ACP Melhores Arrazoados 2013

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CONCURSO MELHORES PRÁTICAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS
ARRAZOADOS FORENSES
PETIÇÃO INICIAL DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AUTOR: ADRIANO DUTRA GOMES DE FARIA
TELEFONE: (38)9133-0609/(38)3531-9664
E-MAIL: [email protected]
COMARCA: DIAMANTINA/MG
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ
DE
DIREITO
DA
_____ VARA
DA
COMARCA
DE
XXXXX/MG
URGENTE
PEDIDO DE LIMINAR
O MINISTÉRIO PÚBLICO
DO
ESTADO
DE
MINAS GERAIS, pelo
Promotor de Justiça signatário, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com
fulcro no art. 127, caput, e no art. 129, II, III e IX, da Constituição da República de
1988, nos arts. 17 e seguintes, da Lei 8.429/92, e nas disposições da Lei 7.347/85,
propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
EM DEFESA DA SAÚDE E DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA,
MARIA ZILMAR
DE
contra
MEDEIROS QUIRINO, brasileira, viúva, médica,
RG nº 1.217.430 SSP/MG, CPF nº 091.195.584-49, CRM/MG 7.782,
nascida aos 23 de setembro de 1945, filha de Francisco Luiz de
Medeiros e de Apolônia Melo de Medeiros, residente na Rua Vieira
Couto, nº 255, Centro, Município de XXXXX/MG;
LUIZ GERALDO PIMENTA
DE
ARAÚJO, brasileiro, casado, médico
anestesista, nascido aos 07 de junho de 1960, filho de Djalma Seabra
de Araújo e de Solange de Jesus P. Araújo, CPF nº 551.983.336-20,
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RG nº 1.188.060, CRM/MG 17.543, residente na Rua das Camélias, nº
657, bairro Jardim, XXXXX/MG,
Pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos:
1 – DOS FATOS
Chegou a esta Promotoria de Justiça, via ofício encaminhado pelo
CAO-Saúde1, a notícia de que haviam sido realizados determinados atendimentos no
Hospital Nossa Senhora da Saúde, em XXXXX/MG, pela médica MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO, ora ré, nos quais teria ocorrido infração ao Código de Ética
Médica, culminando com morte e lesões corporais em diversas pacientes.
Foi então instaurado Procedimento Preparatório para a apuração dos
fatos, uma vez que os atendimentos que culminaram com os referidos resultados foram
custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com o que foi apurado, os réus MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO e LUIZ GERALDO PIMENTA DE ARAÚJO fazem parte do corpo clínico
do Hospital Nossa Senhora da Saúde – respectivamente, nas especialidades de
obstetrícia e anestesiologia – não possuindo, porém, nenhum tipo de vínculo com a
instituição, seja de natureza trabalhista, seja estatutária. Quer dizer, nenhum dos réus é
servidor público stricto sensu ou empregado da entidade hospitalar.
Por sua vez, o Hospital Nossa Senhora da Saúde é uma centenária
instituição filantrópica mantida quase que exclusivamente por verbas públicas. Assim,
os réus prestam serviços no Hospital em regime de plantões, sendo remunerados com
recursos do SUS.
1
Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde do
Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
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No decorrer das apurações, foram descobertos outros casos, diferentes
daqueles inicialmente mencionados no expediente encaminhado pelo CAO-Saúde, e nos
quais ocorreram também graves desfechos. Esses outros atendimentos foram igualmente
custeados pelo SUS e realizados pela médica MARIA ZILMAR DE MEDEIROS QUIRINO.
Em diversas das situações apuradas foi possível identificar que a ré
atuou com extrema negligência, por vezes em conjunto com o réu LUIZ GERALDO
PIMENTA
DE
ARAÚJO, omitindo-se das cautelas mais elementares e abstendo-se de
empregar procedimentos básicos. Para melhor compreensão de cada um dos fatos,
passaremos a expô-los em tópicos distintos.
1.1)- DOS
FATOS RELACIONADOS À PACIENTE
MARÍLIA NATALINA
CRUZ
Consoante restou apurado, a paciente MARÍLIA NATALINA CRUZ, então
com 9 (nove) meses de gravidez, deu entrada no Hospital Nossa Senhora da Saúde na
data de 11 de maio de 2009, apresentando quadro de pressão alta (160/100 mmHg) e
edema de membros, sendo recebida e inicialmente atendida pelo médico LUCIANO VIAL
FARIA (ff. 116/117).
Após o exame médico, foi verificado que a referida paciente se
encontrava com pré-eclampsia moderada, passível de controle e monitoramento, não
sendo viável a interrupção imediata da gravidez em razão de que ela havia se
alimentado há pouco tempo. Desse modo, procedeu-se, via SUS, à internação de
MARÍLIA NATALINA CRUZ, que permaneceu no Hospital por toda a noite e madrugada.
No dia seguinte (12 de maio de 2009), às 07h, o médico LUCIANO
VIAL FARIA encerrou suas atividades no plantão, assumindo então a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO. Antes de sair, porém, ele alertou a ré que o caso de MARÍLIA
NATALINA CRUZ recomendava a realização de cesareana, haja vista o quadro de pré-
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eclampsia apresentado inicialmente, associado ao fato de que o colo uterino ainda se
encontrava grosso, o que indicava que não havia evolução para parto normal.
Ocorre que a ré MARIA ZILMAR DE MEDEIROS QUIRINO, a despeito da
expressa recomendação do plantonista que a antecedeu, pressionou a paciente para que
o parto ocorresse de forma normal, e não por cesareana.
Com efeito, já entre as 08h e 09h, não obstante a inexistência de
qualquer evolução que indicasse a realização de parto normal, e apesar da paciente
MARÍLIA NATALINA CRUZ argumentar que o seu colo do útero ainda estava grosso e que
o bebê era muito grande para nascer por parto normal, a ré insistia dizendo que ela
deveria “deixar de ser chorona” (sic), mandando que a paciente fizesse força, como se
fosse defecar.
Já por volta das 11h15min, persistindo a inexistência de evolução que
indicasse a realização de parto normal, e encontrando-se a paciente MARÍLIA NATALINA
DA CRUZ
sentindo muitas dores e passando muito mal, a ré rompeu sua bolsa amniótica,
oportunidade em que constatou a presença de líquido meconial – sintoma de que o bebê
se encontra em sofrimento fetal (f. 127) – sendo, portanto, tecnicamente recomendável
que a interrupção da gravidez se desse o mais rápido possível, caracterizando situação
de urgência médica.
