou a produção industrial que favorecia a quantidade à qualidade e 6 “After the academicism of the nineteenth century, art and architecture evolved in opposite directions. Little by little, painting and sculpture abandoned the external and figurative world. [...] Architecture has become the product of logic, while painting and sculpture were isolating themselves in the field of metaphysics.” In: DAMAZ, Paul. Op. cit.1956, p.19. Tradução da autora. 26 buscou incentivar o respeito pelos materiais e tradições populares. Os participantes do Arts & Crafts (artistas, arquitetos, designers, artesãos, etc.) afirmavam que a produção em massa das indústrias não possuía valor artístico, eram apenas objetos produzidos por máquinas, desprovidos do sentimento do artista. O movimento de Ruskin acabou por abrir portas a uma série de outros movimentos de vanguarda que buscavam a integração das artes, como é o caso da Deutscher Werkbund (19071938) ou da Bauhaus (1919-1933), ambas na Alemanha. Assim como o Arts & Crafts, a Deutscher Werkbund tinha como finalidade o trabalho conjunto dos diferentes profissionais, mas diferentemente do primeiro, a Werkbund não se opôs à mecanização, e sim procurou se aliar a esta através de tentativas de inserção da arte na indústria. Segundo Amy Dempsey, o movimento buscou o “aperfeiçoamento do trabalho profissional mediante a cooperação da arte, da indústria e do artesanato, da educação, da publicidade e de atitudes unificadas em relação a questões pertinentes.”7 Os profissionais da Deutscher Werkbund trabalhavam em todas as escalas de projeto, abrangendo desde o projeto de arquitetura até o desenho industrial dos objetos utilitários. O arquiteto Hermann Muthesius era o principal integrante, mas o movimento teve a participação de outras figuras importantes mais diretamente ligadas à arquitetura, como Peter Behrens e Josef Hoffmann. Diferentemente do Arts & Crafts, a Deutscher Werkbund chegou a projetar mobiliários para serem produzidos de forma mecânica. Isso tornava o preço acessível e facilitava as vendas das peças. Doze anos depois da fundação da Deutscher Werkbund, a Bauhaus foi fundada para ser, como o próprio nome diz, uma “casa/escola de construção” com a possibilidade de formação de oficiais (especialista em algum material) ou jovens mestres (formado em arquitetura). O grande desafio enfrentado pela Bauhaus era o de justamente inserir as preocupações do Arts & Crafts em uma escala industrial. Em 1919 foi lançado por Walter Gropius o manifesto de fundação da Bauhaus que trazia como ilustração uma catedral gótica, símbolo da união entre as artes. 7 DEMPSEY, Amy. Estilos, escolas e movimentos. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p.80. 27 A Bauhaus visa juntar todo esforço criativo num todo, para reunificar todas as disciplinas da arte prática – escultura, pintura, artesanatos e os ofícios – 8 como componentes inseparáveis de uma nova arquitetura. Figura 6 – Manifesto da Bauhaus. Fonte: DROSTE, 2006. p.18. A ilustração da catedral gótica pode ser interpretada como uma forma de exteriorizar um dos objetivos principais da Bauhaus: a união entre as artes. A escola sempre buscou formar profissionais que trabalhassem de forma integrada – arquitetura, escultura, pintura, tecelagem, etc. – e que tivessem o domínio para atuar em qualquer área. Segundo Frampton, os princípios de proclamação da Bauhaus de 1919 tinham sido antecipados por Bruno Taut, no seu programa para o movimento Arbeitsrat für Kunst. Publicado no final de 1918, Taut afirmou seu pensamento de que cada ofício deveria contribuir para uma nova obra de arte única, resultante da 8 Walter Gropius: Programme of the Staatliches Bauhaus in Weimar. “The Bauhaus strives to bring together all creative effort into one whole, to reunify all the disciplines of practical art – sculpture, painting, handicrafts, and the crafts – as inseparable components of a new architecture.” In: CONRADS, Ulrich. Progams and manifestoes on 20th-century architecture. Cambridge: MIT Press, 1999. p.50. Tradução da autora. 28 união entre estas diferentes disciplinas: “A essa altura, escreveu, não existirão fronteiras entre os ofícios, a escultura e a pintura; tudo será uma coisa só, a Arquitetura.”9 Para que a Bauhaus atingisse seus objetivos, a estrutura do curso era diferenciada e dividida em três partes principais. Primeiro, o Curso de Aprendizes ou Preliminar, que tinha duração de seis meses e era baseado na experimentação. Nele, os alunos tinham contato com todo tipo de material e buscavam descobrir novas formas de manuseio destes através de experimentos. Segundo, o Curso de Oficiais ou Específico, que tinha duração de três anos e onde o aluno procurava se especializar em um dos ateliês (madeira, metal, tecidos, pintura, vidro, argila, pedra, outros). Por meio de aulas práticas e teóricas sobre os materiais e técnicas, os alunos buscavam criar novas soluções e peças, tudo com o objetivo da padronização e reprodução industrial com valor artístico. Por fim, existia o Curso de Jovens Mestres ou de Arquitetura que possuía uma duração variável. Para a escola, não se poderia fazer uma boa arquitetura sem a união de todas as formas de arte e esta deve estar presente em todas as escalas – desde os detalhes de mobiliários até a escala do edifício. Figura 7 – Estruturação do curso da Bauhaus. Fonte: WINGLER, 1962. p. 34. 9 Programa arquitetônico de Bruno Taut para o Arbeitsrat für Kunst, publicado em fins de 1918. In: FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.147. 29 Os meios de ensino possibilitavam aos alunos um contato contínuo com a realidade de trabalho, ou seja, o ensino visava sempre o mercado e suas necessidades. Os docentes eram extremamente criativos e encorajavam os alunos a pensar, criar, e não ficar pensando em nada que fora produzido anteriormente. Os projetos tinham como base o custo dos produtos, e visavam integrar o design à padronização (standartização). Em 1922, a Bauhaus recebeu a visita de Theo van Doesburg, uma das principais figuras do Neoplasticismo e esta visita causou grande impacto na escola. Segundo Curtis, “a partir deste momento, formas influenciadas pelo De Stïjl se tornaram a base de uma linguagem geral do design e uma grande ênfase na reintegração entre forma e indústria foi novamente trazida à tona.”10 Este momento de orientação mais forte em direção à standartização levou à saída dos primeiros professores da escola mais ligados ao expressionismo, como Johannes Itten e Lyonel Feininger Figura 8 – Anúncio de empresa para venda de mobiliário produzido pela Bauhaus. Fonte: WINGLER, 1962. p.56. A formação do profissional só era possível mediante a cooperação e conhecimento dos profissionais das diferentes áreas. As artes plásticas tinham seu papel na arquitetura, e elas não deveriam ser desvinculadas do espaço. Inclusive, a 10 CURTIS, William J. R. Modern Architecture since 1900. Oxford: Phaidon Press, 1987. p.125. 30 arquitetura é uma arte plástica. Esta preocupação com os profissionais e o papel da arte na arquitetura foi bem ilustrada por Walter Gropius: A finalidade de qualquer atividade decorativa é a arquitetura. Em outros tempos, a missão mais sublime das artes figurativas era decorar os edifícios, e portanto, formavam parte inseparável da grande arquitetura. Na atualidade, se encontram num estado de isolamento autárquico, do qual só é possível escapar mediante uma colaboração consciente de todos aqueles que atuam neste campo. Arquitetos, pintores e escultores tem de aprender novamente a conhecer e compreender a completa forma da arquitetura, em sua totalidade, em suas partes, com a qual poderão restituir às suas obras aquele espírito arquitetônico que se perdeu com a arte de salão. [...] Arquitetos, escultores, pintores, todos temos que voltar ao artesanato! [...] Apostemos todas nossa vontade, nossa inventividade, nossa criatividade na nova atividade construtora do futuro, que será toda em uma só forma: arquitetura e escultura e pintura, e que milhares de mãos de artesão se elevarão aos céus como símbolo cristalino de uma nova fé que está 11 surgindo. Alguns estudiosos afirmam que a Bauhaus teve diferentes fases, estando entre elas a chamada de expressionista (primeira fase), de 1919 a 1923, quando a escola se localizava em Weimar e estava sob a direção de Walter Gropius. Neste momento, fizeram parte da escola figuras como Johannes Itten, que possuía uma postura ligada muito à emoção e ao espiritual, sendo considerada por alguns uma postura mística12; Lazlo Móholy-Nagy, importante designer, fotógrafo e pintor muito influenciado pelo construtivismo russo; Paul Klee e Wassily Kandinsky como artistas plásticos e professores que contribuíram para a elaboração de um método para a forma de projetar que leva a uma arquitetura simples, com formas puras e racionais e o arquiteto Marcel Breuer, que tentou conseguir uma boa estética reduzindo tudo ao mínimo, aspecto que se assemelha ao objetivo do Neoplasticismo. A fase seguinte durou de 1927 a 1929, quando a escola estava localizada em Dessau e construiu seu edifício sede, considerado como um verdadeiro manifesto da escola. Hannes Meyer assumiu a direção (1928) e a racionalização foi ainda mais enfatizada. Mais uma vez, este fato fez com que alguns saíssem da Bauhaus sob a 11 GROPIUS, Walter. Programa de la Bauhaus Estatal de Weimar. (1919). In: WINGLER, Hans M.. La Bauhaus – Weimar, Dessau, Berlin – 1919-1933. Barcelona: Gustavo Gili, 1962. p.40. 12 FRAMPTON, Kenneth. Op. Cit. 1997, p.149. 31 justificativa de que era uma contradição favorecer o racionalismo se a proposta inicial era a união da racionalidade e artesanato. As oficinas existentes sofreram alterações, foram fechadas e/ou novas foram criadas. Meyer reformulou a estrutura da escola, que passou a possuir quatro departamentos principais: arquitetura, publicidade, produção em madeira e metal, e têxteis.13 Em 1930, Mies van der Rohe assumiu a direção e em 1932 a Bauhaus foi para Berlim, onde foi fechada pelos nazistas em 1933. Pouco antes da Bauhaus ter sido forçada a encerrar suas atividades, Sigfried Giedion publicou em seu livro “Espaço, Tempo e Arquitetura” uma imagem do edifício-manifesto da Bauhaus (Dessau) disposto lado a lado com uma tela cubista do pintor Pablo Picasso. A imagem do edifício destaca uma nova concepção do espaço, que utiliza simultaneidade de pontos de vista e a perda do espaço perspectival. Figura 9 – Comparação de tela de Picasso com Edifício da Bauhaus. Fonte: GIEDION, 2004. p.522-523. 13 ibidem, p.154. 32 A contraposição com a tela de Picasso faz uma ligação entre as realizações da Bauhaus e as discussões feitas no Cubismo (1907-1914), décadas antes. Esta vanguarda que não teve muitas realizações na arquitetura mostrou-se no início no fim do século XIX como responsável por uma das maiores revoluções na questão da representação pictórica da época. As investigações do cubismo se iniciaram com uma pintura de Cézanne, Casa y granja em Jas des Bouffan (1885-1887), onde deformações e perspectivas não centradas estão presentes, assim como a ênfase na individualidade do objeto e o menosprezo do espaço envolvente. Segundo Marchán Fiz, foi a partir deste momento que a pintura começou a ser representada por perspectivas espaciais simultâneas e heterogêneas, em vários tempos diferentes com angulações onde se rompem os planos estáticos do fundo a favor dos dinâmicos da arquitetura.14 Nestas telas, assim como várias outras paisagens de Cézanne, a paisagem em si não era o mais importante a ser retratado, mas sim uma composição geométrica de planos e cores que ganhava autonomia frente à própria paisagem. Figura 10 – Paul Cézanne. Vue panoramique (1874). Fonte: www.flickr.com. Alguns anos depois, com Braque e Picasso, o cubismo ganhou força e se tornou um dos movimentos de maior importância da arte moderna. A proposta de seus 14 MARCHÁN FIZ, Simon. Contaminaciones Figurativas. Madrid: Alianza Editorial, 1986. p.173-174. 33 membros era de romper com a visão conservadora da perspectiva e incluir vários pontos de vista de um mesmo objeto na mesma representação. Seria um processo de desconstrução espacial. Para Picasso, segundo Amy Dempsey, o desafio do cubismo consistia em representar três dimensões na superfície bidimensional da tela. Braque, por outro lado, queria explorar a pintura do volume e da massa no espaço.15 O Espaço tridimensional do Renascimento é o espaço da geometria euclidiana. Por volta de 1830, foi criado um novo tipo de geometria, que diferia daquele de Euclides, ao empregar mais do que três dimensões. Tais geometrias continuaram a se desenvolver até os dias de hoje, quando atingem um estágio em que os matemáticos lidam com formas e dimensões que não podem ser apreendidas pela imaginação. [...] Percebe os objetos relativamente: isto é, a partir de vários pontos de vista, nenhum deles tendo predomínio absoluto sobre os demais. Ao dissecar os objetos, percebe-os simultaneamente, por todos os lados – por cima e por baixo, por dentro e por fora, circundando-os e penetrando-os. Dessa maneira, às três dimensões do Renascimento, que haviam se mantido como fatos constituintes por tantos séculos, é acrescentada uma quarta – o 16 tempo. É justamente esta questão da nova espacialidade, do uso de diferentes planos de visão superpostos que Giedion chamou atenção em relação à arquitetura moderna. A utilização de planos transparentes cria novas possibilidades de observação, os planos exteriores e interiores podem ser apreciados ao mesmo tempo. É como se houvesse uma quarta dimensão na arquitetura: o tempo, e que esta dimensão pudesse permitir ao observador ter várias visadas num mesmo instante, como numa colagem cubista de Braque ou Picasso. 15 DEMPSEY, Amy. Op. cit., 2003. p.84. GIEDION, Sigfried. Espaço, tempo e arquitetura: o desenvolvimento de uma nova tradição. São Paulo, Martins Fontes, 2004. p.464. 16 34 Figura 11 – Pablo Picasso. Natureza-morta com cadeira de palha, 1911-12. Fonte: DEMPSEY, 2003. p.84. A preocupação das vanguardas em relação à industrialização era bastante evidente, e alguns movimentos que aconteceram principalmente nos países que estavam em situação financeira abalada precisavam se reerguer com a imagem de progresso e modernidade. A imagem da máquina, das indústrias, foi utilizada na arte como instrumento social em movimentos como o Arbeitsrat Für Kunst (1918-1921), e Construtivismo Russo (1919-1923). Ambos os movimentos tinham cunho político e social bastante trabalhado e defenderam a inclusão da arte nas tarefas de toda a sociedade. Fundado em Berlim, em 1918/19 e presidido por Walter Gropius, César Klein e Adolf Behne, o movimento Arbeitsrat Für Kunst (Conselho dos Trabalhadores da Arte) tinha, como muitos outros um objetivo político, pois procurava criar uma nova arquitetura que fosse voltada para a nova sociedade que estava se reerguendo após a Primeira Guerra Mundial, mas seu objetivo principal era unir as diferentes formas de arte numa obra maior: a arquitetura. O Conselho dos Trabalhadores da Arte espera poder atingir num futuro próximo os objetivos formulados no extrato de programa que se segue: ‘A arte e o povo devem formar uma unidade. A arte não deve mais ser o privilégio de uma minoria, mas a alegria e a vida das massas. Nosso 17 objetivo é a integração das artes em uma grande arquitetura’. A arte e o povo precisam formar uma entidade. A arte não mais será o luxo 18 de uns poucos, mas deve ser apreciada e vivenciada por amplas massas. 17 KOPP, Anatole. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Ed. Nobel, 1990. p.28. 18 Trecho do manifesto do Arbeitsrat für Kunst. In: DEMPSEY, Amy. Op. cit., 2004. p.126. 35 Precisamos querer, imaginar e criar o novo conceito arquitetônico em cooperativa. Pintores, escultores, derrubem as barreiras que cercam a arquitetura e transformem-se em participantes de uma mesma construção, bem como em companheiros de armas em prol do objetivo fundamental da arte: a idéia criativa da Catedral do Futuro [Zukunftskathedrale], que mais uma vez a tudo abarcará em uma única forma – arquitetura, escultura e 19 pintura. Um ano após a fundação do Arbeitsrat Für Kunst, surgiu na Rússia o Construtivismo Russo. Liderado por Vladimir Tátlin, o movimento defendeu o geometrismo abstrato na construção unido à questão da industrialização e do uso de novos materiais (metal, vidro, etc.), e foi claramente influenciado pelo cubismo e futurismo, assim como afirma Krauss (2007): Os pintores vanguardistas russos já haviam tomado conhecimento dos movimentos futurista e cubista; na verdade, o primeiro Manifesto Futurista fora traduzido para o russo e começara a surtir efeito nos círculos artísticos 20 moscovitas em 1910. Como a situação econômica do país não era favorável, o Construtivismo funcionaria como um movimento de sonhos, que visava levantar a moral do povo russo utilizando a arte como instrumento de transformação social. Figura 12 (esq.) – Cartaz produzido por Samokhvalov, 1924. Fonte: http://www.artesanatonarede.com.br/. Acesso em: 13 de Setembro de 2010. Figura 13 (dir.) – Vladimir Tátlin. Monumento à Terceira Internacional (1919). Fonte: DEMPSEY, 2003. p.107. 19 Trecho da introdução escrita por Walter Gropius para a Exposição de Arquitetos Desconhecidos, 1919. FRAMPTON, Kenneth. Op. cit., p.141. 20 KRAUSS, Rosalind. E. Caminhos da escultura moderna. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2007. p.65. 36 Tátlin afirmava que a arte deveria produzir obras que servissem para o povo, a escultura e a pintura deveriam ter uma funcionalidade e deveriam ser construídas com materiais da arquitetura, pois tudo é construção e não representação. A função deveria ficar à mostra. "Para Tátlin, a arte poderia e deveria exercer um impacto sobre a sociedade."21 Com a Revolução Bolchevique, em 1917, surgiram novas oportunidades para os artistas construtivistas. A proposta da criação de uma nova sociedade animou a todos para unir trabalhadores, cientistas e engenheiros. Em 1919, Tátlin apresentou o Monumento à Terceira Internacional que era, segundo ele, “a união de formas puramente artísticas (pintura, escultura e arquitetura) tendo em vista um propósito utilitário.”22 Os anos 1920 marcaram o auge do construtivismo. Foi nesta década que os artistas começaram a produzir desde cerâmica até mobiliário aplicando a arte abstrata a objetos práticos. Neste momento, El Lissitzky lançou o proun, abreviatura de “ProUnovis” (a escola para a nova arte), que serviu de título para muitas de suas composições. As produções construtivistas foram muito utilizadas para um fim social, como alguns cartazes colocados nas portas de fábricas conclamando e encorajando os trabalhadores para a construção da nova ordem. Figura 14 – El Lissitzky. Proun 2 (1920). National Gallery, Washington-D.C. Foto: Fernando Diniz. No campo da arquitetura pode-se destacar Ivan Leonidov, Konstantin Mélnikov, os irmãos Aleksandr, Leonid e Victor Vesnin como figuras principais. A arquitetura 21 22 DEMPSEY, Amy. Op. cit. 2003. p.106. Vladmir Tátlin. In: Idem. 37 construtivista não se concretizou, mas foi bem explorada em projetos. Eram projetos ousados, com materiais industriais e com ênfase na transparência da função. Seria uma forma de legitimação do novo regime, utilizando a arquitetura como um instrumento a serviço da construção de um novo mundo. Para isso, a arte deveria comunicar, externar a força da construção, mostrar os novos materiais e técnicas, existia a incorporação de grandes letreiros, anúncios e relógios, tudo incorporado ao edifício. Outros movimentos também tiveram como objetivo principal a busca de uma arte geométrica, racional, e chegaram a extremos como basear-se em cálculos. Foi o caso do Neoplasticismo (ou De Stïjl) (1917-1932). Surgido na Holanda, o De Stïjl defendeu uma arte abstrata onde o volume tridimensional seria reduzido ao plano, restando apenas os seus elementos mais puros. Para o movimento, o plano era um novo elemento de plasticidade onde seriam explorados os traços essenciais da composição plástica por meio de linhas verticais e horizontais e o uso das cores primárias, procurando assim a uma linguagem mais simples e pura para a pintura. O movimento teve como principais atores o pintor holandês Piet Mondrian, o também pintor e arquiteto Theo Van Doesburg e o arquiteto Gerrit Ritveld. Mondrian e Doesburg, em seus artigos na revista De Stïjl, rejeitaram a idéia de arte como representação, a textura, a linha curva e a modelagem, e tudo isso deveria ser representado com um jogo de contrastes: linhas pretas x planos brancos; planos abertos x fechados, linhas finas x espessas. Os integrantes do movimento realizaram várias experimentações em busca de apresentar “as formas elementares da arquitetura” e, em 1920, Doesburg produziu o desenho “Relação entre planos horizontais e verticais”, que mostra planos suspensos estabelecendo relações espaciais. Seria a migração dos princípios neoplásticos para campos concretos, como o da arquitetura. Tempos depois, Doesburg fez alguns estudos com o arquiteto Van Eesteren para construções. Juntos, produziram desenhos e maquetes de casas arrojadas, com planos que se interceptavam, fragmentação da massa compacta e uso das cores primárias. 38 Figura 15 (esq.) – Theo Van Doesburg. Relação entre planos horizontais e verticais, 1920. Fonte: GIEDION, 2004. p. 178. Figura 16 (dir.) – Theo Van Doesburg e Van Eesteren. Projeto para uma villa, 1923. Fonte: Relação entre planos horizontais e verticais, 1920. Fonte: GIEDION, 2004. p. 470. Para o Neoplasticismo, o espaço não deveria conter a arte, este espaço era a verdadeira arte, como afirmaram Van Doesburg e Van Eesteren: É preciso entender que a vida e arte deixaram de ser domínios separados. É por isso que a “idéia” da “arte” como uma ilusão separada da vida real deve ser banida. A palavra “arte” não significa mais nada para nós. Em seu lugar exigimos a construção de nosso ambiente segundo leis criativas baseadas em um princípio fixo. Essas leis, seguindo as da economia, da matemática, da técnica, do saneamento, etc., estão levando a uma nova 23 unidade plástica. No campo da arquitetura, os ideais neoplasticistas foram evidenciados através de tetos planos, ângulos retos, linhas retas, planos em diferentes níveis que se interceptavam criando um volume fragmentado e complexo, com grande rigor geométrico e cores primárias. A edificação que melhor ilustra a materialização dos princípios neoplásticos é a Casa Schröder (1924), em Utrecht, de Gerrit Rietveld. Percebe-se o rigor da ortogonalidade dos volumes, a ausência de simetria, o deslocamento das aberturas para as esquinas dos volumes, e as cores primárias. No interior percebemos que os princípios da interpenetração de planos, cores primárias e ortogonalidade permanecem. Seria como se o usuário penetrasse num quadro de Mondrian ou num dos estudos para casas de Theo Van Doesburg. Sobre a casa, Frampton destaca: A casa estava de acordo com os ditames do arquiteto, pois era elementar, econômica e funcional; não-monumental e dinâmica; anticúbica em sua forma e antidecorativa em sua cor. Seu principal nível habitacional no andar superior, com sua ‘planta transformável’ aberta, exemplificava, apesar de 23 Trecho do ensaio Vers une construction collective (Por uma construção coletiva), publicado em 1924. Fonte: FRAMPTON, Kenneth. Op.cit., p.177. 39 sua construção tradicional em alvenaria e madeira, seu postulado de uma arquitetura dinâmica liberada do empecilho de paredes estruturais e das 24 restrições impostas por aberturas. Figura 17 (esq.) – Gerrit Rietveld. Casa Schröeder (1924). Imagem Externa. Foto: Fernando Diniz. Figura 18 (dir.) – Gerrit Rietveld. Casa Schröeder (1924) - Imagem Interna. Fonte: OVERY, 1991. p.122. Por volta de 1924, Doesburg começou a inserir em suas experimentações a linha rotacionada a 45º, alteração esta que o artista denominou como Elementarismo. Segundo Dempsey, “Van Doesburg passou a investigar as possibilidades da linha diagonal em relação ao elementarismo e com seu manifesto intitulado ‘A base da arte concreta’ (1930), tornou-se o fundador da Arte concreta, que se desenvolveria mais amplamente após a sua morte, ocorrida em 1931.”25 No manifesto da arte concreta, Doesburg continuou a defender a arte geométrica, ou seja, uma arte não-figurativa: Declaramos: 1. A arte é universal. 2. A obra de arte deve ser inteiramente concebida e formada pela mente antes de sua execução. Ela não deve receber nada das propriedades formais da natureza ou da sensualidade e do sentimentalismo. Queremos excluir o lirismo, a dramaticidade, o simbolismo etc. 3. O quadro deve ser construído inteiramente a partir de elementos puramente plásticos, isto é, superfícies e cores. Um elemento pictórico não possui outro significado além de ‘si mesmo’. 4. A construção do quadro, bem como seus elementos, deve ser simples e controlável visualmente. 5. A técnica deve ser mecânica, isto é, exata e 26 antiimpressionista. 6. Esforço visando absoluta clareza . Assim como o Neoplasticismo, os artistas que seguiram a arte concreta se basearam no puro racionalismo, às vezes até em fórmulas matemáticas e conceitos científicos. 24 ibidem, p.175. DEMPSEY, Amy. Op. cit., 2003. p.123. 26 Manifesto “As bases da arte concreta”, escrito por Theo van Doesburg e publicado no primeiro número da revista Art Concret, em abril de 1930. In: ibidem, p.159. 25 40 Tudo era bastante claro, haveria uma predileção por formas geométricas puras e superfícies homogêneas.27 Em 1936, o arquiteto e ex-aluno da Bauhaus Max Bill reelaborou o conceito de arte concreta como uma arte objetiva, regida pela matemática. Bill afirmou que o quadro concreto seria a “concretização de uma idéia”, uma “realidade que pode ser controlada e observada.”28 Na década de 1950, Bill fundou a Hochschule für Gestaltung (Escola Superior da Forma), em Ulm, com a idéia de que ela fosse uma continuação da Bauhaus. A Escola de Ulm tentou levar adiante o princípio de que “a matemática é o meio mais eficiente para o conhecimento da realidade objetiva e uma obra plástica deve ser ordenada pela geometria e pela clareza da forma.”29 A partir desta escola, a arte concreta passou a ser considerada um movimento ou uma tendência artística, ou seja, o Concretismo. Como exemplo deste movimento, pode-se citar a composição Ritmo em quatro quadrados, de Max Bill. Figura 19 – Max Bill. Ritmo em quatro quadrados. Fonte: DEMPSEY, 2003. p.160. O movimento continuado por Max Bill influenciou vários artistas, inclusive no Brasil, onde se desenvolveram grupos descendentes da vanguarda européia. No Rio de Janeiro a artista Lygia Clark fez experimentos em maquetes e publicou textos que externavam o anseio da migração dos ideais dos movimentos para a arquitetura através da união do trabalho dos arquitetos e artistas plásticos, o que será tratado mais a fundo no capítulo 2 deste trabalho. 27 ibidem, p.160. SOUSA, Cíntia G. S. Desdobramentos: artista-obra-público. In: Congresso Nacional e II Regional do Curso de História, 2008, Jatai. Uma Corte Européia nos Trópicos, 2008. p.07. 29 Fonte: http://www.itaucultural.org.br/. Acesso em: 13 de Setembro de 2007. 28 41 Figura 20 – Lygia Clark. Maquete para interior nº 1 (1955). Fonte: http://www.mac.usp.br/. Acesso em 30 de Janeiro de 2008. Naquele momento, fim dos anos 1940 e início da década de 1950, outros movimentos, debates e publicações de textos sobre a integração das artes plásticas e arquitetura e o estímulo à junção entre os profissionais das diferentes áreas continuaram a ocorrer. Foi o caso das tentativas de André Blóc, pintor francês, que juntamente com Le Corbusier fundou em Paris no ano de 1949 a Associação por uma Síntese das Artes Plásticas, que objetivava a colaboração entre arquitetos e artistas. Em 1951, Blóc fundou o Groupe Espace, grupo que incluiu artistas como Victor Vasarely e Edgard Pillet e arquitetos, como Richard Neutra. O grupo realizou uma série de pesquisas pictóricas através dos ideais do construtivismo e neoplasticismo para aplicá-los ao urbanismo. Para os integrantes do Groupe Espace, pintura, escultura, arquitetura e as artes em geral eram um fenômeno social, e, como seu próprio nome diz, os artistas estavam preocupados com o espaço na arte, arquitetura e planejamento urbano.30 Em 1952 ocorreu em Veneza o Congresso Internacional de Artistas, onde Le Corbusier apresentou sua comunicação intitulada Canteiro de Síntese das Artes Maiores. Neste texto, Corbusier destacou a pintura e escultura como elementos que provocam a emoção, além de propor que as obras fossem realizadas como num canteiro, onde houvesse plena integração de profissionais e trocas de conhecimentos entre pintores, escultores e arquitetos, atingindo assim o canteiro de síntese das artes maiores. 30 WALKER, John A. Glossary of Art, Architecture & Design since 1945. New York: G. K. Hall, 1992. 42 Com este breve panorama, percebemos que a relação entre artes plásticas e arquitetura foi algo discutido em muitos dos movimentos de vanguarda do século XX. Os primeiros questionamentos sobre a questão da inclusão e resgate do sentido artísticos das obras desde a revolução industrial e o Arts & Crafts passou por movimentos dentro do século XX que tinham principalmente funções sociais, de mobilização da população e de igualdade de classes. Movimentos como Bauhaus, Deutscher Werkbund, Arbeitsrat für Kunst, Concretismo, entre outros, fizeram apelo à integração dos diferentes ofícios e atingiram as classes operárias com a disseminação e repercussão de seus manifestos e propostas. Novas concepções espaciais foram criadas, ocorreu um distanciamento da arte figurativa, da arte de cavalete e dos espaços convencionais para a afirmação de uma arte integrada, arte como parte do edifício, sem desvinculação. Tudo deveria ser planejado em todas as escalas, desde o detalhe do corrimão da escada até o edifício como um todo. Seu espaço resultante de todos estes detalhes formaria a obra-total, o edifício. Portanto, todos estes movimentos procuraram quebrar barreiras, colocando os diferentes profissionais num mesmo patamar, como colaboradores em prol de um objetivo único: uma obra de arte maior, a arquitetura. 1.2 O Pós-guerra, Monumentalidade e Civismo Como visto há pouco, a arte no período entre meados do século XIX e o fim da segunda guerra mundial foi influenciada por vários eventos. Muitas discussões acontecidas a partir da Revolução Industrial recorreram à arte como meio de expressão dos problemas sociais e isto nos faz perceber que a integração entre artes plásticas e arquitetura apareceu repetidas vezes como um tema digno de preocupação e de necessidade. Na primeira metade do século XX, marcada pelas duas guerras mundiais, a reconstrução dos países afetados era algo emergencial, sobretudo no que se referia às construções habitacionais. Neste momento, começaram a surgir questionamentos sobre o como construir/reconstruir estas cidades. Algumas sociedades buscaram na arte uma nova identidade para reconstruir seus países, já outras focaram na busca da reprodução de meios extremamente lógicos e matemáticos para a rápida reconstrução, sem levar em conta a dimensão artística nas construções. 43 Considerando o universo dos acontecimentos do século XX, o período que compreendeu as décadas de 1930 até 1960 mostra-se como o de maior efervescência no cenário internacional sobre a questão da integração das artes. É durante este intervalo que apareceu um maior número de discussões em várias partes do globo e em algumas destas foram produzidos importantes textos sobre o assunto. Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, CIAM, foram palco de muitas dessas discussões. No IV CIAM (Atenas, 1933), Fernand Léger apresentou seu texto intitulado “A parede, o arquiteto, o pintor”, onde ele refletiu sobre o uso da cor na arquitetura e propôs o trabalho conjunto entre arquitetos e pintores.31 Léger defendia que a cor tem o poder de mudar o espaço. Em seu texto publicado em 1946 intitulado “A arquitetura moderna e a cor – ou – A criação de um novo espaço vital”, ele ilustrou bem a influência da cor no espaço: “Como criar um sentimento de espaço, de ruptura dos limites? Pela cor, simplesmente, por paredes de cores diferentes. O apartamento que chamarei de ‘retângulo habitável’, vai se transformar em ‘retângulo elástico’. Uma parede azul-clara recua, uma parede preta avança. Uma parede amarela desaparece (destruição da parede). As novas possibilidades são múltiplas. Um piano preto, por exemplo, contra uma parede amarelo-clara, cria um choque visual que pode diminuir o sentimento 32 de dimensão.” E sobre a colaboração entre as três artes maiores, destacou: “A arquitetura moderna tem um trabalho considerável a realizar neste domínio. Seria atingir, construir, inventar o grande monumento popular, a obra harmoniosa nova, em que as três artes maiores devem colaborar: 33 arquitetura, pintura, escultura.” Em 1943, Sigfried Giedion, Fernand Léger e Josep Lluis Sert escreveram um manifesto intitulado Nove Pontos da Monumentalidade, apresentado no VI CIAM, em Bridgwater – Inglaterra (1947). O manifesto criticou o favorecimento do funcionalismo da arquitetura moderna e a revolução técnica desenvolvidos no período entre guerras em sobreposição aos valores emocionais das cidades, e esta busca objetivou justamente resgatar estes valores da arquitetura e o conseqüente senso de monumentalidade. Através da união dos artistas como arquitetos, urbanistas, pintores, escultores e paisagistas poder-se-ia atingir uma 31 FERNANDES, F. Síntese das Artes e cultura urbana. Relações entre arte, arquitetura e cidade. In: 8º Seminário DOCOMOMO Brasil. Rio de Janeiro, 2009. 