Sexualidade da mulher idosa

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MEDICINA SEXUAL
Sexualidade da mulher idosa
Heloisa Junqueira FleuryI, Carmita Helena Najjar AbdoII
Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
RESUMO
Avanços na educação e na medicina têm promovido melhor qualidade e expectativa de vida, além de recursos para a preservação da vida
sexual. A valorização da atividade sexual permanece, quando vivenciada com frequência e prazer. A maioria das dificuldades e disfunções
sexuais aumenta com o envelhecimento porque fatores físicos e sociais tornam-se mais relevantes. Por outro lado, o sofrimento feminino
com os problemas sexuais, exceto os relacionados à lubrificação, diminuem. A menor atividade sexual no envelhecimento, pela complexidade de fatores envolvidos, pode ser compreendida como consequência de transição fisiológica, psicológica e social. Mulheres mais velhas
associam satisfação ou falta de interesse sexual à qualidade do relacionamento amoroso. A principal atividade heterossexual envolve penetração vaginal, diminuindo com o avançar da idade. Preliminares têm a frequência mantida. Depois dessas duas atividades, a terceira mais
frequente em atividade sexual com parceria é o sexo oral. A atividade sexual em idade avançada apresenta mais beijos, abraços e toques
sexuais. As atividades mais frequentes nessa faixa etária seguem a seguinte ordem: tocar e acariciar sem coito, masturbação e, por último,
coito. Tocar e acariciar diminuem entre os 80 e 90 anos. O menor interesse sexual pode ser atribuído à avaliação negativa das alterações corporais e de aparência física na mulher idosa e à perda de relações íntimas. Saúde aumenta a expectativa de vida sexual ativa. A necessidade
de amor, amizade e contato físico, assim como o medo da solidão permanecem ao longo da vida, tornando importante a caracterização dos
fatores envolvidos na motivação sexual dessa população.
PALAVRAS-CHAVE: Envelhecimento, sexualidade, casamento, saúde da mulher, qualidade de vida
INTRODUÇÃO
A expressão da sexualidade e da intimidade não termina
com o envelhecimento. Avanços na educação e na medicina
têm promovido melhor qualidade e aumento crescente de recursos para a manutenção da vida sexual. A valorização da
atividade sexual permanece, quando ela foi vivenciada com
frequência e prazer. Envolve relações sexuais, toques e carícias sem coito.1 Embora os homens permaneçam mais ativos
que as mulheres, 17% delas, entre 75 e 85 anos, referem ser
sexualmente ativas.2
A maioria das dificuldades e disfunções sexuais cresce
com o envelhecimento. Na mulher, há um agravamento dessa
situação no início do climatério, mantendo-se aproximadamente a mesma após os 55 anos.3 Quase 20% das mulheres
Psicóloga, mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Psiquiatra, livre-docente e professora associada do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Fundadora e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.
I
II
Editor responsável por esta seção:
Carmita Helena Najjar Abdo. Psiquiatra, livre-docente e professora associada do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (FMUSP). Fundadora e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Endereço para correspondência:
Heloisa Junqueira Fleury
Rua Sergipe, 401 — cj. 309 — São Paulo (SP) — CEP 01243-906
Tel. (11) 3256-9928
E-mail: [email protected]
Fonte de fomento: nenhuma declarada – Conflito de interesse: nenhum declarado
Entrada: 4 de maio de 2015 – Última modificação: 18 de maio de 2015 – Aceite: 25 de maio de 2015
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Sexualidade da mulher idosa
brasileiras acima de 60 anos se ressentem da falta de interesse sexual.4 Entre as norte-americanas, essa queixa atinge
37,6% (entre 65 e 74 anos) e 49,3% (entre 75 e 85 anos).3 Nas
últimas décadas da vida, fatores físicos e sociais tornam-se
mais relevantes,2 enquanto o sofrimento com os problemas
sexuais (exceto os relacionados à lubrificação) apresenta-se
inversamente associado à idade.5
A diminuição da atividade sexual no envelhecimento pode
ser interpretada tanto como um fenômeno biológico (próprio
do processo de envelhecimento) como uma disfunção sexual.
