Biopolítica e Direito

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Biopolítica
e
Direito
Fabricação e ordenação do corpo moderno
ANGELA COUTO MACHADO FONSECA
Doutora em Filosofia do Direito (PPGD/UFPR) com estágio de
pesquisa sanduíche CAPES na École des Hautes Études en Sciences Sociales/Paris
Mestre em Filosofia (PPGF/UFPR), aperfeiçoamento em Filosofia
Contemporânea na Università degli Studi di Firenze
Bacharel em Direito e em Filosofia
Pesquisadora de pós-doutorado na UFPR, bolsista CAPES (PNPD).
Biopolítica
e
Direito
Fabricação e ordenação do corpo moderno
Belo Horizonte
2016
CONSELHO EDITORIAL
Álvaro Ricardo de Souza Cruz
André Cordeiro Leal
André Lipp Pinto Basto Lupi
Antônio Márcio da Cunha Guimarães
Bernardo G. B. Nogueira
Carlos Augusto Canedo G. da Silva
Carlos Bruno Ferreira da Silva
Carlos Henrique Soares
Claudia Rosane Roesler
Clèmerson Merlin Clève
David França Ribeiro de Carvalho
Dhenis Cruz Madeira
Dircêo Torrecillas Ramos
Emerson Garcia
Felipe Chiarello de Souza Pinto
Florisbal de Souza Del’Olmo
Frederico Barbosa Gomes
Gilberto Bercovici
Gregório Assagra de Almeida
Gustavo Corgosinho
Jamile Bergamaschine Mata Diz
Janaína Rigo Santin
Jean Carlos Fernandes
Jorge Bacelar Gouveia – Portugal
Jorge M. Lasmar
Jose Antonio Moreno Molina – Espanha
José Luiz Quadros de Magalhães
Kiwonghi Bizawu
Leandro Eustáquio de Matos Monteiro
Luciano Stoller de Faria
Luiz Manoel Gomes Júnior
Luiz Moreira
Márcio Luís de Oliveira
Maria de Fátima Freire Sá
Mário Lúcio Quintão Soares
Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
Nelson Rosenvald
Renato Caram
Roberto Correia da Silva Gomes Caldas
Rodolfo Viana Pereira
Rodrigo Almeida Magalhães
Rogério Filippetto de Oliveira
Rubens Beçak
Vladmir Oliveira da Silveira
Wagner Menezes
William Eduardo Freire
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,
inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora.
Impresso no Brasil | Printed in Brazil
Arraes Editores Ltda., 2016.
Coordenação Editorial: Fabiana Carvalho
Produção Editorial e Capa: Danilo Jorge da Silva
Revisão: Responsabilidade do Autor
340.112
F676b
2015
Fonseca, Angela Couto Machado
Biopolítica e direito: fabricação e ordenação do corpo
moderno / Angela Couto Machado Fonseca. Belo Horizonte:
Arraes Editores, 2016.
p.176
ISBN: 978-85-8238-215-8
1. Biopolítica. 2. Biopolítica e direito. 3. Medicina social. 4. Bioascese. 5. Bioascese corporal.
6. Transtorno Desafiador Opositor. 7. Comportamento – Transtornos. I. Título.
CDDir – 340.74
CDD(23.ed.)-340.112
CDU – 616-058
Elaborada por: Fátima Falci
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Belo Horizonte
2016
Aos meus pais:
Ele, que foi um homem-oceano: profundo e grande.
Ela, que ainda me carrega no colo.
V
Sem o fio condutor do corpo, eu não creio na validade de nenhuma
pesquisa (NIETZSCHE, FP X, 26[432])
É em referência ao corpo que as coisas estão dispostas, é em relação ao corpo que
existe uma esquerda e uma direita, um atrás e um na frente, um próximo e um
distante. O corpo está no centro do mundo, ali onde os caminhos e os espaços se
cruzam, o corpo não está em nenhuma parte: o coração do mundo é esse pequeno
núcleo utópico a partir do qual sonho, falo, me expresso, imagino, percebo as coisas
em seu lugar e também as nego pelo poder indefinido das utopias que imagino. O
meu corpo é como a Cidade de Deus, não tem lugar, mas é de lá que se irradiam
todos os lugares possíveis, reais ou utópicos.