32 LEGER, Fernand. Funções da pintura. São Paulo: Ed. Nobel, 1989. p.111. 33 Idem. 44 monumentalidade que expressasse valores cívicos, ou seja, a integração das artes foi apontada por eles como uma das formas de se recuperar este senso. “[...] 7) As pessoas querem que os edifícios que representam sua vida social e comunitária proporcionem algo além da mera satisfação funcional. Elas querem satisfazer seus desejos pela monumentalidade, diversão, orgulho e alegria. As condições seguintes são essenciais: um monumento como sendo a integração do trabalho do planejador, arquiteto, pintor, escultor, e paisagista precisa de uma colaboração conjunta entre todos eles. Essa colaboração tem fracassado nos últimos cem anos. A maioria dos arquitetos modernos não foi treinada para esse tipo de trabalho integrado. As tarefas monumentais não foram confiadas para eles. [...] 8) Locais para os monumentos devem ser planejados. Isso é possível logo que replanejar é comprometer-se em larga escala, o que resulta em grandes espaços abertos nas áreas decadentes existentes das nossas cidades. Nestes espaços abertos, a arquitetura monumental vai encontrar a localização apropriada que, no momento, não existe. Edifícios monumentais serão então capazes de se erguer no espaço, ao contrário de, como árvores e plantas, edifícios monumentais não podem ser povoados sobre qualquer lote único ou em qualquer região. Apenas quando este espaço é concluído, 34 os novos centros urbanos podem tornar à vida.[...]” Além da questão da integração das artes, a busca pela nova monumentalidade enfatizou muito a questão da vida comunitária, democrática e popular. Defendeu a criação de centros cívicos e, segundo Rodrigues, as comunidades urbanas se identificariam com as obras erguidas pela nova monumentalidade, uma vez que estas representariam o povo, e não o Estado Centralizador.35 Os conceitos defendidos por esta busca de uma nova monumentalidade estão expressos, por exemplo, em Chandigarh, cidade projetada por Le Corbusier, em 1953. O centro cívico se encontra em local planejado e os edifícios foram pensados como um conjunto. O caráter monumental dos edifícios é ressaltado até mesmo em questão de escala. Os edifícios têm todo um planejamento estético, com aplicação de diferentes texturas e possuem diálogo com painéis e formas esculturais. 34 SERT, J. L. LEGER, F. GIEDION, S. Nine Points on Monumentality (1943). In: Harvard Architecture Review, 1984. p.62. Tradução da autora. 35 RODRIGUES, C. M. Cidade, monumentalidade e poder. In: Revista GEOgraphia, vol. 3, nº. 6, Disponível em: http://www.uff.br/geographia/ojs/index.php/geographia/article/view/65/63. Acesso em: 02 de junho de 2010. 45 Figura 21 – Le Corbusier. Plano para a cidade de Chandigarh. Fonte: http://www.unb.br/. Acesso em: 06 de Novembro de 2007. 1.3 Arte, Arquitetura e a América Latina As discussões sobre arte e arquitetura modernas não se limitaram somente à Europa. Estes debates sobre a relação entre artes plásticas e arquitetura geraram realizações importantes dentro da América Latina. Alguns debates ocorridos na America Latina sobre a integração das artes chegaram a anteceder o manifesto de Léger, Sert e Giedion, como aconteceu na Argentina e Uruguai (debates da região de Rio de La Plata). Como exemplos de realizações de grande importância na relação entre artes plásticas e arquitetura, e, conseqüentemente relação entre artistas plásticos e arquitetos, Paul Damaz e Carlos Brillembourg apontam as cidades universitárias da Cidade do México (México) e de Caracas (Venezuela) e o edifício do Ministério de Educação e Saúde, no Rio de Janeiro (Brasil). Este último será tratado mais profundamente no próximo capítulo. Já as cidades universitárias do México e de Caracas são obras em uma escala maior e que possuem como diferencial, respectivamente, o uso de murais e esculturas em consonância com as edificações. Ambas foram reconhecidas como Patrimônio da Humanidade nos anos de 2007 (México) e 2009 (Caracas). A integração das artes foi uma das qualidades mais celebradas na arquitetura moderna brasileira, como se pode perceber nas decorações aplicadas e na participação colaborativa de um time de pintores, escultores, arquitetos e paisagistas na criação do Ministério de Educação do Rio de Janeiro. A inauguração da Cidade Universitária do México e da praça coberta de Caracas no início dos anos 1950 deu um novo impulso a essa tendência, que Henry-Russel Hitchcock considerou uma característica 46 latino-americana, pois as elites locais “esperam mais dos arquitetos do que 36 puramente ‘soluções funcionais’”. O campus da universidade do México se destaca bastante pela sua escala e pelos seus grandes murais coloridos. O projeto é composto por vários edifícios e murais concebidos por diferentes arquitetos e artistas que ressaltaram em suas obras a arte pré-colombiana do México. Edward Burian considera o campus como uma obra de arte total (gesantkunstwerk), que busca uma forma de atingir o sentido de uma obra autêntica e “[...] introduzir o espírito da nação e os valores culturais através da participação dos artistas.”37 Figura 22 (esq.) – Biblioteca Central da UNAM. Mosaico de pedra de Juan O’Gorman. Foto: Carla Cortês. Figura 23 (dir.) – Mural de pedra da Biblioteca Central da UNAM. Foto: Carla Cortês. A questão cultural é o ponto crucial para se entender o projeto da Cidade Universitária do México (UNAM). Segundo Burian, “a arquitetura representa a contradição de ser moderno ao mesmo tempo que mostra sua identidade nacional. [...] O sonho do homem mexicano representa o paradoxo de ser, ao mesmo tempo, moderno e Mexicano, internacional e nacional”38. A UNAM é um verdadeiro tributo 36 “Integration of the arts was one of the most celebrated qualities of Brazilian modern architecture, as evidenced in the use of applied decoration and the collaborative participation of a team of painters, sculptors, architects, and landscape experts in the creation of Rio de Janeiro’s Ministry of Education. The inauguration of the University City in Mexico and the covered plaza in Caracas in the early 1950s gave another boost to this trend, which Henry-Russell Hitchcock would consider a Latin American characteristic because local elites ‘expect more from architects than purely ‘functional solutions’.” LIERNUR, Jorge Francisco. Abstraction, architecture and the ‘Synthesis of arts’ – Debates on the Rio de la Plata – 1936-1956. In: BRILLEMBOURG, Carlos. Latin American Architecture 1929-1960: Contemporary Reflections. New York: The Monacelli Press, 2004. p.80. Tradução da autora. 37 “The integration of artists, artisans, and architects proclaimed by the Bauhaus was the logical way in Mexico of introducing the nation's spirit and cultural values through the participation of artists.” ZAMBRANO, Celia E. A. Modernity in Mexico: The casa of the Ciudad Universitaria. In: BURIAN, Edward. Modernity and the Architecture of México. Austin: University of Texas Press, 1997. p.102. Tradução da autora. 38 ibidem, p.92-93. 47 ao passado do México, que se expressa através do seu modernismo carregado de simbolismo e cultura locais. O plano urbanístico da UNAM é essencialmente modernista. Os edifícios são grandes blocos soltos, há separação dos sistemas de circulação e zoneamento de atividades. [...] [A UNAM] foi construída como uma porção da cidade para o uso exclusivo dos pedestres. O campus foi dividido em quatro partes pelo sistema de vias. O campus principal, localizado ao norte, contém todas as escolas e seus apoios. As estruturas esportivas estão ao sul, enquanto o Estádio Olímpico e as habitações para os estudantes estão a oeste e leste, 39 respectivamente. Apesar dos projetos obedecerem a um plano, os arquitetos e artistas tiveram bastante liberdade na questão da concepção das edificações, o que trouxe uma falta de unidade entre os edifícios, mas que não diminuiu seus respectivos valores pela questão da união entre arte e arquitetura. As edificações que mais se destacam são o Edifício da Reitoria, a Biblioteca Central, o Estádio e o Edifício de Medicina. Em todas estas obras, os arquitetos trabalharam juntamente com muralistas, pintores e escultores e produziram obras que comunicam fortemente através de símbolos e imagens a vasta cultura do povo mexicano. Além disso, a localização destes edifícios foi pensada de forma a se respeitar uma ordem funcional e simbólica: Conceitos racionais e místicos estão expressos no desenho do campus. A disposição dos edifícios principais estão na grande praça e o eixo central responde à questões funcionais e de importância simbólica. A torre da reitoria está localizada na parte mais importante do campus, perto da via de acesso rápido e atua como um elemento de boas-vindas na composição. A Bilbioteca Central, que possui um mural multicolorido de Juan O’Gorman, descreve o passado do México e apresenta o conhecimento ofertado ao novo mexicano. A Escola de Ciências, que possui um mural localizado no seu centro, representa a evolução do conhecimento científico que está dentro do desenvolvimento do México. Esta organização revela que mesmo sendo o campus inspirado na relação com a cidade moderna, ele foi 40 disposto a uma carga simbólica que prevalece na composição. 39 “[UNAM] was built as, and still remains, an isolated portion of the city for the exclusive use of pedestrians. The campus was divided into four parts by its road system. The main campus, located to the north, contains all the schools and their facilities. The sport facilities were to the south, while the Olympic Stadium and the dormitories were to the west and east, respectively.” In: ibidem, p.95-96. Tradução da autora. 40 “Rational and mythical concepts seem to merge in the site design of the campus. The disposition of the main buildings located on the great plaza and central axis responds to both their functional and symbolic importance. The Rector’s Tower is set on the highest, most predominant part of the campus, close to the main highway, and acts as a gateway and welcoming element in the composition. The Main Library, with its multicolored mural by John O’Gorman, depicts Mexico’s past and present wisdom available to the new Mexican. The School of Science with its mural, located in the center of the scheme, represents the evolution of scientific knowledge that’s is available for Mexico’s 48 Acima de sua função decorativa, a obra de arte foi utilizada nas edificações da UNAM, sobretudo, pelo seu poder social. Há um comprometimento da arte com a sociedade, a obra de arte comunica, rege as construções e conta a história do povo mexicano. Assim, pode-se fazer um paralelo com o conceito de monumentalidade do manifesto de Giedion, Sert e Léger no que se diz respeito à função social da cidade, à questão dos edifícios representarem a vida dos seus habitantes. Figura 24 - Estádio Universitário da Universidade do México. Mosaico de pedra de Diego Rivera. Fonte: http://bicentenario.com.mx/. Acesso em 01 de Novembro de 2010. Figura 25 – Edifício de Medicina da Universidade do México. “Fire, Earth, Air and Water – Life and Death”. Mosaico de vidro de Francisco Eppens. Fonte: http://www.munlochygmvigil.org.uk/. Acesso em: 13 de Novembro de 2007. Entrando na análise do Campus da Universidade de Caracas, é interessante destacar a seguinte passagem de Damaz: [A cidade universitária de Caracas] é o único exemplo no mundo que traz trabalhos de arquitetura, pintura, escultura e vitrais complementando um ao outro para formar um organismo arquitetural-escultural-pictórico sem 41 nenhum elemento sendo menos importante em relação a outro. Inicialmente, o plano inicial de Villanueva para a universidade era bastante tradicional, partindo de um grande eixo central e um arranjo lateral simétrico dos edifícios. Em 1952, o plano foi completamente alterado, acompanhando a adesão de development. This organization reveals that even though the campus was inspired in relationship to a modern city, a symbolic arrangement seems to prevail in the composition.” In: ibidem, p.96-97. Tradução da autora. 41 "[University City of Caracas] “it is the only important example in the world that shows architecture, painting, sculpture and stained glass work complementing one another to form “a new architecturalsculptural-pictorial organism in which no element is of minor importance.” In: DAMAZ, Paul F. Art in Latin American architecture. New York: Reinhold, 1963. p.94. Tradução da autora. 49 Villanueva a arte e arquitetura modernas por meio de uma organização livre com um urbanismo “multifocal” (vários núcleos), possuindo a fluidez como ponto essencial: “Villanueva levou a sério o ditado corbusiano de que Arquitetura é Circulação” 42. O grande espaço livre criado por Villanueva é preenchido com trabalhos de vários artistas: Villanueva fala da importância dos artistas completarem o trabalho dos arquitetos, e coloca em prática sua idéia em relação à síntese das artes. A seu ver, arquitetura é interna e externa, escultura e também pintura. Existe uma clara identidade para cada arte plástica, mas elas se juntam para tomar 43 a forma de arquitetura, que se encontra na mais alta hierarquia. [...] é necessário que pintores e escultores devam ter uma idéia mais ou menos clara da forma como os arquitetos trabalham, das suas possibilidades como artista e das suas determinações como técnico. A visão espacial que é típica do arquiteto deve ser entendida e utilizada pelo pintor. Da mesma forma, o arquiteto terá que levar em conta o meio em particular com qual o pintor ou o escultor trabalha. Seja em superfícies ou volumes, ele deve respeitar o seu método de criação. Há uma diferença substancial 44 entre uma peça de trabalho de integração e uma tentativa de decoração. Figura 26 – Planta baixa da Área Central do Campus da UNAM. No centro, vê-se a praça coberta e a Aula Magna. Fonte: VILLANUEVA; PINTÓ, 2000. p.74. 42 “Villanueva took to heart Corbu’s dictum Architecture Is Circulation”. In: BRILLEMBOURG, Carlos. ibidem, p.65. 43 “Villanueva speaks of the importance of artists informing the work of architects, and he put into practice his idea about the synthesis of arts. In his view, architecture is internal and external, sculpture and also painting. There exists a precise identity for each plastic art, but they all come together to reinforce the position of architecture, at the top of the hierarchy”. In: Idem. 44 VILLANUEVA, Carlos Raúl. The Integration of the Arts. In: BLASI, Ivan; TOSTÕES, Ana. (org.) Art and Architecture. DOCOMOMO Journal, nº42, Summer 2010. p.54. 50 Confrontando-a com a UNAM, a Universidade de Caracas possui uma escala menor e, talvez por isso tem-se a sensação de uma maior relação entre os edifícios. A organização da planta é fluida, a dimensão das obras que interagem com os edifícios são mais humanas, feitas para ser observadas de perto e são locadas tanto num local externo, quanto nas faces das edificações, de forma a balizar o movimento do transeunte. A relação entre as artes é mais “respeitosa”, não há agressão ou carregamento de uma arte sobre outra. Estão em equilíbrio. Os murais, pinturas e esculturas se destacam ao mesmo tempo em que ressaltam as formas e estruturas arquitetônicas. Villanueva dividiu a cidade universitária em grupos de obras de arte, onde ele definiu cada grupo como sendo um “movimento”, como se o conjunto fosse uma música que é dividida em partes que formam um todo e que deve ser apreciada por quem anda no campus. Os edifícios são dispostos de forma solta, criando fluidez de espaço e até uma praça pública. Ao todo são cinco movimentos: Figura 27 – Carlos Raúl Villanueva. Universidade de Caracas – movimentos (I, II, III, IV e V). Fonte: VILLANUEVA; PINTÓ, 2000. p.75. O primeiro movimento localiza-se no início do percurso com dois murais de mosaicos de Armando Barrios e Oswaldo Vigas. Estes murais, segundo Villanueva, estão interagindo para desarticular os volumes do Museu e para destruir as superfícies através dos transparentes e fluidos meios pictóricos. Já o segundo movimento seria um “preparatório” composto por três murais de mosaico de vidro executados por Oswaldo Vigas. Ele se localiza entre a entrada e o centro do espaço 51 cultural. Os murais já recebem um papel mais funcional, mais interativo com a edificação, pois destacam a estrutura dos edifícios de Comunicações e de Administração. O terceiro movimento está num local de convivência social, a praça coberta. Neste movimento estão os trabalhos do maior número de artistas, sendo sete ao total: Jean Arp, Mateo Manaure, Pascual Navarro, Victor Vasarely, Alexander Calder, Fernand Léger e Henri Laurens. As formas de como as obras de arte estão situadas não é a mais tradicional. As esculturas e murais são dispostos de forma solta, mas em locais cuidadosamente estudados, permitindo que não se perca a relação entre as obras e edificações circundantes. Esta relação entre as obras de arte, Villanueva chamou de “conceito contemporâneo de tempo-espaço”. São exploradas as várias visadas, jogos de claro-escuro, além de ser preparadas surpresas para os transeuntes a cada mudança de perspectiva. O quarto movimento também se localiza numa área coberta, mas a experiência do transeunte se torna mais dinâmica e visual. Neste movimento se localiza um painel de Victor Vasarely com paletas giratórias de alumínio que filtram a luz de formas diferentes, dependendo da posição das paletas. Além do painel de paletas, existem dois murais de Pascual Navarro e Mateo Manaure e uma escultura de bronze de Balthazar Lobo. As cores dos painéis se harmonizam com a escultura monocromática. Figura 28 (esq.) – Praça coberta. Painel de Pascual Navarro. Foto: Fernando Diniz. Figura 29 (dir.) – Praça coberta. Painel de placas metálicas móveis, de Victor Vasarely. Foto: Fernando Diniz. No quinto movimento, Villanueva diz que “encontrou a característica abstrata da música” na relação entre a escultura de bronze de Antoine Pevsner e o mural de 52 cerâmica de Victor Vasarely. Encontram-se também neste movimento o mural de Fernand Léger e Jean Barillet e várias outras obras de artistas como os murais abstratos de Carlos Bogen e Pascual Navarro, dois painéis de mosaico de Alirio Oramas e uma escultura de bronze de Francisco Narvaez. Dentro dessa organização livre dos espaços, a grande praça coberta, localizada no 3º movimento, serve de lobby para o auditório da universidade. No conjunto, este edifício se destaca como o mais importante em relação à integração com as artes. A Aula Magna, como é chamado, foi resultado da associação de Villanueva, o artista plástico Alexander Calder e os engenheiros Bolt Beranek e Newman.45 Inicialmente, Villanueva idealizou a obra de Calder locada na praça coberta. Mais tarde, Calder propôs a Villanueva fazer uma obra interna, que participasse tanto funcional quanto artisticamente. Desenhos foram desenvolvidos e dentro do auditório, o artista transportou para o meio tridimensional várias estruturas que flutuam no teto da edificação, funcionando como anteparo acústico. Seria como a penetração de uma tela abstrata dentro do espaço. Segundo Brillembourg, o trabalho de Calder possui influência do Neoplasticismo de Mondrian e do Surrealismo, mais especificamente de Juan Miró.46 As “nuvens” criadas por Calder proporcionam sensação de movimento. Figura 30 (esq.) – Alexander Calder. Croquis para a Aula Magna (1952). Fonte: BRILLEMBOURG, 2004. p.07. Figura 31 (dir.) – Alexander Calder; Carlos Raúl Villanueva. Interior da Aula Magna (1952). Fonte: BRILLEMBOURG, 2004. p.06. Moldando o espaço artística e acusticamente, Villanueva acabou percebendo que o espaço da Aula Magna era diferente, pois transformava a perspectiva retilínea usual 45 46 BRILLEMBOURG, Carlos. Op. cit., 2004. p.66. ibidem, p.71. 53 em uma forma esférica, como se fosse a visão de um peixe. Isso o inspirou tanto quanto Calder. As cores são fortes, inspiradas nos corais. As diferentes posições do observador mudam a percepção da composição. É realmente uma concepção espacial inovadora. Villanueva chamou esse novo tipo de espaço de ‘elemento quadrimensional’, pois o tempo seria considerado um elemento concreto do espaço. Ainda sobre o edifício, Brillembourg destaca: “Aula Magna – a escultura e a arquitetura são a mesma coisa. Uma verdadeira síntese das artes é criada pela perfeita interação da acústica, escultura e espaço47”. A integração das artes foi um tema particularmente importante nos debates latinoamericanos. Segundo Liernur, “[...] a incorporação da ‘arte’ dentro da arquitetura foi considerada umas das melhores maneiras de se recuperar a retórica dos ‘valores espirituais’ abandonados pelos efeitos devastadores da revolução racional, funcional e mecanicista.”48 A partir da década de 1950, começaram a acontecer as Bienais Internacionais de Artes de São Paulo, o que proporcionou a vinda de importantes artistas e arquitetos, como Max Bill e Siegfried Giedion. Em 1953-54, na II Bienal, o crítico de arte Mário Pedrosa falou sobre a invasão muralista nas ruas de São Paulo, e que foi bastante criticada por Max Bill: Sou contra a pintura mural na arquitetura moderna. O mural só teve razão de ser numa época em que poucos sabiam ler; sua função sempre foi ilustrativa, [...] Hoje existem outros meios - como por exemplo os jornais, as revistas, o cinema - capazes de dar a todos, e com muito maior eficiência uma visão completa e moral da vida. O mural moderno sempre seria feito de tal maneira que somente os intelectualizados poderiam copreendê-lo 49 [...]. Em 1959, aconteceu o Congresso Internacional de Críticos de Arte nas cidades brasileiras de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Este encontro teve como tema: “Cidade Nova, Síntese das Artes”, se referindo a Brasília como cidade-obra de arte. Falaremos deste encontro no capítulo a seguir. *** 47 “this project, the sculpture and the architecture arte one and the same. A true synthesis of the arts is created by perfect intertwining of the acoustics, the sculpture, and the space”. In: ibidem, p. 70. 48 LIERNUR, Jorge Francisco. Abstraction, architecture and the ‘Synthesis of arts’ – Debates on the Rio de la Plata – 1936-1956. In: ibidem, p.80. 49 AQUINO, Flávio de. Max Bill critica a nossa moderna arquitetura. In: Revista Manchete nº 60, Rio de Janeiro, 13 jun. 1953. p.38. 54 Após este breve panorama, percebemos o quão é complexo a questão da integração das artes. Vimos que, ao longo da história, artes plásticas e arquitetura ora andaram juntas, ora separadas, ou seja, sempre existiu uma relação oscilatória entre as duas formas de arte. A busca pela inserção da arte nos edifícios e os debates ocorridos destacando os problemas gerados pela separação entre as artes nos mostra que esta relação é importante para as sociedades, por mais diferentes que estas sejam umas das outras. A partir da Revolução Industrial, o favorecimento da máquina criou uma grande preocupação em relação ao artesanato e ao sentido emocional das produções, desde a escala de objetos utilitários até a escala das cidades. Para a arquitetura não era diferente. Durante o século XX, vários movimentos surgiram em prol da reaproximação dos diferentes tipos de arte. As duas guerras mundiais também causaram novas discussões que envolviam arte e o modo de reconstrução das cidades tendo em vista a inserção da arte como instrumento de reforma social, de mobilização da população e de igualdade de classes. Era um momento de busca a novas concepções espaciais. Procurou-se distanciamento da arte figurativa e a arte deveria ser vista como parte integrante do edifício. O objetivo de se atingir uma grande unidade artística – obra de arte total – tão buscada por movimentos como a escola da Bauhaus começava a ser colocada em prática. Estas experiências artísticas e espaciais (artes plásticas e arquitetura) surgiram com importantes realizações, não apenas na Europa – o grande berço das discussões – mas também dentro da América Latina, como os exemplos vistos das Cidades Universitárias do México e de Caracas. Em escalas maiores (escalas da cidade), mas em configurações diferentes, as duas obras demonstram a força que a união entre as artes provoca na sociedade. A Cidade Universitária do México retrata a cultura e histórias mexicanas, enquanto a de Caracas possui uma organização fluida e a participação ativa das obras de arte. Nas duas obras, a arte funciona como instrumento de melhoramento social e representam um momento no qual as sociedades latino-americanas procuraram reinventar a si próprias por meio da educação, da cultura e da arte. 55 CAPÍTULO 2 ARTES PLÁSTICAS E ARQUITETURA MODERNAS NO BRASIL 2. ARTES PLÁSTICAS E ARQUITETURA MODERNAS NO BRASIL Apesar do Brasil não ter passado pela necessidade de reconstrução do pós-guerra como muitos países europeus, o país passou pelo projeto de construção de uma identidade nacional que tinha começado a ser colocado em prática desde os anos 1930. A arquitetura moderna teve um papel preponderante na construção de uma imagem nacional, culminando na construção de Brasília, e no período de afirmação dessa arquitetura no Brasil, o convívio entre artes plásticas e arquitetura mostrou-se algo essencial. Na Semana de 22, evento que marcou o surgimento da arte moderna no país, havia uma intenção dos organizadores de comporem um quadro das artes, incluindo-se a arquitetura, embora esta tenha tido um caráter periférico na mostra. Segundo Amaral, “o momento real da arquitetura, mesmo para aqueles que então se consideravam ousados, era o neocolonial amaneirado [...]”.50 A Semana de 22 serviu para se explorar caminhos diferentes do que se havia fazendo na arquitetura. Conhecido como o “arquiteto da Semana”, Antônio Garcia Moya foi uma figura revolucionária na Semana de 22: De qualquer forma, naquele momento histórico, na Semana de 22, Moya foi, indubitavelmente, o elemento destruidor na seção de Arquitetura, com seus projetos plenos de atmosfera, revolucionários como concepção por seu 51 caráter de rompimento com a convenção. Segundo o engenheiro Guilherme Malfatti, nenhum dos projetos de Moya apresentados no evento foram construídos “pois naquela época tudo era imaginação, o importante era se propor algo contrário ao que se fazia”.52 No ano anterior, Moya foi apontado como um arquiteto preocupado com a questão subjetiva da arquitetura. Preocupava-se com detalhes, composição, subjetividade, assim como também com a noção de conjunto entre arquitetura e outras artes: [...] os estudos de Moya, o jovem e brilhante arquiteto paulista, procuram resolver o problema capital de harmonizar a escultura com a arquitetura, fundidas numa harmonia integral e íntima, de modo que uma resulte de 53 outra naturalmente, sem acusar o aplicado, o postiço, o artificioso, o fútil. 50 AMARAL, Aracy A. Artes plásticas na Semana de 22. São Paulo: Ed. 34, 1998. p.151. ibidem, p.157. 52 Depoimento telefônico de Guilherme Malfatti à Aracy Amaral. In: Idem. 53 Trecho do artigo de Helios intitulado “Um arquiteto” In: Correio Paulistano, 20 de julho de 1921. apud. ibidem, p.153. 51 A década de 1930 contemplou uma série de acontecimentos importantes dentro da arquitetura e das artes plásticas que por vezes demonstrou uma preocupação de se unir estes diferentes campos da arte. Exposições que mostravam o desenvolvimento da arte moderna eram trazidas de outros países enquanto outras eram montadas em várias partes do território brasileiro, principalmente dentro do eixo Rio-São Paulo. Em 1930, aconteceu no Rio de Janeiro e São Paulo uma exposição de livros e Artes Gráficas da Alemanha, com a presença dos principais artistas do Expressionismo Alemão. No ano anterior, houve uma mostra da Deutscher Werkbund.54 É interessante perceber que, assim como visto no capítulo anterior, estas duas vanguardas alemãs modernas que visitaram o Brasil em 1929 e 1930 tinham preocupação em relação à união de diferentes profissionais. É importante destacar também que em 1930 ocorreu a “Exposição de uma Casa Modernista e de Arte Moderna” de Gregori Warchavchik55, em São Paulo. Esta exposição mostrava a busca de integração entre mobiliário, arquitetura, paisagismo e artes plásticas, embora a arquitetura tenha tido um papel mais ativo neste evento. Figura 32 (esq.) – Quadro e tapeçaria na “Exposição de uma casa modernista e de arte moderna”. Foto de 1930. Por: Monica Kaneko. Figura 33 (dir.) – Interior da Casa modernista com mobiliário moderno, de Gregory Warchavchik. Foto: O Globo. Em 1931 ocorreu o Salão Nacional de Belas Artes. Este ficou conhecido como o Salão Moderno, e teve a participação de vários artistas como a paulista Tarsila do Amaral, o carioca Emiliano Di Cavalcanti, o pernambucano Cícero Dias, entre outros. No fim de 1932 foram fundadas a Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM) e o Clube dos Artistas Modernos (CAM), grupos que tinham como objetivo, assim como seus 54 AMARAL, Aracy A. Arte pra quê?: A preocupação social na arte brasileira, 1930-1970: subsídios para uma história social da arte no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Ed. Nobel, 1987. p.382. 55 Idem. 58 próprios nomes afirmam, promover a arte moderna. Em 1933 a SPAM organiza a 1ª Exposição de Arte Moderna e traz além de obras de artistas brasileiros, obras de grandes nomes internacionais, como Fernand Léger e Pablo Picasso. Dois anos mais tarde, em 1935, foi criado o Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal, que possuía como professores figuras como o arquiteto Lúcio Costa e o artista plástico Cândido Portinari.56 Figura 34 – Capa do catálogo da 1ª Exposição de Arte Moderna da SPAM. Foto: Francisco Gregório. O mesmo ano em que Andre Blóc fundou a “União pela Arte” (1936) em Paris foi de grande importância para a arquitetura e arte modernas no Brasil. Textos que relatam a importância da integração entre as artes plásticas e arquitetura são publicados, como “Arquitetura e as Belas Artes”, de Le Corbusier , que como arquiteto e pintor admite uma maior participação do artista plástico na arquitetura: “Prefiro admitir que as ocasiões serão excepcionais, quando então o grande pintor, digno da arquitetura, será encarregado de alguma tarefa. [...] Eu não peço ao meu pintor que seja discreto. Digo-lhe: ‘Aqui você tem a 57 palavra; fale!’" Em “Razões da nova arquitetura”, escrito em 1934 por Lúcio Costa para um curso de pós-graduação do Instituto de Artes na antiga Universidade do Distrito Federal, mas 56 57 ibidem, p.384-386. CORBUSIER, L. Op.cit., p.65-66. 59 publicado em 1936, há um enaltecimento do artista como aquele capaz de sintetizar os anseios de uma sociedade: É livre a arte; livres são os artistas; a receptividade deles é, porém, tão grande quando a própria liberdade [...] os artistas, independente de qualquer coação, inconscientemente quase, e precisamente porque são artistas, captam essa vibração coletiva e a condensam naquilo que se 58 convencionou chamar obra de arte, seja esta de que espécie for. Para Costa, artes plásticas e arquitetura devem formar uma unidade indissociável: Nesses raros momentos felizes, densos de plenitude, a obra de arte adquire um rumo preciso e unânime: arquitetura, escultura, pintura, formam um só 59 corpo coeso, um organismo vivo de impossível desagregação. [...] poderemos alcançar, como os antigos, com a ajuda da simetria, formas superiores de expressão, contando para isso com a indispensável colaboração da pintura e da escultura, não no sentido regional e limitado do ornamento, mas em um sentido mais amplo. Os grandes panéis de parede, tão comuns à arquitetura contemporânea são um verdadeiro convite à expansão pictórica, aos baixos-relevos, à estatuária como expressão 60 plástica pura, integrada ou autônoma. Em defesa da pintura mural, o artista plástico carioca Eugênio Sigaud publicou o texto “Por que é esquecida entre nós a decoração mural?”.61 Também em 1936, Cândido Portinari realizou seus primeiros murais62, quatro ao todo, localizados no Monumento Rodoviário erguido na estrada Rio-São Paulo, por encomenda do então diretor do DNER, Iedo Fiuza. No mesmo monumento há oito baixos-relevos do escultor francês Alfred Freyhoffer que mostram a evolução dos meios de transporte no Brasil Figura 35 (esq.) – Baixo-relevo de Albert Freyhoffer para o Monumento Rodoviário, 1936. Foto: Arthur Ramalho. Figura 36 (dir.) – Baixo-relevo de Albert Freyhoffer para o Monumento Rodoviário, 1936. Foto: O Globo. 58 COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. p.109. Idem. 60 ibidem. p.115. 61 AMARAL, Aracy A. Op. cit., 1987. p.388. 