Apesar disso, a paciente MARÍLIA NATALINA
DA
CRUZ somente foi
encaminhada para o bloco cirúrgico por volta de 12h30min – ou seja, 1h15min depois
da ruptura da bolsa amniótica –, sendo a cirurgia cesárea concluída às 12h40min. A
demora de período superior a 1 (uma) hora para a realização do parto de MARÍLIA
NATALINA
DA
CRUZ não decorreu de nenhuma causa de força maior. Muito pelo
contrário.
Não obstante a constatação de que o caso da paciente MARÍLIA
NATALINA
DA
CRUZ caracterizava situação de urgência, a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO deixou de atendê-la a tempo e modo porque, naquela mesma
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ocasião, se encontrava internada no Hospital Nossa Senhora da Saúde, em caráter
particular, a paciente gestante FLÁVIA KARLA
DA
CRUZ MOTA, que já vinha sendo
acompanhada pela ré ao longo de toda a gravidez, também em caráter particular.
A paciente FLÁVIA KARLA
DA
CRUZ MOTA se encontrava com uma
gravidez de 40 (quarenta) semanas e 5 (cinco) dias absolutamente tranqüila, não
apresentando até aquele momento nenhum tipo de problema. Sua internação na data de
12 de maio de 2009, inclusive, não foi motivada por nenhuma intercorrência, tendo sido
previamente agendada com a ré MARIA ZILMAR DE MEDEIROS QUIRINO.
Assim é que, por volta das 11h, a paciente FLÁVIA KARLA
DA
CRUZ
MOTA deu entrada no bloco cirúrgico, recebendo anestesia entre 11h10min e 11h15min
e tendo a cirurgia cesárea concluída com êxito às 11h38min, com o nascimento de seu
filho plenamente saudável (ff. 247 e 670/672).
Fica fácil, portanto, concluir que, no momento em que a ré MARIA
ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO atendia a uma paciente particular – recebendo os
honorários respectivos também de forma particular –, uma outra paciente, que se
encontrava internada pelo SUS e em situação de urgência, teve a assistência a si e ao
seu bebê relegada a um momento posterior. Em outras palavras: enquanto a ré MARIA
ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO deveria estar atendendo pelo plantão do SUS – haja
vista que, como médica plantonista, ela estava recebendo por isso – ela estava prestando
assistência para uma paciente particular.
Essa situação, por si só absurda e inaceitável, teve nefastas
conseqüências.
Foi por causa do atraso no parto que o bebê de MARÍLIA NATALINA DA
CRUZ entrou em sofrimento fetal. Conforme a literatura médica, mecônio (também
chamado de “ferrado”) são as fezes do bebê e, quando aspiradas pelo feto, dificultam ou
até mesmo impedem a oxigenação do nascituro. É por isso que a presença de mecônio
no líquido amniótico constitui sintoma de sofrimento fetal.
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No caso de MARÍLIA NATALINA
DA
CRUZ, o sofrimento fetal agudo
ocasionado pelo retardamento indevido do parto causou insuficiência respiratória e, por
conseqüência, a morte do bebê algumas horas depois do nascimento (f. 208).
Já antevendo que o fato de atender a uma paciente particular no lugar
de uma paciente do SUS em situação de urgência poderia lhe acarretar conseqüências, a
ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO engendrou mecanismos para impedir a
descoberta dos fatos e para se eximir de responsabilidades. Sua primeira atitude, então,
foi a de não acionar o médico pediatra para acompanhar o parto de MARÍLIA NATALINA
DA CRUZ.
Em casos nos quais há indícios de sofrimento fetal, o acionamento do
médico pediatra deve ocorrer antes do parto, a fim de que o referido profissional possa
acompanhar o procedimento e prestar os primeiros atendimentos ao recém-nascido2.
Trata-se de procedimento exigido pelo Conselho Regional de Medicina, pela Sociedade
Brasileira de Pediatria e pelo próprio Hospital Nossa Senhora da Saúde3.
Evidentemente que, no caso de MARÍLIA NATALINA DA CRUZ, se a ré
MARIA ZILMAR
DE
DAYRELL GOMES
2
DA
MEDEIROS QUIRINO acionasse a médica pediatra ANA LUÍZA
COSTA SOUSA, que se encontrava de sobreaviso, ela estaria, na
“(...) que quando ao caso da paciente Marília Natalina Cruz, a declarante pode
informar que foi comunicada do parto após a realização do procedimento, o que
constitui uma anormalidade, pois o acionamento do pediatra deve ocorrer antes do
parto, em caso de suspeita de sofrimento fetal (...)” – ANA LUÍZA DAYRELL GOMES DA
COSTA SOUSA, ff. 624/626.
3
“(...) que a declarante sempre pedia que fosse acionada a tempo de se deslocar até o
Hospital; que as maiores dificuldades quanto a isso eram sempre com a Dra. Zilmar;
que ela às vezes parecia demonstrar que a presença do pediatra era supérfluo; que o
acionamento do pediatra nos partos é uma exigência do Conselho Regional de
Medicina, da Sociedade Brasileira de Pediatria e do próprio Hospital (...)” –
ROSEMARY ABREU SANTOS FREITAS, ff. 658/659.
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verdade, trazendo mais uma testemunha que verificaria que a paciente em questão havia
sido irregularmente preterida em favor da paciente FLÁVIA KARLA DA CRUZ MOTA.
Mas além de impedir que fosse descoberta a escandalosa inversão da
ordem de atendimento, a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO tratou de
providenciar a isenção de sua culpa pela morte do recém-nascido de MARÍLIA
NATALINA
DA
CRUZ. Sua primeira medida foi, então, inserir dados falsos no
Partograma4 da referida paciente, de modo a tentar criar a falsa impressão de que, num
primeiro momento, não seria indicada a realização de cesareana, em razão da suposta
evolução para o parto normal.
De fato, foi somente após a realização do parto que a ré MARIA
ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO efetuou o preenchimento do documento de f. 118,
indicando falsamente que a dilatação do colo do útero de MARÍLIA NATALINA DA CRUZ
estava evoluindo bem.
A farsa, porém, foi descoberta pelo médico RENATO FERREIRA
DOS
SANTOS, que assumiu o plantão após a ré e constatou que o Partograma até então não
havia sido preenchido5 (f. 117, verso).
Além dessa primeira e pouco engenhosa medida, a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO foi além. E, nesse ponto, ela contou com a obediência servil do
médico e corréu LUIZ GERALDO PIMENTA DE ARAÚJO.