Porém, pela complexidade de fatores envolvidos nesse período
da vida, essa diminuição é melhor compreendida como consequência de uma transição fisiológica, psicológica e social.6
Considerando os benefícios para a saúde decorrentes da
manutenção da atividade sexual,7 inclusive o aumento
da longevidade,8 profissionais da saúde devem conhecer
as peculiaridades dessa população para auxiliar mulheres
pós-climatéricas na preservação da vida sexual satisfatória.
O objetivo deste artigo é discutir o impacto da transição
psicossocial característica do processo de envelhecimento
sobre a função sexual feminina.
FUNÇÃO SEXUAL
FEMININA NO ENVELHECIMENTO
Embora nem todas as mulheres sofram impacto negativo decorrente de mudanças hormonais do climatério, essas
alterações, acrescidas àquelas próprias do envelhecimento,
tendem a sobrecarregar essa etapa da vida. Homens com
idade avançada apresentam como principal queixa sexual
dificuldades com o orgasmo e com a ereção, relacionadas às
alterações biológicas. Por outro lado, a população feminina
não associa satisfação ou falta de interesse sexual aos aspectos biológicos, mas à qualidade do relacionamento amoroso,
o que valoriza os fatores biopsicossociais na compreensão da
satisfação sexual da mulher idosa.6,9
Na sétima década de vida, a experiência sexual feminina
apresenta enorme diversidade: algumas não têm mais parceiro sexual, outras vivenciam sexo solitário ou mantêm relacionamento afetivo, acompanhado ou não de atividade sexual.10
Relatos de uma população entre 80 e 102 anos revelam que
as atividades mais frequentes nessa faixa etária são: tocar e
acariciar sem coito, masturbação e, por último, intercurso
sexual. Tocar e acariciar diminuem entre os 80 e 90 anos, especialmente para os homens.2
Um fator importante na perda do interesse sexual é a
reação negativa com que o contexto social avalia as alterações corporais e de aparência física da mulher idosa. O comprometimento da imagem corporal e da autoimagem pode
acentuar pensamentos negativos, ansiedade e depressão,
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especialmente para aquelas com dificuldade em lidar com
essas mudanças naturais.6
Os tratamentos cosméticos e os procedimentos médicos
têm sido uma alternativa nesses casos, mas dependem de
indicação baseada em critérios objetivos. O incremento na
busca por cirurgias plásticas, como por exemplo a genitoplastia, não tem apresentado bons resultados na melhora da
autoimagem, podendo inclusive estimular contínua correção
cirúrgica de sinais físicos do envelhecimento, agravando a
condição psicológica da mulher.11
Outro aspecto importante nessa etapa da vida é o menor interesse e a menor atividade sexual, associados à perda de relações
íntimas, por viuvez, divórcio ou separação.10 Numa população
de 100 viúvas entre 40 e 89 anos, as mais jovens consideraram
as alterações na imagem corporal, a escassez de homens sem
parceira e as limitações financeiras para atividades sociais como
principais barreiras para a vida sexual. Para essa amostra, com o
aumento da idade, diminuía a insatisfação com a perda de atividades relacionadas ao casamento. O sofrimento foi maior com a
perda de atividades não sexuais, tais como conversar ou passear
com um homem. Atividades com filhos, netos e amigos parecem
suprir necessidades afetivas e sexuais.12
A DIMENSÃO RELACIONAL
DAS PRÁTICAS SEXUAIS
NO ENVELHECIMENTO
O funcionamento sexual é influenciado por quatro determinantes: o contexto biológico, o psicológico, o social (incluindo cultura) e as interações entre eles. É crescente o reconhecimento do
papel desempenhado pelo contexto social, especialmente a possibilidade de um parceiro sexual e a qualidade do relacionamento
com ele.13 Numa população acima de 50 anos, da zona rural da
Indonésia, a falta ou insatisfação com a vida sexual e a presença
de problemas sexuais estavam associados com avaliação negativa da qualidade de vida entre os homens, enquanto para as mulheres, apenas a presença de problemas sexuais estava associada
com piora da qualidade de vida. Observou-se também que estar
em uma relação conjugal pode diminuir o impacto dos problemas
sexuais sobre a qualidade de vida de homens e mulheres.14