62 Idem. 59 60 Ainda em 1936, o Brasil recebeu uma importante visita: Le Corbusier. Segundo Fernandes o encontro do arquiteto europeu com Lúcio Costa propiciou a confluência de idéias e de experiências que levaram a concepção do edifício do Ministério de Educação e Saúde (MES), fruto do “trabalho conjunto de arquitetos, pintores, escultores e de um inovador paisagismo.”63 É importante ressaltar que a construção do edifício do MES e a vinda de Le Corbusier ao Brasil não foram fatos isolados, mas sim a afirmação de um movimento que já havia sido iniciado com a ação de Warchavchik e Flávio de Carvalho.64 2.1 O Ministério de Educação e Saúde – meados da década de 1930 até 1950 O edifício do MES fazia parte do projeto de Vargas e foi construído como símbolo de um novo homem brasileiro, representando a brasilidade e o novo através da linguagem do modernismo. O papel das artes plásticas dentro do edifício do MES era bem definido, mesmo antes da visita de Le Corbusier. O edifício marco da arquitetura moderna brasileira seria como o próprio ministro Capanema queria: uma casa de arte que mostrasse os valores do homem brasileiro. Mesmo sendo um edifício que possuía uma linguagem completamente diferente do que se havia fazendo, ele simbolizava o progresso, e utilizou-se da arte para conectar-se à tradição, como está claro no trecho do memorial descritivo da primeira proposta do MES, mostrado a seguir: Pinturas murais nos salões de conferências e recepção, baixos-relevos na entrada principal e duas grandes figuras em granito nas fachadas norte e sul retomarão, naturalmente o lugar que lhes compete no conjunto, e o ministério a cujo cargo se acham os destinos da arte no país terá dado, assim - na construção da própria casa - o exemplo a seguir, restituindo à arquitetura, depois de mais de um século de desnorteio, o verdadeiro rumo 65 fiel em seu espírito aos princípios tradicionais. Segundo Elisabeth Harris, desde o início do projeto, o ministro Capanema imaginara a sede do Ministério como “um local de trabalho e como uma casa de arte”66. Por todo o edifício encontram-se obras de arte que foram projetadas por grandes artistas 63 FERNANDES, F. Arquitetura no Brasil no Segundo pós-guerra – a síntese das artes. In: 6º Seminário DOCOMOMO Brasil. Niterói, 2005. p.02. Disponível em: http://www.docomomo.org.br/. Acesso em: 2 de Dezembro de 2009. 64 ROSA, R. B. da. Arquitetura, a síntese das artes: um olhar sobre os pontos de contato entre arte e arquitetura na modernidade brasileira. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. p.40. 65 Trecho do memorial descritivo do primeiro projeto desenvolvido pela equipe brasileira antes da visita de Le Corbusier ao Brasil. In: ROSA, R. B. da. Op.cit., 2005. p.42-43. 66 HARRIS, Elisabeth. Le Corbusier: Riscos Brasileiros. São Paulo: Ed. Nobel, 1987. p.153. 61 como Cândido Portinari, Celso Antônio e Jacques Lipchitz. Outros novos artistas, como Adriana Janacopulos e Bruno Giorgi tiveram a chance de mostrar seu talento através de suas esculturas, o que lhes abriu portas para trabalhos posteriores. Além da pintura e escultura, podem-se destacar também o trabalho do paisagista Roberto Burle Marx e os móveis desenhados por Oscar Niemeyer. A relação do edifício com as obras de arte pode ser ilustrada através da localização em planta das obras espalhadas no edifício. Observemos o esquema a seguir: Figura 37 – Localização das obras de arte do Ministério de Educação e Saúde. 01 – “Prometeu” (Jacques Lipchitz); 02 e 03 – Painéis de Azulejos (Portinari); 04 – “Monumento à Juventude” (Bruno Giorgi); 05 – Revestimento de Azulejos (Portinari); 06 – Painéis “Aula Canto Orfeônico” e “A Energia Nacional” (Portinari); 07 – Painel “Meninos de Brodósqui” (Portinari); 08 – “Os Quatro Elementos” (Portinari); 09 – “Os doze ciclos econômicos” (Portinari); 10 – “Mulher Brasileira” (Adriana Janacopulos). Esquema baseado na ilustração de ROSA, 2005. p.43. De Portinari o edifício recebeu painéis em têmpera, a óleo e de azulejos. O gabinete do ministro recebeu painéis realistas que retratavam os doze principais ciclos econômicos do Brasil, tudo isto com cores tropicais que simbolizam o calor e umidade do clima brasileiro. A sala de espera principal recebeu uma têmpera abstrata intitulada de “Meninos de Brodósqui”, e retratava crianças com brinquedos tradicionais. Já nos escritórios encontram-se quatro pinturas a óleo abstratas que retratam os quatro elementos (ar, fogo, terra e água). Por fim, as paredes externas do edifício receberam azulejos com motivos relacionados ao tema “A vida que desperta para a luz do dia emergindo do mar”. A simplicidade dos motivos entra em harmonia com a pureza do volume do edifício. As grandes paredes cegas têm sua “agressividade” atenuada pelos painéis de azulejo, ficam mais humanas, leves. A estrutura do edifício é destacada dos planos dos painéis, respeitando-os e trabalhando em conjunto, demonstrando suas funções: estruturas e vedação. 62 Figura 38 (esq.) – Cândido Portinari. Painel "Meninos de Brodósqui". Foto: Fernando Diniz. Figura 39 (dir.) – Adriana Janacopulos. Escultura "Mulher Brasileira". Foto: Fernando Diniz. Figura 40 (esq.) – Ministério de Educação e Saúde. Painel de azulejos de Portinari. Foto: Fernando Diniz. Figura 41 (dir.) – Ministério de Educação e Saúde. Azulejos de Portinari e estrutura destacada. Foto: Fernando Diniz Moreira. O escultor Celso Antônio produziu, “Mãe” e “Figura Reclinada”, nus compostos por volumes geométricos com contornos suaves e feições estilizadas. A escultura para a praça foi confiada a Bruno Giorgi, que a batizou de “Monumento à Juventude”. Esta obra é composta por duas figuras jovens em movimento e com feições realistas simplificadas e deu início a outros trabalhos de Giorgi com Niemeyer em Brasília. 63 Adriana Janacopulos executou a escultura “Mulher Brasileira” para compor com o terraço-jardim do ministro. Como dito anteriormente, o paisagismo e o desenho industrial também fazem parte do acervo artístico do Ministério. Burle Marx executou os projetos do jardim do ministro, o terraço-jardim, a praça do edifício, além de ajudar Niemeyer com o desenho do tapete do gabinete do ministro, reprodução do desenho do jardim do pavimento térreo. Os jardins exuberantes são verdadeiras pinturas abstratas tridimensionais que se expressam por meio de cores, textura e desenho, e foi com o projeto do MES que Burle Marx teve a oportunidade de trabalhar com grandes nomes da arquitetura e arte brasileiras: Durante a construção do edifício do Ministério de Educação e Saúde, Burle Marx teve um tipo de pós-graduação informal em pintura, como assistente de Portinari para seus afrescos e em paisagismo, sob a orientação de Lúcio 67 Costa. Niemeyer é outra figura que também estava incluída na construção do MES. Segundo Harris, a curva de Niemeyer apareceu de maneira distinta nas escrivaninhas do pavimento do ministro e nos balcões da recepção do andar térreo.68 Percebe-se que as obras de arte percorrem todos os caminhos do Ministério, principalmente as áreas mais acessíveis ao público. Há uma preocupação dos projetistas em aproximar as pessoas da arte. A própria volumetria do edifício juntamente com os altos pés-direitos do térreo, o recuo do edifício e a sua planta em “T” criam praças e galerias que convidam as pessoas a passar por entre o espaço das obras. Por vezes, pode-se passar pelo local sem perceber todos os detalhes dos painéis de azulejos, ou de todas as linhas sinuosas dos jardins de Burle Marx, mas este é mais um fato que nos faz acreditar que tudo está integrado em perfeita harmonia, pois nada nos “salta aos olhos”. Esta relação do edifício e obras de arte faz do edifício do MES um marco para a arquitetura e arte modernas. A construção deste projeto abriu portas para uma série 67 “During the construction of the Ministry of Education and Health building, Burle Marx had a sort of na informal post-graduation in painting, as Portinari’s frescoes assistant, and in landscaping, with the guidance of Lúcio Costa.” In: CAVALCANTI, Lauro. Roberto Burle Marx: Painting, Architecture and Landscaping in the Creation of a New Language for Gardens. apud: BLASI, Ivan; TOSTÕES, Ana. Op. cit., Summer 2010. p.70. 68 HARRIS, Elisabeth. Op.cit., p.165. 64 de parcerias entre artistas e arquitetos que foram desenvolvidas anos depois e a relação entre artes plásticas e arquitetura se mostrou presente muitas outras obras. Paralelamente ao projeto e construção do edifício do MES, as discussões sobre integração das artes continuavam. Em 1937, foi criado o Sindicato dos Artistas Plásticos de São Paulo. Em 1939, o artista Lívio Abramo propôs aos artistas do III Salão de Maio sugerirem ao então prefeito de São Paulo, Prestes Maia, a participação dos artistas plásticos na edificação de prédios e logradouros públicos tendo como objetivo aproximar as pessoas da arte através da inserção dos murais e esculturas nas edificações. Há ainda no mesmo ano, a execução de três painéis de Portinari para o Pavilhão Brasileiro da Feira Mundial de Nova Iorque, projetados por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que também tinha a escultura “Mulher Reclinada”, do escultor Celso Antônio. Figura 42 (esq.) – Vista do interior do pavilhão com as telas de Portinari ao fundo. Fonte: www.jobim.org. Figura 43 (dir.) – Escultura “Mulher Reclinada”, de Celso Antônio. Fonte: www.jobim.org Entre 1942-44, Oscar Niemeyer projetou o Conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, que possui em seus edifícios colaboração com artistas como Cândido Portinari, Alfredo Ceschiatti, August Zamoisky, Roberto Burle Marx, Tomás Santa Rosa, Percy Deane, José Pedrosa e Paulo Werneck. Quirino Campofiorito, em seu texto “As artes plásticas na arquitetura moderna brasileira” destaca a importância do Conjunto da Pampulha em relação à síntese das artes. 65 O edifício do Ministério da Educação e Saúde é o marco dessa mesma quebra [o predomínio dos velhos padrões acadêmicos] na arquitetura. [...] O Conjunto da Pampulha (em Belo Horizonte), o edifício da Associação Brasileira de Imprensa (Rio de Janeiro) e exemplos que surgem no Recife e em São Paulo afirmam definitivamente o compromisso de uma atuação 69 inventiva e criadora por parte de nossos arquitetos. No ano de 1945, ocorreu o I Congresso Brasileiro de Arquitetos. Neste evento, o arquiteto Carlos da Silva Prado apresentou seu texto intitulado “Da boa vizinhança entre as Artes Plásticas” que enfatizava a necessidade de padronização e industrialização dos materiais de construção, sem, contudo perder de vista o bem estar do homem e suas aspirações estéticas, aqui representadas pela integração das artes.70 Ainda no mesmo ano, aconteceu na Galeria Askanasy, no Rio de Janeiro, uma exposição intitulada “Arte Condenada pelo III Reich” com a presença de nomes como Wassily Kandinsky e Paul Klee. Além disso, é neste ano que Portinari completa os últimos painéis para o edifício do MES. Em 1947, o arquiteto Affonso Eduardo Reidy projeta o Conjunto Habitacional do Pedregulho, que recebe obras de Cândido Portinari (painel da fachada do ginásio) e Roberto Burle Marx (painel em mosaico no corredor térreo), elogiados por Max Bill, em 1953, e por Le Corbusier em sua visita ao Brasil, em 1962.71 Sobre o painel de Portinari, Yves Bruand destaca: [...] a massa do ginásio é aliviada pela estrutura fina de sua cobertura, que reestabelece a unidade de expressão, e esta é ainda reforçada pela hábil disposição cruzada dos elementos decorativos: ao admirável painel de azulejos de Portinari, onde crianças que brincam de pular carniça correm por uma grande composição abstrata determinada pelas variações nas tonalidades de azul do fundo, corresponde a parede vazada do corredor da escola, enquanto a simples parede de tijolos nus do lado menor da escola faz contraponto à austeridade das grandes fachadas da construção 72 esportiva. Em 1948, o artista plástico americano Alexander Calder visitou o Brasil. Exposições sobre a obra de Calder aconteceram no Rio de Janeiro e no MASP, em São Paulo, e 69 CAMPOFIORITO, Quirino. As artes plásticas na arquitetura moderna brasileira. In: XAVIER, Alberto (org.). Depoimentos de uma geração: Arquitetura Moderna Brasileira. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p.323. 70 PRADO, C. S. Da Boa Vizinhança entre as Artes Plásticas. 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos. In: Revista Acrópole n.83. Março 1945, p. 301-302. apud. FERNANDES, F. Op.cit., 2005. p.05. Disponível em: http://www.docomomo.org.br/. Acesso em: 2 de Dezembro de 2009. 71 SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no BrasIl, 1900-1990. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997. p.119. 72 BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2005. p.229. 66 o crítico de arte Mário Pedrosa fez uma conferência sobre o artista no auditório do Ministério de Educação e Saúde. Este fato reforça a importância do edifício do MES na relação entre artes plásticas e arquitetura. À convite da Associação Paulista de Medicina, o arquiteto paulista Rino Levi apresentou uma palestra intitulada Técnica Hospitalar e Arquitetura. Apesar do foco na questão da arquitetura hospitalar, Levi falou sobre o papel do arquiteto, afirmou a arquitetura como arte social e o mais importante: falou sobre critica o a separação entre artes plásticas e arquitetura.73 Não é descabido frisar um ponto de máxima importância: o fato lamentável, hoje, da pouca possibilidade para o arquiteto realizar nas suas obras trabalhos em colaboração com pintores e escultores. No passado, essa colaboração era íntima e normal. [...] existe hoje inexplicável preconceito contra o afresco, um mosaico ou um motivo esculpido. À primeira vista, esse preconceito poderá parecer medida de economia; no entanto encontramos freqüentemente obras construídas com materiais até excessivamente suntuosos em relação ao 74 objetivo plástico. O apelo de Levi nos mostra que, mesmo numa época em que a arquitetura brasileira estava iniciando colaborações importantes entre artistas e arquitetos, este era um objetivo que não estava consolidado. No mesmo ano em que o texto de Levi é publicado na L’Architecture d’Aujourd’hui, outras colaborações importantes continuaram a aparecer. Neste mesmo ano, trabalharam juntamente com Portinari para a confecção de um painel para o Banco Moreira Salles, em Paris, os artistas Mário Gruber, Luís Ventura e Otávio Araújo.75 73 O texto sobre esta palestra foi publicado inicialmente na revista francesa L’Architecture d’Aujourd’hui nº27, em dezembro de 1949, e posteriormente, foi publicada em português em: ARANHA, Maria Beatriz de C. Rino Levi: Arquitetura como ofício. In: Revista Oculum. Campinas, nº03, p.46-52, março, 1993. 74 LEVI, Rino. A arquitetura é arte e ciência. In: XAVIER, Alberto (org.). Op.cit., 2003. p.317. 75 AMARAL, Aracy A. Op. cit., 1987. p.410. 67 2.2 A década de 1950 e a integração das artes No ano de 1950 aconteceu uma exposição de pinturas, esculturas e projetos de arquitetura de Max Bill, no Museu de Arte de São Paulo.76 Houve também a 1ª Exposição da Oficina de Artes, no IAB-SP. Neste encontro, o arquiteto paulista Rino Levi fez uma exposição com um novo apelo por uma integração entre pintura e arquitetura no Brasil.77 Foi nesta época que Levi projetou a Residência Olivo Gomes (1949-51), que uniu o trabalho do arquiteto ao do artista plástico e paisagista Roberto Burle Marx. Nesta residência destaca-se um grande painel de Burle Marx no térreo, ocupando uma parede inteira, como se a obra de arte substituísse o elemento arquitetônico, fazendo parte da arquietura. Figura 44 (esq.) – Residência Olivo Gomes. Fonte: Acervo Digital Rino Levi / FAU PUC-Campinas. Figura 45 (dir.) – Painel de Roberto Burle Marx para a Residência Olivo Gomes. Fonte: www.flickr.com. Como visto no fim do capítulo anterior, a partir de 1951 começou a acontecer as Bienais Internacionais de Artes de São Paulo e, segundo Ferreira Gullar, foi depois do encontro de 1951 que ocorreu a redescoberta da arte abstrata que deriva de vanguardas como o Neoplasticismo de Mondrian de Doesburg. Esta redescoberta “iria, daí em diante, desbancar, particularmente no Brasil, a arte figurativa de Portinari. Segall, Di Cavalcanti, Bruno Giorgi, Guinard e Pancetti.”78 Entre as duas bienais, no também discutido Congresso Internacional de Artistas (1952) ocorrido em Veneza, Lúcio Costa apresentou o texto “A crise da arte contemporânea”, onde criticava a postura de alguns artistas de usarem a arquitetura 76 AMARAL, Aracy (coord.). Arte construtiva no Brasil: Coleção Adolpho Leirner. São Paulo: DBA, 1998. p. 284. 77 AMARAL, Aracy A. Op. cit., 1987. loc. cit. 78 GULLAR, Ferreira. O Grupo Frente e a Reação Neoconcreta. In: AMARAL, Aracy (coord.). Op. cit., 1998. p. 144. 68 como um pano de fundo para suas obras, sem uma relação maior com essa. Ou seja, Costa criticou os artistas que: [...] às vezes imaginam a arquitetura como uma espécie de background ou de cenário construído expressamente para a valorização da arte verdadeira: ou senão, que aspiram a uma fusão um tanto cenográfica das artes, no 79 sentido, por exemplo, da arte barroca. Como antídoto contra esse equívoco, defendeu que: [...] a arquitetura seja concebida como consciência plástica, isto é, que o próprio arquiteto deve ser artista. Porque só então a obra plástica do pintor e do escultor poderá integrar-se no conjunto da composição arquitetural como um de seus elementos constitutivos, embora dotada de valor plástico 80 e autônomo. Figura 46 - Pavilhão da I Bienal do Museu de Arte Moderna, Trianon, Avenida Paulista, 1951. Foto: Hans Günter Flieg. In: AMARAL, 1987. p.267. Foi visto também no capítulo anterior que em 1953-54, ocorreu a II Bienal de São Paulo. Este evento ficou conhecido como a “Bienal Guernica” e trouxe retrospectivas sobre o trabalho de importantes artistas modernos, como Pablo Picasso, Alexander Calder, Piet Mondrian, Paul Klee e outros. Havia também exposição sobre os trabalhos do arquiteto Walter Gropius.81 Assim como nestes eventos, foi também no início da década de 1950 que no Brasil houve a consolidação do Concretismo (1952), movimento que defendeu explicitamente a relação entre arquitetura e artes plásticas. O ideal plástico 79 COSTA, L. A crise da Arte Contemporânea. In: Arquitetura Contemporânea (revista bimestral). Rio de Janeiro. Agosto-Setembro de 1953. p.02-03. apud. FARIAS, A. A. C. Athos Bulcão, conhecido e ignorado. In: Pensar Athos: Olhares Cruzados. Brasília: Fundação Athos Bulcão, 2008. p.14. 80 Idem. 81 AMARAL, Aracy (coord.). Op. cit., 1998. p. 289. 69 concretista privilegiou a organização dos espaços, a estruturação de formas e cores desvinculadas de conteúdos extra-pictóricos e explorou o pensamento geométrico migrando para o espaço. Esta vanguarda chegou ao Brasil através de grupos de artistas em São Paulo, como o Ruptura, liderado por Waldemar Cordeiro e Geraldo de Barros, e com a presença de artistas como Luiz Sacilotto, Lothar Charoux, Anatol Wladyslaw, Kazmer Féjer e Leopold Haar e pelo Grupo Frente, fundado no Rio de Janeiro no final de 1953, e que tinha como líder Ivan Serpa, e que fez quatro exposições, ao todo.82 Na segunda mostra, ocorrida em 1955, o Grupo Frente demonstrou mais claramente sua linguagem construtivo-geométrica e buscou, principalmente através do trabalho de Lygia Clark, integrar a pintura à arquitetura. Em 1956, após mais duas exposições, o Grupo Frente se dissolveu e deu origem ao Movimento Neoconcreto (1959). Os dois grupos concretistas, desenvolvidos respectivamente em São Paulo e Rio de Janeiro tinham diferenças entre si, como lembra Ferreira Gullar: [a situação da arte concreta em São Paulo na primeira metade da década de 1950] assume uma posição mais radical do conceito puramente visual da forma através de uma preocupação maior com a dinâmica visual e os efeitos da construção seriada do que os cariocas do Grupo Frente, que mostravam uma preocupação pictórica de cor e matéria e não obedeciam a um código estético rígido, tendo a linguagem geométrica como um campo 83 aberto à experimentação e indagação. Em 1956, Lygia Clark publicou um texto intitulado “Uma experiência de integração”, onde destacou algumas preocupações do movimento, como a integração das artes: Para desenvolver bem todas as possibilidades seria necessário, antes de mais nada, uma aplicação prática da idéia, tendo como colaboradores um arquiteto e um escultor (que trabalharia, a meu ver, no sentido funcional, 84 projetando móveis, esculturas em forma de apliques para luz, etc.). E lembrou aos arquitetos a importância da interação com outros artistas: [...] acho importantíssimo que vocês, arquitetos moços, procurem um contato mais estreito com os artistas plásticos para estudar e aprofundar 82 Da mostra inaugural, ocorrida em junho de 1954, participaram os pintores Aluísio Carvão, Carlos do Val, Décio Vieira, Ivan Serpa, João José da Silva Costa, Lygia Clark, Lygia Pape e Vicente Ibberson. Já da segunda, ocorrida no ano seguinte participaram mais sete artistas, sendo eles: Abraham Palatnik, César Oiticica, Elisa Silveira Martins, Eric Baruch, Franz Weissmann, Hélio Oiticica e Rubem Ludolf. Fonte: GULLAR, Ferreira. O Grupo Frente e a Reação Neoconcreta. In: AMARAL, Aracy (coord.). Op. cit., 1998. p. 146. 83 GULLAR, Ferreira. Etapas da Arte Contemporânea: do cubismo à arte neoconcreta. Rio de Janeiro: Revan, 1998. apud: ROSA, R. B. da. Op.cit., 2005. p.28. 84 CLARK, Lygia. Uma Experiência de Integração. In Brasil-Arquitetura Contemporânea nº.8, Rio de Janeiro, 1956. 70 essa e outras experiências já feitas neste mesmo sentido. Não chamem o 85 artista no fim de um projeto, tendo com ele essa atitude ‘patriarcal’... O Movimento Neoconcreto teve início na inauguração da I Exposição de Arte Neoconcreta, ocorrida em 1959 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, evento que marcou também o lançamento do manifesto da vanguarda. Este manifesto foi assinado pelos artistas: Aluísio Carvão, Almicar de Castro, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim, Theon Spanudis e Ferreira Gullar. A exposição de Lygia Clark pareceu demarcar o momento exato da transição do Grupo Frente para o Movimento Neoconcreto. Segundo Ferreira Gullar, Clark migrou do espaço bidimensional, e passou para a terceira dimensão, evoluindo suas telas à serie “Bichos”: [Clark] extrapola do espaço da tela para incluir na composição a própria moldura. Esse fato – a que nem ela mesma havia dado atenção – parecia deixar evidente o início do rompimento com a tela enquanto espaço pictórico – espaço de representação simbólica – e a proposta de torná-la um 86 objeto da pintura. Além da realização do Concretismo e da formação do Neoconcretismo, a década de 1950 foi marcada por importantes realizações da integração das artes na produção da arquitetura moderna paulista, principalmente na chamada brutalista. Assim como já foi citado, a arquitetura paulista, neste momento, estava recebendo a invasão muralista e isto pode ser ilustrado pelas imagens de várias fotos de importantes obras da época. Várias parcerias entre arquitetos e artistas começaram a ser desenvolvidas neste momento, como foi o caso de Vilanova Artigas e Mário Gruber e que pode ser exemplificada através do projeto da Residência Rubem Mendonça (1958) ou da Escola de Guarulhos (1960). 85 Idem. GULLAR, Ferreira. O Grupo Frente e a Reação Neoconcreta. In: AMARAL, Aracy (coord.). Op.cit., 1998. p.156. 86 71 Figura 47 (esq.) – Vilanova Artigas. Residência Rubem Mendonça. Painel de Mário Gruber. Fonte: Masao Kamita. Figura 48 (dir.) – Vilanova Artigas. Escola de Guarulhos. Painel de Mário Gruber. Fonte: Masao Kamita. A Residência Rubem Mendonça possui um grande painel de Mário Gruber que ocupa toda a fachada para a rua. A fachada é marcada pelos triângulos brancos e azuis, e o painel não deve ser visto como adorno na fachada, assim como Buzzar afirma: Como as fotos revelam, a idéia de painéis que adornam a fachada é totalmente equivocada. Há uma materialidade na geometria espacial interior, nos detalhes dos degraus, teto e pilares, que tornam os triângulos representações de seriação, mas sobretudo, de criação, como a indicar que 87 a padronização é o início de uma elaboração artística e não o seu fim. Assim, percebemos que a obra de arte faz realmente parte da obra arquitetônica. As duas caminham juntas, uma completa a outra, e não podem ser vistas separadas. Percebe-se que o painel está tão integrado com a edificação que ele substitui a superfície da arquitetura – ele não está na parede, ele é a parede. Já na Escola de Guarulhos, o painel de Gruber se localiza na parte interna. Ele proporciona cor e constitui o fechamento do espaço. Ele substitui uma parede de vedação, de limitação do espaço, ou seja, para o entendimento do espaço e suas limitações, o painel assume esta função. Outro ponto importante é a sua localização: num grande espaço de concentração de pessoas. Tanto na Residência Rubem de Mendonça quanto na Escola de Guarulhos a obra de arte se localiza em locais de fácil acesso aos observadores, contribuindo para o embelezamento da cidade e facilitando mais uma função: a comunicação. Percebemos então que após o edifício do MES, várias tentativas de se integrar arte e arquitetura foram buscadas, e muitas conseguiram se firmar como realizações de 87 BUZZAR, Miguel A.Triângulos e a casa: Uma promenade pela Casa Rubens Mendonça. In: Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, v.4, 2006. p.260. 72 grande importância para a arquitetura nacional. Segundo Mário Barata, em seu texto “A arquitetura como plástica e a importância atual da síntese das artes”, escrito em 1956, a atuação de muitos arquitetos brasileiros mostram esta procura da união entre as artes plásticas. Segundo ele, a busca da obra de arte total estava sendo perseguida. A atuação brasileira das equipes de Niemeyer, de Reidy e de outros profissionais se situa nessa transformação de posições estéticas, relativas ao princípio da comunhão das artes. [...] há uma noção de grande importância que passa despercebida à consciência do nosso tempo, mas age nas decisões e na realização objetiva de arquitetos e outros artistas: A idéia profunda da arquitetura como arte total, isto é, não como construção, mas no papel de geradora e incorporadora de várias artes, que lhe ficam subsidiárias. É o problema da integração das artes na arte “maior”, [...] ou o 88 da integração recíproca das mesmas. 2.3 Herança da Escola Carioca e a fundação de Brasília – década de 1960 No mesmo ano em que o Movimento Neoconcreto surgiu, em 1959, aconteceu o Congresso Internacional de Críticos de Arte, que teve como palco três cidades brasileiras: a recém-construída Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, e como tema: “Cidade Nova, Síntese das Artes”. O tema fez referência a Brasília como uma cidade obra de arte coletiva que coloca em prática a idéia da síntese das artes em toda sua escala. Ao tomar Brasília, a cidade nova, como uma obra de arte coletiva, queremos com isso dizer que a arte se introduz na vida de nossa época, não mais como obra isolada, mas como um conjunto das atividades 89 criadoras do homem. A união de esforços criativos coordenados pelo Plano significa a integração da arte num projeto político cultural, o que implica na participação da esfera mais ampla da sociedade, envolvendo artistas, Estado, indústria e 90 trabalhadores. Este congresso teve participação de importantes figuras, como André Bloc, Giulio Carlo Argan e Bruno Zevi.91 Em linhas gerais, sobre o encontro podemos destacar: Segundo Pedrosa, o congresso se colocava com a dupla finalidade de pensar Brasília no panorama geral do país e também de situá-la como 88 BARATA, Mário. A arquitetura como plástica e a importância atual da síntese das artes. In: XAVIER, Alberto (org.). Op.cit., 2003. p.320. 89 PEDROSA, Mário. Dos Murais de Portinari aos Espaços de Brasília. São Paulo, Editora Perspectiva, 1981. p.356. 90 KAMITA, João Masao. Arquitetura Moderna e Neoconcretismo: uma experiência da geometria. In: SEGRE, Roberto (et al.). Arquitetura+arte+cidade: um debate internacional. Rio de Janeiro: Viana & Mosley, 2010. p.223. 91 FERNANDES, F. Op.cit., 2005. p.09-11. Disponível em: http://www.docomomo.org.br/. Acesso em: 2 de Dezembro de 2009. 73 símbolo de nossa época no quadro da situação mundial. [...] O tema do Congresso – A cidade nova. Síntese das Artes, recolocava a questão da integração das artes em toda sua escala , tendo em vista uma cidade inteiramente planejada e pensada a serviço do homem. A partir do tema central os trabalhos se desenvolveram em função das seguintes sessões temáticas: A cidade nova; urbanística, técnica e expressividade, arquitetura, artes plásticas, artes industriais, educação artística, situação das artes na 92 idade moderna. Embora Brasília fosse a cidade para onde os olhares estavam voltados, algumas outras colaborações entre arquitetos e artistas, inclusive fora do território brasileiro foram citadas, como no caso da exposição de André Bloc: André Bloc inicia sua comunicação destacando o fato de que a arquitetura brasileira muitas vezes se valeu da colaboração de artistas como na obra da Pampulha de Oscar Niemeyer e também no Conjunto Residencial de Pedregulho, projeto de Afonso Eduardo Reidy. Destaca também outros exemplos da adoção dessa solução em território Latino-americana como a Cidade Universitária de Caracas, projeto do arquiteto Villanueva que recorreu colaboração de artistas abstratos como Fernand Leger e Henri Laurens. Relaciona a concepção dessa obra às proposições do Grupo Espaço de Paris baseadas na arte abstrata e ainda outras experiências na região parisiense com a utilização de estudos de policromia em fábricas e prédios. Bloc propõe também um olhar retrospectivo aos movimentos de vanguarda que estabeleceram estreita relação entre pintura e arquitetura contribuindo para a concepção da linguagem abstrata na arquitetura. Destaca as pesquisas realizadas nesse campo pelo neoplasticismo holandês e também por Le Corbusier, que preconizam a utilização da cor com diretrizes bastante diferentes. Sob o título de síntese das artes Le Corbusier propõe a policromia arquitetural, certas composições murais e mesmo o emprego de 93 relevos de cimento armado. Segundo Fernandes, as diferentes apresentações ocorridas no congresso abrangeram as várias dimensões possuídas pela questão da síntese das artes, e acabaram recaindo no conhecido confronto entre arte e estética x indústria e tecnologia do século XX, entretanto, este fato não nos impede de concluir que Brasília possui uma arquitetura que mantém o diálogo entre arte e arquitetura.94 A década de 1960 se iniciou numa ambiência de uma fervorosa produção artística e busca de progresso. Brasília, cidade discutida no ano anterior no Congresso Internacional de Críticos de Arte, expôs em seus edifícios as mais variadas obras de arte. 92 ibidem. p.09. ibidem. p.13-14. 94 ibidem. p.15. 93 74 Sob a égide de formar uma cidade-escultura, cidade-pintura e cidadearquitetura, Brasília foi a experiência mais intensa na relação entre as artes 95 plásticas e a arquitetura na modernidade brasileira. Em Brasília, a dimensão artística poderia ser analisada em duas escalas diferentes: a urbanística e a do edifício. Visto que esta pesquisa busca analisar a escala do edifício, nesta, em relação à Brasília, os edifícios reúnem obras de vários artistas. Destas parcerias desenvolvidas, merece maior destaque aquela firmada entre Oscar Niemeyer e Athos Bulcão. A atuação de Athos Bulcão em Brasília é algo ímpar. Athos acreditava no “sentido pedagógico da reaproximação entre as artes e em sintonia com o ‘espírito coletivo’ comum a todos os artistas e arquitetos encarregados de erguer a nova capital.”96 Os painéis de Athos Bulcão em Brasília trabalham a questão da percepção como base para sua construção formal, em que primeiro se tem a percepção do todo, depois das partes e finalmente da relação entre os elementos que compõe. Esse sentido didático-pedagógico, somado com a expansão pictórica do muralismo identificam-se profundamente com a proposição de Brasília e resulta em um novo momento na relação entre as artes plásticas e arquitetura, ao menos no muralismo como forma de 97 conectá-las. Diferentemente dos painéis de Portinari ou Di Cavalcanti, Athos Bulcão possui uma linguagem abstrata, podendo-se fazer uma aproximação com a produção do concretismo, principalmente em relação ao uso de módulos-padrão. O artista desenvolveu sua obra principalmente em murais de azulejos com módulos combinados, às vezes de forma aleatória. Estes murais poderiam “desmaterializar” os planos onde estavam inseridos. Apenas no painel da Igreja de Nossa Senhora de Fátima (1957) Athos utilizou uma linguagem figurativa, e segundo Sérgio Duarte, este é um sinal da reminiscência da colaboração com Portinari, iniciada dez anos antes.98 Neste painel, o artista revestiu as paredes com azulejos em tons de azul e branco apresentando desenhos geometrizados da “Pomba do Divino” e da “Estrela da Natalidade”. 95 ROSA, R. B. da. Op.cit., p.63. ibidem. p.64. 97 ibidem. p.65. 98 DUARTE, Sérgio. Sentido e Urbanidade. In: CABRAL, Valéria M. L. (org.) Athos Bulcão. Brasília: Fundação Athos Bulcão, 2009. p.19. 96 75 Figura 49 (esq.) – Oscar Niemeyer. Igreja Nossa Senhora de Fátima. Azulejos de Athos Bulcão. Foto: A autora. Figura 50 (dir.) – Athos Bulcão. Azulejos para a Igreja Nossa Senhora de Fátima. Foto: A autora. Vários outros edifícios em Brasília possuem murais de Athos, como é o caso do Aeroporto Juscelino Kubistchek, Palácio do Itamaraty ou Palácio do Planalto, mas foi no Teatro Nacional que Athos realizou um de seus trabalhos mais importantes. A pedido de Niemeyer, Athos fez uma intervenção por meio de um mural tridimensional, com blocos padronizados em três diferentes tamanhos e organizados em posições diferentes. No Teatro Nacional, Niemeyer ficou descontente com a empena cega daquela pirâmide semi-enterrada. Ele pediu a Athos uma solução e este 99 trouxe aqueles relevos em forma de cubo, algo genial. Figura 51 (esq.) – Oscar Niemeyer. Teatro Nacional. Painel de Athos Bulcão. Foto: A autora. Figura 52 (dir.) – Blocos do painel externo do Teatro Nacional. Foto: A autora. Segundo Rosa, o mural tridimensional de Athos ajudou a eliminar o excesso de peso do volume. Para o interior, o artista também projetou painéis com baixo-relevo, 99 Entrevista com Agnaldo Farias concedida a Evelise Grunow e publicada na Revista PROJETODESIGN, edição 345, Novembro de 2008. 