Com renovado efeito, LUIZ GERALDO PIMENTA
anestesiologista que, juntamente com a ré MARIA ZILMAR
DE
realizou as cirurgias cesáreas das pacientes MARÍLIA NATALINA
4
DE
ARAÚJO foi o
MEDEIROS QUIRINO,
DA
CRUZ e FLÁVIA
O Partograma é o documento onde deve ser feito o registro acurado do progresso do
trabalho de parto.
5
“(...) que o declarante achou a situação muito estranha, uma vez que a papeleta de
atendimento não havia sido preenchida até aquele momento pela Dra. Maria Zilmar
(...)” – RENATO FERREIRA DOS SANTOS, ff. 170/173.
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KARLA DA CRUZ MOTA. E a conduta por ele adotada, juntamente com a corré, foi algo
da maior gravidade: ambos adulteraram o Boletim do Centro Cirúrgico.
Inicialmente, o réu LUIZ GERALDO PIMENTA DE ARAÚJO diagnosticou
“SFA” – sigla de sofrimento fetal agudo – no recém-nascido de MARÍLIA NATALINA DA
CRUZ (f. 174). Entretanto, em razão do grave desfecho do caso, com a morte do bebê, o
réu LUIZ GERALDO PIMENTA DE ARAÚJO, com o escopo de beneficiar a si próprio e a ré
MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO, adulterou o Boletim do Centro Cirúrgico,
forjando a letra “C” no lugar onde antes havia a letra “A”, passando a constar como
diagnóstico a sigla “SFC” – sofrimento fetal crônico (f. 140).
O próprio réu afirmou a esta Promotoria de Justiça:
“(...) que foi o declarante quem preencheu o documento de f. 140; que
inclusive foi o declarante quem preencheu o campo ‘diagnóstico’
onde constam as letras ‘SFC’, significando ‘sofrimento fetal crônico’
(...) que perguntado ao declarante se foi o autor da escrita da letra
‘C’, no campo diagnóstico, respondeu que sim; que foi o declarante
quem preencheu os campos ‘Nome do Paciente’, ‘Diagnóstico’,
‘Cirurgia(s) Realizada(s)’, ‘Cirurgião’ e ‘Anestesista’ no documento
de f. 140; que perguntado se foi o declarante quem preencheu o
documento de f. 174, respondeu que a caligrafia até parece com a do
declarante, mas não foi o responsável pelo preenchimento desse
documento (...)” – LUIZ GERALDO PIMENTA DE ARAÚJO, ff. 762/767,
grifamos.
E a mudança do diagnóstico não é nem um pouco inocente. Vejamos
mais uma vez o que afirmou o próprio réu:
“(...) que perguntado ao declarante qual a diferença entre o
sofrimento fetal crônico e o sofrimento fetal agudo, respondeu que o
primeiro é ocasionado por fatos ocorridos no decorrer da gravidez,
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ao passo que o segundo é ocasionado por fatos ocorridos nos
momentos que antecedem o parto (...)” – LUIZ GERALDO PIMENTA DE
ARAÚJO, ff. 762/767.
O objetivo dos réus, ao adulterarem o diagnóstico, era ludibriar
eventual investigação, que, dessa forma, voltaria seu foco para possíveis problemas
ocorridos durante a gravidez, caindo como uma luva para a justificativa apresentada
pela ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO para a morte do recém-nascido de
MARÍLIA NATALINA DA CRUZ:
“(...) que quem prestou os primeiros socorros ao bebê foi o
anestesista Dr. Luiz Geraldo; que ele utilizou um aparelho aspirador
para aspirar o nariz e a boca do bebê, tendo saído sangue, e não
mecônio; que quando o bebê está em sofrimento fetal agudo, o que o
bebê tem no nariz é mecônio, e não sangue; que como saiu sangue, o
bebê não estava em sofrimento fetal agudo; que os exames
laboratoriais realizados no bebê apontam a ocorrência de septicemia,
ou seja, infecção generalizada intra-uterina; que pela situação em
que o bebê nasceu, ele já devia estar com essa infecção há uns 10
(dez) dias; que a causa provável dessa infecção foi uma bactéria
strepitococus tipo beta; que todas as pacientes acompanhadas pela
declarante no período pré-natal realizam esse exame de pesquisa de
strepitococus tipo beta; que a declarante avalia como uma falha no
pré-natal o fato de não ter sido realizado um exame para detectar
essa bactéria (...)” – MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO, ff.
674/681, grifamos6.
6
É interessante notar que a Portaria nº 569/00 e a Portaria nº 1.459/11, ambas do Ministério da Saúde, que
instituíram, respectivamente, o “Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento” e a “Rede
Cegonha”, não elencam no protocolo do SUS o exame para detecção da bactéria referida pela ré MARIA
ZILMAR DE MEDEIROS QUIRINO, de modo que a não realização desse exame jamais poderia ser considerada
“falha no pré-natal”.
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Vê-se, portanto, que a adulteração do Boletim do Centro Cirúrgico foi
feita sob medida exatamente para proporcionar lastro – ainda que forjado – às
justificativas da ré MARIA ZILMAR DE MEDEIROS QUIRINO.
Portanto, encontra-se cabalmente demonstrado que os réus MARIA
ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO e LUIZ GERALDO PIMENTA
assistência tardia à paciente MARÍLIA NATALINA
DA
DE
ARAÚJO prestaram
CRUZ, em privilégio de outra
paciente atendida em caráter particular, bem como promoveram a adulteração de
documentos hospitalares a fim de se eximirem de qualquer tipo de responsabilidade.
1.2)- DOS FATOS RELACIONADOS À PACIENTE EVA MARIA RIBEIRO
Consoante restou apurado, a paciente EVA MARIA RIBEIRO, então com
9 (nove) meses de gravidez, deu entrada no Hospital Nossa Senhora da Saúde por volta
das 17h de 05 de janeiro de 2012, após passar mal.
Momentos após chegar, a referida paciente foi examinada pela ré
MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO, que informou que ela estava com o colo do
útero dilatado em 6 (seis) centímetros e que, sendo assim, o parto somente ocorreria no
dia seguinte, e seria parto normal. Ato contínuo, a ré encaminhou a paciente para a sala
de pré-parto.
Depois desse primeiro contato, a ré não prestou qualquer outro tipo de
assistência à paciente até por volta das 20h, não obstante a gestante anunciasse que se
encontrava sentindo muitas dores.
Com efeito, somente após a paciente EVA MARIA RIBEIRO começar a
gritar é que a ré se dirigiu para o recinto onde ela estava, ocorrendo a ruptura da bolsa
amniótica – com apresentação de líquido meconial – e, logo na seqüência, o nascimento
do bebê da paciente por parto normal.