(MICHEL FOUCAULT, O corpo utópico, As heterotopias)
VI
Agradecimentos
O processo de construção deste livro contou com uma agregação de ajudas e
incentivos. A sua elaboração foi perpassada por muitas solidariedades que precisam
ser registradas.
Endereço minha lista de agradecimentos, antes de tudo, ao meu orientador
de Doutorado (cujo resultado final é a base deste livro), Celso Luiz Ludwig, pelo
apoio e indicações de rotas essenciais para esta pesquisa. Sua serenidade estóica e
sua postura filosófica servem para mim como exemplo.
Agradeço à Vera Karam de Chueiri, Andre Macedo Duarte, Maria Rita Assis
César e José Antônio Peres Gediel, que fizeram críticas, deram conselhos e que,
cada um a seu modo, foram fundamentais para este livro.
À minha mãe, Heloisa Couto Machado da Silva, que foi também mãe dos
meus filhos para me sustentar neste processo, como sempre faz, e sempre sem medição de esforços.
À Andréa Lobo, amiga e parceira de projetos, pela ajuda com a entrevista
aos CAPSi e pela revisão do último capítulo. Também à Giuliana Rocio Alboneti,
orientanda na graduação, pela leitura e revisão de partes do texto.
Ao professor Paolo Napoli, pela acolhida na École des Hautes Études en Sciences Sociales no período de doutorado sanduíche.
Aos queridos amigos e intelectuais com quem tive o privilégio de conviver
nos últimos anos, pelo apoio, pela solidariedade, pelas indicações e aprendizados:
António Manuel Hespanha, Carlos Petit, Massimo Meccarelli e Paolo Cappellini.
Agradeço à CAPES, pela bolsa de doutorado sanduíche na École des Hautes
Études en Sciences Sociales, em Paris.
À minha família: Luciana Couto Machado da Silva Carreirão, Cláudio Mund
Carreirão, Leonardo Machado Carreirão e Daniel Machado Carreirão. Souberam
compreender meu momento e me incentivar nas dificuldades.
Por fim, guardo meu agradecimento mais especial a Ricardo Marcelo Fonseca,
João Gabriel Machado Fonseca e Antônio Luiz Machado Fonseca. Para Ricardo,
meu companheiro de jornada, as palavras são inúteis para expressar a tessitura da
vida que fazemos juntos, na construção diária de companheirismo, afeto e apoio.
Meus filhos, João e Antônio, privados da mãe por tantos momentos, precisaram
crescer junto comigo e agora são capazes de sentir em si mesmos a alegria alheia.
VII
Lista de siglas e abreviaturas
OBRAS DE NIETZSCHE
PCS Traduções de Paulo César de Souza:
AAurora
AC
O Anticristo
BM Além do Bem e do Mal – prelúdio a uma filosofia do futuro.
CI
Crepúsculo dos Ídolos
EH
Ecce Homo – Como alguém se torna o que é.
GC
A Gaia Ciência
GM Genealogia da Moral – uma polêmica.
HH Humano, demasiado Humano
HH II Humano, demasiado Humano II
Z
Assim Falou Zaratrusta
As referências a essas traduções são indicadas pelas iniciais listadas, seguidas do número do aforismo em arábico ou, da seção, mais o número da página em arábico.
