O geógrafo de papel ou o papel do geógrafo? Algumas considerações sobre a atuação do profissional na sociedade Luciano de Almeida Lopes Professor de Geografia da Rede Pública Estadual Baiana de Ensino Básico Geógrafo CREA-BA 46599/D Estudante de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação Ambiental pela FAAC Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5627385689305391 [email protected] RESUMO Este trabalho visa contribuir para a discussão e o debate sobre o papel do geógrafo na sociedade brasileira. Baseado na experiência do autor sobre tais questões e na leitura de artigos e textos sobre o assunto aborda-se aqui a temática sobre as agremiações dos geógrafos (AGB, APROGEO), o papel dos sindicatos, o papel do Sistema CONFEA/CREA no nosso exercício profissional, bem como a necessidade de se buscar uma unidade, sem necessariamente forjar um consenso, sobre os dilemas que nos afligem enquanto categoria profissional, quer se esteja atuando enquanto professor (advindo da licenciatura) quer como geógrafo (com o bacharelado) na sociedade brasileira. Traz, também, uma breve questão sobre a ciência geográfica, a necessidade sobre o debate do currículo e a sua reforma, o marco legal, o exercício e algumas perspectivas da profissão no país. Palavras-chave: Geografia – Geógrafo – Formação – Agremiação – Sociedade A ciência e o fazer geográficos: algumas conexões O profissional de Geografia na sociedade brasileira é reconhecido, mormente, por sua atividade profissional na confecção de mapas e cartas, ou como professor de Geografia ou mesmo a Geografia é vista como “a disciplina que se preocupa com localizações.” (SANTOS, 2000, p. 104). Essa visão reducionista da sociedade do nosso fazer geográfico está intimamente ligada à nossa desarticulação enquanto categoria que não se impõe mais publicamente ou não se coloca à disposição sobre diversos temas de interação com a Geografia, além de assuntos que dizem respeito à nossa ciência na interpretação dos fatos ou na propositura objetiva de uma situação complexa. Acredita-se, ainda, que este reducionismo é construído através de matrizes discursivas que insinuam ou mesmo corroboram como um verdadeiro desserviço à nossa categoria e à disciplina. Trata-se de separar, segregar e fragmentar a categoria, seja no campo do exercício profissional, seja no campo epistemológico. A desqualificação gratuita ou mesmo infundada do trabalho de um colega, a vaidade, a tirania do pensamento ou demonstra o descuido ou falta de esforço intelectual em avaliar as questões sob um prisma da totalidade, da complexidade põe o exercício profissional de forma frágil. Então, logicamente que a sociedade não nos enxerga como uma categoria profissional com um mínimo de unidade. Conseqüentemente, não temos saído do ocultamento nos mais variados temas da nossa quotidianeidade: meio ambiente, biotecnologia, segurança alimentar, planejamento urbano-regional, estudos climáticos nas variadas escalas, biogeografia urbana, ocupação em áreas de risco, moradia em áreas de vulnerabilidade social, regularização fundiária, dentre outros. O que percebemos é que arquitetos, urbanistas, engenheiros, agrônomos, advogados, sociólogos e outros profissionais usam dos seus recursos para divulgar suas opiniões e pareceres sobre determinados assuntos junto à sociedade e estes gozam de relativa confiabilidade e mesmo de reconhecimento profissional na sociedade. A atuação desses profissionais vai além dos seus escritórios de consultoria, assessoria ou mesmo das salas universitárias. Assessoram movimentos sociais, comunidades e outros grupos e são requisitados pelo seu papel no que diz respeito à ampliação do debate dos problemas que nos afligem, bem como na proposição de equacionamentos dos mesmos. Na Geografia, muitos se preocupam há algum tempo neste trabalho eminentemente social, assessorando tais movimentos, emitindo pareceres. Críticas e questionamentos quanto a este fazer variam desde alegações de que tal tarefa não é de cunho geográfico, não tem fundamentos científicos, não dá conta da complexidade, não tem utilidade ou respaldo social. Entretanto, já existem muitas redes ou consolidação de ações dos geógrafos que se anteparam em princípios solidários da atuação profissional. Acreditamos que tais arranjos possam representar a possibilidade de mudança na postura ética profissional, encaminhando-se para a unidade já citada, tão necessária para um debate interdisciplinar. Neste ínterim, as ações de profissionais da Geografia perante temas atuais dependerão do arcabouço teórico-epistemológico na formação, pois: “O papel atribuído à geografia e a possibilidade de uma intervenção válida dos geógrafos