76 enquanto que Burle Marx projetou os jardins. Todas estas junções fazem do Teatro Nacional um dos melhores exemplos de integração das artes em Brasília. Para o arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé), o painel é parte integrante do edifício: “Athos interfere de tal forma na arquitetura que seria impossível pensar o Teatro Nacional sem os elementos que ele estudou para a fachada. [...] A integração se dá na medida em que a arte proposta por Athos responde às exigências do projeto de arquitetura.”100 Figura 53 (esq.) – Roberto Burle Marx. Jardins do Teatro Nacional. Fonte: MONTERO, Marta. Burle Marx – El paisaje lírico. Barcelona: Ed. Gustavo Gili, 2001. p. 133. Figura 54 (dir.) – Athos Bulcão. Painel de mármore para o Teatro Nacional. Foto: A autora. A união da obra de Athos com os edifícios é tão forte que chegou a ser comparada por André Correia do Lago com as obras das Cidades Universitárias do México e de Caracas. Segundo este autor, Athos Bulcão chegou próximo a Biblioteca Central da Universidade do México no Teatro Nacional de Brasília: Athos chegou próximo a isso no Teatro Nacional de Brasília. As fachadas laterais, uma das quais é a que está voltada para a Esplanada dos Ministérios, estão totalmente dominadas pelo alto-relevo do artista, monocromática e que, dependendo da luz do dia, apresenta efeitos variados 101 de luz e sombra. *** Dessa forma, podemos observar que a arquitetura moderna, foi utilizada como meio de simbolizar o progresso, o novo, como também para reaproximar a arquitetura das artes plásticas. A construção do Ministério de Educação e Saúde na década de 1930 100 Entrevista concedida pelo arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé) à Cláudia Estrela Porto, publicada em: PORTO, Cláudia E. Athos Bulcão: a linha tênue entre arte e arquitetura. In: CABRAL, Valéria M. L. Op.cit., 2009. p.35. 101 LAGO, André C. Athos Bulcão. In: CABRAL, Valéria M. L. Op.cit., 2009. 77 com a utilização da arte como elemento comunicador e aglutinador do homem em relação à cultura demonstra a importância que a união entre as artes plásticas e arquitetura representa para a sociedade. As parcerias entre arquitetos e artistas plásticos contribuíram para a construção da imagem de um novo homem brasileiro e assumiram seu papel de melhoramento social através da arte. Muitas outras obras perseguiram o mesmo objetivo, a exemplo das construções do Conjunto da Pampulha ou do Conjunto Habitacional do Pedregulho. As explorações realizadas pelos grupos concretos e neoconcretos foram de grande valia para a integração dos diferentes tipos de arte, sobretudo da pintura e arquitetura. A construção de Brasília também foi um acontecimento essencial para comprovar que arte e arquitetura devem caminhar juntas, e estes grandes acontecimentos acabaram por influenciar arquitetos e artistas de todo o país. Em Pernambuco não foi diferente, como veremos no capítulo a seguir. 78 CAPÍTULO 3 PERNAMBUCO 3. PERNAMBUCO Assim como ocorreu no eixo Rio de Janeiro – São Paulo, o estado de Pernambuco também assistiu a uma rica interação entre artistas e arquitetos já no nascimento de sua arquitetura moderna. No fim dos anos 1920, Recife já apresentava discussões modernistas. O Congresso Regionalista em 1926, os Salões de Belas Artes de Pernambuco de 1929 e 1930, e a primeira exposição de arte moderna do Recife em 1933 foram alguns eventos que comprovaram a riqueza e intensidade desses debates. Aracy Amaral destaca vários acontecimentos em seu livro Arte pra que?: a preocupação social na arte brasileira 1930-1970 que citam como palco a cidade de Recife. O Modernismo pernambucano, com seus fundamentos na modernidade, não passou necessariamente pelos canais da Semana de Arte Moderna. 102 Teve seus critérios, seu campo específico e desdobramentos próprios. Dessa forma, procuraremos neste capítulo, situar o leitor sobre alguns acontecimentos principais dentro das artes ocorridos no período estudado e nas cidades de Recife e Olinda. Como acreditamos que os leitores dessa dissertação serão na maior parte arquitetos, o foco principal da primeira parte será nas artes plásticas, embora a arquitetura também esteja incluída.103 Este item foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica e entrevistas. Contudo, as entrevistas nos revelaram vários detalhes gerais importantes sobre as relações arquitetos-artistas plásticos, o que nos motivou a criar uma segunda parte para tratar especificamente destes dados. 3.1 Arte no Recife/Olinda No fim do século XIX, a Escola do Recife era o centro da cultura pernambucana, que proporcionou as bases para as primeiras décadas do século XX. Era nela que aconteciam as mais diversas discussões, seja sobre temas de correntes filosóficas, sociológicas, literárias ou jurídicas. Estavam incluídos no seio da Escola do Recife 102 HERKENHOFF, Paulo. Do Recife, para o mundo: O Pernambuco Moderno antes do Modernismo. In: TREVI, Carlos (coord.) Pernambuco Moderno. Recife: Instituto Cultural Bandepe, 2006. p.28. 103 Caso o leitor queira aprofundar seu conhecimento sobre a arquitetura moderna em Pernambuco, consultar autores como: Fernando Diniz Moreira, Geraldo Gomes da Silva, Luiz do Eirado Amorim, Guilah Naslavsky, entre outros. pensadores como Tobias Barreto e Graça Aranha, este último um dos organizadores da Semana de Arte Moderna.104 Em 1924, Oswald de Andrade escreveu uma carta relatando a Joaquim Inojosa sua surpresa ao conhecer a cidade do Recife. Ficou impressionado com as belezas da cidade e criticou aqueles que a ignoram: Linda a cidade, o Recife. Foi uma surpresa para mim. Como é que no Brasil existe uma cidade de aspecto tão encantador [...] e a ignora a maioria dos 105 sulistas? Sobre a produção artística da cidade, Andrade fala da importância dos artistas de outras cidades conhecê-la: [...] para a formação da pintura, da arquitetura e da poesia brasileira, tem o artista de visitar o Recife, porque aqui encontrará fontes emocionais de 106 primeira grandeza. No início dos anos 1920 a cidade do Recife já mostrava traços da modernidade. Bairros como Boa Viagem e Derby estavam em expansão. Souza Barros destaca a importância do Recife para a região: O movimento modernista do Nordeste localizou-se quase exclusivamente no Recife. [...] Era uma cidade com emulação, com um porto de região, com livrarias que se orgulhavam de acompanhar o vient-de-paraitre de Paris e 107 de outras Capitais européias. Neste ano de 1922, o Recife estava sendo tomado por uma arte nova, com motivos nacionais. “Em 1922, Recife já tinha sua lente moderna para ver o mundo e já tinha sua fala própria com as mudanças urbanísticas, a pintura dos irmãos Rego Monteiro, a poesia de Manuel Bandeira, o cordel e o frevo modernos e a sociologia de Gilberto Freyre.”108 Em 1922, Freyre publicava seu primeiro artigo, Vida social no Brasil em meados do século XIX, um corte epistemológico em nossas ciências sociais. 1922 é o ano do primeiro tempo modernista, marcado pela pulsão de atualização internacional das linguagens no Brasil. Em 1922, os 104 HERKENHOFF, Paulo. Do Recife, para o mundo: O Pernambuco Moderno antes do Modernismo. In: TREVI, Carlos (coord.). Op. cit., 2006. p.28-29. 105 Entrevista a Joaquim Inojosa em Jornal do Commercio, Recife, 21 de Junho de 1924. In: O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro, Gráfica Tupy, 1968, vol.01. p. 142-43. Apud: Idem. 106 ibidem. p.29. 107 BARROS, Souza. A década de 20 em Pernambuco. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1985. p.154. 108 HERKENHOFF, Paulo. Do Recife, para o mundo: O Pernambuco Moderno antes do Modernismo. In: TREVI, Carlos (coord.). Op. cit., 2006. p.30. 81 pernambucanos já haviam antecipado o segundo tempo, vinculado à 109 elaboração de uma arte nacional. Em 1922, não havia um ateliê no Brasil, no Rio ou São Paulo, com tão 110 intensa invenção como naquele dos irmão Rego Monteiro. Durante a Semana de 22, Gilberto Freyre encontra-se em Paris, onde mantém contato com modernistas brasileiros, inclusive freqüentando o ateliê dos irmãos Rego Monteiro. Também é em Paris que Freyre conhece Tarsila do Amaral, Brecheret e Oswald de Andrade: “Em Paris, estive muito com Vicente do Rego Monteiro, Tarsila do Amaral, Brecheret, todos em fase de assimilarem vanguardismos europeus para transferirem para o Brasil.”111 Quando Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral chegaram em Paris, em 1923, encontram Vicente do Rego Monteiro com uma produção baseada em questões indígenas. Vicente havia iniciado um estudo sobre objetos da arqueologia amazônica, em 1920. Deste estudo surgiram desenhos que retratam lendas indígenas e que foram exibidos entre 1919 e 1921 no Recife, São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo Herkenhoff, “este é um marco inicial do processo de formulação da brasilidade”.112 “Assim, é Vicente do Rego Monteiro quem ensina ao casal Oswald e Tarsila a arte de transformar o Brasil em questão plástica da arte moderna.”113 109 ibidem. p.38. HERKENHOFF, Paulo. 1922, um ano sem arte moderna. In: Arte brasileira na coleção Fadel – da inquietação do moderno à autonomia da linguagem. Rio de Janeiro: CCBB, 2002. p.30-67. apud Idem. 111 Trecho do livro Tempo morto e outros tempos (1922), de Gilberto Freyre. In: REZENDE, Antônio Paulo. (Des)Encantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de vinte. Recife: FUNDARPE, 1997. p.151. 112 HERKENHOFF, Paulo. Do Recife, para o mundo: O Pernambuco Moderno antes do Modernismo. In: TREVI, Carlos (coord.) Op.cit., 2006. p.38. 113 ibidem, p.42. 110 82 Figura 55 (esq.) – Vicente do Rego Monteiro. A Lua, 1920. Grafite e aquarela sobre papel. 30x10cm. Col. Paula e Jones Bergamin. In: TREVI, 2006, p.40. Figura 56 (dir.) – Vicente do Rego Monteiro. A Lua, 1920. Ilustração para o livro Légendes, croyances et talismans dês indiens de l’Amazone. In: TREVI, 2006, p.41. Figura 57 (esq.) – Vicente do Rego Monteiro. Motivo indígena, 1922. Óleo sobre madeira. 37x49,5cm. Coleção particular, Fortaleza – CE. In: TREVI, 2006, p.42. Figura 58 (dir.) – Vicente do Rego Monteiro. O atirador de arco, 1925. Óleo sobre tela. 65x81cm. Acervo Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. In: TREVI, 2006, p.43. 83 Além dos temas indígenas, geometrização, desfiguração e radicalidade começaram a aparecer em obras como A mulher diante do espelho, de 1922. As linhas se assemelham bastante às cubistas, com quebras e planos deformados. “O reflexo é a escuridão. Não vemos o rosto no espelho, mas o vazio obscuro da interioridade.”114 Figura 59 – Vicente do Rego Monteiro. Mulher diante do espelho, 1922. Óleo sobre tela. 98,3x69,3cm. Coleção particular, Rio de Janeiro. In: TREVI, 2006, p.44. Já a figura de seu irmão, Joaquim do Rego Monteiro, é, por muitos, desconhecida. Viveu em Paris, desde o início dos anos 1920 até sua morte, em 1934. Neste meio tempo, morou em Recife entre 1923 e 1925 e durante este tempo expôs suas obras em Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Possui uma obra muito mais geométrica que a do seu irmão, e não se dedicava a temas nacionalistas. Estas razões são lançadas por Herkenhoff como possíveis razões do não conhecimento de sua produção. Não se sabe o paradeiro de muitas de suas obras, mas existem duas pinturas abstratas, datadas de 1927, que são consideradas obras-primas do Modernismo brasileiro115: América do Sul e La Rotonde, pertencentes à coleção do MAMAM – Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. Sobre o La Rotonde, Herkenhoff destaca: 114 115 Idem. ibidem. p.45. 84 o espaço é raso e diagramático, destituídos de alusões à perspectiva. [...] Pessoas e coisas estão reduzidas a sinais, denotativos de suas ações em cena. Em La Rotonde, a anatomia mínima indica a faina: cumprimento, beijo, trabalho, o bistrô, uma moderna galeria de arte. As pessoas se 116 movem na geometria. Figura 60 (esq.) – Joaquim do Rego Monteiro. América do Sul, 1927. Óleo sobre tela. 73x92cm. Acervo Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. In: TREVI, 2006, p.47. Figura 61 (dir.) – Joaquim do Rego Monteiro. La Rotonde, 1927. Óleo sobre tela. 73x92cm. Acervo Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. In: TREVI, 2006, p.47. Há também outras pinturas abstratas de Joaquim não datadas, mas que evidenciam a questão da abstração geométrica, como podemos observar nos exemplos a seguir: Figura 62 (esq.) – Joaquim do Rego Monteiro. Sem título, s/d. Óleo sobre tela. 72x72cm. Coleção particular, Rio de Janeiro. In: TREVI, 2006, p.48. Figura 63 (dir.) – Joaquim do Rego Monteiro. Sem título, s/d. Óleo sobre tela. 65x80cm. Coleção particular, Rio de Janeiro. In: TREVI, 2006, p.48. Em 1930 ocorreu por iniciativa de Vicente do Rego Monteiro e Géo Charles, a Exposição da Escola de Paris em Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, com os 116 ibidem. p.45-46. 85 maiores nomes da arte moderna.117 O fato de obras de grandes nomes como Pablo Picasso, Georges Braque e Fernand Léger estarem na cidade foi criticada por Mário de Andrade. Em carta à Manuel Bandeira, ele escreveu: “[...] não é possível esnobismo nessa mulataria do Brasil, só mesmo em São Paulo, terra européia, cafezistas ricaços, etc. [...] Rego Monteiro tinha primeiro que vir a São Paulo, mas essa gente inda vive sonhando com a terra natal, parece incrível! Ora imagine você o Recife do sr. Gilberto Freyre, comprando um desenho do Picasso por três contos (de catálogo)!!!! Depois, não quisesse de banda o coração, então fosse pra terra natal, fazer 118 abluções sagradas no Capibaribe.” Dois anos depois, (em 1932) a Escola de Belas Artes de Pernambuco (EBAP) foi instituída, fruto do esforço de pintores, escultores, desenhistas e intelectuais. A escola ofereceu então cursos superiores de “Arquitetura, Pintura, Escultura ainda cadeiras livres de Composição de Arquitetura, Pintura e Perspectiva, Artes Decorativas, Aplicadas, Modelagem, Desenho Geométrico, de Ornatos, Figurado e Modelo Vivo.”119 Esta aglutinação de profissionais permitiu trocas entre arquitetos e artistas plásticos. Foi graças à EBAP que o artista Abelardo da Hora conheceu Augusto Reynaldo. Na época, da Hora cursava artes plásticas e Augusto arquitetura, e desta amizade surgiu parcerias, na qual criou obras de arte para os projetos de Reynaldo, anos depois.120 Na arquitetura, foi nesta década que Luiz Nunes realizou os primeiros projetos que prenunciaram a instituição da arquitetura moderna no estado, mas a relação entre artes plásticas e arquitetura ainda não estivesse presente em suas obras. 117 AMARAL, Aracy A. Op. cit., 1987. p.382. MORAES, Marcos Antônio de. (org.) Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. São Paulo, EDUSP, 2001. p.446. apud. HERKENHOFF, Paulo. Do Recife, para o mundo: O Pernambuco Moderno antes do Modernismo. In: TREVI, Carlos (coord.) Op.cit., 2006. p.31. 119 MARQUES, Sônia. Maestro Sem Orquestra. Recife, 1983. Dissertação de Mestrado. Recife: Faculdade de Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco, p.164. apud: NASLAVSKY, Guilah. . Arquitetura moderna em Pernambuco, 1951-1972: as contribuições de Acácio Gil Borsoi e Delfim Fernandes Amorim. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2004. p.65. 120 Entrevista concedida pelo artista plástico Abelardo da Hora à autora, realizada no dia 21/06/2011. 118 86 Figura 64 – Luiz Nunes. Projeto do Hospital da Força Pública de Pernambuco. Fonte: Acervo Arquivo Público do Estado de Pernambuco. In: MENEZES, José Luiz da Mota. O moderno e o modernismo em Pernambuco: Arquitetura e Urbanismo. Apud TREVI, Op. cit. 2006, p.82. Em 1937 foi instituído o Estado Novo, o que gerou uma quebra da liberdade dentro das artes. Isto durou até 1945, ano em que houve a quebra desta política de governo. Neste meio-tempo, em 1939, o engenheiro-arquiteto Fernando Saturnino de Brito, ex-integrante da DAU (Diretoria de Arquitetura e Urbanismo) chefiada por Luiz Nunes, projetou o edifício da Secretaria da Fazenda e Pernambuco. Segundo Naslavsky, este edifício representa “a síntese e maturidade das propostas de arquitetura moderna quer pelo seu caráter de monumento, quer pela sua importante localização no contexto urbano (na Praça da República), quer pelas suas excelentes qualidades arquitetônicas, ou ainda pela conjuntura que envolveu a sua realização.”121 Neste edifício encontramos painéis abstratos de Cícero Dias, e neste momento, ainda nos primórdios da arquitetura moderna no Estado, já percebemos um prenúncio da integração das artes. Embora alguns anos antes, em 1935, Di Cavalcanti tenha feito um painel para ser colocado no edifício do Quartel da Polícia Militar122, no Derby, o edifício da Secretaria da Fazenda, se mostra como uma tentativa de integração das artes um pouco diferenciada, pois o edifício foi projetado com a inserção do painel, diferentemente do Quartel do Derby, que já existia e recebeu a obra de arte posteriormente. A partir de 1940, percebemos que inúmeras obras de arquitetura já mostravam tentativas de integração e parcerias entre artistas e arquitetos: 121 122 NASLAVSKY, Guilah. Op. cit., 2004. p.43. AMARAL, Aracy A. Op. cit., 1987. p.386. 87 Pinturas, murais, painéis decorativos, esculturas, ladrilhos cerâmicos com motivos regionais são algumas contribuições das artes plásticas nas obras modernas elaboradas na cidade no período. Artistas como Hélio Feijó, Lula Cardoso Ayres, Reynaldo Fonseca, Corbiniano Lins e outros contribuem para a modernização da arquitetura. Tais relações também estão claras nas pinturas murais, partes integrantes de inúmeras obras arquitetônicas neste período. Os murais, gênero de pintura muito comum na época, necessitam de uma maior integração entre arte e arquitetura, com espaços amplos e um trabalho integrado entre arquitetos e artistas, tanto Lula Cardozo Ayres como Hélio Feijó vão fazer inúmeros murais para edifícios importantes e residências abastadas. Desenhistas remanescentes da experiência modernista de Luiz Nunes, a exemplo de Hélio Feijó e de Augusto Reynaldo (ex-desenhista de Heitor Maia Filho), aliam-se aos pintores e artistas plásticos e estão engajados em 123 prol da arte moderna. Figura 65 – Painel de Cícero Dias, Auditório da Secretaria da Fazenda. Foto: Eduardo Aguiar In: NASLAVSKY, 2004. p.62. Entre 1946 e 1951, os periódicos locais, colunas de arte e outras publicações relataram que as exposições de arte moderna tinham se tornado mais freqüentes, assim como Naslavsky destacou: Periódicos locais, colunas de arte, publicações relatam eventos ocorridos entre 1946-1951, evidenciando a integração entre artes plásticas e da arquitetura. Alguns eventos merecem nosso destaque: em maio de 1945, Reynaldo Fonseca realizou no Grande Hotel a primeira exposição de pintura com temas com Máscaras e Abstração; em 1946, Lula Cardozo Ayres expõe na Faculdade de Direito uma coletânea das expressões mais destacadas da moderna pintura brasileira, desde os motivos folclóricos passando ao artesanato popular do barro até a fase na qual fixou os nossos costumes antigos; em 1947, Percy Lau expõe seus trabalhos e em 1948, Aberlardo da Hora, o jovem escultor, na sede dos Sindicatos dos Empregados do Comércio, expõe suas esculturas, patrocinado pela 123 NASLAVSKY, Guilah. Op. cit., 2004. p.60-61. 88 Diretoria de Documentação e Cultura, com grande êxito devido ao ineditismo de suas formas; também em 1946 o Recife é palco da Primeira 124 Exposição de Arte Fotográfica. Em 1948 foi fundada a SAMR (Sociedade de Arte Moderna do Recife), fruto do esforço de vários artistas modernistas, como Abelardo da Hora. O objetivo da fundação da SAMR era organizar os artistas em defesa da categoria e da arte moderna. Foi desta sociedade que grandes artistas apareceram, como Adão Pinheiro, Samico e outros. Em janeiro de 1950, o crítico Abaeté de Medeiros publicou no jornal Diário de Pernambuco uma nota que afirmava o IV Salão de Arte Moderna como moderno de fato.125 Apesar dos arquitetos não terem participado do IV Salão de Arte Moderna, eles estavam ensinando na Escola de Belas Artes de Pernambuco, havendo assim um intercâmbio entre artistas e arquitetos, como nos mostram os exemplos dos projetistas e pintores Helio Feijó e Augusto Reynaldo, também integrantes da SAMR. Em 1952, foi fundado o Atelier Coletivo, com iniciativa de um grupo de artistas liderados por Abelardo da Hora. Sobre esta iniciativa, pode-se destacar: Entre 1952-1957, congregou uma série de artistas para experiências inovadoras. O Atelier Coletivo foi importante catalisador de experiências diversas no campo das artes plásticas, foi escola de desenho e artes plásticas de futuros arquitetos,[...]. O Atelier Coletivo esteve ligado às principais vanguardas internacionais desse período, principalmente, aos muralistas do México e à pintura de cunho social. Seu principal idealizador foi o escultor Abelardo da Hora, envolvido com as questões sociais da arte e com o movimento mexicano; [...] Embora não possamos avaliar a real influência do Atelier Coletivo para o desenvolvimento da arquitetura moderna, sabemos que alguns arquitetos (Delfim Amorim, Lúcio Estelita, Waldecy Pinto, Marcos Domingues, José Fernandes, Maria de Jesus, ainda estudante de arquitetura e outros) freqüentaram o Atelier e, portanto, se relacionavam com os artistas lá 126 reunidos. A partir desta declaração, podemos mostrar a ligação da efervescência artística que acontecia em Recife com o que destacamos anteriormente com Giedion, os debates sobre a Nova Monumentalidade e os acontecimentos ocorridos em outras partes do mundo, como a produção muralista no México. Em 1952 José Cláudio discutiu um livro sobre as obras do muralista mexicano Diego Rivera com outros artistas dentro do Ateliê Coletivo e as imagens do muralismo mexicano chegaram aos artistas 124 ibidem. p.58. ibidem. p.59. 126 ibidem. p. 62-63. 125 89 recifenses antes mesmo das realizações de Portinari, como destacou Wellington Virgulino à Aracy Amaral: A problemática social nos chegou antes por influência mexicana que por Portinari e nós aqui não conhecíamos nada de Portinari, nunca víramos coisas suas. Em compensação chegara-nos às mãos, nem sei através de 127 quem, um livro sobre Rivera, que muito nos impressionou. Foi nesta mesma década de 1950 que a chamada Escola Pernambucana foi consolidada e embasada nos ensinamentos e nas atividades projetuais de Delfim Amorim e Acácio Gil Borsoi. Neste momento, arquitetura moderna começou a ser produzida no estado, sempre levando em consideração, principalmente, a questão dos detalhes e da adequação ao clima local. Os próprios mestres com seus discípulos, figuras como Frank Svensson, Reginaldo Esteves, Glauco Campello, Wandenkolk Tinoco e Vital Pessoa de Melo, provaram que esse grupo não estava isolado e cristalizado, mas continuamente aberto à assimilação de impulsos artísticos e arquitetônicos, nacionais e internacionais. Além disso, neste período a cidade já mostrava certo desenvolvimento de um centro artístico. Em 1953 é criada a Escolinha de Artes do Recife e em 1954 aconteceu o primeiro Salão do Ateliê Coletivo e a criação do Gráfico amador. Neste mesmo ano, Abelardo da Hora e o Ateliê de Recife participaram do I Congresso Nacional de Intelectuais, em Goiânia, ao lado do Clube dos Amigos do Museu de Arte de São Paulo, Museu de Arte de Goiânia, Carlos Scliar e outros artistas. Segundo Aracy Amaral, o encontro teve como principais tópicos a serem discutidos: a) a defesa da cultura brasileira e estímulo ao seu desenvolvimento, preservando-se as suas características essenciais; b) o intercâmbio cultural com todos os povos; e c) discutir os problemas éticos e profissionais dos intelectuais.128 Na arquitetura, a questão da adequação ao clima local também favoreceu o uso de elementos que recebem um papel artístico, como os azulejos, tão utilizados por Delfim Amorim que ele mesmo desenhou, ou os elementos vazados, que por vezes formaram verdadeiros painéis, como no caso do Edifício Santo Antônio, de Borsoi. É interessante destacar como os arquitetos lidavam com a arte em relação à arquitetura. Em alguns momentos, não havia artista plástico convidado para fazer 127 128 Depoimento de Wellington Virgulino à Aracy Amaral, realizado em Recife, no dia 17/01/1979. AMARAL, Aracy A. Op. cit., 1987. p.418. 90 uma obra para ser colocada no edifício, e os próprios arquitetos acabaram desenvolvendo elementos que podem ser considerados arquitetura e arte plástica ao mesmo tempo. Figura 66 (esq.) – Delfim Amorim. Azulejos do Edifício Acaiaca. Foto: A autora. Figura 67 (dir.) – Acácio Gil Borsoi. Elementos vazados para o Edifício Santo Antônio. Foto: A autora. Sobre a questão dos azulejos, o arquiteto Delfim Amorim realizou várias obras em que os utilizavam não apenas como elementos de proteção, mas também como elementos decorativos. Em muitas das obras, ele mesmo desenhou os módulospadrões até por conta da sua insatisfação com a linha industrial produzida na época. Além disso, a sua preocupação estética era bastante clara, pois nem todas as paredes recebiam o elemento desenhado por ele, pelo contrário, os seus azulejos dialogavam com vários outros materiais, como pedras, tijolo, concreto, entre outros. O fato de todas as paredes externas não serem revestidas de azulejos e a preocupação de desenhar os motivos específicos para cada caso, induzem à conclusão de que Amorim teria sido conquistado pela capacidade decorativa desse elemento tradicional da arquitetura, mais do que qualquer outro argumento. Na realidade, o azulejo comparece, não somente nas residências, como também em edifícios de maior porte, coexistindo com outros materiais tais como: a pedra, o reboco, o concreto aparente, o tijolo à vista, em que é evidente a intenção da composição de elementos com 129 texturas diversas. Amorim estava preocupado em projetar o azulejo e aplicar o elemento adequadamente à cada obra. Após seu uso no edifício Acaiaca, ele passou a utilizar em outros casos: Em outros casos revestem somente os guarda-roupas que sacam em relação ao paramento das fachadas (edifício Barão do Rio Branco). 129 GONDIM, D. O.; Instituto de Arquitetos do Brasil. Delfim Amorim: arquiteto. Recife: Instituto de Arquitetos do Brasil, 1981. p.61. 91 Comparecem ainda, como moldura de duas fachadas inteiras, compostas de elementos pré-fabricados de concreto armado (Edifício Independência). Funcionam como fundo onde se aplicou, de maneira pioneira, caixas de concreto armado para instalação de aparelhos de ar condicionado (Edifício 130 Santa Rita). Além dos elementos artísticos aplicados à arquitetura, é importante destacar que falar de obra de arte não é apenas falar de painéis, esculturas, etc. A arquitetura também deve ser considerada uma obra de arte. Vital Pessoa de Melo, numa entrevista concedida em 2007 destacou bem esta idéia: Eu considero arquitetura um trabalho cultural. [...] o próprio material, a 131 textura, a escolha, já é uma confecção de uma obra de arte, [...]. Isto nos faz refletir sobre o edifício como uma grande escultura, uma escultura que possui uma função utilitária, que cria um espaço para ser vivenciado e criar sensações. Essa “escultura” por ter uma função e por transmitir sensações é chamada de arquitetura, e esse constante choque entre o escultural – a superfície palpável (paredes, fachadas) – e o espaço é que faz a arquitetura ser interessante. É como Evaldo Coutinho afirmou: Para mim, o ambiente interno parece ser o ponto verdadeiramente filosófico na questão da arquitetura. Em geral, as pessoas vêem a arquitetura por meio de sua volumetria, das fachadas, do teto, do edifício todo. Mas a arquitetura à qual me reporto é o ambiente interno, que se vale da escultura para ter sua existência. É preciso não confundir a escultura com o vazio interno. O arquiteto se vale da escultura, que são as paredes da construção, para projetar o interior. Os livros mostram sempre belas fachadas, mas pouco apresentam do espaço interno, porque ele é irrepresentável. Quem quiser conhecê-lo, terá de ir a ele. A arquitetura tem essa singularidade. Já a pintura, não. Podemse ver fotos tão perfeitas de uma obra de Goya quanto as que estão em um museu. O mesmo ocorre com a escultura, que pode ser evidenciada por uma fotografia. A importância do espaço interno é que ele é projetado para 132 o convívio de pessoas. Para o cenário da arquitetura em Pernambuco, Evaldo Coutinho foi uma figura bastante importante, pois ele influenciou vários arquitetos que atuaram durante o período deste estudo, como é o caso de Marcos Domingues. Em entrevista, Domingues atribui à Evaldo Coutinho toda a sua base de fundamentação, de pensar 130 ibidem. p.62. Entrevista concedida pelo arquiteto Vital Pessoa de Melo à autora, realizada no dia 14/12/2007. 132 Entrevista com Evaldo Coutinho concedida à Eride Moura e publicada na Revista PROJETODESIGN, Ed.286 de Fevereiro de 2004. 131 92 a arquitetura e entender sua essência: o espaço e a sua dimensão filosófica.133 Essa importância de Coutinho também foi destacada por Vital Pessoa de Melo.134 Retomando a afirmação de Vital sobre a escolha dos materiais e texturas fazer parte da confecção de uma obra de arte, o cuidado com a composição de volumes e escala (que formam o edifício como um todo) é papel do arquiteto, que procura sempre fazer algo harmônico e que pode ser considerado, de certo ponto, obra de arte. As gerações de arquitetos seguintes a Amorim e Borsoi também desenvolveram parcerias com artistas e também fizeram realizações dentro das artes plásticas, como esculturas, painéis ou desenhos de azulejos. Além de ter sido apaixonado por arquitetura, Vital Pessoa de Melo também se interessou por desenho industrial e artes. No seu livro Tramas, mostrou as infinitas composições entre módulos-padrão (dois trapézios simétricos) e os resultados ao se combinar as posições das peças e aplicar diferentes cores sobre elas. O trabalho mostra a preocupação de Vital em relação à economia de meios e à racionalização dos processos de uma maneira que não se perca o sentido artístico das experimentações. Tramas oferece uma chave de leitura essencial para se entender a obra de Vital. As peças cerâmicas funcionam como um módulo que aponta as possibilidades de integração da arte com a arquitetura, estabelecendo conexões com o mundo industrial, particularmente com o desenho industrial e também com o concretismo 135 paulista, especialmente com o de Lygia Clark. Vital também desenhou azulejos e fez painéis e esculturas, sem contar com as parcerias que fez com diversos artistas, como Anchises Azevedo e Athos Bulcão. 133 Entrevista concedida pelo arquiteto Marcos Domingues à autora, realizada no dia 04/06/2011. Conversa informal com o arquiteto Vital Pessoa de Melo, realizada no dia 19/03/2008. 135 HOLANDA, A. C. O. MOREIRA, F. D. Arte e ética dos materiais na obra de Vital Pessoa de Melo, 1968-1976. In: Revista Risco EESC-USP, nº8, Segundo semestre de 2008. p.62. 134 93 Figura 68 – Vital Pessoa de Melo - Tramas. (A) Exemplo de processo para execução de uma trama; (B) Trama nº12A - Agreste; (C) Trama nº4A – Colméia I. Fonte: MELO, 1989. Com alteração da autora. No fim dos anos 1950 (1957/59) as atividades do Ateliê Coletivo foram encerradas. A década de 1960 se iniciou num grande clima de liberdade e houve a fundação do Movimento de Cultura Popular (MCP) – 1960, sob o qual Abelardo da Hora ficou responsável pelas artes plásticas e artesanato. Neste período a arte local teve como tema principal os problemas sociais. O MCP criou, no mesmo ano, a Galeria de Arte do Recife, e na exposição de inaugração, estavam obras dos seguintes artistas: Abelardo da Hora, Adão Pinheiro, Aloisio Magalhães, Anchises Azevedo, Antônio Cavalcanti, Alves Dias, Celina Verde, Corbiniano Lins, Elezier Xavier, Fédora Monteiro, Francisco Brennand, Gilvan Samico, Hélio Feijó, Iris Ribeiro, Ivan Carneiro, Jorge Martins, José Cláudio, Ladjane Bandeira, Lenine Medeiros, Lula Cardoso Ayres, Mário Nunes, Montez Magno, Renato Melo, Reynaldo Fonseca, Sílvia Barreto, Tereza Gondim, Vicente Monteiro, Vilaghan, Wellington Virgolino e Wilton de Souza. O catálogo da exposição recebeu um texto de apresentação de Abelardo da Hora, que mostrava o interesse de se socializar a arte, tornando-a mais próxima da população. 94 Figura 69 (esq.) – Capa do catálogo da 1ª Exposição da Galeria de Arte do Recife. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. Figura 70 (dir.) – Texto de apresentação escrito por Abelardo da Hora para o catálogo da 1ª Exposição da Galeria de Arte do Recife. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. Em meio a esses acontecimentos, por sugestão do artista plástico Abelardo da Hora, foi incluído no Código de Obras e Urbanismo da cidade do Recife (Lei 7.427/1961) o artigo 950136 em seu corpo, que diz que todo edifício com mais de 2000m² de área construída, pertencente ao município de Recife deve conter obras originais de valor artístico “as quais farão parte integrante deles“137. Para Abelardo, esta lei foi uma grande conquista para a arte e arquitetura pernambucanas. O objetivo foi de aproximar a arte das pessoas e valorizar a cultura de Pernambuco. Segundo esta lei, os artistas deveriam se inscrever na prefeitura para que ficassem permitidos a realizarem obras integradas à arquitetura produzida em Recife.138 Esta iniciativa demonstra um esforço por parte dos artistas de incluírem seus trabalhos às obras dos arquitetos locais. 136 Este artigo é conhecido como “Lei Abelardo da Hora”. Lei 7.427 de 19 de outubro de 1961. Trecho retirado de: VELOSO, M.; VIEIRA, N. Arte Moderna na Arquitetura e no Urbanismo recifenses – síntese e paradoxos no ontem e no hoje: uma análise através de algumas das obras de Abelardo da Hora e Francisco Brennand. In: 8º Seminário DOCOMOMO Brasil. Rio de Janeiro, 2009. 