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Essa absoluta negligência da ré em relação à paciente teve, mais uma
vez, graves conseqüências. Por causa do retardamento da realização do parto, o bebê de
EVA MARIA RIBEIRO aspirou mecônio e teve sufocamento, vindo a sofrer hipóxia
perinatal (falta de oxigenação no cérebro), ficando com graves seqüelas (f. 325, verso).
A própria paciente relatou o estado em que a criança se encontra atualmente:
“(...) que a criança nasceu desmaiada; que o bebê foi direto para o
CTI, onde ficou por 1 (um) mês; que isso ocorreu porque a criança
engoliu o ‘ferrado’, conforme se expressa; que ‘ferrado’ são as fezes
do bebê; que quando o bebê saiu do CTI, ele ainda ficou internado
por cerca de 2 (dois) meses no setor de pediatria; que a declarante
sofreu demais com toda essa situação; que o bebê da declarante ficou
com seqüelas muito graves; que ela não possui audição em um dos
ouvidos e faz fisioterapia semanalmente; que os médicos disseram que
é possível que a criança não ande; que o bebê não senta até hoje e
não se movimenta direito (...)” – EVA MARIA RIBEIRO, ff. 648/649.
No caso da paciente EVA MARIA RIBEIRO, embora a pediatra
plantonista MARCELA DANIELLE PIMENTA
parto, a ré MARIA ZILMAR
DE
DE
BARROS estivesse presente na sala de
MEDEIROS QUIRINO, a fim de evitar que ficasse
evidenciada a sua má condução do parto, não informou que a gestante havia apresentado
líquido meconial quando da ruptura da bolsa amniótica. A própria pediatra relatou:
“(...) que quando a declarante chegou na sala de parto, a Dra. Zilmar
não informou que a gestante havia apresentado líquido meconial; que
essa informação seria muito importante, pois é necessário
instrumental próprio para partos de bebês com mecônio; que em caso
de líquido meconial, é necessário que haja um aspirador especial,
para evitar que o bebê aspire o mecônio e sufoque; que o bebê de Eva
aspirou mecônio e teve sufocamento; que isso causou hipóxia
perinatal, que significa falta de oxigenação no cérebro; que essa é a
causa provável da seqüela que a criança sofreu; que caso a
Página 12 de 52
declarante tivesse sido informada que a gestante apresentava líquido
meconial, a sala de parto poderia ter sido preparada de forma
adequada, com possibilidade de evitar a seqüela da criança; que
outra alternativa seria a realização de parto cesáreo, ao invés de
parto normal; que a declarante não sabe o porquê a Dra. Zilmar não
realizou o parto cesáreo e não avisou a declarante que havia mecônio
(...)” – MARCELA DANIELLE PIMENTA DE BARROS, ff. 627/629.
É evidente, portanto, que, caso a ré tivesse atendido a paciente EVA
MARIA RIBEIRO com a diligência que se espera de qualquer médico, teria sido possível
detectar que o parto normal era inadequado para a situação ou, pelo menos, haveria
tempo hábil para preparar a sala de parto com todo o instrumental necessário para os
primeiros atendimentos ao bebê.
Contudo, e mais uma vez, antevendo que sua negligência poderia lhe
acarretar conseqüências, a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO fraudou
documentos hospitalares para falsear a realidade.
Com efeito, a ré novamente inseriu dados falsos no Partograma da
paciente EVA MARIA RIBEIRO. Entretanto, foi somente após a realização do parto que a
ré MARIA ZILMAR DE MEDEIROS QUIRINO efetuou o preenchimento do documento de f.
312.
A farsa é evidenciada pela análise das informações registradas pela
própria ré no sobredito Partograma. Se verificarmos tal documento, teremos a impressão
que a ré foi extremamente diligente, examinando a paciente EVA MARIA RIBEIRO por 5
(cinco) vezes no período em que esta permaneceu no Hospital – às 16h30min, às
18h15min, às 19h40min, às 21h10min e às 22h15min, conforme registrado à f. 312.
Página 13 de 52
Porém, é impossível que isso tenha ocorrido, pois o nascimento do
bebê aconteceu exatamente às 20h22min, conforme informado pela própria gestante7 e
corroborado pelos documentos de ff. 315 e 650. Ora, se o nascimento ocorreu às
20h22min é cronologicamente impossível que tenha sido feito qualquer exame de
evolução do parto às 21h10min e às 22h15min, como consta à f. 312.
Além disso, em mais uma nítida demonstração da fraude perpetrada
para acobertar seu péssimo e negligente procedimento, a ré avaliou o recém-nascido
com 9 (nove) e 10 (dez) pontos na Escala de Apgar 8 (f. 312, verso). Quer dizer:
analisando simplesmente o documento de f. 312, verso, tem-se a impressão de que o
bebê de EVA MARIA RIBEIRO nasceu em excelente estado.
Ocorre que tal avaliação é absolutamente incompatível com as
anotações de enfermagem lançadas à f. 315, onde consta que o bebê apresentava
mecônio em grande quantidade, não havia chorado e estava hipoativo, sendo necessário
encaminhá-lo aos cuidados da pediatra. Aliás, a própria pediatra atribuiu ao recémnascido, inicialmente, nota 3 (três) na Escala de Apgar9.
Portanto, tem-se como demonstrado que a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO negligenciou o atendimento da paciente EVA MARIA RIBEIRO,
deixando-a desassistida por um período de aproximadamente 3 (três) horas. E para
7
“(...) que a declarante permaneceu na sala de pré-parto até as 20h22min, quando deu
à luz a criança (...) que a declarante tem certeza de que o horário do parto foi
20h22min (...)” – EVA MARIA RIBEIRO, ff. 648/649.
8
A Escala de Apgar, que varia de 0 (zero) a 10 (dez), é um teste utilizado para avaliar o
estado do recém-nascidos no primeiro, no quinto e no décimo minutos de vida, sendo
que quanto menor a nota atribuída, pior é o estado de saúde do recém-nascido.
9
“(...) que a declarante precisou reanimar o recém-nascido, que nasceu bem mal; que
inclusive a declarante o classificou inicialmente com Apgar 3, elevando-o a 7 após os
procedimentos de assistência (...)” – MARCELA DANIELLE PIMENTA
DE
BARROS, ff.
627/629.
Página 14 de 52
tentar encobrir essa omissão, a ré mais uma vez falseou as informações lançadas nos
documentos médicos pertinentes.