VIII
Sumário
PREFÁCIO.................................................................................................................. XI
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 1
Capítulo 1
CORPO E TÉCNICAS: DA ASCESE À BIOASCESE....................................... 7
1.1. Antiguidade tardia: Relação corpo e alma..................................................... 9
1.2. Corpo como relação ética e estética na idade média.................................... 16
1.3. Corpo anatomizado e tornado ‘res’................................................................ 22
1.4. Do homem máquina à bioascese..................................................................... 33
Capítulo 2
NIETZSCHE E A ARQUEOLOGIA DE UMA TRAGÉDIA:
ORDENAÇÃO DO CORPO POTÊNCIA........................................................... 42
2.1. Nietzsche e o corpo como fio condutor........................................................ 47
2.2. Corpo e crítica da modernidade política....................................................... 57
2.3. Nietzsche e biopolítica?..................................................................................... 69
Capítulo 3
FOUCAULT E A AURORA DA BIOPOLÍTICA: DA DISCIPLINA
DO CORPO À REGULAÇÃO DO VIVENTE................................................... 77
3.1. Corpo e poder..................................................................................................... 78
3.2. Biopolítica e corpo............................................................................................. 91
3.3. Segurança, corpo, população............................................................................ 105
Capítulo 4
PODER E ESTRATÉGIAS POLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS: A FACE
BIOPOLÍTICA DO DIREITO NA ORDENAÇÃO DO CORPO.................. 119
4.1. Corpo, biopolítica e direito.............................................................................. 121
4.2. Os CAPSi: Regulamentação e tratamento dos transtornos
de comportamento..................................................................................................... 131
4.2.1. Alguns aspectos da História da Assistência Psiquiátrica no Brasil. 132
4.2.2. Da Legislação dos CAPS.......................................................................... 138
IX
4.2.3. Sobre o Transtorno Desafiador Opositor (TDO)............................... 145
4.3. CAPSi: Tratamento dos transtornos de comportamento e a atuação
biopolítica do direito................................................................................................. 149
CONCLUSÃO............................................................................................................ 154
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 158
X
Prefácio
Scarlett Marton em um artigo intitulado Nietzsche e Hegel, leitores de Heráclito explora essa relação de afinidade e oposição e eis que chega na admiração
que ambos tinham por Heráclito. Cada um, à sua maneira, retoma o filósofo pré-socrático, porém, conforme afirma Scarlett Marton, ambos sublinham a analogia
do rio e entendem que o fluxo incessante traduz o pensamento do vir-a-ser: em
Hegel como o momento de ultrapassamento dialético do ser e em Nietzsche como
mudança contínua de todas as coisas no mundo.
Pois bem, o desafio de escrever isso que é o começo, de prefaciar, me leva à
dificuldade de se achar um começo na filosofia, como diria Hegel, vez que aquilo
com o que a filosofia começa deve ser tanto mediato, quanto imediato e, ao mesmo
tempo, nem um, nem outro. Aqui Hegel, leitor de Heráclito, pensa junto o começo
e o fim da filosofia. Um começo sem pressupostos, um começo que pressupõe algo
(o ser) e um começo que é esse algo (o ser). Claro que estou me referindo ao que é
em movimento, isto é, na medida em que não é mais e vem a ser.
Por sua vez, Nietzsche, que também leu Heráclito, é anti-dialético, ou seja,
não há que se pensar a partir dos opostos e da sua superação, não há totalidade que
seja indispensável mas, sim, conforme Scarlet Marton, da luta travada e da transferência de soberania entre eles. Vir-a-ser é aqui um princípio cósmico enquanto em
Hegel é um princípio lógico. De toda sorte, é o vir-a-ser em suas interpretações que
aproxima estes dois leitores de Heráclito.
Pois bem, é então este o ponto ou atalho a partir do qual eu começo: no encontro do meu movimento (hegeliano) com o seu livro; ou a mudança de todas as
coisas do mundo (Nietzsche).
Importante advertir que este não é um livro sobre Nietzsche, embora ele seja
determinante no argumento da autora, a professora e pesquisadora Angela Couto
Machado Fonseca. Dizendo de outra maneira, Biopolítica e Direito: fabricação e ordenação do corpo moderno, o livro ao qual somos apresentados, parte de Nietzsche,
das suas inquietações e problematizações sobre o corpo. Conforme diz a autora,
com Nietzsche se coloca não apenas a negação da dualidade metafísica corpo e alma,
como também o questionamento da canhestrice dessa manobra e a acusação de que
a história da cultura é uma história de operação sobre o biológico. O corpo potência
e(m) a formação do homem, o adestramento de seus impulsos eis ao que somos/
estamos submetidos política, cultural e moralmente na modernidade.