138 Entrevista concedida pelo artista plástico Abelardo da Hora à autora, realizada no dia 21/06/2011. 137 95 Os periódicos locais também refletiram a efervescência cultural vivida nesta época e receberam em seus corpos de edição artistas plásticos para coordenar colunas sobre arte. Ladjane Bandeira se tornou editora e redatora do Jornal do Commercio e do Diário da Noite, enquanto João Câmara escreveu artigos para o Diário de Pernambuco. A Revista de Belas Artes, de caráter acadêmico, era dirigida por Vicente do Rego Monteiro. Já a Revista Nordeste era dirigida por Esmaragdo Manoquim e Ladjane Bandeira. Editada pelo Jornal do Commercio, possuía uma linha mais moderna.139 No início dos anos 1960 o ensino das artes plásticas recebeu um impulso importante. Foi instituído na UFPE o curso de artes plásticas e Vicente do Rego Monteiro, Lula Cardoso Ayres e Murilo La Greca foram alguns importantes artistas que integram o corpo docente. Na Escolinha de Artes do Recife foram oferecidos cursos de pintura e desenho. Em 1964, com o golpe militar, o Movimento de Cultura Popular suspendeu suas atividades e iniciou-se um novo momento de censura. Com o encerramento do Ateliê Coletivo e a suspensão das atividades do MCP, Olinda se tornou o refúgio dos artistas.140 Em Olinda, o período dos anos 1960 até 1970 foi bastante movimentado em relação à criação e fechamentos de ateliês. Assim que os primeiros artistas chegaram à cidade, criou-se o Movimento Ribeira, onde os participantes utilizaram-se mercado para expor suas produções, transformando aquele espaço em uma galeria. Os artistas participantes eram Adão Pinheiro, Guita Charifker, José Barbosa, José Tavares, Montez Magno, José Cláudio, João Câmara, Ypiranga Filho, Anchises Azevedo, Roberto Amorim e Tiago Amorim. Mais tarde constituiu-se a “Galeria do Mercado da Ribeira”, mas em Agosto de 1965 os militares encerram as atividades do Ateliê. 139 ROSEMBERG, André (coord.). Pernambuco 5 décadas de arte. Recife: Quadro Publicidade e Design Ltda.. 2003. p.27. 140 Desde meados do século XIX Olinda tinha ficado à parte do dinamismo econômico que tinha seu centro no Recife, o que levou, por um lado, a uma estagnação econômica do município – e a conseqüente baixa nos preços dos imóveis – mas, por outro lado, a manutenção de seu acervo construído, os preços baixos dos imóveis e a atmosfera da cidade atraíram muitos artistas neste período. 96 Figura 71 – Capa do catálogo de Novembro de 1961 da Galeria de Arte da Ribeira, com obras de Maria Carmen, Anchises Azevedo e João Câmara. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. Em Setembro de 1965 houve a abertura da “Oficina 154”, na Rua de São Bento, que funcionava como um ateliê escola. Neste mesmo ano, aconteceu a abertura do “Ateliê mais 10”, que se localizava na Rua do Amparo. Eram artistas integrantes do Ateliê mais 10: João Câmara, Anchises Azevedo, José Tavares, Delano, Liedo Maranhão, Maria Carmem e Vicente do Rego Monteiro. Em 1966 o Museu de Arte Contemporânea de Olinda (MAC) foi inaugurado. Em 1967, aconteceu a Semana de Arte de Olinda e neste mesmo ano foram abertas as galerias Sobrado 7, Varanda, Casarão e Galeria Três Galerias. Assim, percebe-se a efervescência que se vivia na cidade de Olinda, onde havia uma liberdade maior e um maior apoio à arte.141 De 24 de Maio a 21 de Junho de 1967, ocorreu a mostra da Oficina Pernambucana no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Nesta mostra aconteceu a exposição de obras de Abelardo da Hora, Anchises Azevedo, João Câmara, Maria Carmen, Gilvan Samico e Wellington Virgolino. A apresentação dos artistas do catálogo ficou a cargo de José Cláudio, que logo no início fala da criação da SAMR e do Ateliê Coletivo e cita a influência que ele sofreu com a obra de Orozco e Rivera. José Cláudio fez um panorama sobre a pintura moderna em 141 ROSEMBERG, André (coord.). Op. cit., 2003. p.32. 97 Pernambuco inclusive enfocando que no início, a arte moderna era privilégio das classes abastadas e graças às iniciativas tomadas por Abelardo para a socialização da arte, ele passou a atingir um público mais amplo: "De Abelardo pra cá, [...] nossa pintura mudou de dono, de assunto, de cara e de tamanho. Mudou de dono porque deixou de ser privilégio e lazer de uma classe abastada para ser o estribo, o meio de expressão, a via de ascensão de uma classe mais baixa; mudou de assunto porque deixou de ser um jogo de estilos, uma batalha de serpentinas, para ser panfletária, reinvidicatória, filosófica; mudou de cara porque deixou de ser colorística, deleitável, sacrificando tais valores ao gosto pelo gesto largo, desinteressado de combinações caleidoscópicas; de tamanho porque, sem falar da ambição maior de transformar o mundo, deixou de ser o quadro que se pendura na parede do quarto para ser o que se bota em saguão, solene, 142 dirigido ao público, sinfônico.” Figura 72 – Capa do catálogo da Oficina Pernambucana, ocorrida em 1967 no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. De Dezembro de 1967 a Fevereiro de 1968, aconteceu o IV Salão de Arte Moderna do Distrito Federal. Neste evento, o júri de seleção e premiação foi composto por Clarival do Prado Valadares, Mário Barata, Walter Zanini, Mário Pedrosa e Frederico Morais. A decisão do júri para a grande premiação foi, relatada no próprio catálogo do Salão, bastante difícil, pois eles estavam indecisos entre dois pintores de 142 José Cláudio sobre a pintura moderna pernambucana no catálogo da exposição da Oficina Pernambucana, ocorrida no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, em 1967. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. 98 Pernambuco (João Câmara e Anchises Azevedo) e o carioca Helio Oiticica. Decidiram por fim dar o prêmio a Câmara, e completando a premiação concedendo o primeiro prêmio de pintura a Anchises e destacando o nome de Oiticica para a referência especial. Figura 73 (esq.) – Capa do catálogo do IV Salão de Arte Moderna do Distrito Federal. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. Figura 74 (dir.) – Texto explicativo do júri sobre a decisão da premiação de João Câmara, Anchises Azevedo e Hélio Oiticica. Fonte: Acervo Anchises Azevedo. Em 1970 a arte pernambucana perdeu Vicente do Rego Monteiro, Cícero Dias continuava na Europa e Lula Cardoso Ayres se aposentou da UFPE. Neste mesmo ano, iniciaram-se os questionamentos de Paulo Bruscky e Daniel Santiago sobre a utilidade da arte, seus valores e motivações. As manifestações de Bruscky e Santiago sempre foram marcadas pela polêmica e algumas atitudes dos artistas não eram toleradas pelo governo. Em 1974, inspirados pelos desenvolvimentos da arte conceitual, Bruscky e Santiago lideraram um movimento que eles intitularam de nadaísta. Em 1976, os mesmos artistas tentaram fazer uma nova Exposição de Artes Plásticas do Bairro do Recife, que foi fechada pelos militares no dia da abertura. Bruscky e Santiago ficaram presos durante um mês.143 143 Entrevista concedida pelo artista plástico Paulo Bruscky, realizada no dia 30/06/2010. 99 Entre meados da década de 1970 e início de 1980, foram construídos dois parques de escultura em Pernambuco: o Parque de Esculturas Monumentais Nilo Coelho (em Fazenda Nova) e a Fábrica de Brennand, no bairro da Várzea, Recife. Também foi durante esta época que novas galerias foram criadas, como a Gatsby, Degrau, Abelardo Rodrigues, Futuro 25, Officina, entre outras. A década de 1970 teve certo apoio do governo para a criação de novos museus. Em 1975, foi criado o Museu do Homem do Nordeste e, em 1977, o Museu de Arte Sacra de Pernambuco – MASPE. Em 1979 houve a criação da Fundação de Cultura da Cidade do Recife e da Oficina Guaianases de Gravura.144 O início dos anos 1980 foi marcado pela Bienal de Veneza (1981), onde se estava buscando um novo espírito na pintura, ou seja, uma revalorização do ato de pintar. Neste momento as telas em grandes dimensões voltaram a ser valorizadas. No diário oficial de 1983 foi publicado uma matéria sobre o XXXVI Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, que possuiu uma Sala especial para o artista Anchises Azevedo. Conhecido por seu abstracionismo e por seus grandes rolos de tela, o jornal destaca a aproximação do artista com obras de arquitetura, que passou a “produzir com maior perfeição em painéis para edifícios, esculturas de concreto, sem abandonar a pintura."145 3.2 A relação arquiteto-artista plástico Após essa breve descrição dos principais acontecimentos, percebe-se que a cidade de Recife teve uma participação efetiva no cenário das artes plásticas e arquitetura em nível nacional. Embora não haja publicações que tenham um enfoque direto sobre o relacionamento entre artistas e arquitetos, a produção moderna pernambucana demonstra que havia uma preocupação em se unir as duas formas de arte, mesmo que o objetivo não tenha sido de unir as arte plásticas e arquitetura nos mesmo moldes de movimentos como a Arbeitsrat für Kunst ou Bauhaus. Este fato foi confirmado nas entrevistas realizadas, tanto com artistas plásticos quanto com arquitetos. Entretanto, o cenário pernambucano nunca foi completamente favorável para que houvesse uma integração completa entre artes plásticas e arquitetura. Haviam dificuldades, mas mesmo assim os artistas e arquitetos 144 145 ROSEMBERG, André (coord.). Op. cit., 2003. p.41. Anchises é destaque do Salão de Artes Plásticas. In: Diário Oficial, 19/10/1983. 100 persistiram em fazer um trabalho culturalmente rico e em muitas vezes foram bem sucedidos. O mercado para a inserção da produção dos artistas nas edificações sempre foi complicado. Não é objetivo desta pesquisa procurar as razões deste fato, mas provavelmente há uma relação com a questão de educação da sociedade, que não possui grande sensibilidade artística e que portanto não valoriza a inserção da arte no cotidiano. Arte é vista, pela maioria das pessoas, como algo não compreensível e por muitas vezes supérfluo, uma posição que nos dias atuais ainda não mudou. Em entrevista com o arquiteto Antônio Carlos Maia146, filho de Heitor Maia Neto, acredita-se que nos anos 1950 a sociedade tinha uma maior sensibilidade em relação às artes. Os incorporadores também possuem sua parcela de culpa na separação entre arte e arquitetura de hoje em dia. Não há mais o mesmo interesse dos incorporadores em se incluir nos edifícios obras de arte com qualidade como havia há trinta ou quarenta anos atrás. O que acontece muito é a colocação de obras que não possuem nenhuma relação com o edifício, inclusive sem um espaço apropriado para ser apreciada. Arquitetos como Reginaldo Esteves, Dinauro Esteves, Marcos Domingues, Heitor Maia Neto, Antônio Carlos Maia e artistas como Anchises Azevedo e Abelardo da Hora confirmam este fato. Para Abelardo, a questão não é financeira, pois, segundo ele, “se as construtoras destinassem 10% (dez por cento) do que perdem com desperdício de material em obra para aplicarem na compra de uma obra de arte de qualidade para o edifício, a cidade estaria, culturalmente e artisticamente, muito mais rica.”147 Isto não diz respeito apenas à clientela. Pode-se dizer que grande parte dos arquitetos nos últimos vinte anos, além de uma frágil formação artística e cultural, têm uma visão muito focada no mercado imobiliário. Artisticamente, os arquitetos são mal-formados ou mal-informados, diferentemente do que ocorria nos anos 1950 e 1960. Com a chegada de figuras como Acácio Gil Borsoi (1924-2009), Delfim Fernandes Amorim (1917-1972) e Mário Russo (1917-1996), tínhamos um corpo docente formado à moda européia. Borsoi, carioca, formado pela Faculdade 146 147 Entrevista concedida pelo arquiteto Antônio Carlos Maia à autora, realizada no dia 07/06/2011. Entrevista concedida pelo artista plástico Abelardo da Hora à autora, realizada no dia 21/06/2011. 101 Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil - FNA (1949), Amorim vindo de Portugal e formado na Escola de Arquitetura do Porto (1947) e Mário Russo, italiano, formado na Escola Superior de Arquitetura de Nápoles (1942). Além disso, há a importância de professores artistas plásticos na Escola de Belas Artes de Recife. Para Heitor Maia Neto, os exercícios de composição passados pelo então professor Lula Cardoso Ayres foram de suma importância para que ele desenvolvesse seu senso de composição e também o aproximou das artes plásticas148. A criação da Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR) foi outro fato importante para a relação entre artistas e arquitetos. Segundo o artista plástico Anchises Azevedo, a SAMR lutou bastante para conseguir colocar as artes plásticas dentro das edificações, hábito que não existia antes, mas acontecia ocasionalmente em projetos particulares, quando este era um anseio do cliente ou algo do tipo.149 Ainda segundo Azevedo, os ateliês dos artistas era outra porta de comunicação entre artistas e arquitetos. Os arquitetos por vezes visitavam os ateliês dos artistas à procura de obras de arte para serem colocadas em suas edificações. O Movimento de Cultura Popular (MCP), também foi outro importante acontecimento para a socialização das artes plásticas. Abelardo da Hora sempre esteve envolvido com a questão social, principalmente com a busca da aproximação da arte e a população. Suas iniciativas juntamente com o Ateliê Coletivo, SAMR, MCP e a criação da Lei Abelardo da Hora demonstram bem isso. De fato seu esforço foi essencial para que uma aproximação entre artes plásticas e arquitetura se concretizasse. Em entrevista, o artista plástico Paulo Bruscky150 afirmou que a “Lei Abelardo da Hora” não foi sempre cumprida. O período entre seu lançamento em 1961 até o início dos anos 1980 havia uma resistência dos incorporadores em não respeitar a lei, e isto foi facilitado pela falta de fiscalização rígida por meio da prefeitura. Nos anos 1980, Bruscky, envolvido com o Patrimônio Histórico e com a Prefeitura do Recife, conseguiu fazer com que as fiscalizações se tornassem assíduas e multas àqueles que não estavam cumprindo a lei fossem aplicadas. 148 Entrevista concedida pelo arquiteto Antônio Carlos Maia à autora, realizada no dia 07/06/2011. Entrevista concedida pelo artista plástico Anchises Azevedo à autora, realizada no dia 10/05/2011. 150 Entrevista concedida pelo artista plástico Paulo Bruscky, realizada no dia 30/06/2010. 149 102 Descobri um esquema que algumas construtoras faziam para não respeitar a lei, que era os rodízios de obras de artes, como as esculturas. Fui a um hotel em Boa Viagem, e como conheço a produção artística produzida aqui, [...] observei uma escultura que Abelardo havia feito para um outro edifício e que estava lá, no hotel. Foi aí que percebi que as construtoras levavam as obras de arte para os edifícios só para não haver problema com a fiscalização. Quando conseguiam o habite-se, trocavam a obra de arte de 151 lugar e ficava por isso mesmo. Com o esforço de Bruscky a lei passou a ser seguida à risca a partir dos anos 1980, embora o artista acredite que nestes últimos anos, a fiscalização tenha voltado a enfraquecer. O momento de contato entre o arquiteto e artista plástico também é importante para entender-se a relação entre eles. Enquanto Lygia Clark fazia um apelo em 1956 sobre os arquitetos não chamarem os artistas no fim de um projeto, a prática mais comum em Recife era o contato entre os profissionais quando o projeto arquitetônico já estava concluído. Entretanto, a relação entre o artista plástico e o arquiteto relatado nas entrevistas não era inflexível. Em alguns casos o arquiteto já encomendava ao artista um painel ou uma escultura, já em outros, era discutido com o artista plástico qual a melhor obra de arte para tal espaço ou qual espaço ele gostaria de utilizar para seu trabalho. Algumas vezes o artista projetava a obra de arte sendo contratado pelo incorporador. Foi o que aconteceu com muitas obras de Abelardo da Hora. Grande parte de sua produção foi feita para edifícios construídos pela Construtora Queiroz Galvão. Em quase todos o artista não teve contato com o arquiteto. O local da obra de arte já era previamente escolhido e quando o contato era feito, todo o projeto arquitetônico já estava concluído. Mesmo assim, Abelardo afirma que suas obras sempre foram desenvolvidas para cada edifício, inspiradas principalmente em seus temas, que na sua maioria das vezes eram nomes de mulheres.152 Havia casos também da interferência do artista no projeto arquitetônico, com o pedido de alterações de paredes como aconteceu na parceria Anchises Azevedo – Vital Pessoa de Melo no Edifício Sahara. Vital convidou Anchises para realizar o painel do edifício e separou uma grande parede do hall de entrada, permitindo que o artista decidisse qual a melhor forma de se fazer o painel, quanto ele deveria ocupar 151 152 Idem. Entrevista concedida pelo artista plástico Abelardo da Hora à autora, realizada no dia 21/06/2011. 103 de parede e como deveria ocupar. Anchises pediu para que se fosse feito um rasgo vertical na parede, permitindo assim a entrada de luz e seu derramamento sob a superfície do painel de cimento.153 A forma de execução deste painel foi discutida entre artista e arquiteto objetivando a forma ideal para construir a obra de arte. Dinauro Esteves também afirma que, mesmo antes da obrigatoriedade de se colocar obras de arte nos edifícios, Reginaldo Esteves sempre teve esta preocupação. Inclusive, nos seus projetos que participou juntamente com Maurício Castro, Dinauro afirma que os artistas plásticos convidados sempre tiveram liberdade para sugerir alguma mudança. A obra de arte era discutida com os arquitetos, havia troca de informações e sugestões entre os profissionais. Dinauro também destaca que sempre houve preocupação dos próprios arquitetos em criar elementos arquitetônicos com grande teor escultural. Gárgulas, placas de concreto, elementos vazados, tudo era solucionado de forma a tornar aquele elemento construtivo em algo escultórico.154 Ou seja, a questão da escultura como trabalho na superfície arquitetônica também era trabalhada pelos arquitetos. Dinauro chegou a fazer painéis de placas de concreto para este edifício. Figura 75 – Dinauro Esteves. Gárgulas escultóricas para o Edifício Sede da CHESF. Foto: Aristóteles Cantalice II. Figura 76 – Dinauro Esteves. Painel de placas de cimento para o Edifício Sede da CHESF. Foto: Aristóteles Cantalice II. Anchises destaca a importância de se colocar a obra de arte em um local privilegiado, mas sempre de forma que ela faça parte da edificação. Assim como o 153 154 Entrevista concedida pelo artista plástico Anchises Azevedo à autora, realizada no dia 10/05/2011. Entrevista concedida pelo arquiteto Dinauro Esteves à autora, realizada no dia 27/06/2011. 104 painel do Edifício Sahara, o mural do Edifício Barão de São Borja (também de Anchises em parceria com Vital Pessoa de Melo) possui localização privilegiada. O mural é dividido em duas partes, sendo interrompido pelo bloco vertical do edifício. Ocupa toda a parede de garagem e se volta inteiramente para a rua. Portanto ele comunica não apenas com quem está dentro do edifício, mas é uma grande apresentação aos transeuntes que se encontram circulando nas proximidades. Figura 77 (esq.) – Mural do Edifício Barão de São Borja – vista da rua da parte lateral esquerda. Foto: A autora. Figura 78 (dir.) – Mural do Edifício Barão de São Borja – vista interna da parte lateral direita. Foto: A autora. Os artistas normalmente eram escolhidos pelos arquitetos. Para o Edifício Sede da Rede Ferroviária, projetado por Frank Svensson e Marcos Domingues, o artista plástico Francisco Brennand foi convidado pelo próprio Domingues, por ele saber que Brennand estava envolvido com os projetos da Rede Ferroviária e, portanto, seria o artista mais apropriado para criar uma obra de arte para o edifício daquela empresa.155 Ainda sobre a escolha do artista plástico, o arquiteto Dinauro Esteves comentou que este fato também envolve o reconhecimento do artista no cenário local e nacional, além de questões de relacionamento. Para o edifício sede da CHESF, artistas renomados como Francisco Brennand, Corbiniano Lins e Mirella Antreotti foram convidados para compor as obras localizadas no acesso principal do edifício. Para o restaurante, o artista plástico e amigo de Maurício Castro, Ferreira (José Ferreira de Carvalho) produziu o grande vitral localizado naquele ambiente. 155 Entrevista concedida pelo arquiteto Marcos Domingues à autora, realizada no dia 04/06/2011. 105 Figura 79 – Vitral de Ferreira para o restaurante da CHESF. Foto: Marcio Capelini. A figura do incorporador foi citada em algumas das entrevistas realizadas como limitadores em alguns projetos. A relação artista-arquiteto-incorporador sofria várias interferências em vários estágios de execução. Por vezes a obra de arte era alterada ou sofria limitações de execução por exigências do incorporador do edifício, modificando o resultado final esperado, tanto pelo artista plástico, quanto pelo arquiteto. Foi até mencionado por artistas plásticos que em algumas situações até o nome do edifício era mudado pelos incorporadores, fazendo com que a obra de arte planejada em cima daquele tema ficasse sem sentido. *** Após este panorama sobre artes e arquitetura em Pernambuco, percebe-se que, no período de 1950 a 1980, se desenvolveu no estado uma rica integração entre artistas plásticos e arquitetos, além de ser importante destacar também a aproximação dos arquitetos com os trabalhos artísticos, levando alguns a criar elementos e desenvolver desenhos para completarem o sentido artístico de suas obras arquitetônicas. No próximo capítulo, veremos por meio de algumas obras qual foi o resultado dessas parcerias e da aproximação dos arquitetos em relação às artes plásticas. Procurar-se-á analisar os espaços projetados pelos arquitetos para receber as obras 106 dos artistas. Dessa forma, buscaremos compreender como foi desenvolvida a relação entre arte plástica e arquitetura na cidade de Recife, entre os anos 1950 e 1980. 107 CAPÍTULO 4 A INTEGRAÇÃO DAS ARTES NA PRODUÇÃO MODERNA PERNAMBUCANA 4. A INTEGRAÇÃO DAS ARTES NA PRODUÇÃO MODERNA PERNAMBUCANA Após esta breve revisão das artes plásticas e arquitetura a nível internacional, nacional e local, partir-se-á à questão central do trabalho: a integração das artes no cenário local. Neste momento, é importante destacar que este estudo se limitou a analisar casos de integração entre artes plásticas que compreendem painéis, murais e esculturas, dentro da produção moderna produzida na Região Metropolitana do Recife, no período de 1950-1980. Procurou-se, primeiramente definir um olhar para se analisar a integração entre as artes. Este olhar compreende extrair dos conceitos defendidos por Merleau-Ponty e que encontramos relação destes nas obras The Eyes of the Skin, de Juhani Pallasmaa, e O Espaço da Arquitetura, de Evaldo Coutinho, algumas diretrizes básicas para se criar uma forma de organizar a observação do espaço que abriga a relação entre artes plásticas e arquitetura. Assim, procuraremos aplicar estas diretrizes para entender como se deu a relação entre artes plásticas e arquitetura dentro de alguns edifícios significativos da produção moderna de Pernambuco. 4.1 Arte, espaço e corpo em Pallasmaa e Coutinho Eu não poderia apreender a unidade do objeto sem a mediação da 156 experiência corporal. (Maurice Merleau-Ponty) Procurar transpor para palavras a relação existente entre arte e arquitetura é uma tarefa um tanto quanto desafiadora. A relação da obra de arte com o edifício implica uma dimensão espacial, e o primeiro passo para se entender essa relação é procurar apreender o próprio espaço que a abriga. O espaço só pode ser apreendido quando há a presença humana, o desenvolvimento do corpo neste espaço. Este só tem sentido através do corpo. A dimensão corporal foi bastante utilizada pelo filósofo francês Maurice Merleau-Ponty em sua obra Fenomenologia da Percepção. A obra de Merleau-Ponty é bastante extensa e profunda, mas o que mais nos interessa é a questão da experimentação para se compreender o espaço. Segundo o filósofo, para se apreender o espaço é necessário a experiência, e esta só é possível através da interação entre corpo e espaço e captadas pelos sentidos, 156 MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1994. p.273. 109 lembrando que a apreensão do espaço não é imediata (visão), e sim gradual, através da leitura captada pela junção da interpretação de todos os cinco sentidos. Estes funcionam como captadores espaciais. [...] todos os sentidos são espaciais, e a questão de saber qual é o sentido que nos dá o espaço deve ser considerada ininteligível se refletimos no que 157 é um sentido. Outro ponto importante é a questão da comunicação entre sentidos. Como acabamos de afirmar, a apreensão do espaço é captada pela interpretação dos cinco sentidos, ou seja, não basta um ou outro sentido para se entender tal espaço. Até mesmo para se perceber a propriedade física de um material, apenas o tato não é suficiente. Num caso desses, o som pode ser essencial. Para saber se uma superfície é lisa ou áspera, a visão pode responder. Precisa-se de uma combinação de sentidos, de uma comunicação. É o que Merleau-Ponty destaca na sua passagem: Os sentidos comunicam-se entre si e abrem-se à estrutura da coisa. Vemos a rigidez e a fragilidade do vidro e, quando ele se quebra com um som cristalino, este som é trazido pelo vidro visível. Vemos a elasticidade do aço, a maleabilidade do aço incandescente, a dureza da lâmina em uma plaina, a moleza das aparas. A forma dos objetos não é seu contorno geométrico: ela tem uma certa relação com sua natureza própria e fala a todos os nossos sentidos ao mesmo tempo em que fala à visão. A forma de uma prega em um tecido de linho ou de algodão nos faz ver a flexibilidade ou a secura da fibra, a frieza ou o calor do tecido. Enfim, o movimento dos objetos visíveis não é o simples deslocamento das manchas de cor que lhes correspondem no campo visual. No movimento do galho que um pássaro acaba de abandonar, lemos sua flexibilidade ou sua elasticidade, e é assim que um galho de macieira e um galho de bétula imediatamente se distinguem.Vemos o peso de um bloco de ferro que se afunda na areia, a fluidez da água, a viscosidade do xarope. [...] Se se pode duvidar de que a audição nos dê verdadeiras “coisas”, pelo menos é certo que ela nos oferece, para além dos sons no espaço, algo que “rumoreja” e, através 158 disso, ela se comunica com os outros sentidos. Esta discussão sobre a relação corpo-espaço de Merleau-Ponty é encontrada em obras de dois autores que interessam diretamente a esta pesquisa: o arquiteto finlandês Juhani Pallasmaa e o filósofo recifense Evaldo Coutinho. Ambos desenvolveram trabalhos que se rebatem diretamente na arquitetura e que mencionam a utilização dos sentidos para a percepção do espaço. É importante destacar que não foi encontrada nenhuma referência direta de Evaldo Coutinho à 157 158 ibidem. p.294. ibidem. p.308-309. 110 obra de Merleau-Ponty, mas percebe-se uma relação entre conceitos desenvolvidos por ambos. Além disso, embora Coutinho e Pallasmaa sejam teóricos de épocas e contextos distintos, ambos possuem um rebatimento essencial para esta pesquisa. Coutinho por ter se envolvido diretamente com o universo de estudo (Recife), e influenciado na formação dos arquitetos da atual UFPE, inclusive ministrando a disciplina de Teoria da Arquitetura por vários anos; e Pallasmaa, finlandês, por ser arquiteto e um dos críticos mais reconhecidos da atualidade. Além disso, a figura de Pallasmaa se torna importante pelo fato de esta dissertação ter sido desenvolvida hoje, portanto, nada mais legítimo que este procure responder as inquietações de críticos da arquitetura contemporâneos. O trabalho de Pallasmaa se detém justamente na questão da arquitetura e os sentidos, além de criticar uma arquitetura sem raízes ou ligação cultural. Autor de vários títulos importantes, Evaldo Coutinho escreveu O Espaço da Arquitetura (1977), um livro bastante profundo que abrange temas como a questão do espaço da arquitetura – assim como seu título sugere –, a intuição do artista, a autonomia dos gêneros artísticos ou a criatividade. Em muitas partes ele faz paralelos entre diferentes tipos de arte procurando demonstrar as relações existentes entre elas, destaca a relação entre obra e lugar, como também fala dos sentidos – ponto que mais aproxima sua obra de Merleau-Ponty e Pallasmaa – destacando a importância dos outros sentidos em relação à visão e a relação corpoespaço. Sobre estes destaques feitos por Coutinho em relação à junção dos diferentes tipos de arte podemos destacar alguns trechos como, por exemplo, em relação à noção de conjunto provocada no observador quando este experimenta um espaço com esculturas inerentes às estruturas do edifício: “[...] a presença da estátua esculpida e inerente à estrutura mesma do prédio, tal o caso das cariátides, significa algo que suscitará no observador [...] o reconhecimento de que se impôs a unidade da concepção [...]”159 159 COUTINHO, E. O Espaço da Arquitetura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1977. p.1. 111 Sobre o local que deve ser planejado para receber a obra de arte a passagem seguinte é fundamental, pois nos faz perceber a importância do planejamento do espaço para receber aquela obra de arte. Caso a obra seja retirada do seu local de origem, não mais será possível compreendê-la na sua completude: [ ...] está a obra agregada a seu âmbito, demorada em permanente abrigo, mas indicando ao espectador a feição com que deve ser olhada, sem ir a disseminações que conturbam o idêntico de si mesma, nessa atitude prevalecendo o sentido grego de óptica: a existência de ponto de mira a que terá que obedecer o passeante, segundo determina a obra para efeito de ser diligenciadamente vista. Esse lugar escolhido, pretendido necessariamente pelo autor, é indigitado pela mesma obra, ela não se deixando contemplar sem manter o próprio espectador no local devido; tal a orientação proveniente do jeito com que se 160 revelam, na fachada do templo, as colunas das extremidades. Este seria um ponto que precisa ser considerado quando acontece a relo cação de uma obra de arte. Este processo necessita de bastante cuidado e planejamento para que a apreciação da obra não seja prejudicada, embora que se formos considerar a observação de Coutinho ao pé da letra, o deslocamento nunca poderia acontecer, pois este fato alteraria fatalmente a apreciação e o propósito da obra de arte. Sobre a questão da percepção captada pelos sentidos, Coutinho relata o privilégio dado à visão, e o conseqüente ofuscamento da interpretação dos outros captadores: Nota-se a predominância do sentido visual, como habitualmente sucede nos encontros entre a pessoa e o recinto, e muito mais freqüente nas explanações acerca da arquitetura; devendo-se à prestigiosa visibilidade o assíduo conspecto das esculturações que ofuscam, aos menos sensíveis, o 161 reconhecimento de outras captações; [...] Embora todos estes pontos sejam abordados por Coutinho, a essência do seu trabalho em relação ao espaço da arquitetura é a questão da matéria. Assim como destacamos no capítulo anterior, o espaço é a matéria da arquitetura, e este espaço é limitado pelos elementos concretos (piso, teto, paredes) – o invólucro, ou seja, pela escultura. “A escultura encerra o que, para mim, é a arquitetura propriamente dita.”162 Retomando a relação da apreensão do espaço através dos sentidos, a obra de Juhani Pallasmaa, The Eyes of the Skin (1996) trata mais especificamente da 160 ibidem. p.19. ibidem. p.155-156. 162 Entrevista com Evaldo Coutinho concedida à Eride Moura e publicada na Revista PROJETODESIGN, Ed.286 de Fevereiro de 2004. 161 112 arquitetura em relação aos nossos sentidos. O próprio título de sua obra, traduzida como “Os olhos da pele” já nos dá uma idéia do que seu trabalho procura demonstrar: o relacionamento dos sentidos, assim como foi visto há pouco com a passagem de Merleau-Ponty. Pallasmaa é considerado um dos maiores críticos da atualidade, sobretudo por retomar uma nova concepção de entendimento da arquitetura que envolve o estudo do espaço e os sentidos, desafiando a ênfase cenográfica que desde os anos 1980 foi incorporada na cena arquitetônica internacional. Ele defende que a arquitetura, mais do que efeitos visuais, deve provocar sensações que estimulam todos os sentidos, não apenas a visão. Há no início do livro uma grande crítica ao prevalecimento da visão acima dos outros sentidos, e da arquitetura “retiniana”, que seria aquela apenas visual, não-sensível, para o deleite dos olhos, sem maior aprofundamento. Chega a chamar a arquitetura atual de narcisista e niilista. Toda experiência tocante da arquitetura é multi-sensorial; a qualidade de espaço, matéria e escala são mensuradas igualmente pelo olho, ouvidos, 163 nariz, pele, língua, esqueleto e pelos músculos. A arquitetura atual tende a ser 'retiniana', pois se dirige aos olhos; é 'narcisista' porque coloca a ênfase no arquiteto, no indivíduo; e é 'niilista' porque não fortalece as estruturas culturais; ao contrário, as aniquila. Hoje, um pequeno grupo de arquitetos constrói em todo o mundo, e os mesmos edifícios estão em toda parte. Assim, é difícil que a Arquitetura possa 164 reforçar alguma ou qualquer cultura. Pallasmaa mostra a necessidade de uma arquitetura que reflita seus valores culturais, que se ligue ao local, que não seja apenas mera reprodução de um “estilo” internacional. Mesmo não sendo objetivo deste trabalho, acreditamos que a arquitetura produzida em Pernambuco não se enquadre naquilo que Pallasmaa chama de arquitetura narcisista e niilista, pois vimos no capítulo anterior, que a arquitetura local teve, particularmente no período estudado, como uma de suas maiores preocupações a adaptação ao local, utilizando-se de elementos e soluções de projeto que adequem a construção ao clima quente da cidade. Além disso, sabe- 163 “Every touching experience of architecture is multi-sensory; qualities of space, matter and scale are measured equally by the eye, ear, nose, skin, tongue, skeleton and muscle.” In: PALLASMAA, Juhani. The Eyes of the Skin. Architecture and the Senses. John Wiley: New York, 2005. p.41. Tradução da autora. 