1.3)- DOS
FATOS RELACIONADOS À PACIENTE
TÁBATA GUIEIRO
BRANDÃO
A paciente TÁBATA GUIEIRO BRANDÃO, então no 8º (oitavo) mês de
gestação, deu entrada no Hospital Nossa Senhora da Saúde na data de 14 de maio de
2011, por volta das 15h, apresentando quadro sugestivo de pré-eclampsia, com pressão
alta (160/110 mmHg) e edema de membros, sendo recebida e inicialmente atendida pelo
médico LUCIANO VIAL FARIA (f. 277).
Procedeu-se, então, via SUS, à internação da paciente, uma vez que
sua situação era passível de controle e monitoramento, sendo até aquele momento
desnecessária a interrupção da gravidez, sobretudo em razão de que o bebê ainda não se
encontrava plenamente formado.
De fato, a paciente permaneceu internada por 3 (três) dias, tendo
apresentado boa evolução – embora ainda fosse indicada a manutenção da internação
para controle da pressão arterial.
Ocorre que, na noite do dia 16 de maio de 2011, o obstetra plantonista
LUCIANO VIAL FARIA encerrou seu turno de trabalho, tendo a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO assumido o plantão obstétrico, recebendo a orientação de que o
caso da paciente TÁBATA GUIEIRO BRANDÃO demandava uma atenção especial10.
Ao longo de todo o dia 17, a paciente se comportou bem, não tendo
havido qualquer intercorrência. Entretanto, na madrugada do dia 18 de maio de 2011, a
10
“(...) que na noite dessa data, o Dr. Luciano passou o plantão para a Dra. Maria
Zilmar, pois iria viajar; que o Dr. Luciano explicou o caso da declarante para a Dra.
Maria Zilmar, dizendo que era preciso ter uma atenção especial (...)” – TÁBATA
GUIEIRO BRANDÃO, ff. 639/641.
Página 15 de 52
paciente TÁBATA GUIEIRO BRANDÃO passou a sentir muitas dores. Apesar disso, a ré
MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO não lhe prestou qualquer atendimento,
permanecendo ausente durante toda a madrugada.
Na manhã do dia 18 de maio de 2011, a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO encerrou seu turno de atividades, tendo o médico RENATO
FERREIRA
DOS
SANTOS assumido o plantão obstétrico. Ante as queixas de dor
apresentadas pela paciente TÁBATA GUIEIRO BRANDÃO, ele, às 07h20min, a examinou,
oportunidade em que constatou a ausência de batimentos cardiofetais, o que
demonstrava que o feto estava morto (f. 286). Outrossim, o médico RENATO FERREIRA
DOS
SANTOS constatou a ocorrência de descolamento da placenta da paciente, que
ocasionou intensa hemorragia, sendo realizada cirurgia de emergência.
O bebê foi retirado sem vida de dentro do útero materno, mas a
paciente, embora tenha corrido grave risco de morte, conseguiu ser salva.
A omissão da ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO em prestar
assistência à paciente TÁBATA GUIEIRO BRANDÃO durante a madrugada concorreu para
que a situação tivesse chegado a esse nível de gravidade. Entretanto, novamente com o
objetivo de encobrir sua negligência, a ré inseriu no documento de f. 285, verso, a falsa
informação de que havia examinado a paciente às 03h40min. Essa anotação foi
desmentida tanto pela própria paciente, quanto por seu marido, que disseram:
“(...) que a declarante passou a madrugada inteira com muitas dores;
que por várias vezes as enfermeiras foram ao quarto para atender a
declarante, sendo que a declarante sempre informava que estava com
muitas dores; que a médica Dra. Maria Zilmar às vezes chegava até a
porta do quarto e conversava com uma ou outra enfermeira, mas não
entrou no quarto nenhuma vez durante a madrugada para atender a
declarante; que durante toda a madrugada, a médica não teve
nenhum contato com a declarante (...) que a Dra. Maria Zilmar não
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atendeu a declarante como deveria (...)” – TÁBATA GUIEIRO
BRANDÃO, ff. 639/641.
“(...) que na noite depois de ter recebido o plantão, a Dra. Zilmar não
esteve no quarto para atender a esposa do declarante nenhuma vez;
que o declarante ficou o tempo todo no quarto acompanhando sua
esposa e pode afirmar com certeza que a Dra. Zilmar não esteve lá;
que a esposa do declarante sentiu muitas dores durante toda a
madrugada (...)” – MARCIANO PAULO DE SOUZA, ff. 642/643.
Tem-se configurada, pois, a omissão da ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO no atendimento que deveria ter dispensado à paciente TÁBATA
GUIEIRO BRANDÃO, resultando, como conseqüência, a exposição desta a grave risco de
morte, além da perda consumada do bebê.
1.4)- DOS FATOS RELACIONADOS À PACIENTE GILCILENE PINTO ALÔ
A paciente GILCILENE PINTO ALÔ deu entrada no Hospital Nossa
Senhora da Saúde por volta das 18h do dia 14 de dezembro de 2011, no 9º (nono) mês
de gestação, permanecendo em observação sob os cuidados da médica JULIANA
AUGUSTA DIAS.
No dia 15 de dezembro de 2011, às 06h, houve a ruptura da bolsa
amniótica da referida paciente, tendo a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO
assumido o plantão obstétrico logo na seqüência.
Ao longo de todo o dia, a paciente GILCILENE PINTO ALÔ sentiu fortes
dores, tendo sido solicitado tanto por ela, como também por seus familiares, que a ré
realizasse a cirurgia cesárea.
Depois de permanecer todo o dia com dores, às 23h30min a paciente
foi levada para a sala de parto, quando então teve prosseguimento o processo medieval
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de interrupção da gravidez capitaneado pela ré. Com efeito, embora a paciente fizesse
força ao extremo, o bebê não nasceu. Chegou-se ao ponto de 2 (duas) enfermeiras
subirem na paciente e forçarem sua barriga para baixo, com o objetivo de empurrar o
feto para fora.
Vendo que, enfim, seria impossível o desenvolvimento espontâneo do
parto, a ré, já por volta de 00h05min do dia 16 de dezembro de 2011 fez um corte na
pélvis da paciente e, valendo-se de um fórceps, retirou o bebê do útero materno,
produzindo-lhe diversas lesões na cabeça.
Que fique bem claro que se tratou de um parto medieval: a paciente
teve a bolsa rompida às 06h do dia 15 de dezembro de 2011 e o bebê só nasceu às
00h05min do dia 16 de dezembro de 2011. Trata-se de um período de mais de 18
(dezoito) horas de trabalho de parto, sendo que durante todo esse tempo a paciente
sentiu enormes dores.