Homens de todas as faixas etárias têm maior probabilidade de manter relacionamento estável sexualmente ativo e
apresentam atitudes mais positivas e permissivas em relação
ao sexo.15 Homens e mulheres com boa saúde têm expectativa de vida sexual ativa aumentada, havendo inclusive associação positiva entre boa saúde e maior frequência sexual
(para os homens), melhor qualidade da vida sexual e mais
interesse sexual (para homens e mulheres).2
Nas últimas quatro décadas, a atividade sexual dos homens aumentou de 47% para 66% e das mulheres, de 12%
Heloisa Junqueira Fleury | Carmita Helena Najjar Abdo
para 34%. Esse resultado está associado à atitude mais positiva frente à sexualidade, à iniciação sexual anterior aos 20
anos, à manutenção de bom relacionamento conjugal e à melhor saúde física e mental do casal.16
A principal atividade sexual da maioria da população (91%
dos homens e 87% das mulheres) envolve penetração vaginal,
segundo Waite e cols.15 Com o avançar da idade, essa frequência diminui. Entre 75 e 85 anos, a penetração está incluída nas
práticas sexuais de 84% dos homens e 75% das mulheres. Por
outro lado, abraços, beijos ou outros toques sexuais (preliminares) têm frequência mantida em todas as faixas etárias.
Penetração e preliminares são condições necessárias para relato de prática sexual, sendo que a primeira torna-se opcional
com o avanço da idade. O sexo oral é menos comum em atividade sexual com parceria e é executado por 28% dos homens e
36% das mulheres entre 75 e 85 anos. Os autores concluem que
a atividade sexual de indivíduos com idade avançada apresenta mais beijos, abraços e toques sexuais do que se observa na
população mais jovem.15
Considerando o impacto do comprometimento da saúde
sobre a função sexual, o risco de o casal mais velho interromper a vida sexual exige atenção maior. Estudo envolvendo
respondentes de 27 países observou que quase metade (48%)
dos homens tem alguma dificuldade com ereção, sendo que
65% deles não estavam satisfeitos, dado corroborado pela insatisfação com a ereção do parceiro relatada por 63% das mulheres. Esse resultado torna-se mais relevante pela associação
entre satisfação com a firmeza da ereção e satisfação com a
vida sexual, o amor e o romance, além da saúde geral.17
Quando a mulher não interrompe a vida sexual por
motivos de saúde, as evidências são de que não terá mais
problemas nessa área, com a idade avançada, do que em
décadas anteriores.15
PERSPECTIVAS FUTURAS
Se o processo de envelhecimento impacta a saúde física
e mental, inclusive a função sexual de homens e mulheres, a
necessidade de amor, amizade e contato físico, assim como o
medo da solidão permanece ao longo da vida. Observou-se, em
estudo com 20 casais em novas parcerias, após viuvez ou divórcio na idade de 60-70 anos, 4 combinações de proximidade/
distância emocional e física: 1. viver juntos (físico e emocional),
2. viver separados (físico) e juntos (emocional), 3. viver juntos
(físico) e separados (emocional) e 4. viver separados (físico e
emocional).18
A caracterização dos fatores envolvidos na motivação sexual da população mais idosa é uma das novas perspectivas
de estudo para a manutenção da atividade sexual. O interesse por novos relacionamentos e a receptividade aos avanços
sexuais da parceria diminuem com a idade. Homens e mulheres avaliam positivamente o contato físico não sexual,
mas para os homens, torna-se mais interessante quando o
contato tem conotação sexual. Nessa faixa etária, grande
proporção relata insatisfação com a quantidade de preliminares e com a frequência de carinho, comprometendo o
prazer na atividade sexual.19
A população feminina mais idosa apresenta comprometimento da função sexual mais acentuado do que a masculina.
Observa-se prevalência menor (significância estatística) de
qualidade da vida sexual, menos interesse sexual, especialmente entre aquelas sem parceiros, resultando em expectativa menor de preservação de vida sexual ativa.2
Identificar peculiaridades da atividade sexual nessa
população auxilia a atenção de profissionais de saúde aos
fatores psicossociais envolvidos no comprometimento
do envelhecimento.
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