164 Entrevista concedida a Anatxu Zabalbeascoa. Publicada originalmente no suplemento Babelia de El Pais, edição de 12 de agosto de 2006, sob o título "La arquitectura de hoy no es para la gente". Disponível em: http://www.vivercidades.org.br/. Acesso em: 09 de setembro de 2009. Tradução da autora. 113 se que muitas influências culturais permanecem nas casas pernambucanas, como por exemplo, a disposição em planta dos diferentes setores (social, íntimo e serviço). Apoiados em Pallasmaa e Coutinho, procuraremos definir uma forma de se analisar o espaço que abriga a relação entre a obra de arte e o edifício. Mensurar algo subjetivo é praticamente impossível, mas buscou-se encontrar uma forma de sistematizar as análises baseada na questão principal da apreensão dos espaços destacados tanto por Merleau-Ponty, quanto por Evaldo Coutinho ou Juhani Pallasmaa: a captação dos sentidos. Trata-se de um trabalho com base na experimentação e nas sensações provocadas pelo espaço analisado. Assim, veremos no tópico a seguir, como se estruturou a base de análise das obras selecionadas que demonstram relações entre artes plásticas e arquitetura. 4.2 A análise do espaço Assim como visto dito no tópico anterior, o espaço só pode ser compreendido através da experimentação feita através do corpo. Esta é assimilada através dos captadores (sentidos). Dessa forma observemos o esquema a seguir: Figura 80 – Processo de análise do espaço através do corpo. Fonte: A autora. A figura acima ilustra o processo que ocorre, de forma bastante simplificada, quando o corpo procura apreender o espaço. O corpo, através dos seus captadores (sentidos) identifica a dimensão material que compõe a obra total165 e interpreta a relações entre os materiais. Essa captação nos concede a percepção da dimensão física dos limites, o invólucro de Evaldo Coutinho (escultura). A obra de arte arquitetônica, formada pelo vazio, pelo espaço delimitado pela sua escultura – materiais e limites – unida com as artes plásticas – elemento neste caso não 165 Entende-se por obra total a obra maior que corresponde ao trabalho dos arquitetos e artistas plásticos juntos. 114 adicionado, mas componente da dimensão escultural da arquitetura, ou seja, parte integrante – e as relações entre estas duas partes constituem o espaço que procura ser apreendido. Este espaço é o que chamamos de obra total, pois ele resulta da junção da obra arquitetônica com a obra de artes plásticas. Dessa forma, temos a dimensão material como ponto que faz a intermediação entre o corpo e o espaço. É através da percepção da escultura que se inicia a apreensão do espaço.166 A dimensão material é estudada pelos captadores do corpo (sentidos). O espaço composto pela obra total se expressa para o corpo através desta relação de materiais e não-materiais167. Esta relação delimita e define o construído e o nãoconstruído, a escultura ou invólucro, constituindo o espaço. Como forma de sintetizar este esquema em uma forma de aplicá-la metodologicamente a um espaço, foram identificados três eixos de análise principais e alguns questionamentos sobre eles, sendo: a. Dimensão sensorial Quais os sentidos estimulados? Como? Como se encontra o aspecto tátil das superfícies arquitetônicas (pisos, paredes, teto) em relação à obra de arte? Como se dá a relação a obra de arte plástica com os transeuntes/habitantes? Que sensações esta relação desperta? b. Dimensão material Quais os elementos presentes? Qual o tipo de obra de arte plástica? Os materiais utilizados e as formas de tratamento das superfícies da obra total. Quais são os tratamentos utilizados? Quais as texturas? Qual a forma de contato da obra de arte plástica com a arquitetura? c. O espaço da obra total Como está organizado o invólucro? Como a obra de arte plástica está inserida no espaço? Há alguma preocupação em elementos como o piso para direcionar o olhar para a obra de arte plástica? Quais as delimitações do espaço de admiração? Qual a relação deste espaço com outros? Quais as possibilidades de apreciação da obra 166 167 Diga-se inicia porque o espaço também envolve outras dimensões, que não apenas material. Não-materiais = vazio. 115 de arte plástica? Luz. O trabalho com a iluminação. De que forma o ambiente recebe a influência da luz/sombra? Cores. De que forma a cor é utilizada no espaço criado para a apreciação da obra de arte plástica? Há incorporação da obra de arte plástica no cumprimento de atividades rotineiras do dia-a-dia, como, por exemplo, dirigir-se ao elevador? A partir destas questões, foi desenvolvida uma ficha (anexo 1) para ser aplicada aos estudos de caso. A ficha contém primeiramente uma área de preenchimento básica com os dados da obra de arquitetura e a obra de arte. A seguir têm-se três caixas básicas que se referem aos eixos de análise identificados há pouco e outra área para observações adicionais. É importante frisar que na caixa da análise sensorial foi feita um recorte, deixando esta com a análise de dois sentidos: tato e visão. Embora tenhamos visto que a crítica maior de Pallasmaa seja sobre o prevalecimento da visão sobre os outros sentidos, destacamos aqui que foi decidido fazer este recorte apenas a fim de simplificar a pesquisa de leitura do espaço, e o tato e a visão foram os sentidos eleitos por estarem mais ligados à dimensão material. Lembremos que, segundo Coutinho, é a escultura que encerra a matéria da arquitetura, o espaço, reforçando mais uma vez a nossa defesa de que os sentidos mais ligados à questão material podem nos ajudar a entender o vazio, mesmo que de forma mais simplificada. Vale salientar também que através desta análise utilizando-se de dois sentidos, não estamos, de forma alguma, afirmando que alguns sentidos são mais ou menos importantes que outros, apenas estamos simplificando o estudo a ser feito. Além disso, sabe-se que a criação e aplicação de fichas não conseguem dar conta da complexidade de relações que existe para se apreender um espaço, mas este se mostrou como um meio viável para a sistematização dos dados. 4.2.1 Espaço interno x espaço externo À medida que as visitas foram sendo realizadas, muitos outros questionamentos surgiram, e a questão do espaço externo apareceu como um impasse. Como analisar o espaço que não é delimitado fisicamente como um ambiente de um hall de um edifício ou uma sala de visitas? Onde está a escultura (invólucro) do espaço externo? Sabe-se que as formas de artes plásticas escolhidas para serem 116 analisadas neste estudo limitam-se a painéis, murais e esculturas, e em alguns momentos encontramos painéis de azulejos que revestem toda ou parte da fachada de um edifício, ou uma escultura que está localizada na área externa da construção. Sabe-se que este trabalho procura entender como a integração entre obra de arte plástica e o edifício acontece através da interpretação do espaço que faz a integração entre os objetos de artes plásticas e o edifício, como se fosse algo limitado, criado para acolher este diálogo entre as artes. Assim sendo, como ficaria esta questão dentro de um espaço não delimitado pelo edifício, um espaço externo? Para esta pesquisa acredita-se que resposta está na escala da análise. Em casos de painéis que revestem toda uma fachada, continua-se a ter a obra do artista interagindo com a obra do arquiteto dentro de um espaço, e esta relação atinge os olhos de quem está observando a curta distância (como uma observação micro da obra, na escala dos detalhes), ao mesmo tempo de quem está longe, observando o volume do edifício numa escala macro, do observador da rua, da cidade. Sobre as paredes divisórias dos lotes, Coutinho destaca: As devessas que separam as secções do território sem arquitetura, são meramente convencionais em sua condição de sebes, desprovidas de meios para fomentar, nos trechos que elas delimitam, a coordenação de seus elementos; diferem, portanto, das paredes que configuram um ser precisamente definido, com elas, além de sua função demarcatória, a colaborarem no concerto dos penetrantes valores, ora fechando-se em mural, ora entreabrindo-se em vazaduras, consoante exija a combinação daqueles valores. Assim, o lugar arquitetônico, instituindo-se em face dos vindouros recheios, incorporando a ritualidade que será a mesma enquanto persistir o prédio, é o resumo de universalizadora franquia; sendo a cidade a aglomeração de ensejos em que aprimoram as relações entre pessoa e o local, e o acúmulo de estadias que transcendem dos atuais ocupantes e as 168 positiva, em contemporaneidade única. Desta passagem podemos concluir que as paredes que delimitam o lote sem nenhum tratamento ou nenhum outro objetivo que não seja a função de dividir, não configuram um espaço arquitetônico. Já no caso daquelas que recebem um tratamento especial, artístico, estas conformam a base para a obra de arte, quase como a tela branca para o artista pintar, e só assim ela deixa de ser uma parede meramente divisória e passa a ser um objeto de arte inserido num espaço para ser observada. No caso de uma fachada de um edifício que recebe o revestimento de um painel em todo o seu plano de extensão, pode-se definir o lote do terreno como o espaço onde a obra se insere (considerando a face do edifício como a base de 168 COUTINHO, E. O Espaço da Arquitetura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1977. p.214. 117 aplicação da obra de arte) e esta relação pode ser observada de perto (micro – dentro do lote) ou de longe (macro – de fora do lote, ou da rua). Assim, a forma de se analisar o espaço interno ou externo será a mesma, considerando-se apenas uma escala de observação a mais (macro), o que não acontece nos casos de espaços internos. A partir da experimentação dos espaços e do preenchimento das fichas foram eleitos alguns eixos de classificação em relação a como se dá a relação da obra de arte com a arquitetura. Estes serão apresentados no fim do tópico a seguir. 4.3 Apresentação das obras Para o estudo, foram eleitas treze edificações produzidas entre os anos de 1951 e 1976, compreendendo edifícios públicos e privados, com diferentes programas e que possuem significativos espaços de integração entre arte e arquitetura: Ano Obra Arquiteto Uso original Tipo Obra de arte Autor 1951 Biblioteca de Casa Amarela Heitor Maia Neto Biblioteca Público Painel externo Hélio Feijó (AP) Painel interno Reynaldo Fonseca (AP) 1955 Residência Torquato de Castro Heitor Maia Neto Residência unifamiliar Privado 1957 Edifício Acaiaca Delfim Amorim e Lúcio Estelita Residência multifamiliar 1958 Residência Isnard de Castro e Silva José Norberto Castro Silva Residência unifamiliar Privado 1960 Biblioteca Central / UFPE Valdecy Pinto e Antônio Didier Biblioteca Público 1960 Edifício Santo Antônio Acácio Gil Borsoi Edifício de lojas e escritórios Privado de uso público 1968 1972 Edifício Sede da SUDENE Edifício Sahara Maurício Castro e equipe Vital Pessoa de Melo Privado Edifício público – administrativo Público Residência multifamiliar Privado Painel externo (ladrilhos cerâmicos) Escultura externa Painéis de azulejos (fachadas) Corbiniano Lins (AP) Corbiniano Lins (AP) Delfim Amorim (ARQ) Painel interno Reynaldo Fonseca (AP) Mosaico externo Não identificado Vitral Painel interno Portão-painel Painéis de baixo relevo (anexo e biblioteca) Piso do pav. térreo Painel interno Baldini (AP), Aurora (AP) Acácio Borsoi (ARQ) Corbiniano Lins (AP) Paulo Roberto (AP/ARQ) Francisco Brennand (AP) Anchises Azevedo (AP) 118 1972 Edifício Sede da CELPE 1972 Edifício Sede da RFFSA 1973 Edificações do Parque Histórico Nacional dos Guararapes 1975 Edifício Sede da CHESF Vital Pessoa de Melo e Reginaldo Esteves Frank Svensson e Marcos Domingues Armando de Holanda Maurício Castro e Dinauro Esteves Edifício público – administrativo Público Edifício público – administrativo Público portaria / administração / lanchonete Edifício público – administrativo Público Público Painel interno Neves (AP) Painel interno Francisco Brennand (AP) Painel interno Francisco Brennand (AP) Painéis de azulejos das fachadas – administração e lanchonete Escultura externa Vitral bloco principal Painel interno Painel interno 1976 Edifício Gropius Vital Pessoa de Melo Residência multifamiliar Privado Athos Bulcão (AP) Corbiniano Lins (AP) Francisco Brennand (AP) Francisco Brennand (AP) Mirella Andreotti (AP) Vitral restaurante Ferreira (AP) Painel fachada Athos Bulcão (AP) Figura 81 – Tabela das obras selecionadas. AP – Artista plástico / ARQ – Arquiteto. Fonte: a autora. As obras visitadas foram selecionadas levando em consideração a localização (Região Metropolitana de Recife), a sua importância para a arquitetura local (muitas delas são ícones da produção moderna do estado), o seu autor (para que houvesse variedade, a amostra compreende obras de quatorze arquitetos), os usos (procurouse incluir edificações residenciais unifamiliares, multifamiliares e edifícios públicos) e o tipo de obra de arte que o edifício abriga (limitando-se a painéis, murais e esculturas). Sabe-se que existem muitos outros edifícios que poderiam ser incluídos na nossa análise. É importante frisar que os edifícios escolhidos não são mais nem menos importantes do que outros que poderiam estar presentes na lista. Voltando para a análise das obras selecionadas, para cada edifício a ficha de análise (anexo 01) foi preenchida, procurando identificar o que o observador (no caso, a autora desta pesquisa) conseguiu captar em relação aos três eixos de análise apresentados no item 4.2. O anexo 02 mostra um exemplo de uma dessas fichas preenchidas. Portanto, estamos diante de uma percepção fenomenológica extensa captada pelo observador. Antes de entrarmos em detalhes das análises dos espaços de integração, é interessante que façamos uma breve apresentação das obras selecionadas: 119 4.3.1 Biblioteca de Casa Amarela (1951) Figura 82 – Heitor Maia Neto. Biblioteca de Casa Amarela. Fonte: Museu da Cidade do Recife (com alteração da autora). Figura 83 (esq.) – Vista externa da Biblioteca de Casa Amarela. Foto: Alexandre Braz de Macedo. Figura 84 (dir.) – Detalhe do painel de Helio Feijó - Biblioteca de Casa Amarela. Foto: Ana Clara Salvador. A Biblioteca de Casa Amarela foi projetada pelo arquiteto Heitor Maia Neto, em 1951, e é fruto de um concurso vencido pelo ainda estudante em 1950. O edifício se localiza num terreno de esquina e possui na fachada voltada para a rua principal um painel de azulejos do artista plástico Hélio Feijó. A edificação é formada pela articulação de blocos com claros traços modernistas, sobretudo da Escola Carioca: o telhado em borboleta, o uso de platibandas, as empenas trapezoidais, o uso do elemento vazado e uma fina marquise sustentada por tubos de aço. Segundo Naslavsky: “Artes plásticas, arquitetura e desenho de mobiliário integram-se: painel de azulejos de Hélio Feijó e mobiliário elaborado pelo próprio arquiteto. Esse projeto 120 evidencia a difusão da obra de Oscar Niemeyer em solo pernambucano.“169 O edifício sofreu reformas e alguns elementos externos foram adicionados, como grades metálicas, que foram fixadas por cima de algumas peças do painel. Mesmo assim, tanto o edifício quanto a obra de artes plásticas mantém sua integridade. 4.3.2 Residência Torquato de Castro (1955) Figura 85 (esq.) – Heitor Maia Neto. Residência Torquato de Castro. Foto: A autora. Figura 86 (dir.) – Escultura de Corbiniano Lins para a Residência Torquato de Castro. Foto: Mônica Luize Sarabia. Figura 87 – Painel de Reynaldo Fonseca para a Residência Torquato de Castro. Foto: A autora. Figura 88 – Ladrilho cerâmico de Corbiniano Lins para a Residência Torquato de Castro. Foto: A autora. A residência Torquato de Castro foi projetada pelo arquiteto Heitor Maia Neto, em 1955, e assim como na Biblioteca de Casa Amarela, esta residência possui claros traços do modernismo brasileiro, sobretudo influências de Lúcio Costa. Maia Neto se preocupou bastante com a ventilação dos ambientes, tirando partido de soluções de 169 NASLAVSKY, Guilah. Op.cit., 2004. p.136. 121 treliças de madeira, elementos vazados e pergolados. Há também o uso de um grande septo na fachada principal que penetra no grande bloco trapezoidal da edificação, criando uma composição com formas assimétricas. A edificação recebeu obras de dois artistas plásticos: Corbiniano Lins (ladrilhos cerâmicos e escultura externa) e de Reynaldo Fonseca (painel interno). Internamente a residência possui quatro níveis diferentes. Estes níveis são articulados a partir da sala de jantar, que possui acesso do exterior, e se encontra no centro da casa possuindo um grande pé-direito. As salas de estar estão num nível mais alto, e é no ambiente que chamamos de estar TV que se localiza o painel de Reynaldo Fonseca, podendo este ser observado de vários ambientes e ângulos de visão diferentes. Os ladrilhos cerâmicos de Corbiniano encontra-se no estar, e passa para o exterior do terraço do térreo, permitindo que seja observado tanto interna quanto externamente. Note-se também que todas as obras de arte estão localizadas em áreas que desempenham função social. Figura 89 (esq.) – Heitor Maia Neto. Residência Torquato de Castro – planta baixa. Desenho: a autora. Figura 90 (dir.) – Distribuição dos ladrilhos cerâmicos de Corbiniano Lins, passando do interior para o exterior da edificação. Foto: A autora. 122 4.3.3 Edifício Acaiaca (1957) Figura 91 (esq.) – Delfim Amorim. Edifício Acaiaca. Foto: A autora. Figura 92 (dir.) – Delfim Amorim. Detalhe dos azulejos do Edifício Acaiaca, desenhados pelo arquiteto. Foto: A autora. O edifício Acaiaca foi projetado por Delfim Amorim e Lúcio Estelita em 1957 e é considerado um grande símbolo do bairro de Boa Viagem. Lançado como residência de veraneio, é um conjunto apartamentos de dois e três quartos dispostos paralelamente à praia, criando um grande bloco prismático. Este prisma é solto sob pilotis e tem os cantos chanfrados. Apresenta um volume elíptico destinado a abrigar a circulação vertical e a portaria original. Neste projeto, percebem-se elementos da arquitetura moderna brasileira aliada à utilização de panos de azulejos, que neste caso, foram desenhados por Delfim Amorim e que remetem tanto à adoção moderna brasileira dos azulejos após o edifício do MES, quanto à própria postura tradicional da arquitetura portuguesa. Segundo Luiz Amorim, Delfim utilizava o azulejo em suas obras desenvolvidas em Portugal, pois como se sabe o azulejo é um elemento da arquitetura tradicional do país.170 Além disso, o arquiteto não tinha nenhuma pretensão em ser confundido com um artista plástico, apenas realizava os desenhos dos módulos como parte da própria edificação. Ou seja, ele não enxergava o grande pano de azulejo como um painel mural adicionado ao edifício. O azulejo é parte do edifício.171 Mesmo não havendo pretensão do arquiteto em realizar uma obra de arte, não podemos desconsiderar o valor artístico destes elementos. Segundo Naslavsky: “Eis uma verdadeira obra de arte mural de dimensões urbanas que 170 171 Entrevista concedida pelo arquiteto Luiz Amorim, filho de Delfim Amorim, realizada em 28/06/2011. Idem. 123 tomou um papel fundamental em sua obra, uma verdadeira marca.”172 O azulejo também é utilizado como artifício de proteção das superfícies, como bem destaca Gomes: Amorim recorre à tradição para resolver um problema que não tem idade. Recupera o uso do azulejo, criando padrões decorativos para cada uma de suas obras. Vale-se de peças industriais, invariavelmente brancas, [...] que pinta artesanalmente, com máscaras apropriadas. Limita-se a usar dois tons de azul mas, em alguns casos, acrescenta uma segunda cor. No Edifício Acaiaca (1958) reveste inteiramente as empenas e, com o mesmo azulejo, cria duas barras horizontais, uma na base e outra no topo 173 do edifício, obtendo uma moldura para o quadro composto pelas janelas. Além do azulejo, o peitoril ventilado é outro elemento que adequa o edifício ao clima local. Este artifício para substituição das venezianas foi “criado e incorporado à arquitetura pernambucana por Augusto Reynaldo”174 e continuou a ser utilizado por Amorim e por vários arquitetos da região. Figura 93 – Detalhe das diferentes texturas dos materiais. Foto: A autora. 172 NASLAVSKY, Guilah. Op. cit., 2004. p.122. SILVA, Geraldo Gomes da. Delfim Amorim. In: Revista AU nº57. São Paulo, dez.94-jan/95, p. 77. 174 NASLAVSKY, Guilah. Op. cit., 2004. p.120. 173 124 4.3.4 Residência Isnard de Castro e Silva (1958) Figura 94 (esq.) – Residência Isnard de Castro e Silva. Foto: A autora. Figura 95 (dir.) – Painel de Reynaldo Fonseca para a Residência Isnard de Castro e Silva. Foto: A autora. Figura 96 (esq.) – Mural de mosaico para a Residência Isnard de Castro e Silva. Autor não identificado. Foto: A autora. Figura 97 (dir.) – Vista aproximada do mural de mosaico para a Residência Isnard de Castro e Silva. Autor não identificado. Foto: Fernando Diniz. A Residência Isnard de Castro e Silva foi projetada pelo ex-integrante da DAU, José Norberto Castro Silva em 1958, e sua linguagem mostra a influência da arquitetura da Escola Carioca: empenas trapezoidais e o uso de elementos vazados, que neste caso são de louça. A residência representa um programa típico de residências locais dos anos 1950: um volume solto para os quartos no pavimento superior por cima de uma área de estar que se integra com o exterior e jardins através de grandes panos de esquadrias. Os setores eram bem definidos. Originalmente, o térreo abrigaria a área social e de serviço, e o pavimento superior abrigaria o setor íntimo. 125 Os revestimentos são variados, há uso de pastilhas cerâmicas e pedras naturais. A cor é também outro elemento muito utilizado. Os tons de marrom nas pastilhas cerâmicas e nas esquadrias de madeira se juntam aos elementos vazados azuis, aos panos de vidro e aos coloridos cacos de azulejo que formam o painel de mosaico do jardim externo. Uma grande esquadria de vidro interliga este jardim à antiga sala da casa, que por sua vez, recebe um painel de pintura do artista plástico Reynaldo Fonseca. As duas obras de arte são figurativas. O mosaico retrata elementos nordestinos e o painel de pintura retrata uma cena de família. 4.3.5 Biblioteca Central da UFPE (1960) Figura 98 (esq.) – Biblioteca Central da UFPE. Foto: Aristóteles Cantalice II. Figura 99 (dir.) – Vista externa do vitral da Biblioteca Central da UFPE. Foto: A autora. Figura 100 (esq.) – Recuo da faixa de pastilhas afastadas do vitral da Biblioteca Central da UFPE. Foto: A autora. Figura 101 (dir.) – Vista do vitral da Biblioteca Central da UFPE a partir de um dos corredores. Foto: A autora. 126 O edifício da Biblioteca Central da Universidade Federal de Pernambuco foi projetado pelos arquitetos Valdecy Pinto e Antônio Didier em 1960. Seu volume resulta de uma planta “H”, formada por uma estrutura de pilares, brises e vigas de concreto aparente e vedação em tijolos maciços também aparentes. Recebe brises verticais e horizontais e um grande vitral de autoria de Baldini e Aurora, executado na própria escola de Artes da UFPE. Este vitral marca o volume da circulação vertical do edifício. Os patamares da escada encontram-se rentes à face interna do vitral, não interrompendo assim a continuidade do plano da obra de arte. 4.3.6 Edifício Santo Antônio (1960) Figura 102 (esq.) – Edifício Santo Antônio. Foto: A autora. Figura 103 (dir.) – Detalhe dos elementos vazados do Edifício Santo Antônio. Foto: A autora. Figura 104 (esq.) – Painel de tijolos do Edifício Santo Antônio. Foto: A autora. Figura 105 (dir.) – Portão-painel de Corbiniano Lins para o Edifício Santo Antônio. Foto: A autora. 127 O Edifício Santo Antônio foi projetado por Acácio Gil Borsoi em 1960. É um edifício de escritórios, sendo estes dispostos nos quatro pavimentos da edificação. Localizase numa área central, de intensa circulação de pessoas e nos fundos do terreno do Convento Franciscano. O edifício obedece às diretrizes do entorno, adequando-se ao gabarito e possuindo galerias e ruas internas convidativas aos pedestres e que servem também como acesso para o corpo eclesiástico do convento. O térreo é de lojas com um acesso principal à parte posterior do terreno, o que dá acesso ao corredor interno do térreo, que possui, abaixo de sua laje, uma coberta de pergolado de placa de concreto com um sutil coletor de 175 ventos e uma iluminação transversal. A fachada principal, voltada para o poente, recebeu tratamento especial do arquiteto, que tomou partido de elementos vazados de concreto, moldados in-loco. O sistema de encaixe das peças acabou por compor um plano de elementos retangulares que saltam e recuam da fachada, permitindo a constituição de uma segunda pele do edifício e a conseqüente passagem constante de ventilação. Internamente, na portaria e hall de acesso para os escritórios, o edifício recebe um portão-painel de Corbiniano Lins, formado de materiais metálicos e que retrata a figura de Santo Antônio. Mais resguardado, na parede posterior do hall, de frente para os elevadores e ao lado do acesso da escada tipo espinha-de-peixe, localiza-se um painel de tijolos aparentes, projetado pelo próprio arquiteto. O ambiente do hall de elevadores recebe luz zenital, permitida pelos mezaninos dos patamares das escadas que passa por todos os pavimentos e que se encerra por uma grande clarabóia, criando assim um ambiente dramático e especial. Figura 106 – Corte transversal do Edifício Santo Antônio mostrando a clarabóia e os mezaninos com patamares das escadas. Fonte: Borsoi Arquitetos Associados. In: NASLAVSKY, Op. cit., 2004. p.195. 175 CANTALICE II, Aristóteles S. C. Um Brutalismo Suave: Traços da Arquitetura em Pernambuco (1965-1980). Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco, 2009. p.64. 128 Figura 107 (esq.) – Edifício Santo Antônio. Vista do vazio iluminado pela clarabóia a partir do último pavimento. Foto: Borsoi Arquitetos Associados. Figura 108 (dir.) – Edifício Santo Antônio. Vista do vazio iluminado pela clarabóia a partir do hall do térreo. Foto: A autora. 4.3.7 Edifício Sede da SUDENE (1968) Figura 109 (esq.) – Edifício Sede da SUDENE. Foto: A autora. Figura 110 (dir.) – Piso com cerâmica de Brennand para o Edifício Sede da SUDENE. Foto: A autora. Figura 111 (esq.) – Painel de placas de concreto em baixo-relevo para o Edifício Sede da SUDENE. Foto: A autora. Figura 112 (dir.) – Painel da biblioteca do Edifício Sede da SUDENE. Foto: A autora. 129 O edifício Sede da SUDENE foi projetado por uma equipe de profissionais liderada por Maurício Castro em 1968. A escala do edifício é monumental e este se resume a um prisma retangular, que recebe ondulações e que é segmentado, formando um bloco serpenteado em forma de “S” e que possui planos mais recuados e mais avançados. Segundo Cantalice, no edifício em questão, “aliou-se o peso da estrutura e base de concreto armado, com amplos pilares, enquanto que no edifício, foi utilizada uma leve inclinação no volume final, aliando-se as empenas finais com revestimentos cerâmicos de vedação, encontrados e utilizados em Pernambuco.”176 As fachadas principal e posterior recebem elementos de concreto aparente (elementos vazados na fachada principal e brises na fachada posterior). Estes elementos proporcionam uma ventilação contínua no interior do edifício. Para o bloco anexo, o arquiteto e artista plástico Paulo Roberto Silva projetou baixos relevos nas fachadas laterais. Para o bloco da biblioteca uma outra composição do arquiteto evidencia ritmos irregulares e realiza cortes trapezoidais. Para o piso do pavimento térreo do bloco principal, encontram-se cerâmicas de Francisco Brennand. 4.3.8 Edifício Sahara (1972) Figura 113 (esq.) – Edifício Sahara. Foto: A autora. Figura 114 (dir.) – Painel de cimento para o Edifício Sahara. Foto: A autora. 176 CANTALICE II, Aristóteles S. C. Op. cit., 2009. p.64 130 Projetado por Vital Pessoa de Melo em 1972, o Edifício Sahara está localizado num terreno de esquina, no cruzamento entre a Rua dos Navegantes – paralela à Avenida Boa Viagem (beira-mar) – e a Rua Bruno Veloso. Seu volume abriga um apartamento por andar, sendo duplex o último apartamento. Possui 2.161,00m² de área construída e o concreto aparente e pastilhas cerâmicas como os materiais de maior utilização. Destaca-se por conter esquinas angulosas, marcados com linhas horizontais dos peitoris ventilados, linhas verticais das placas de concreto moldadas in-loco e as aberturas deslocadas para as arestas. Segundo Vital, diante do entorno imediato, o deslocamento das aberturas para as quinas do volume foi uma forma de garantir a vista para o mar, visto que já se previa a construção de edifícios altos em todo o entorno do Sahara. No lobby do pavimento pilotis o edifício recebe um painel abstrato do artista plástico Anchises Azevedo, feito de placas de cimento. O espaço é bastante fluido e, visando eliminar a sensação de “paliteiro” resultante dos inúmeros pilares que poderiam estar presentes no pavimento pilotis, o arquiteto lançou mão do que chamou de pilares-septos. Estes septos que têm função estrutural são posicionados de forma a também conduzir a ventilação para dentro do edifício e delimitar a área de observação do painel. Em relação à rua, o pavimento pilotis se encontra elevado, permitindo fácil visualização do painel a partir da calçada. Figura 115 – Edifício Sahara. Vista do painel de Anchises Azevedo a partir da rua. Foto: Fernando Diniz. 131 4.3.9 Edifício Sede da CELPE (1972) Figura 116 (esq.) – Edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Figura 117 (dir.) – Vista do jardim de Burle Marx para o Edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Figura 118 (esq.) – Painel de Neves para o edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Figura 119 (dir.) – Painel de Brennand para o edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Projetado por Vital Pessoa de Melo e Reginaldo Esteves em 1972, o Edifício Sede da CELPE é formado por um bloco principal que é rotacionado e interceptado por blocos menores. Localiza-se no bairro da Boa Vista e possui 18.997,00m² de área construída. Como materiais mais utilizados estão o concreto aparente e o vidro. Foram feitos estudos de cartas solares para definir a angulação dos brises verticais e horizontais de todas as fachadas, estabelecendo horários e locais específicos de iluminação. A característica marcante desse edifício é sua fachada principal curva, que cria uma espécie de bolsão para abrigar um grande jardim projetado por Burle Marx. Este recuo do bloco do edifício cria uma espécie de praça que convida as pessoas a adentrarem o edifício. O acesso é dado por uma plataforma elevada, que permite que o usuário observe o edifício e o jardim de diferentes ângulos de visão. 132 Figura 120 – Locação do Edifício Sede da CELPE. Fonte: VRF Arquitetura. Figura 121 – Edifício Sede da CELPE, Fachada Noroeste. Fonte: VRF Arquitetura. A fachada principal recebeu brises horizontais e verticais em toda a sua extensão, criando uma espécie de “grelha” à frente do pano de vidro e conferindo profundidade à fachada. Sobre a composição dos volumes, a sede da CELPE possui dois blocos principais que se interceptam e possuem alturas diferentes. O bloco principal sofre uma rotação, rebatida nas plantas dos outros blocos do edifício. Internamente, o edifício possui dois painéis, no subsolo – do artista plástico Neves – e no pavimento térreo – de Francisco Brennand. Ambos os painéis se localizam em áreas sociais, em frente ao elevador dos diretores (Neves) e no grande hall de entrada, que também serve como foyer de um auditório (Brennand). 133 4.3.10 Edifício Sede da RFFSA (1972) Figura 122 (esq.) – Edifício Sede da RFFSA. Foto: A autora. Figura 123 (dir.) – Painel de Brennand para o edifício Sede da RFFSA. Foto: A autora. O edifício sede da RFFSA foi projetado por Marcos Domingues e Frank Svensson, em 1972, e sua concepção e implantação foi definida por Cantalice como: “[...] desenvolve-se a partir de um grande bloco parcialmente quadrangular com em media três pavimentos que possui um amplo pátio interno. Dentro desse pátio está implantado o corpo vertical da edificação, [...]. Os volumes mais baixos comportam-se como uma miríade de blocos, ora com 177 reentrâncias, ora com saliências, ora mais baixos e ora mais altos.” A edificação desenvolve-se em níveis diferentes, e na articulação entre o corpo vertical e o bloco de apoio que abriga a garagem de funcionários, recebe um extenso painel do artista plástico Francisco Brennand. O painel de cerâmica combina suas cores da terra com o cinza das abundantes superfícies de concreto aparente, ao mesmo tempo que mascara a visão dos automóveis estacionados. A textura disforme das figuras retratadas provoca reentrâncias que diferem dos planos lisos de concreto aparente. O painel está localizado num plano elevado em relação ao jardim e blocos vizinhos, tornando o espaço do painel mais valorizado hierarquicamente. 177 CANTALICE II, Aristóteles S. C. Op.cit., 2009. p.221. 