no processo de transformação da sociedade são interdependentes e decorrem da maneira como conceituarmos a disciplina e seu objeto. Se tal conceituação não é abrangente de todas as formas de relação da sociedade com seu meio, as intervenções serão apenas parciais ou funcionais, e sua eficácia será Iimitada no tempo. É verdade que, na linguagem comum e no entendimento de outros especialistas, assim como de políticos e administradores, a geografia é freqüentemente considerada como a disciplina que se preocupa com localizações. Aliás, um bom número de geógrafos trabalha com essa visão.” (SANTOS, 2000, pp. 103-4) Neste sentido, a eminência de estudos e leituras teóricas a respeito dos temas em Geografia é a condição indispensável para uma atuação qualificada, lúcida e ideologicamente respaldada. Então, para se fazer planejamento, mapeamento ou levantamento, o geógrafo precisa contabilizar a dinâmica espacial impressa na paisagem, considerando a multiplicidade dos agentes construtores do espaço, intuindo com sensibilidade, deduzindo com razoabilidade, pensando na totalidade e na complexidade, pois: “A compreensão do espaço geográfico como sinônimo de espaço banal obriga-nos a levar em conta todos os elementos e a perceber a inter-relação entre os fenômenos. Uma perspectiva do território usado conduz à idéia de espaço banal, o espaço de todos, todo o espaço. Trata-se do espaço de todos os homens, não importa suas diferenças; o espaço de todas as instituições, não importa a sua força; o espaço de todas as empresas, não importa o seu poder. Esse é o espaço de todas as dimensões do acontecer, de todas as determinações da totalidade social. É uma visão que incorpora o movimento do todo, permitindo enfrentar corretamente a tarefa de análise.” (SANTOS, 2000, p. 104) De fato, uma análise criteriosa e minuciosa dependerá de uma postura ética e de responsabilidade social. Mas, por exemplo, o planejar é um processo deliberatório, cuja decisão não só depende do fazer técnico, mas da vontade político-ideológica. Conseqüentemente, a escolha por um determinado caminho metodológico nem sempre atende aos anseios mais amplos, pois os interesses dos agentes hegemônicos construtores do espaço prevalecem à medida que pareceres técnicos reforçam estes interesses, somado ao fato da fragilidade de mecanismos de controle social, como organizações comunitárias, ou mesmo a inexistência destes. Isto posto, o perfil de uma associação profissional em Geografia é de zelar contra o seu aparelhamento políticopartidário, cuja principal função é defender os direitos coletivos e individuais, ao passo em que o combate a todas as formas de injustiça requer destreza de uma gestão efetivamente referenciada na sociedade. É possível, com isso, dirimir parte da questão, cuja legitimidade social da atuação do geógrafo aumentará se esta tiver como alicerce a postura acima. Seguindo neste mesmo sentido, têm-se mais um exemplo: o da análise ambiental. Para o geógrafo, a questão fulcral aqui posta é que se torna necessário o uso do anteparo teórico da Geografia para fazê-la de forma cabal, evitando a parcialidade ou fragmentação, a segregação socioespacial, conforme observa Souza (2010) e optando por uma trajetória complexa. Neste aspecto, no que concerne às questões ecológicas ou mesmo conservacionistas e preservacionistas, a visão do profissional ao identificar uma situação desta estirpe, espera-se que o uso do arsenal teórico e ideológico contrarie o que afirma Suertegaray e Schäffer (1988, p. 91), conforme abaixo: “... ao promoverem uma luta pela qualidade melhor de vida, muitas vezes acabam, contraditoriamente, contribuindo para a ideologia do ar puro, do verde, do natural que, no âmbito urbano, tem favorecido a especulação imobiliária e a valorização de terras em áreas próximas às grandes cidades. Assim, o valor estético da paisagem, o ar puro, o verde, o alimento não contaminado, que deveriam ser direitos de todos, só poderão ser adquiridos por alguns, porque estão controlados pelo capital. Este encontra um mercado amplo para jogar ao consumo os sítios de lazer, os filtros e purificadores, os produtos naturais, os incentivos ao reflorestamento.” Então, rejeitar a fragmentação da disciplina, a dicotomia curricular levantada por Souza (2010) ou mesmo a adoção de medidas para evitar a parcialidade da análise, não resvalando em pareceres meramente tecnoburocráticos, plenos de superficialidades, eivados de vícios, sem fundamentos científicos, de ideologia com ética subjetiva e, mais ainda, socialmente injustos, é um dever para tratarmos a questão de forma responsável. Aspectos legais da profissão do geógrafo: a formação e o exercício da