XI
Com Nietzsche e a partir dele o corpo (potência) forja danadamente a crítica
que pode ser dirigida à civilização moderna, sua tradução no homem imerso em
dada condição de cultura e política. Se Nietzsche desestabiliza as mais promissoras
investidas modernas (e com isso nos desestabiliza) acusando a sua decadência, por
outro lado, sugere a passagem para a noção contemporânea de biopolítica.
Eis o desafio a que se propõe a autora: entender os sentidos do biopoder e da
biopolítica e questionar se o corpo deixa de ser pertinente ou se também a biopolítica
trata de agenciamento do corpo quando trata da noção corpo-espécie. Segundo ela,
Foucault percebeu claramente que técnica e ciência possibilitam a contenção do
corpo a partir dele mesmo. Nas palavras da autora, a uniformização biológica e
genética, angariadas pelo saber médico e científico, transportam para o mapa do
corpo os critérios de sua normalidade e adequação, permitindo atuar e mover nos
elementos inadequados e anormais.
Ao final, Angela Couto Machado Fonseca articula, com maestria, a matéria
crítica e filosófica dos capítulos anteriores com a matéria jurídica, ou melhor,
como a biopolítica tal qual pensada, escrita e vivida por Foucault funciona no
campo do direito. Para tanto, ela recorre às políticas públicas de saúde mental,
especificamente na assistência às crianças e aos adolescentes para, a partir destas experiências, pensar como a regulamentação pelo direito conforma um determinado
modelo de assistência orientado pela racionalidade biopolítica.
Neste ponto da obra, a autora é implacável ao mostrar como a regulação governamental opera sobre os corpos das crianças uma disciplina ou um regramento
que opõe o normal ao não normal, segundo diagnósticos de transtornos mentais e,
assim, submete-as – seus corpos- ao que deveria ser o padrão (normal). A operação
que o direito, digo as regras, realizam sobre o corpo das crianças acerta, conserta,
isto é, faz voltar à forma “normal”, repõe no andamento “normal”, refaz o que
apresentava “defeitos”, põe na “ordem” ou em “melhor” disposição.
Se o livro já enredava seu leitor em sua forma (os desenhos que ilustram certas
passagens são certeiros e provocativos) e conteúdo, quando, ao final, traz a experiência dos atendimentos ao transtorno desafiador opositor (TDO), realizados pelos
Centros de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil (CAPSI) da Prefeitura de Curitiba,
coloca-nos face à face com os dilemas da biopolítica, corpo e direito e, como sugere
a autora, nos provoca a questionar sobre as reificadas formas de ordenação do corpo.
O livro responde à questão acerca do que pode o corpo, qual seu estatuto,
quais os limites à sua disposição ou às intervenções que pode sofrer, isto é, concilia
incertezas e senso de responsabilidade. Um livro processo, tal qual pensara Nietzsche sobre o mundo, nada estável, um campo de forças em tensão. Uma filosofia
para o direito: biopolítica e a fabricação e ordenação do corpo moderno. Eis um
dos trabalhos mais arrojados em filosofia e direito, cuja sensibilidade e inteligência
constroem um texto forte e inquieto (como sua autora).
É preciso lembrar que a origem deste livro é a tese de doutorado apresentada
pela autora, professora Angela Couto Machado Fonseca, junto ao Programa de
Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, a qual obteve a
XII
nota máxima atribuída pela banca examinadora, da qual tive o prazer de participar,
junto aos colegas professores: Celso Luiz Ludwig (orientador), José Antônio Peres
Gediel, André Macedo Duarte e Maria Rita Assis César. A sugestão da publicação
pela banca reitera não somente a excelência da tese, contemplada na nota obtida,
mas, também, o seu caráter inovador e desafiador para a filosofia e o direito, ao
serem atravessados pela biopolítica e a ordenação do corpo.
A minha dificuldade em escrever o prefácio, em achar um começo, está apenas, provisoriamente, aliviada pela contingência de ter que colocar um ponto nisto. Ou, com o socorro de Hegel, começo ou fim, o que importa é o movimento.
New Haven, dezembro, 2015.
VERA KARAM DE CHUEIRI
Professora de direito constitucional.
Programas de graduação e pós-graduação em direito da UFPR.
XIII
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