134 4.3.11 Edificações do Parque Histórico Nacional dos Guararapes (1973) Figura 124 – Armando de Holanda. Plano Geral para o Parque Histórico Nacional dos Guararapes. Fonte: Universidade Federal de Pernambuco. Parque Histórico Nacional dos Guararapes: projeto físico. Recife: UFPE, 1975. p.27. Projetado por Armando de Holanda em 1973, o Parque Histórico Nacional dos Guararapes (PHNG) previa a construção de várias estruturas de apoio ao longo de sua distribuição, tendo sido construídos apenas o pavilhão de acesso, bloco de administração, mirante e lanchonete. O parque foi construído entre os montes que testemunharam as Batalhas dos Guararapes de 1648 e 1649, importante fato histórico da expulsão dos holandeses do Brasil. As estruturas de Holanda ficaram conhecidas pelas suas finas cascas “parabolóides hiperbólicas” resultantes de estudos feitos pelo arquiteto acerca de formas geométricos e de fôrmas de fibra de vidro para a exploração da plasticidade do concreto. São cascas abobadadas que possuem 5cm (cinco centímetros) de espessura. Além do estudo para estas estruturas, seus pontos sobre Roteiro para Construir no Nordeste estão presentes. Ventilação e sombra são elementos bastante explorados, tornando as estruturas bastante adequadas ao local. Para proteger as fachadas dos blocos das 135 intempéries, mesmo estas estando recuadas em relação às cobertas, azulejos desenhados pelo artista plástico Athos Bulcão em azul e branco foram aplicados (exceto no mirante), conferindo contraste das paredes de vedação e as estruturas em concreto aparente. Figura 125 – Armando de Holanda. Croqui para explicação da formação das cascas as das estruturas do Parque Histórico Nacional dos Guararapes. Fonte: Universidade Federal de Pernambuco. Op.cit.. Recife: UFPE, 1975. p.45. Figura 126 – Pavilhão de acesso do PHNG. Foto: A autora. 136 Figura 127 (esq.) – Bloco de administração do PHNG. Foto: A autora. Figura 128 (dir.) – Blocos da lanchonete do PHNG. Foto: A autora. 4.3.12 Edifício Sede da CHESF (1975) Figura 129 (esq.) – Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. Figura 130 (dir.) – Croqui que mostra a relação cheio/vazio do Edifício Sede da CHESF. Fonte: Aristóteles Cantalice II Projetado por Maurício Costa e Dinauro Esteves em 1975, o Edifício Sede da Chesf possui distribuição semelhante às desenvolvidas por Aldo Van Eyck, Smithsons e Team X, onde há blocos com recuos e saliências, desenvolvendo a idéia de cluster. Resume-se a três blocos prismáticos, que recebem recortes e adições e que são interligados por meio de passarelas, criando um grande pátio central. Por todo o edifício pode-se encontrar obras de arte, inclusive realizadas por Dinauro Esteves, como foi visto no capítulo anterior, no caso dos painéis de cimento com angulações de 45º e nas gárgulas escultóricas (ver figuras 75 e 76). Além destas realizações do arquiteto, obras foram feitas para o edifício em parceria com artistas plásticos. Dentre os edifícios selecionados para este estudo, a CHESF é a obra detentora do maior número de obras de arte. Na entrada do bloco principal, tem-se uma escultura 137 de Corbiniano Lins e de frente para o balcão de informação há um grande painel de Mirella Andreotti. Na face oposta ao painel de Mirella, encontramos um painel de cerâmica de Francisco Brennand. Já tomando toda a fachada do bloco de circulação, há um grande vitral do mesmo artista. A última obra se localiza no restaurante do edifício: o vitral de Ferreira, mostrado no capítulo anterior. Figura 131 (esq.) – Escultura de Corbiniano Lins para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. Figura 132 (dir.) – Painel de Mirella Andreotti para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. Figura 133 (esq.) – Painel de Francisco Brennand para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. Figura 134 (dir.) – Vitral de Francisco Brennand para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. 138 4.3.13 Edifício Gropius (1976) Figura 135 (esq.) – Edifício Gropius. Foto: A autora. Figura 136 (dir.) – Painel de Athos Bulcão para o Edifício Gropius. Foto: A autora. Projetado por Vital Pessoa de Melo em 1976, o edifício se localiza no bairro de Boa Viagem. Possui 3.403,00m² de área construída e abriga dois apartamentos por andar e cobertura. O volume é bastante simples e racional e possui aberturas sacadas em relação ao plano da fachada lateral, que abrigam peitoris ventilados e esquadrias. A pastilha cerâmica é o material mais utilizado, inclusive transformandose (na fachada principal) no painel do artista plástico Athos Bulcão. Este painel abstrato de cerâmicas brancas e alaranjadas confunde o olhar do observador não havendo lógica na organização das cores e tornando a superfície do edifício mais leve. É interessante de perceber também a continuidade assimétrica das varandas. O painel serpenteia toda a fachada e termina em um coroamento com pastilhas na mesma cor da lateral do corpo do edifício. O “serpenteamento” do edifício não é bidimensional, o painel recebe uma espécie de moldura que é “dobrada” nas laterais do edifício, funcionando como se fosse um encaixe da tampa de uma caixa de sapatos. 139 Figura 137 (esq.) – Serpenteamento do painel de Athos Bulcão para o Edifício Gropius. Foto: A autora. Figura 138 (dir.) – Detalhe da caixa de concreto sacada, de uma das esquadrias da fachada lateral. Foto: A autora. Assim como no edifício Acaiaca ou nas estruturas do PHNG, no Edifício Gropius os materiais da arquitetura e artes plásticas se fundem, pois o painel é a própria superfície da fachada, toda coberta pelas cerâmicas brancas e alaranjadas. O painel recebe uma moldura branca demarcando o seu limite. A integração é tão grande que muitos nem percebem que o painel é, de fato, uma obra de arte, estando assim completamente integrado à arquitetura. 4.4 Análise da integração entre arte e arquitetura Após discorrer sobre as obras isoladamente, semelhanças foram buscadas entre as formas de integração que encontramos nas obras juntamente com a compilação de informações que as fichas proporcionaram. Dessa forma, foi possível perceber que as obras de arte muitas vezes receberam algum outro tipo de função, excetuando-se a sua função básica (estética). 140 A B C D X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Painel da fachada (Athos Bulcão) Vitral (Ferreira) Vitral (Brennand) Painel interno (Brennand) Painel interno (Mirella Andreotti) Edifício Gropius – 1976 Edifício Sede da CHESF – 1975 Edificações do PHNG – 1973 Painéis de azulejos (Athos Bulcão) Escultura externa (Corbiniano Lins) Edifício Sede da RFFSA – 1972 Edifício Sede da CELPE – 1972 Edifício Sahara – 1972 Edifício Sede da SUDENE – 1968 Edifício Santo Antônio – 1960 Biblioteca Central / UFPE – 1960 Res. Isnard de Castro e Silva – 1958 Edifício Acaiaca – 1957 Res. Torquato de Castro – 1955 Biblioteca de Casa Amarela – 1951 Painel interno (Brennand) Painel interno (Brennand) Painel interno (P. Neves) Painel interno (Anchises Azevedo) Piso do pavimento térreo (Brennand) Painéis de baixo-relevo (Paulo Roberto) Painel interno (Acácio Gil Borsoi) Portão-painel (Corbiniano Lins) Vitral (Baldini / Aurora) Mosaico externo (Não identificado) Painel interno (Reynaldo Fonseca) Painéis de azulejos (Delfim Amorim) Escultura externa (Corbiniano Lins) Painel ladrilhos (Corbiniano Lins) Painel interno (Reynaldo Fonseca) Painel externo (Hélio Feijó) Sabe-se que esta questão do ornamento ou obra de arte receber uma função é algo bastante recorrente na produção moderna geral, e considerando o universo das obras analisadas, foram identificadas 04 (quatro) classificações de relação arte- arquitetura, sendo estas: (a) revestimento de proteção; (b) vedação; (c) contemplação pura; e (d) desmaterialização do plano. A fim de facilitar a compreensão da distribuição das obras em relação às classificações, foi montado o quadro a seguir: X X X X Figura 139 – Quadro com a distribuição das obras em relação às classificações. Fonte: a autora. a. Revestimento de proteção Como o próprio nome denuncia, a obra de arte incluída nesta categoria, além de sua função estética/contemplativa, recebe a função de revestimento. Neste caso, 141 normalmente ocupam grandes áreas, chegando até a ocupar planos completos. Dentro do nosso universo de obras a serem analisadas, foi encontrada esta característica em seis obras, sendo elas: Biblioteca de Casa Amarela – painel externo de Hélio Feijó; Residência Torquato de Castro – painel de ladrilhos, de Corbiniano Lins; Edifício Acaiaca – azulejos da fachada, desenhados por Delfim Amorim; Edifício Sede da SUDENE – piso do pavimento térreo, desenhado por Francisco Brennand; PHNG – azulejos dos módulos do bloco de acesso, administração e lanchonete, desenhados por Athos Bulcão; Edifício Gropius – painel da fachada principal, desenhado por Athos Bulcão. Através das fotos das obras, percebe-se que há casos em que o módulo-padrão (azulejo, cerâmica, etc.): (1) se repete numa organização simétrica ou homogênea, (2) se repete sem uma organização assimétrica ou heterogênea, (3) não se repete ou (4) possui uma distribuição mista. Dentre as seis obras que se apresentaram nesta categoria apenas a Biblioteca de Casa Amarela está incluída no tipo 3 – onde o módulo não se repete. O painel formado pelos azulejos de Hélio Feijó não recebem um desenho padrão que é repetido como uma unidade básica. Cada módulo possui sua independência que, conjuntamente, forma uma composição – o painel. É como se a base do módulopadrão (azulejo) servisse de tela para a composição do artista. (ver figuras 83 e 84). Este painel abstrato está localizado na fachada do edifício, num jardim, voltado para a rua, ou seja, está numa área pública, e embora não haja área de permanência junto ao painel, possui visão privilegiada. Está num plano reservado, abrigado pela moldura da edificação, que se projeta para o exterior e ao lado se limita pela esquadria de madeira. Assim, o painel ocupa todo o plano de parede cega, do piso ao teto, mascarando a parede e revelando a distinção entre estrutura e vedação e distinguindo-se também através da textura de sua superfície – lisa e brilhosa. 142 Nos outros casos, o arquiteto ou artista plástico utilizou-se de um desenho padrão e o repetiu diversas vezes, seja de forma homogênea ou heterogênea. A forma de organização homogênea é a mais comum e foi encontrada nos Edifícios Acaiaca (ver figura 92), SUDENE (ver figura 110) e nas estruturas do Parque Histórico Nacional dos Guararapes – bloco de acesso principal, administração e lanchonete (ver figuras 126, 127 e 128, respectivamente). É neste uso de módulos padrão repetidos que encontramos os dois tipos de observação, explicados no item 4.2.1 deste capítulo. No Edifício Acaiaca e nas estruturas do PHNG, encontramos claramente estas duas formas de observação: a observação macro e a observação micro. Notemos que na observação macro do Edifício Acaiaca, a malha formada pelos azulejos se desmaterializa, tornando-se praticamente planos de azuis bastante claros (ver figura 91). Para o observador, o volume principal possui ainda diferenciação dos materiais, pois a cor azul clara continua a se destacar dos outros materiais, como o vidro ou o concreto aparente e as pastilhas dos peitoris das janelas. Já na observação micro a malha desenhada pelo arquiteto se revela. Os módulos são organizados em grupos de 4, formando desenhos em três níveis: grelha (azul claro), plano escuro (azul escuro) e trevo de quatro folhas (branco). Figura 140 (dir.) – Detalhe da diversidade de materiais - azulejo, pedra, elemento vazado, pastilha cerâmica, vidro. Foto: A autora. 143 Nas estruturas do PHNG as observações macro e micro também aparecem. Alguns detalhes do desenho do azulejo só aparecem na observação micro, como é o caso das pétalas das “flores” formadas por finas linhas amarelas reveladas apenas de perto no bloco da administração do parque. No bloco de acesso ao PHNG e nos blocos da lanchonete há outro caso interessante: o artista utiliza o mesmo módulo da administração e inclui o módulo branco. No pavilhão de acesso os módulos são organizados de forma quase heterogênea (ver figura 126) e nos blocos da lanchonete, a organização é homogênea (assim como na administração). Figura 141 (esq.) – PHNG - detalhe dos azulejos do bloco de administração. Foto: A autora. Figura 142 (dir.) – PHNG - observação macro dos elementos da lanchonete – módulo-padrão e módulo branco. Foto: A autora. Figura 143 – PHNG - repetição dos módulos do bloco de acesso. Foto: A autora. Ainda sobre o painel do septo do pavilhão de acesso do PHNG, seu desenho cria uma textura que confere ainda mais leveza à casca de concreto da coberta. O afastamento existente entre o septo e a coberta gera uma sombra que quando 144 juntamos visualmente a textura dos azulejos, o liso ondulado da fina linha da coberta contrastando com a massa verde e o céu azul, e a sombra entre os dois elementos parece fazer a coberta flutuar. A organização puramente heterogênea acontece no edifício Gropius (ver figuras 135 e 136). O painel é do mesmo artista dos painéis do PHNG, Athos Bulcão. Diferentemente do PHNG, os módulos do Edifício Gropius são menores, e não são azulejos, e sim pastilhas cerâmicas. Sua organização consegue ser mais heterogênea que no bloco de acesso do PHNG, pois não conseguimos identificar nenhum padrão de repetição nem na observação micro, nem na macro. Já os detalhes dos módulos, assim como no Edifício Acaiaca, só se revelam na observação micro, já que na macro o plano se transforma numa espécie de textura ou cor homogênea. Diferentemente do Gropius, se voltarmos o olhar para a observação macro do bloco de acesso do PHNG, percebemos que existe uma malha de módulos que se repetem numa escala maior fato que de perto, não é percebido. Figura 144 – Observação micro das pastilhas do Edifício Gropius. Foto: A autora. Por fim, temos a organização mista, quando existe uma repetição em um trecho homogêneo e em outro trecho heterogêneo. É o caso do painel do bloco que faz a transição do interior da casa para o terraço da Residência Torquato de Castro. Os azulejos desenhados por Corbiniano partem de uma das paredes internas, passam para a parte externa da casa, contornam um volume curvo que se localiza num terraço e adentra novamente na casa. Sua distribuição possui um ritmo variado, ora homogêneo, ora heterogêneo. A sensação atrai o olhar do observador que procura 145 encontrar a lógica de organização dos módulos à medida que percorre a lateral e o terraço da casa. Figura 145 – Residência Torquato de Castro - vista do painel de azulejos de Corbiniano Lins. Foto: A autora. Depois da análise sobre o uso de obras de arte com função de revestimento, percebemos que por ser um tipo de obra que normalmente ocupa áreas maiores, acaba por formar verdadeiros panos de módulos que podem ser apreendidos de diferentes formas, dependendo da distância do observador e da organização dos módulos de revestimento. b. Vedação Os elementos de vedação, como seu próprio nome diz, são elementos artísticos que possuem a função de fechamento de uma área, de delimitação. Em algumas obras visitadas, observou-se que o elemento se transforma na parede que poderia existir em tal parte substituindo-a, ou seja, sua função de fechamento faz com que a obra de arte se transforme no plano arquitetônico vertical (a parede). Foram identificadas esta função em seis obras visitadas. São elas: Biblioteca Central da UFPE – vitral de Baldini e Aurora. Edifício Santo Antônio – portão-painel da portaria e painel interno do hall. Edifício Sede da SUDENE – painéis do bloco anexo / painel biblioteca, do arquiteto e artista plástico Paulo Roberto Barros. 146 Edifício Sahara – painel de Anchises Azevedo Edifício Sede da RFFSA – painel de Francisco Brennand. Edifício Sede da CHESF – vitral de Francisco Brennand e vitral de Ferreira. Os vitrais são os exemplos mais claros de obras de arte com função de vedação. Diferentemente dos painéis, que normalmente repousam sobre as paredes, os vitrais as substituem, transformando-se nela e, por isso, a sua integração com o edifício – que neste caso possui função de fechamento – é mais fácil de ser percebida. Tanto na Biblioteca Central da UFPE, quanto no Edifício Sede da CHESF, os vitrais transmitem ao observador toda a sua dramaticidade através da sua cor projetada pela luz que recebe do exterior. No caso dos vitrais da Biblioteca Central e no de Francisco Brennand para a CHESF, ambos estão localizados numa área de circulação vertical, permitindo atrair o olhar do observador a cada instante que este se desloca verticalmente. Já o vitral de Ferreira se localiza na área do Restaurante, podendo ser observado também do exterior, ou seja, encontra-se também numa área de circulação. Figura 146 – Painel de Ferreira para o edifício sede da CHESF. Foto: Léo Caldas. 147 No caso do edifício da Biblioteca Central, o vitral de Baldini e Aurora substitui a parede de vedação e se localiza rente aos patamares da escada, tomando toda a área de circulação vertical, permitindo que o usuário aprecie a obra de arte à medida que circula nos corredores e escada. Externamente, vê-se um plano único. As paredes possuem o revestimento de pastilhas afastado do vitral, estando apenas uma faixa de concreto pintado junto do painel, como se o revestimento da parede mantivesse uma relação de respeito com a obra de arte (ver figura 100). Sobre as cores utilizadas internamente encontramos tons pastéis, o que confere mais destaque ao vitral por criar um contraste com suas cores vivas. Como visto no item 4.3.5, a planta da biblioteca é em forma de H e o bloco de circulação vertical se localiza na ligação entre as duas massas, ou seja, as massas frontal e posterior abrigam as atividades que exigem concentração. O trecho de ligação que abriga o vitral funciona como ambiente de passagem, que conduz o usuário às áreas de permanência da biblioteca e confere também um momento de descanso e atratividade visual para o transeunte. Figura 147 (esq.) – Vitral da Biblioteca Central da UFPE. Foto: A autora. Figura 148 (dir.) – Biblioteca Central/UFPE. Detalhe da junção do patamar da escada com o vitral . Foto: A autora. Semelhante ao vitral da Biblioteca Central, a organização do vitral de Brennand para o edifício Sede da CHESF também substitui todo o plano da fachada do bloco de circulação vertical e os revestimentos das paredes internas recuam em relação à obra de arte. A diferença é em relação à escala do painel e à escada, que se 148 encontra afastada do vitral. Sua localização estratégica recebe os usuários que percorrem os pavimentos e os que passam nas áreas sociais próximas e que podem observá-lo de diferentes ângulos de visão. Figura 149 – Croqui sobre a observação do vitral de Francisco Brennand para o edifício Sede da CHESF. Desenho: a autora. Figura 150 (esq.) – Recuo do revestimento da parede lateral em relação ao vitral de Brennand para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. Figura 151 (dir.) – Observação externa do vitral de Brennand para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. O contato do vitral de Brennand com o piso também é diferenciado em relação ao vitral da Biblioteca Central. No primeiro caso, há um jardim de seixos que recebe o contato do painel com o piso de forma mais branda, como se o vitral brotasse do piso. Já na Biblioteca Central, este contato é mais seco, estando o vitral tocando a base do piso diretamente. 149 Figura 152 (esq.) – Contato do vitral de Brennand para o Edf. Sede da CHESF, em um jardim de seixos. Foto: A autora. Figura 153 (dir.) – Contato do vitral da Biblioteca Central da UFPE com o piso, terminando em uma estrutura metálica que repousa diretamente no mesmo. Foto: A autora. Já os casos do Edifício Santo Antônio e do Edifício Sede da RFFSA são um pouco diferentes. No primeiro, as duas obras de arte possuem função de fechamento: o portão-painel do artista Corbiniano Lins foi criado para fazer o isolamento da área de portaria do edifício ao mesmo tempo que faz alusão ao santo que dá nome à edificação e o painel de tijolos se forma a partir da mutação dos módulos-padrão da própria parede (tijolos) resultando na composição artística de autoria do arquiteto. O portão-painel está no lugar de uma esquadria comum que poderia existir, e recebe uma função artística de comunicação ao mesmo tempo que cumpre sua função de elemento delimitador. É formado por uma estrutura metálica pintada de preto, que serve como uma espécie de moldura, e as figuras são formadas por fios retorcidos. As diferentes texturas foscas e brilhosas estimulam o anseio de tocar a obra: fios, partes semelhantes a pedras transparentes e placas metálicas, todas trabalhando em conjunto. Quando fechado, este portão substitui a parede de fechamento ou a esquadria que interromperia o acesso ao interior do bloco. Quando aberto, funciona como um verdadeiro painel sobre a parede de tijolos, convidando as pessoas a 150 adentrarem no edifício. É completamente vazado, o que permite a visualização e ventilação permanentes e não toca o teto nem o piso. Figura 154 (esq.) – Detalhe dos metais retorcidos do portão-painel para o Edifício Santo Antônio. Foto: A autora. Figura 155 (dir.) – Portão-painel do Edifício Santo Antônio repousando sobre a parede de tijolos. Foto: A autora. A locação do portão-painel, bem como do painel de tijolos, é estratégica, visto que as obras estão nos locais de recepção do público. Para acessar os escritórios é inevitável não passar pelas obras de arte. Da galeria interna o observador consegue visualizar as duas obras ao mesmo tempo. Figura 156 (esq.) – Planta baixa do hall do Edifício Santo Antônio com as locações das obras de arte. Desenho: a autora. Figura 157 (dir.) – Edifício Santo Antônio. Vista do espaço que abriga o portão-painel e o painel de tijolos a partir da galeria. Foto: Fernando Diniz. 151 A importância do painel interno de tijolos se dá principalmente por dois aspectos. Primeiro por ser um painel desenhado pelo próprio arquiteto – Acácio Gil Borsoi – através das diferentes disposições dos tijolos. Segundo, pelo fato de os elementos utilizados para compor o painel são os mesmos utilizados para a conformação da parede. O tijolo aparente trabalhado como módulo-padrão, ora saca da parede, ora recua, e chega até a possuir variações, recebendo curvas ou recortes e angulações de 45 graus. O espaço que abriga este painel recebe de uma clarabóia a luz que é derramada na escada tornando o ambiente dramático e, para alguns, divino. Quando a luz se espalha por sobre o painel, as formas são ressaltadas através das projeções das sombras, que revelam os diferentes desenhos. Este jogo de volumes convida o observador ao toque. Como forma de destaque de que aquele trecho do painel não é a simples parede, o arquiteto lança uma espécie de moldura também composta pelos tijolos sacados. Por fim, a assinatura do arquiteto-artista, encontrase num dos módulos. A forma de integração neste caso é máxima, pois a própria parede se altera e forma o painel. Há um descortinamento do espaço, à medida que o transeunte adentra ao na galeria e no hall tem uma surpresa. O observador é envolvido pelo espaço e atraído pela luz que vem da escada. O painel de tijolos é o complemento ideal para aquele espaço, pois ele contribui para a concentração do observador no vazio e no descortinamento deste pela luz. O painel literalmente brota da superfície.Por não se diferenciar da parede com cores (apenas com luz), por vezes o painel pode passar despercebido, e esta falta de percepção deve ser considerada positiva, pois mostra o quanto aquele trabalho de arte está integrado. 152 Figura 158 (esq.) – Edf. Santo Antônio – detalhe de variações do módulo-padrão. Foto: A autora. Figura 159 (dir.) – Edifício Santo Antônio - detalhe saques/recuos do módulo e moldura com assinatura do arquiteto. Foto: A autora. No caso do Edifício Sede da SUDENE, encontramos dois exemplos de elementos de vedação: as placas de concreto que revestem o bloco anexo e a fachada do bloco da biblioteca. No caso do bloco anexo, a escala dos painéis é maior, podendo o painel ser observado também de longe. As fachadas do bloco recebem uma malha organizadora em ritmo irregular, e as quadrículas formadas ora permanecem lisas, ora recebem desenhos em baixo-relevo que recebendo a luz do sol, destaca as linhas do desenho com a projeção de suas sombras. Outro ponto importante é a organização aleatória dos módulos que recebem desenhos. Esta “desorganização proposital” pode ser vista também no piso, que possui núcleos de clarabóias junto ao painel (ver figura 111). Já no bloco da biblioteca, o painel é formado de uma paredesepto de concreto que recebe rasgos e ranhuras organizadas de forma irregular. Esta parede funciona como uma segunda pele do bloco, estando a pele de vidro recuada em relação à parede-septo. O ritmo das aberturas e das linhas verticais também é irregular e marcam a fachada como se fossem linhas de força que provocam certa sensação de verticalidade no longo plano horizontal da parede. 153 Figura 160 (esq.) – Detalhe de baixo relevo na lateral do bloco de apoio do Edf. Sede da SUDENE. Foto: A autora. Figura 161 (dir.) – Edf. Sede da SUDENE. Ritmos aleatórios da malha reguladora e dos módulos em baixo relevo do painel do bloco anexo (lateral direita). Desenho: a autora. Figura 162 (esq.) – Painel da biblioteca do Edifício Sede da SUDENE. Foto: A autora. Figura 163 (dir.) – Detalhe de uma das aberturas trapezoidais do painel da biblioteca do Edf. Sede da SUDENE. Foto: A autora. Nestes três exemplos (painel do Edf. Santo Antônio e painéis do Edf. Sede da SUDENE), percebemos que a superfície vertical arquitetônica (parede) sofre alterações em seu material constituinte para que ele se torne o objeto de obra de arte. Passando para o painel do Edifício Sahara, percebe-se que ele possui, assim como os outros exemplos, uma malha reguladora, que permitiu a sua “divisão” e a montagem mais simples, mas a diferença é que este painel repousa sobre a parede. O painel se localiza num plano privilegiado de visão (abriga a relação entre exterior e 154 interior) e marca a área social do edifício, estando na transição do externo e interno, ou social e privado (ver figuras 114 e 115). Saca da parede em que se encontra e não toca o piso ou teto, destacando ainda mais a sua importância. As marcas das divisões do painel foram deixadas à mostra, e o ritmo dos módulos é irregular horizontalmente. O ponto que chamou mais atenção em relação à integração deste painel com o edifício foi a forma como ele “invade” a parede, unidade puramente arquitetônica. O painel possui um “rasgo” – solicitado pelo artista plástico – que penetra na parede, cortando-a e permitindo a entrada de luz. Neste rasgo atualmente há uma esquadria metálica, mas originalmente havia apenas uma pele de vidro sem caixilho178. Este rasgo pode ser considerado como o ponto principal de contato entre a obra de arte plástica e arquitetura, visto que o elemento artístico “invade” e “modifica” o elemento de vedação arquitetônica (parede). No ambiente interno há uma outra fenestração – determinada pelo arquiteto, assim que o artista solicitou o rasgo do painel – que permite a entrada de luz do exterior, é filtrada pelo ambiente e passa para o rasgo do painel, “banhando” a superfície da obra de arte com a luz. As quinas da parede onde se encontra o painel recebem uma marcação em cimento que dialoga com a obra de arte. Figura 164 – Corte dos módulos do painel do Edifício Sahara. Foto: A autora. O afastamento do painel em relação ao piso e teto era marcado originalmente pelas faixas brancas de parede rebocada e pintada. Recentemente foi aplicada cerâmica 178 Entrevista concedida pelo artista plástico Anchises Azevedo à autora, realizada no dia 10/05/2011. 155 tamanho 10x10cm branca com rejunte cinza, o que prejudicou a apreciação da obra, visto que uma nova malha em tamanho bem menor foi adicionada à visualização, sem ter nenhuma relação com o ambiente. O piso e o teto continuam originais. O teto de lambri e o piso de ardósia são escuros, assim como o painel, e acentuam as linhas brancas acima e abaixo do painel. De certa forma esta faixa branca reflete uma luminosidade, que destaca ainda mais a obra de arte. O piso interno do hall de elevadores é revestido por cerâmica marrom, e este invade o piso do pavimento pilotis externo através do rasgo do painel, fazendo mais uma comunicação entre os dois ambientes, e demonstrando o convite da obra de arte para que se adentre no edifício. Elementos do painel continuam no sentido do plano da parede, como se flutuassem e se criasse um convite através do rasgo e, ao mesmo tempo, uma noção de “parede imaginária” de fechamento. Figura 165 (esq.) – Edifício Sahara. Barras verticais de cimento no alisar da porta vizinha ao painel. Foto: A autora. Figura 166 (dir.) – Edifício Sahara. Cerâmica do piso do hall de elevadores invadindo o rasgo e blocos flutuantes do painel. Foto: A autora. Já no caso do painel do Edifício Sede da RFFSA, o longo painel de Francisco Brennand faz a separação entre o pavimento de garagem e o jardim que articula dois blocos da edificação. Ele não substitui a parede que poderia existir, principalmente por conta dos detalhes de “descolamento” do piso e do teto que ele recebe – o que evidencia que ele é um elemento adicionado, e não uma parede transformada, além disso, causa surpresa, pois o sistema de fixação do painel é feito através de seis pilares da edificação que se encontram recuados, nos dando a impressão de que o mesmo está flutuando no espaço. O afastamento do piso e teto permite a passagem de luz e ventilação e acentua a sensação de leveza. Em cada 156 pilar há duas garras de concreto (uma acima e outra abaixo) que fixam o painel nos pilares. O painel funciona como um septo para demarcação de duas áreas distintas e mascaramento da garagem, além de receber uma função artística de comunicação, ilustrando figuras de trens e linha férrea, objeto que simboliza a empresa que era sediada na edificação. Figura 167 (esq.) – Detalhe do painel do Edifício Sede da RFFSA. Foto: A autora. Figura 168 (dir.) – Edifício Sede da RFFSA. Detalhe de uma das garras de concreto inferior. Foto: A autora. A locação do painel é privilegiada, visto que este se encontra numa área social que se volta para uma área de jardins e está elevado em relação ao nível dos outros blocos. Há uma passagem, embora que delgada, mas que pode ser considerada como uma espécie de calçada na frente do painel, que possibilita o usuário de observar seus detalhes e sentir as texturas da obra. As cerâmicas possuem baixosrelevos e o processo artesanal de produção das peças proporcionou uma textura diferenciada em cada peça, que também estimula o observador a querer sentir a superfície. As cerâmicas não se limitam apenas ao plano frontal do painel, elas “mordem” a espessura da parede, como se fosse uma forma de dizer que o painel faz parte da vedação, e não está apenas adicionado ao edifício. 157 Figura 169 (esq.) – Edifício Sede da RFFSA. Textura das peças do painel de cerâmicas. Foto: A autora. Figura 170 (dir.) – Edifício Sede da RFFSA. "Mordida" das cerâmicas na lateral do painel. Foto: A autora. Percebe-se então que as obras de vedação possuem uma relação bastante forte com a edificação. Por vezes as obras podem ser adicionadas ao espaço, servindo como elemento separador de ambientes, como também podem substituir paredes de delimitação, como no caso dos vitrais. Essa apropriação do papel da parede (plano vertical arquitetônico) torna a integração da obra de arte com a edificação mais simples de ser percebida. c. Contemplação pura Sabe-se que toda obra de arte foi feita para ser contemplada e em alguns edifícios visitados foram encontradas obras de arte que não recebem uma função além da pura contemplação. Os espaços a recebem como forma de criação de um ponto focal de observação, fazendo com que o olhar do observador seja direcionado para a obra de arte, mas ela não dialoga com o edifício no sentido de trabalhar junto em alguma questão prática, como no caso de um revestimento ou elemento delimitador (vedação). Foram encontrados elementos de contemplação pura em quatro edificações visitadas. São elas: Residência Torquato de Castro – escultura externa de Corbiniano Lins. Residência Isnard de Castro e Silva – mosaico externo. Edifício Sede da CELPE – painel interno de Francisco Brennand. Edifício Sede da CHESF – escultura externa de Corbiniano Lins. 158 De forma geral, as esculturas têm papel de contemplação pura, pois, como são elementos pontuais fisicamente independentes, elas desviam o olhar do observador para si, chamando atenção para serem observadas. Isto acontece nas esculturas da Residência Torquato de Castro e do Edifício Sede da CHESF. Nos dois casos as esculturas se encontram em nichos de espaço externo criando nódulos de observação. Estes nódulos normalmente preenchem espaços de “sobra” ou podem ter um papel maior na composição, como no caso da escultura de Corbiniano para a Residência Torquato de Castro. O local destinado para a escultura foi estudado de forma a conferir equilíbrio à composição da casa, mesmo sendo uma obra externa, desvinculada fisicamente da edificação. A escultura completa a composição volumétrica da residência, tendo papel fundamental no projeto. Visualmente, a escultura de Corbiniano se localiza num ponto central em relação à assimetria da fachada. Figura 171 – Croqui sobre a localização da escultura em relação à fachada. Fonte: a autora. Para o edifício Sede da CHESF, a escultura foi localizada um trecho de jardins, ao lado da calçada que conduz as pessoas à porta principal. O percurso é sugerido pelos mastros das bandeiras e se encerra na escultura de Corbiniano, que recebe as pessoas para que estas adentrem no edifício. 