profissão em debate Os profissionais da Geografia no Brasil são, enquanto Geógrafos, regulamentados pelo Sistema CONFEA/CREA, que é uma autarquia pública federal instituída pelo Decreto nº 23.569, de 11 de dezembro de 1933, promulgado pelo então presidente da República, Getúlio Vargas, e enquanto professores de Geografia, pelo Ministério da Educação e Cultura - MEC, já que a Educação é atendida por órgão próprio do governo federal, visto que a licenciatura é a forma de licença para a docência. No Brasil, o geógrafo tem seu exercício profissional regulamentado pela Lei nº 6.664, de 26 de junho de 1979, junto com seu decreto regulamentador nº 85.138, de 15 de setembro de 1980, e pela Lei nº 7.399, de 04 de novembro de 1985, junto com seu decreto regulamentador nº 92.290, de 10 de janeiro de 1986. Este marco legal da profissão é importante, pois nos permite estar no rol das profissões regulamentadas no mercado de trabalho brasileiro, sendo uma profissão reconhecida pela Classificação Brasileira de Ocupações, do Ministério do Trabalho e Emprego. Tal marco nos remete a temas, a saber: disciplinamento da profissão, perfil do profissional habilitado, sua competência e seu campo de atuação, órgão fiscalizador da profissão, registro profissional, exercício da profissão etc. Em que se pese a relevância da legislação em vigor, é digno de nota que não há unidade formada sobre aceitação das leis. Especialmente na parte que trata do registro, há divergência ou desconhecimento sobre o licenciado em Geografia registrar-se ou não no CREA. Tal fato pode estar ligado à persistência dicotômica de apropriação do conteúdo disciplinar, ao banimento da discussão da temática na academia, ao desinteresse ou a apatia dos discentes do curso, só para citar algumas das possibilidades. A Lei 7.399/85 acabou gerando um problema hoje cada vez mais difícil de resolver. Trata-se da entrada de profissionais de outras áreas do conhecimento para conseguir o registro profissional no Sistema CONFEA/CREA, quando não há reciprocidade profissional para o registro. Isto significa, na prática, o absoluto desrespeito para aqueles profissionais que formaram em Geografia, sendo eles licenciados ou bacharéis. Pois, há que se perguntar: o registro deve estar ligado à formação ou à pósgraduação? A questão do licenciado não obter o registro remete a uma necessidade premente de resolução do problema, cuja construção perpassa, inicialmente, pela revogação da lei nº 7.399/851. Colocado dessa forma, podemos recomeçar o trabalho de diálogo em outros pressupostos – a exemplo da concessão de registro profissional parcial 1 Encontra-se em tramitação no Senado Federal o PLS 117/2004, de autoria do Senador Sibá Machado (PT/AC), cujo objeto é a revogação desta lei e do seu decreto regulamentador (92.290/86). A matéria foi aprovada em caráter terminativo na Comissão de Assuntos Sociais do SF em 1°/12/2005, seguindo para a Câmara de Deputados em 27/03/2006 (Subsecretaria de Expediente). para o licenciado2. Rejeitando a idéia da dualidade e polarização entre forma x conteúdo, Geografia Física x Geografia Humana, Licenciado X Bacharel, podemos privilegiar no currículo, uma vez que muitos currículos do Bacharelado e da Licenciatura encerram entre eles uma semelhança conteudística, tal como: “... o currículo de Geografia talvez seja um dos mais condizentes em termos de uma abrangência transdisciplinar. De seu escopo, obrigatoriamente constam disciplinas de natureza física como Geologia Geral, Geomorfologia, Climatologia, matérias de natureza biótica como a Biogeografia, e de natureza social, relacionadas ao setor das Ciências Humanas, como a geografia dos transportes, das indústrias, agrária, dentre outras. Acresce que, ao nível de disciplinas instrumentais, o currículo da geografia também contempla uma gama de técnicas que estão diretamente vinculadas às perspectivas ambientais, como as utilizadas no geoprocessamento onde a Cartografia Computadorizada, o Sensoriamento Remoto, a Estatística Ambiental e os Sistemas de Informações Geográficas compõem sua base operacional.” (ARGENTO, 1996, p. 3) Para tanto, o mérito curricular torna-se uma via mais plausível, pois coloca a situação dos licenciados numa melhor posição em relação aos profissionais das outras áreas. Acreditamos, também, que as Associações dos Profissionais Geógrafos (APROGEO) possam desempenhar um papel de suma importância no equacionamento de muitas situações conflituosas, buscando uma unidade mínima entre os profissionais da Geografia. Perspectivas para a profissão O profissional Geógrafo necessita fazer uma melhor divulgação do exercício profissional e do seu pensar na sociedade, afirmando-se com