Evidentemente que, se a gestante sofreu intensamente com o indevido
retardamento do parto, o bebê também suportou sofrimento atroz e desnecessário. E
esse sofrimento do feto acarretou seqüelas: o recém-nascido teve hipóxia cerebral em
decorrência do prolongamento do período expulsivo (f. 529). A médica pediatra
ROSEMARY ABREU SANTOS FREITAS assinalou:
“(...) que em relação à paciente Gilcilene Pinto Alô, a declarante se
recorda que foi chamada tardiamente, tendo chegado ao Hospital
depois que o bebê já havia nascido; que o recém-nascido ficou com
uma encefalopatia por hipóxia; que o bebê ficou internado até a
semana próxima passada, não sabendo a declarante se ele já recebeu
alta; que a internação da criança perdurou por 5 (cinco) meses (...)”
– ROSEMARY ABREU SANTOS FREITAS, ff. 658/659.
A própria paciente informou:
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“(...) que após a criança ser reanimada, ela foi ligada em diversos
aparelhos; que será preciso ligá-lo a uma sonda (...) que pouco
depois do parto foi realizada uma tomografia na cabeça da criança,
tendo o médico informado que foram afetadas diversas áreas do
cérebro (...)” – GILCILENE PINTO ALÔ, ff. 489/490.
No caso ora explanado, a ré cometeu os mesmos atos de outrora:
primeiro, retardou o acionamento da médica pediatra, uma vez que tal profissional
jamais seria conivente com o absurdo prolongamento do trabalho de parto; em seguida,
a ré se valeu do já conhecido estratagema de falsear o preenchimento do Partograma.
Conforme consta à f. 511, a ruptura da bolsa amniótica teria ocorrido
apenas às 23h15min; porém, a própria gestante afirma que a bolsa se rompeu às 06h.
Além disso, a evolução da dilatação do colo uterino registrada à f. 511 – que demonstra
que a dilatação quase atingiu o grau máximo – não condiz com a dificuldade ocorrida
para a expulsão do bebê.
Não contente, a ré foi ainda mais covarde: ela tentou atribuir à própria
paciente a culpa pelo desfecho do parto. Confira-se:
“(...) que a declarante esclarece que 99% (noventa e nove por cento)
do estado em que a criança de Gilcilene nasceu é responsabilidade da
própria mãe, que não colaborou no período expulsivo (...)” – MARIA
ZILMAR DE MEDEIROS QUIRINO, ff. 683/689.
A paciente, porém, tem uma versão diferente:
“(...) que na sala de parto a Dra. Zilmar mandava que a declarante
fizesse força; que a declarante fazia muita força, mas o bebê não
nasceu (...) que a Dra. Zilmar ficava dizendo que a declarante não
estava fazendo força, ao que a declarante respondia onde mais que
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ela queria que fizesse força, pois a declarante já não estava
agüentando (...)” – GILCILENE PINTO ALÔ, ff. 489/490.
Outrossim, seguindo a mesma lógica segundo a qual “a melhor defesa
é o ataque”, a ré tratou de atribuir outras causas para justificar o nefasto resultado por si
produzido. No início, chegou a sugerir um pseudodiagnóstico de “hidrocefalia” (f. 511,
verso). A tomografia de f. 623, porém, afasta qualquer hipótese de hidrocefalia.
Em seguida, tal qual agiu em relação à paciente MARÍLIA NATALINA
DA
CRUZ, a ré insinuou a culpa do médico que realizou o pré-natal, registrando no
documento de f. 513 a informação de que não foi solicitado pesquisa de streptococcus
tipo B.
O que chama a atenção é que se trata de informação absolutamente
descontextualizada a anotação, que nada tem a ver com a evolução pós-parto, no sentido
de que determinado exame não foi solicitado durante o pré-natal! No caso em análise,
tal medida tem nítido intuito especulatório, para tentar justificar a absurda negligência
da ré.
Ora, o que a ré deveria ter feito, diante do prolongamento
extraordinário do trabalho de parto, era a cirurgia cesárea. Não a fez por desídia, por
imperícia e por negligência.
1.5)- DOS
FATOS RELACIONADOS À PACIENTE
SILVÂNIA
DE
FÁTIMA
REIS
Em relação à paciente SILVÂNIA DE FÁTIMA REIS, foi apurado que ela
chegou ao Hospital Nossa Senhora da Saúde na noite de 21 de julho de 2009, por volta
das 22h53min, no 8º (oitavo) mês de gestação, apresentando dispnéia, dor no epigástrio,
dor precordial, edema de membros, taquicardia, cianose das extremidades e pressão alta
(230/120 mmHG), dentre outros sintomas típicos de pré-eclampsia grave e doença
hipertensiva específica da gravidez (DHEG).
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Trata-se de quadro clínico extremamente grave, conforme relatam os
médicos obstetras LUCIANO VIAL FARIA e RENATO FERREIRA DOS SANTOS:
“(...) que o declarante pode esclarecer que os protocolos médicos
recomendam que, em casos como esse, haja a interrupção imediata da
gravidez, justamente para evitar o quadro de eclampsia; que a
eclampsia é um quadro no qual há crises de convulsão que podem
afetar a oxigenação da mãe e do feto, provocando lesões neurológicas
e podendo levar ao óbito (...)” – LUCIANO VIAL FARIA, ff. 88/92.
“(...) a referida paciente se encontrava grávida e apresentava dor no
epigastrio e hipertensão arterial que perguntado ao declarante o que
isso quer dizer, respondeu que, segundo a literatura médica, a
hipertensão arterial associada à epigastralgia, na gravidez,
representa uma iminência de eclampsia; que diante desse quadro, a
literatura médica recomenda a interrupção imediata da gravidez
como único e exclusivo meio de salvar a vida da paciente (...)” –
RENATO FERREIRA DOS SANTOS, ff. 170/173.
Não obstante a extrema gravidade da situação, a obviedade do
procedimento médico que deve ser adotado em casos análogos11 é bem esclarecida pela
pediatra ANA LUÍZA DAYRELL GOMES
DA
COSTA SOUSA e pelo urologista CLÁUDIO
MANOEL ADEMAR GOMES:
“(...) que o caso da paciente Silvânia foi considerado a gota d’água
pelos Departamentos de Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia do
hospital, de modo que os médicos dessas especialidades se reuniram e
11
O próprio Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, ao analisar o caso,
também asseverou que “apesar da Doença Hipertensiva Específica da Gravidez ainda
apresentar alguns pontos a ser elucidados, uma certeza existe: a resolução da
patologia só ocorre com a interrupção da gravidez” (f. 41).