159 Figura 172 (esq.) – Escultura de Corbiniano Lins para a Residência Torquato de Castro. Foto: A autora. Figura 173 (dir.) – Escultura de Corbiniano Lins para o Edifício Sede da CHESF. A seta indica o percurso para a porta principal. Foto: A autora. Na Residência Isnard de Castro e Silva encontra-se um mosaico externo que chama a atenção de quem está dentro da edificação ou que se encontra no jardim em que o mosaico se insere. Por se localizar no fundo do lote, ele possui o poder de surpreender os usuários que só conseguem perceber sua existência ou através da sala interna que tem comunicação visual com o jardim posterior, ou quando o usuário percorre todo o caminho lateral e se depara com seus desenhos coloridos. Como está num local aberto, a luz é sempre um elemento presente, que evidencia as suas cores. Estas, por sua vez, dialogam com as cores utilizadas na casa. Em frente ao mural há uma área gramada, como se pedisse para que o observador o olhe a certa distância. Os cacos de azulejo são colados diretamente no muro posterior e o contato com o piso é feito diretamente, como se a obra brotasse do jardim. Como faz parte do muro, poderíamos incluir este mural na classificação de vedação, pois ela de certa forma delimita o jardim posterior. Mesmo assim, é uma obra pontual, pois ela sozinha não delimitaria nenhum dos dois espaços. Assim, sua função mais apropriada seria de contemplação. 160 Figura 174 (esq.) – Mosaico da Residência Isnard de Castro e Silva. Foto: A autora. Figura 175 (dir.) – Vista do mosaico da Residência Isnard de Castro e Silva a partir do acesso lateral. Foto: A autora. Dentre as obras visitadas, o último exemplo de contemplação pura encontra-se no 1º pavimento do Edifício Sede da CELPE: um painel de Francisco Brennand. Ele está localizado num ambiente de pé-direito duplo, no plano mais alto, chamando a atenção dos usuários que permanecem naquele ambiente. É interessante perceber que ele também serve de boas-vindas a todos que adentram no edifício (pois aquele é o espaço onde a portaria de atendimento ao público está localizada), como também recebe os usuários que utilizam o auditório lateral, pois o espaço também serve de foyer para este ambiente. A forma como este painel se insere na parede também chama a atenção, pois ele foi moldado de forma que está englobado pelo plano vertical arquitetônico (parede), ele “invade” a parede, destacando-se da superfície apenas visualmente, pela sua cor diferenciada proporcionada pelo cimento queimado. Assim, a base do painel se integra fisicamente à arquitetura, enquanto seus elementos cerâmicos fixados por suportes metálicos se projetam para fora da base. O espaço que abriga este painel por vezes recebe exposições, como se pode perceber na figura 171, embora estas estruturas acabem por atrapalhar a apreciação do painel. 161 Figura 176 (esq.) – Vista do painel de Francisco Brennand no Edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Figura 177 (dir.) – Detalhe do englobamento do painel de Francisco Brennand na parede do Edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Assim, percebe-se que o elemento de contemplação pura não se resume apenas a esculturas. Os painéis e murais podem funcionar também como elementos pontuais de atração dos observadores. A forma como estas obras estão inseridas no espaço e fazem relação com a edificação não é apenas de adição, mas também podem fazer parte dos elementos arquitetônicos, como no caso da última obra analisada, o painel de Francisco Brennand no Edifício Sede da CELPE. d. Desmaterialização do plano “Ela [a arte mural] é estática por sua própria expressão; ela respeita a parede ao mesmo tempo que tem uma concepção dinâmica que, por sua vez, destrói a parede. Ela será a medida do equilíbrio” 179 “[...] há um acontecimento que assume uma importância cada vez maior – a demanda da ‘pintura mural’. Ela vai se manifestar sob uma forma coletiva, perde a moldura, o volume pequeno, a qualidade móvel e individual, para se adaptar à parede, em ligação com o arquiteto que a encomenda. O arquiteto se entenderá com pintor para situá-la e dosar seu interesse. Ela 180 pode ser acompanhamento da parede ou destruição da parede.” Assim como Léger defende, os painéis podem modificar os espaços. Pode-se imaginar um ambiente não muito amplo, mas com paredes compridas e homogêneas. A sensação pode não ser muito interessante, pode pedir algo que deixe estes planos mais humanos, menos austeros, secos, frios ou pesados e aproximá-los do homem. Os painéis com seus desenhos, coloridos ou não, por meio 179 180 LEGER, Fernand. Funções da pintura. São Paulo: Ed. Nobel, 1989. p.82. ibidem, p.120. 162 da possibilidade de criação de reentrâncias e saliências ou qualquer outra solução que desmistifique a frieza de uma “página em branco” destroem o plano sem expressão e caracterizam o que chamamos de “desmaterialização do plano”. Ainda segundo Léger, “Uma parede nua é uma superfície morta. Uma parede colorida torna-se uma superfície viva”.181 Muitas das obras que visitamos, inclusive que já caracterizamos em outra categoria também está incluída no item desmaterialização do plano. Como estamos falando de planos, fica claro que nesta classificação estão inclusos apenas painéis ou murais. Dentre as obras visitadas, sete delas apresentam obras que possuem a função de quebrar com um plano contínuo e sem expressão. São elas: Biblioteca de Casa Amarela – painel de Hélio Feijó; Residência Torquato de Castro – painel de Reynaldo e painel de ladrilhos, de Corbiniano Lins; Residência Isnard de Castro e Silva – Painel interno de Reynaldo; Edifício Sahara – painel de Anchises Azevedo; Edifício Sede da CELPE – painel de P. Neves; Edifício Sede da RFFSA – painel de Francisco Brennand; Edifício Sede da CHESF – painéis internos de Francisco Brennand e Mirella; A desmaterialização do plano pode ser entendida se imaginarmos a simulação da superfície do painel sem a sua presença, ou seja, lisa. Percebe-se que no caso do painel da Biblioteca de Casa Amarela (ver figura 84), as figuras coloridas dão a impressão de planos sobrepostos, como se migrassem para frente da fachada. É assim que conseguimos compreender o poder da mudança espacial que os painéis e murais possuem. Ao invés de termos um plano simples, sem cores, texturas ou camadas imaginárias, possuímos o trabalho de um artista juntamente com um arquiteto que resulta num plano que provoca diferentes sensações ao nosso corpo. 181 ibidem, p.108. 163 Dentre os exemplos das obras selecionadas que possuem a desmaterialização do plano, sabe-se que apenas a Biblioteca de Casa Amarela possui o painel externo, na fachada. Mesmo assim, não podemos afirmar que a desmaterialização do plano acontece mais facilmente em obras internas. O número de obras selecionadas não é suficiente para se afirmar que este é um item que se expressa preferencialmente em ambientes internos ou externos. O painel do Edifício Sede da RFFSA não se localiza na fachada externa do edifício, mas como já vimos no item vedação, ele se encontra numa área de transição externa-interna, entre uma área de jardim e o estacionamento coberto. Ao mesmo tempo em que o painel de Brennand separa o externo do interno através de um grande plano, ele não se expõe de modo a ser um grande ‘paredão’ agressivo ao observador, pelo contrário, transmite uma sensação de leveza, principalmente pelo fato de se separar do piso e do teto. A luz que passa por estes rasgos torna o painel mais leve. As cerâmicas que abraçam lateralmente o painel e os encaixes explícitos do painel nos pilares demonstram como é feito o ‘toque’ da obra de arte plástica com o edifício. O tratamento brilhoso dado às cerâmicas, juntamente com as reentrâncias e saliências dos módulos diferencia a textura da cerâmica do concreto liso aparente e abundante e trazem curiosidade ao observador os convidando a tocar a superfície. Ou seja, o grande painel é trabalhado com elementos que marcam a sua presença embora que de forma não-agressiva, integrada, diferente do que se poderia ter caso a superfície fosse de piso a teto e em cor única, uma “superfície morta”, segundo Léger. Figura 178 – Painel de Brennand no Edifício Sede da RFFSA.Foto: A autora. 164 Nas residências Torquato de Castro e Isnard de Castro e Silva os painéis de pintura de Reynaldo também modificam a palidez e frieza de superfícies. No primeiro caso, o painel encontra-se na sala de estar, recepciona as pessoas que entram pelo terraço lateral e possui comunicação visual com os ambientes adjacentes, inclusive o pavimento inferior, pois a sala funciona como uma espécie de mezanino. Está sobre um canteiro de seixos e sua altura respeita a altura das esquadrias do primeiro pavimento. Retrata elementos típicos do nordeste e é interessante de perceber que o canteiro com pedras remete à aridez e seu desenho disforme faz referência ao desenho do próprio painel. É como se parte do painel começasse a invadir o espaço e fosse se tornar tridimensional (ver figura 87). Já na Isnard de Castro e Silva, o painel vai de piso a teto e também se encontra num ambiente de estar da casa. A obra faz a transição do fluxo jardim-edifício e deixa a parede bem mais leve. O observador não percebe que a parede que ali está talvez ‘esmagasse’ o ambiente, e é entretido pela pintura retratada pelo artista. A atenção fica nos elementos da pintura, que torna a parede extensão de uma cena em perspectiva. Sobre a forma que o painel se relaciona com a construção é interessante perceber que ambos os painéis recebem uma espécie de moldura, menos evidente no primeiro exemplo – as marcações são apenas inferior e superior – e mais evidente no segundo. O painel da Residência Isnard de Castro e Silva recebe uma moldura circundante que demarca os limites da obra. Figura 179 (esq.) – Relação visual do painel de Reynaldo para a Residência Torquato de Castro com os ambientes adjacentes. Foto: A autora. Figura 180 (dir.) – Painel da Residência Isnard de Castro e Silva - detalhe da moldura. Foto: A autora. 165 O painel de ladrilhos de Corbiniano Lins para a Residência Torquato de Castro também se mostra como um exemplo de desmaterialização do plano. Apenas com dois módulos-padrão (azulejos desenhados por Corbiniano e módulos brancos), o painel recebe uma organização irregular, semelhante à organização vista no painel do bloco de apoio para o Edifício Sede da SUDENE. Diferentemente de todos os painéis selecionados, este é o único que não está num plano reto, pois acompanha o volume curvo encontrado no térreo da residência. O ritmo aleatório dos azulejos prende a atenção dos observadores, que tentam encontrar uma lógica na sua organização, destruindo o plano inexpressivo que existiria caso a superfície fosse homogênea (ver figura 145). Discutido também no item ‘vedação’, o painel do Edifício Sahara, de Anchises Azevedo também está incluído na desmaterialização do plano. O plano da parede do pavimento pilotis recebe um trabalho volumétrico através da obra de arte plástica. Volumes sacam, recuam, adentram a parede. A leitura não seria a mesma caso aquele painel não estivesse ali. A forma como ele se relaciona com a edificação também é interessante: as placas de cimento não tocam o piso e teto, se tornando mais leve e marcando sua verdade – é um painel aplicado à parede, mas que ao mesmo tempo faz parte dela, pois o painel acompanha os detalhes da parede, como no caso da abertura vertical existente. O painel penetra na parede ao mesmo tempo que alguns de seus elementos se projetam como se flutuassem sentido à continuidade do plano principal (ver figura 166). A abertura permite que a luz filtrada pelo hall de elevadores (ambiente vizinho) se derrame sobre a superfície do painel destacando alguns dos seus volumes. 166 Figura 181 – Detalhe de parte do painel do Edifício Sahara - descolamento piso e teto. A esquadria metálica e as cerâmicas acima e abaixo do painel são intervenções posteriores e que prejudicam a contemplação da obra. Foto: A autora. Por fim, temos o painel do Edifício Sede da CELPE (P. Neves) e os painéis do Edifício Sede da CHESF (Francisco Brennand e Mirella). Todos estes painéis possuem a função de amenizar a sensação de frieza das paredes que seriam ‘chapadas’ e desviam a atenção dos observadores. O painel de P. Neves do Edifício Sede da CELPE faz a recepção das pessoas que descem do elevador, ao mesmo tempo que delimita o fim de um grande corredor. Além disso, ele disfarça uma parede cega que estaria próxima à descida das pessoas. Suas cores prendem a atenção dos usuários e a superfície vitrificada cria interessantes efeitos visuais com a luz que provocam o observador e o convidam a tocar na superfície. O piso brilhoso reflete o painel. Já o forro não ajuda muito na integração. As placas metálicas, muito comum em edifícios públicos e corporativos dos anos 1970, são pintadas de uma cor clara, que acaba competindo com as cores do painel. 167 Figura 182 (esq.) – Painel de P. Neves no Edifício Sede da CELPE. Foto: A autora. Figura 183 (dir.) – Painel de P. Neves no Edifício Sede da CELPE - detalhe da superfície vitrificada. Foto: A autora. Os painéis do Edifício Sede da CHESF também possuem a função de desmaterialização do plano. O painel de Mirella se encontra logo na entrada principal do edifício e toma toda a parede da sala de espera. Recebe finas faixas laterais de concreto aparente que marcam discretamente o início e o fim do painel. No painel de Brennand essa marcação do início e fim da obra também está presente. O painel localiza-se em local social, num hall ou espaço de convergência de pessoas (como foyer). É interessante de ver como os dois painéis da CHESF fazem parte das paredes ao mesmo tempo em que recebem marcações que demonstram o que é parede e o que é obra de arte. Figura 184 (esq.) – Painel de Mirella para o Edifício Sede da CHESF - vista para a entrada principal. Foto: A autora. Figura 185 (dir.) – Painel de Francisco Brennand para o Edifício Sede da CHESF. Foto: A autora. 168 Após esta análise, percebemos que a desmaterialização do plano é uma função presente em quase todos os exemplos de painéis ou murais. As superfícies retratadas pelos artistas por meio de cores, formas e volumes modificam a simples crueza das paredes que seriam lisas e sem expressão, prendendo a atenção dos usuários e tornando as superfícies muito mais estimulantes. *** Sabe-se que a compreensão da integração entre artes plásticas e arquitetura é algo difícil de ser mensurado. A interpretação dos conceitos de Pallasmaa e Coutinho aplicados ao espaço ajudou a encontrar uma forma de se analisar o espaço de acordo com os sentidos. A ficha desenvolvida, embora se detenha ao tato e visão – sentidos mais ligados à questão material – permitiu que os dados fossem catalogados de forma a perceber que aquela obra de arte está bem integrada quando além de sua função estética, possui uma função de influência no funcionamento ou apreensão do espaço. As quatro funções identificadas (Revestimento de proteção; Vedação; Contemplação pura; e Desmaterialização do plano) não são exclusivas. Percebemos que uma obra de arte pode estar presente em mais de uma categoria de função integradora ao mesmo tempo. É interessante perceber também que conceitos e observações desenvolvidas no início do século XX por Léger estiveram presentes nas obras produzidas em Pernambuco e que tem fundamento muitas das suas observações sobre a cor e a função da obra mural. Este tipo de obra, dentre as que estudamos, são as que demonstram maior ligação com a edificação, provavelmente por sua forma de expressão, sua constituição: um plano que substitui um elemento puramente arquitetônico: um plano de fachada ou parede, ou até piso, precisando esta obra de arte, além de sua função estética, cumprir com a função arquitetônica, fazendo parte do edifício, não apenas sendo adicionada à ele. Assim, percebe-se como é vasto o campo de formas de integração entre obras de arte plástica e arquitetura, sendo os trabalhos realizados em parcerias entre artistas e arquitetos componentes de uma obra de arte maior e única – que talvez, em alguns casos desenvolvidos em Pernambuco, pudesse até ser considerada uma tentativa de obra de arte total. 169 CONCLUSÃO Assim como foi visto em cada um dos capítulos apresentados, a relação entre artes plásticas e arquitetura foi algo que nunca se mostrou de forma estável. Há séculos os estudiosos de arte demonstram como foi oscilatória esta relação entre os dois tipos de arte, ora estando tão juntas que chega a ser difícil saber onde uma termina e a outra começa, ora não havendo ligação entre si, estando as artes plásticas como meros elementos decorativos que são dispostos nos espaços e aplicados às superfícies arquitetônicas. A primeira metade do século XX foi um período em que novas técnicas e materiais foram desenvolvidos, que supostamente geraram um novo distanciamento entre artes e arquitetura. As duas guerras trouxeram novas demandas, as construções tinham que ser rápidas e baratas. Velocidade, tecnologia e industrialização foram temas que receberam atenção durante este período. Em meio a este cenário, movimentos de vanguardas surgiram com o objetivo de revisar os conceitos da época e sugerir a reaproximação dos diferentes tipos de arte, chegando a utilizar a arte como instrumento de reforma social, incluindo-se a arquitetura, e não apenas a arquitetura isolada, mas de forma integrada às artes plásticas. As realizações de união entre artes plásticas e arquitetura não se limitaram apenas à Europa. A América Latina possui dois grandes exemplos reconhecidos atualmente como Patrimônio da Humanidade: as cidades universitárias do México e de Caracas. A utilização da arte e arquitetura como meios de enaltecimento e resgate da cultura e história mexicanas estão presentes por todo o campus da UNAM, com o trabalho resultante de uma grande equipe de arquitetos e artistas plásticos, sendo a arte mural explorada de forma nunca antes vista pela historiografia. Em Caracas, a iniciativa de Villanueva proporcionou a realização de um complexo com uma grande praça fluida repleta de murais e esculturas, inclusive dentro das edificações, recebendo funções antes atribuídas a elementos técnicos e arquitetônicos, como aconteceu no caso das “nuvens flutuantes” de Alexander Calder para a Aula Magna. O Brasil, país que se encontrava num momento de afirmação de uma nova identidade nacional, estava em busca de simbolizar seu progresso, o novo, e adotou a arquitetura moderna como linguagem, além de proporcionar a aproximação da arquitetura e artes plásticas através de projetos importantes, como o edifício do Ministério de Educação e Saúde ou os edifícios de Brasília. A partir deste momento ocorreu uma série de parceria entre artistas plásticos e arquitetos que podem ser mencionados. Burle Marx com Reidy ou Rino Levi, Vilanova Artigas com Mário Gruber, e muitos outros. Obras ícones da arquitetura brasileira foram elogiadas em revistas e encontros, como o Conjunto da Pampulha, união de Oscar Niemeyer com vários artistas, a exemplo de Portinari e Ceschiatti, ou o Conjunto Habitacional do Pedregulho, de Reidy, com grandes painéis de Portinari e Burle Marx. Vanguardas artísticas como o Concretismo e o Neoconcretismo também surgiram no Brasil e fizeram apelos explícitos sobre a união entre artistas e arquitetos, principalmente com a figura de Lygia Clark. A construção de Brasília também foi outro marco na união entre artes plásticas e arquitetura brasileiras, principalmente com a união de Athos Bulcão e Oscar Niemeyer, com seus grandes painéis de azulejos e que chegam até a sair do plano bidimensional, como aconteceu no painel de blocos de concreto para o Teatro Nacional. Em meio a todo esse fervilhamento artístico e arquitetônico no Brasil, Pernambuco também se destacou. Desde o fim do século XIX, a Escola do Recife se mostrava como o centro das discussões que envolviam correntes filosóficas, sociológicas e jurídicas. Já no início da década de 1920, o estado já mostrava traços de sua modernidade na literatura e nas artes plásticas com figuras como os irmãos Rego Monteiro, Gilberto Freyre ou Manuel Bandeira. Abstracionismo, racionalidade, geometrização, temas nacionais, tudo isso começou a aparecer na produção artística pernambucana ainda antes do prenúncio do modernismo realizado com Luiz Nunes, na década de 1930. A criação da Escola de Belas Artes do Recife é instituída em 1932 e em 1939 o Edifício da Secretaria da Fazenda, de Saturnino de Brito já anunciava a integração entre artes e arquitetura. Este esforço não era unilateral. Os artistas plásticos se esforçaram bastante para socializar as artes plásticas, inclusive inserindo as suas produções nos edifícios. Iniciativas como a Sociedade de Arte Moderna do Recife, o 171 Ateliê Coletivo, o Movimento de Cultura Popular e a “Lei Abelardo da Hora” são alguns dos principais esforços em prol de uma arte mais próxima da população. A formação dos arquitetos daquela época também foi outro fato que contribuiu para que houvesse uma aproximação entre artes plásticas e arquitetura. O corpo de professores com formação européia e o envolvimento de artistas plásticos no corpo docente da Escola de Belas Artes contribuiu para que as gerações de arquitetos formados tivessem uma preocupação em integrar os dois tipos de arte. A realização de obras com parcerias entre artistas e arquitetos sem a obrigatoriedade da legislação demonstra isso. A “Lei Abelardo da Hora” começou a ser aplicada na década de 1960, e temos na década de 1950 várias obras com união do trabalho do artista e arquiteto. Outro ponto interessante é a produção de obras de artes plásticas pelos arquitetos. Azulejos, esculturas, painéis foram realizados pelos arquitetos, inclusive em obras que já recebiam obras de arte de artistas plásticos, como vimos no Edifício Sede da CHESF. Após selecionarmos alguns edifícios que demonstram a preocupação em se unir as duas formas de arte, surgiram os questionamentos sobre como analisar os espaços de integração. As figuras dos teóricos Maurice Merleau-Ponty, Evaldo Coutinho e Juhani Pallasma se mostraram úteis na questão de se discutir o espaço através da experimentação. O ponto mais importante relatado pelos três teóricos foi a utilização dos sentidos para a captação das informações. Sabendo-se que todos os sentidos são necessários para o completo entendimento do espaço, foi baseando-se nisto que se buscou aplicar a metodologia de análise dos casos selecionados, mesmo que de forma reduzida, limitando-se ao tato e a visão. O tato e visão se mostraram como os sentidos mais ligados à dimensão material, que é justamente o que conforma o invólucro/escultura da arquitetura. Através da interpretação dos dados colhidos em relação aos estímulos identificados, percebeuse que geralmente a obra de arte está mais integrada à edificação quando esta recebe outra função além da função estética. Esta questão foi identificada principalmente nos murais e painéis, pois eles normalmente substituem ou estão sobre as superfícies puramente arquitetônicas: paredes, pisos ou tetos. Já para as esculturas, este ponto não foi identificado claramente, embora a escultura crie uma espécie de campo magnético, que acaba convergindo o olhar do observador para 172 um ponto específico. Comparando-se com os painéis e murais, a integração das esculturas é bem mais compositiva que funcional. O cuidado que os arquitetos e artistas tinham com o planejamento do espaço que receberia a obra de arte foi essencial para criação de espaços integradores. O manejo da luz, a disposição dos espaços em relação aos espaços adjacentes, a ligação entre interior e exterior ou a colocação das obras em locais sociais, com percursos próximos são alguns dos pontos que proporcionaram a realização de espaços estimulantes e detentores de obras bem integradas. Algumas “falhas” que provavelmente complicaram a relação entre artes plásticas e arquitetura também foram identificadas. A falta de respeito de incorporadores quanto ao cumprimento dos projetos dos artistas plásticos, como também à legislação acabou prejudicando alguns trabalhos. As entrevistas revelaram que muitos incorporadores interferiam no projeto de arquitetura, na obra de arte e até burlavam a legislação e não adicionavam ao edifício as obras planejadas e exigidas pela legislação municipal. Além disso, os apelos de várias vanguardas modernistas, como é o caso dos concretistas sobre a integração do artista plástico e arquiteto desde o momento do planejamento da edificação, normalmente não foram atendidos. As entrevistas revelaram que quase sempre o artista plástico era chamado quando o projeto arquitetônico estava completo. Muitos já estipulavam o local e o tipo de obra de arte que iria existir para a edificação. Mesmo assim, esta relação não era inflexível, pois de forma geral, os artistas tinham liberdade para fazer modificações no projeto e trabalhavam nas suas obras em constante discussão com os arquitetos. A escolha de materiais ou problemas de dimensionamento por vezes não ajudaram também na integração da obra de arte com o edifício. As junções de obras de arte que enfocam o caráter telúrico dos materiais por vezes se chocaram com alguns materiais industrializados. Por fim, embora em Pernambuco não tenha havido a integração perfeita, como almejada pelos movimentos de vanguarda européias do início do século XX, o esforço de alguns profissionais em unir seus trabalhos em prol de um espaço de maior qualidade artística destaca esta produção, e constitui, inegavelmente, um grande patrimônio para o Estado, não só das obras de artes plásticas ou da 173 arquitetura isoladamente, mas do conjunto formado pela união dessas duas formas de arte. 174 BIBLIOGRAFIA AMARAL, Aracy A. 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Páginas da internet: Acervo Digital Antônio Carlos Jobim: http://www.jobim.org/ Artesanato na rede: http://www.artesanatonarede.com.br/ TuBicentenario: http://bicentenario.com.mx Entrevista com Juhanni Pallasmaa: http://www.vivercidades.org.br/ Flickr: www.flickr.com Munlochy GM Vigil: http://www.munlochygmvigil.org.uk/ Museu de Arte Contemporânea de São Paulo: http://www.mac.usp.br/ Universidade de Brasília: http://www.unb.br/ Wikimedia: http://.wikimedia.org/. Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/. 178 ANEXOS ANEXO 01 – FICHA DE ANÁLISE DADOS BÁSICOS: 1. OBRA ARQUITETURA: ANO: ARQUITETO: 2. OBRA ARTE PLÁSTICA: ANO: ARTISTA PLÁSTICO: 3. SOLICITADO POR: 4. HOUVE TROCAS ARQUITETO ↔ ARTISTA? ( ) SIM ( ) NÃO Caso positivo, como? ANÁLISE DO ESPAÇO: SENSORIAL: ( ) VISÃO PISO: PAREDES: TETO: ( ) TATO PISO: PAREDES: TETO: 180 MATERIAL: ELEMENTOS: ( ) PAINEL ( ) MURAL ( ) ESCULTURA MATERIAIS (PREENCHER COM ESCALA DE TEXTURA): ESCALA TEXTURA: LISO (1); POUCO LISO (2); RUGOSO (3); MUITO RUGOSO (4) ARQUITETURA: ARTE PLÁSTICA: FORMA DE CONTATO ARQUITETURA-ARTE PLÁSTICA: ESPAÇO DA OBRA TOTAL: LOCALIZAÇÃO RELAÇÃO ARQUITETURA-ARTE PLÁSTICA: DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO: ÁREA: ESQUEMA: ( ) PÚBLICA ( ) PRIVADA 181 HÁ DIRECIONAMENTO DO CORPO PARA A OBRA DE ARTE? ( ) SIM ( ) NÃO HÁ RELAÇÃO DESTE ESPAÇO COM OUTROS? ( ) SIM ( ) NÃO QUAIS AS POSSIBILIDADES DE ADMIRAÇÃO? LUZ: DE QUE FORMA A OBRA DE ARTE SOFRE INFLUÊNCIA DA LUZ E SOMBRA? CORES: DE QUE FORMA A COR É UTILIZADA NO ESPAÇO CRIADO PARA A APRECIAÇÃO DA OBRA DE ARTE PLÁSTICA? OUTRAS OBSERVAÇÕES: 182 Foto da autora ANEXO 02 – FICHA DE ANÁLISE DO EDIFÍCIO SAHARA DADOS BÁSICOS: 1. OBRA ARQUITETURA: Edifício Sahara ANO: 1972 ARQUITETO: Vital Pessoa de Melo 2. OBRA ARTE PLÁSTICA: Painel ANO: 1975 ARTISTA PLÁSTICO: Anchises Azevedo 3. SOLICITADO POR: Arquiteto 4. HOUVE TROCAS ARQUITETO ↔ ARTISTA? (X) SIM ( ) NÃO Caso positivo, como? O arquiteto contactou o artista plástico quando o projeto arquitetônico já estava finalizado, e havia separado um local para que se fosse feito um painel. Mesmo assim, perguntou o artista se um painel seria o tipo de obra de arte mais indicado para aquele espaço. Assim definido, o artista teve liberdade para decidir qual o tamanho do painel, como ele deveria ser feito e de que material iria ser construído. O artista também teve liberdade para fazer modificações, como a incisão vertical existente na parede do hall, que corta o painel. O painel, por sua vez penetra na parede. A melhor forma de se construir as placas de concreto também foi bastante discutida entre os dois profissionais. ANÁLISE DO ESPAÇO: SENSORIAL: (X) VISÃO PISO: pedra escura (ardósia). PAREDES: Antes emassada e pintada na cor branca. Atualmente: cerâmica 0.10x0.10m na cor branca e rejuntes na cor cinza. TETO: lambri de madeira escura e envernizada. (X) TATO PISO: pedras ardósias, causam sensação de superfície lisa pelo seu brilho mas ao mesmo tempo idéia de uma rugosidade, pela superfície não-uniforme. PAREDES: As diferentes texturas se misturam, principalmente antes (com as paredes emassadas), pois a superfície era lisa e clara e se contrapunha com a textura do cimento, escura e com marcas do processo de fabricação do painel. O rasgo central do painel foi fechado, o que prejudica a proposta inicial. TETO: --- MATERIAL: ELEMENTOS: (X) PAINEL ( ) MURAL ( ) ESCULTURA MATERIAIS (PREENCHER COM ESCALA DE TEXTURA): ESCALA TEXTURA: LISO (1); POUCO LISO (2); RUGOSO (3); MUITO RUGOSO (4) ARQUITETURA: piso ardósia (2); paredes – antes emassada (1), atualmente com cerâmica (2); teto lambri (2). ARTE PLÁSTICA: painel de cimento (1), mas com marcas do processo de fabricação. A visão tem idéia de algo não-uniforme, mas o tato faz compreender a superfície lisa. FORMA DE CONTATO ARQUITETURA-ARTE PLÁSTICA: O painel se localiza num plano privilegiado de visão (abriga a relação entre exterior e interior) e marca a área social do edifício. Estando na transição do externo e interno, ou social e provado. Saca da parede em que se encontra e não toca o piso ou teto, destacando ainda mais a sua importância.Possui um “rasgo” que penetra na parede, cortando-a e permitindo a entrada de luz e ventilação (embora atualmente tenha se colocado uma esquadria para fechar a abertura). Este rasgo pode ser considerado como o ponto principal de contato entre a obra de arte plástica e arquitetura, visto que o elemento artístico “invade” e “modifica” o elemento de vedação arquitetônica (parede). No ambiente interno há uma outra fenestração que permite a entrada de luz do exterior, é filtrada pelo ambiente e passa para o rasgo do painel, “banhando” a superfície da obra de arte com a luz.As quinas da parede onde se encontra o painel recebem uma marcação em cimento que dialoga com a obra de arte. O piso interno do hall de entrada “molha” o piso do pavimento pilotis externo, fazendo mais uma comunicação entre interior e exterior, e demonstrando o convite da obra de arte para que se adentre no edifício. Elementos do painel continuam no sentido do plano da parede, como se flutuassem e se criasse um convite através do rasgo e, ao mesmo tempo, uma noção de “parede imaginária” de fechamento. ESPAÇO DA OBRA TOTAL: LOCALIZAÇÃO RELAÇÃO ARQUITETURA-ARTE PLÁSTICA: Local privilegiado visualmente, elevado do nível da rua e permeável em relação ao exterior, permitindo a apreciação do espaço interior pelo exterior. O painel encontra-se centralizado na parede 184 principal do pavimento tornando-se ponto focal para o observador, inclusive está localizado de forma central em relação às estruturas do edifício. DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO: O espaço é delimitado pela projeção da edificação com a marcação na paginação do piso. As estruturas ajudam a observar o painel como elemento central do espaço. ÁREA: ( ) PÚBLICA ( ) PRIVADA (X) MISTA ESQUEMA: HÁ DIRECIONAMENTO DO CORPO PARA A OBRA DE ARTE? (X) SIM ( ) NÃO Embora o fluxo seja localizado nas extremidades do painel, este se torna um elemento central de observação dos transeuntes. HÁ RELAÇÃO DESTE ESPAÇO COM OUTROS? (X) SIM ( ) NÃO É o espaço de transição entre exterior x interior, social x privado e se comunica inclusive através dos rasgos elemento de comunicação da obra com o espaço. QUAIS AS POSSIBILIDADES DE ADMIRAÇÃO? 185 No espaço exterior, observa-se o painel principalmente através dos seus saques e recuos. No ambiente social do pavimento pilotis obtém-se mais detalhes em relação aos rasgos, texturas e volume. LUZ: DE QUE FORMA A OBRA DE ARTE SOFRE INFLUÊNCIA DA LUZ E SOMBRA? A luz externa destaca os saques dos volumes do painel. O rasgo central também recebe a luz filtrada pelo hall de elevadores que chama a atenção e convida a entrada dos usuários. CORES: DE QUE FORMA A COR É UTILIZADA NO ESPAÇO CRIADO PARA A APRECIAÇÃO DA OBRA DE ARTE PLÁSTICA? Não há muita variação na paleta utilizada. As cores são em tons de pastéis claros e escuros, desde o branco das paredes e escuros da ardósia do piso, lambri do teto e do cimento do painel. É este contraste que dá destaque ao painel. OUTRAS OBSERVAÇÕES: A troca de revestimento das paredes prejudicou a visualização da parede principal, que antes destacava o painel como único possuidor de texturas diferentes e da “grelha reguladora” (o painel é marcado por uma grelha, é todo dividido em módulos menores). Os rejuntes das cerâmicas alteraram a leitura do plano branco e liso (uniforme). A utilização da esquadria de fechamento do rasgo também vai contra a proposta da comunicação interno x externo, mesmo estando recuada. 186