competência e rigor nela, 2 Ainda em que pese de maneira favorável no Estado da Bahia o aumento da oferta de cursos de Bacharelado em Geografia, é digno de nota que a entrada deste profissional egresso no Sistema CONFEA/CREA ainda é permeada por certo grau de desconhecimento do papel do conselho, confundindo, inclusive, o papel deste com o de um sindicato ou mesmo com o de uma associação. Há um grau de desconhecimento ou mesmo visão que precisa ser melhorada sobre os instrumentos regulatórios do Sistema, a exemplo da Resolução 1.010/2005 e da falta de unidade que ela aporta entre os profissionais do Sistema e que alguns outros profissionais ignoram completamente o seu conteúdo. participando cada vez mais efetivamente e propondo alternativas mais eficazes na gestão e produção do espaço. As associações como a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) e a Associação dos Profissionais Geógrafos (APROGEO) não só podem ampliar o diálogo do trabalho do Geógrafo na sociedade de uma forma geral e como especificamente Unidades de Ensino Básico, Universidades, Órgãos Públicos e Empresas. Trata-se de ampliar o horizonte de atuação profissional, adquirindo uma relevante visão social, bem como dirimir e /ou reduzir dúvidas sobre o seu respectivo exercício. No campo do currículo, acredita-se que ele deve estar sensível às demandas sociais, ser formulado considerando a complexidade e a sua base legal. Seja na sua formulação ou reformulação, o currículo precisa ser debatido com a franca maioria dos interessados. Necessita constar de um estágio curricular obrigatório para o curso de bacharelado. Possuir um caráter de formação generalista, entretanto, que a um só tempo, garanta atribuições plenas com conhecimento aplicado. No Estado da Bahia, ainda carece de um diagnóstico profissional do Geógrafo, bem como do Professor de Geografia, que verifique, através de aplicação de instrumentos, como se vive por optar em atuar em Geografia, quais as dificuldades de trabalho, tanto nas condições de trabalho, quanto na relação com outro profissional. Neste diagnóstico3, é importante saber, por exemplo, como as IES têm correspondido a estas expectativas dos profissionais. Com instrumentos como este pode-se traçar alguns planos de ação, campanhas pró-Geógrafo e pró-Professor de Geografia na sociedade, expedições a empresas e órgãos públicos e privados nas três esferas de poder, só para citar alguns. As Associações, Executivas estudantis e outros organismos podem estar preocupados com estas questões de forma bem clara, talvez até com um setor ou departamento de formação e exercício profissional na sua estrutura de funcionamento. Por fim, ainda carece de mais discussões e debates sobre o assunto, tão necessários ao desenvolvimento profissional em qualquer área. Na esfera pública, adotou-se a categoria Territórios de Identidade. O que esta categoria traz para a 3 Há trabalhos nesta linha desenvolvidos por colegas em outras praças, a exemplo de SÁ (2004), ROSA (2004) e PAZERA JR (2004), todos publicados nos Anais do VI Congresso Brasileiros de Geógrafos, em Goiânia. aplicação prática? O que está envolvido nesta utilização? Pontuar a categoria território não já é per si admitir a relação identitária? Seguramente Santos (2000) e outros renomados geógrafos nos conduzem a um fio de compreensão destas temáticas, bem como nos instrumentalizam a avaliar criticamente, com um arcabouço bem mais dilapidado e meticuloso. No que tange a eventos esportivos no país, tais como a Copa do Mundo da FIFA em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, qual tem sido a participação do Geógrafo e do Professor de Geografia? Aceitar tais situações de forma passiva? Ou, realmente, instigar-se pela análise e se apropriar destes temas, debatendo com seus pares e, se caso for, intervindo de maneira qualificada, também coletiva, tendo em vista a busca das melhorias habitacionais de assentamentos humanos situados no entorno do empreendimento, projetos de mobilidade e acessibilidade urbanas que contemplem em seu escopo as viabilidades e dimensões ambientais, sociais, econômicas, programas para a manutenção de determinados padrões de serviços e de atividades, garantindo a sustentabilidade da população, especialmente à de menor poder aquisitivo, com projetos de formação, aperfeiçoamento e ingresso no mercado de trabalho pós-evento. Se forem apresentadas novas possibilidades no domínio cultural e, principalmente, tecnológico da sociedade poderá conduzir à diminuição do abismo que existe entre mais abastados e os miseráveis. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AB’SABER, A. N. 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