Página 21 de 52
solicitaram providências à Comissão de Ética; que o caso foi
considerado a gota d’água porque foi extremamente grave e poderia
ter tido outro desfecho se houvesse sido adotado um procedimento
que qualquer médico deve saber, qual seja, interrupção imediata da
gravidez diante dos sintomas apresentados pela paciente (...)” – ANA
LUÍZA DAYRELL GOMES DA COSTA SOUSA, ff. 624/626.
“(...) que embora o declarante não seja especialista em obstetrícia,
pode afirmar que os sintomas da pacientes eram indicativos de préeclampsia; que essa conclusão decorre de conhecimentos básicos
aprendidos na própria graduação; que a título de ilustração, o
declarante informa que para se fazer residência médica em qualquer
especialidade, é preciso ter conhecimento básicos em obstetrícia; que
esses conhecimentos indicam que os sintomas descritos na ficha de
atendimento de Silvânia de Fátima Reis são indicadores de préeclampsia (...)” – CLÁUDIO MANOEL ADEMAR GOMES, ff. 232/236 –
grifamos.
Entretanto, embora óbvio, o procedimento correto não foi observado
pela ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO. Em mais uma nítida demonstração de
negligência, despreparo e desapreço à vida humana, a ré apenas examinou brevemente a
paciente e orientou que ela fosse encaminhada para a Santa Casa de Caridade de
XXXXX/MG, sem qualquer cuidado ou recomendação adicional. Vejamos:
“(...) que assim que Silvânia e a declarante chegaram ao hospital, a
declarante verificou que ela se encontrava com edema facial, edema
de membros inferiores, falta de ar e dor no peito; que inicialmente
foram atendidas pela técnica em enfermagem de nome Alessandra, a
qual aferiu a pressão de Silvânia e constatou que estava em 24 (vinte
e quatro) por 11 (onze); que a médica plantonista era a Dra. Maria
Zilmar; que a técnica em enfermagem bateu na porta do quarto de
descanso da médica plantonista assim que terminou de aferir a
Página 22 de 52
pressão de Silvânia; que a Dra. Maria Zilmar ainda demorou de uns
5 (cinco) a 10 (dez) minutos para sair do quarto; que a Dra. Maria
Zilmar então fez uma avaliação de Silvânia, inclusive com exame de
toque de colo de útero; que após esse exame, a Dra. Maria Zilmar
verificou que Silvânia não se encontrava em trabalho de parto; que
em seguida, ela mandou que a técnica em enfermagem preparasse
uma ampola de Dipirona, uma ampola de Plasil e uma cápsula de
Omeprazol para ministrar em Silvânia; que ato contínuo, a Dra.
Maria Zilmar telefonou para o médico plantonista do Pronto
Atendimento e informou que suspeitava que a irmã da declarante
estivesse tendo um infarto ou edema agudo de pulmão, sugerindo que
ela fosse avaliada por um cardiologista; que imediatamente a
declarante, sua irmã e seu irmão tomaram rumo ao Pronto
Atendimento (...)” – GIOVANA MARIA REIS, ff. 228/231.
O descaso demonstrado pela ré para com a paciente foi tão grande que
ela não lhe ministrou qualquer anti-hipertensivo, apesar da altíssima pressão arterial da
paciente. Além disso, não se dignou a nem mesmo acionar uma ambulância para fazer o
traslado até o Pronto Atendimento da Santa Casa. Confira-se:
“(...) que a pressão normal de uma pessoa é 12 (doze) por 8 (oito);
que por ser técnica em enfermagem, a declarante sabe dizer que os
médicos habitualmente consideram 14 (quatorze) por 9 (nove) como
um indício de pré-eclampsia (...) que a declarante esclarece que o
procedimento correto seria encaminhar a paciente em uma
ambulância, assistida por um enfermeiro (...) que a Dra. Maria
Zilmar, além de não ter feito a cesareana imediatamente, sequer
ministrou medicamentos para reduzirem a pressão de Silvânia (...)” –
GIOVANA MARIA REIS, ff. 228/231.
Em virtude do grosseiro erro de diagnóstico da ré – que foi fruto do
péssimo e negligente atendimento prestado –, a paciente permaneceu internada durante
Página 23 de 52
toda a noite na Santa Casa de Caridade, não tendo sido efetuada a interrupção da
gravidez. Como conseqüência, ela veio a óbito no dia seguinte, pela manhã, em virtude
de eclâmpsia12.
Trata-se, pois, de mais um caso cujo gravíssimo desfecho se atribui à
inépcia da ré, que, além de ter demonstrado despreparo técnico, deveria ter atendido a
paciente com a mesma diligência e zelo dedicados aos atendimentos particulares.
1.6)- DOS
FATOS RELACIONADOS À PACIENTE
WILIANE JOISE
DA
SILVA
Conforme restou apurado, a paciente WILIANE JOISE
DA
SILVA se
encontrava no 9º (nono) mês de gestação e foi internada no Hospital Nossa Senhora da
Saúde na data de 15 de maio de 2009, por volta das 14h48min, com a recomendação do
médico RENATO FERREIRA DOS SANTOS, que acompanhou o pré-natal, no sentido de que
fosse realizada cirurgia cesárea, diante da desproporção céfalo-pélvica entre o bebê e a
gestante13.
Mesmo com a recomendação de cirurgia cesárea, a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO decidiu insistir na tentativa de realização do parto normal,
retardando indevidamente o nascimento do bebê.
De fato, a paciente permaneceu internada até o dia seguinte quando, às
10h, houve o rompimento da bolsa amniótica, com apresentação de líquido meconial (f.
156).
12
A causa mortis atestada pelo médico foi Síndrome Hellp, eclâmpsia e DHEG,
conforme declaração de óbito de f. 775.
13
Quer dizer que, no entendimento do médico que acompanhou o pré-natal, o bebê era
muito grande para nascer por parto normal, sendo por isso recomendada a cesareana
(vide ff. 170/173).
Página 24 de 52
Não obstante tenha sido detectada a presença de mecônio – o que
indicava hipótese de sofrimento fetal14 e, por conseqüência, caracterizava a situação
como urgência médica –, o parto somente teve início às 11h30min (f. 168). Ou seja:
mesmo após a constatação de sofrimento fetal pela própria ré (f. 156, verso), houve uma
demora de pelo menos 1 (uma) hora e 30 (trinta) minutos para a realização do parto, não
obstante se tratasse de situação de urgência médica.
O atraso no atendimento a WILIANE JOISE DA SILVA, a exemplo do que
aconteceu com MARÍLIA NATALINA
DA
CRUZ, é compreendido com a análise dos
documentos de ff. 265/276: no horário em que a ré MARIA ZILMAR
QUIRINO e o seu fiel escudeiro, o réu LUIZ GERALDO PIMENTA
DE
DE
MEDEIROS
ARAÚJO, estavam
sendo pagos com dinheiro público e deveriam atender os pacientes do SUS, ambos se
encontravam prestando assistência a uma paciente internada em caráter particular, a
senhora DÉBORA CRISTINA DIAS AMORIM DE ANDRADE.
Mais uma vez antevendo que o fato de ter atendido uma paciente
particular no lugar de uma paciente do SUS em situação de urgência poderia lhe
acarretar conseqüências, a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO engendrou
mecanismos para impedir a descoberta dos fatos e para se eximir de responsabilidades.
Sua primeira atitude foi a de não acionar a médica pediatra plantonista15 para
acompanhar o parto de WILIANE JOISE
14
DA
SILVA – embora tal providência, conforme
O corréu LUIZ GERALDO PIMENTA DE ARAÚJO diagnosticou a desproporção céfalo-
pélvica e a ocorrência de sofrimento fetal agudo (f. 168).
15
“(...) que em relação ao caso da paciente Wiliane Joise da Silva, a declarante se
recorda de que deu assistência ao recém-nascido no pós-parto; que a paciente ficou em
trabalho de parto desde a tarde do dia 15 de maio de 2009; que a declarante não foi
comunicada antes da realização do parto, embora tenha sido verificada a presença de
líquido meconial às 10h do dia 16 de maio de 2009; que o parto somente foi realizado
às 11h45min daquele dia; que a declarante somente teve contato com a criança às 06h
do dia 17 de maio de 2009 (...)” – MARCELA DANIELLE PIMENTA
DE
BARROS, ff.
627/629.
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salientamos no item 1.1, seja exigida pelo Conselho Regional de Medicina, pela
Sociedade Brasileira de Pediatria e pelo próprio Hospital Nossa Senhora da Saúde.
Naturalmente, se a ré MARIA ZILMAR
DE
acionasse a médica pediatra MARCELA DANIELLE PIMENTA
MEDEIROS QUIRINO
DE
BARROS, que se
encontrava de sobreaviso, ela estaria, na verdade, trazendo mais uma testemunha que
verificaria que a paciente WILIANE JOISE DA SILVA havia sido irregularmente preterida
em favor da paciente DÉBORA CRISTINA DIAS AMORIM DE ANDRADE.
Mas além de tentar impedir que fosse descoberta a escandalosa
inversão da ordem de atendimento, a ré MARIA ZILMAR DE MEDEIROS QUIRINO tratou de
providenciar a isenção de sua culpa de qualquer resultado mais grave que pudesse
acontecer ao recém-nascido da paciente WILIANE JOISE DA SILVA. A exemplo do que fez
nas outras situações, a ré inseriu dados falsos no Partograma da referida paciente,
avaliando o recém-nascido com 8 (oito) e 9 (nove) pontos na Escala de Apgar.
Todavia, a avaliação feita pela ré destoa das anotações de
enfermagem, onde o recém-nascido foi avaliado com 4 (quatro) pontos na Escala de
Apgar (f. 161). A médica pediatra também esclareceu:
“(...) que pelo relatório de enfermagem, é possível verificar que a
criança não nasceu bem, tendo sido necessário reanimá-la; que
apesar disso, a Dra. Zilmar classificou a criança com Apgar 8 e 9;
que esse nível de Apgar é incompatível com uma criança que precisou
de ser reanimada; que crianças que precisam de ser reanimadas
provavelmente possuem Apgar menor que 6 (...)” – MARCELA
DANIELLE PIMENTA DE BARROS, ff. 627/629.
Felizmente, tanto a gestante, como o recém-nascido, sobreviveram ao
parto, não havendo notícias de seqüelas apresentadas pela criança até o presente
momento. Não há dúvida, porém, que mãe e filho foram expostos a grave perigo de
Página 26 de 52
vida, que inclusive se materializou no diagnóstico de sofrimento fetal agudo em relação
ao bebê.
Portanto, encontra-se demonstrado que os réus MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO e LUIZ GERALDO PIMENTA DE ARAÚJO prestaram assistência tardia à
paciente WILIANE JOISE DA SILVA, em privilégio de outra paciente atendida em caráter
particular. Resta claro, ainda, que a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO inseriu
dados falsos em documentos hospitalares a fim de se eximir de qualquer tipo de
responsabilidade.
1.7)- DOS FATOS RELACIONADOS À PACIENTE ELIMÁRCIA NEVES DA
SILVA
A paciente ELIMÁRCIA NEVES
DA
SILVA deu entrada no Hospital
Nossa Senhora da Saúde em estágio avançado de gestação, por volta das 04h30min de
26 de maio de 2009. Foi submetida a cirurgia cesárea na mesma data, às 11h40min –
quer dizer, pouco mais que 7 (sete) horas após sua admissão.
Conforme se depreende do Partograma de f. 106, a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO, que se encontrava no plantão obstétrico e, conseqüentemente,
era remunerada por isso, examinou a paciente apenas 2 (duas) vezes até o momento do
parto, deixando-a completamente desassistida após as 06h40min.
A negligência da ré, mais uma vez, expôs a gestante e o bebê a graves
riscos. No momento em que houve a ruptura da bolsa amniótica, foi constatada a
presença de líquido meconial, tendo a própria ré diagnosticado sofrimento fetal agudo
(f. 106, verso).
Procedeu-se, então, à realização de cirurgia cesárea de urgência, tendo
o bebê nascido extremamente deprimido e em mau estado de saúde.
Página 27 de 52
No caso em questão ficou mais uma vez demonstrada a negligência da
ré MARIA ZILMAR DE MEDEIROS QUIRINO, que novamente retardou de forma indevida a
realização do parto, permitindo que o bebê entrasse em sofrimento fetal agudo.
Enfim, os fatos aqui narrados são inadmissíveis. Todos eles retratam a
face cruel do despreparo, da negligência, e do descaso com que os réus, ora em
conjunto, ora separadamente, vêm praticando o exercício da medicina quando se trata de
atendimentos custeados pelo SUS. Embora recebam a contrapartida dos cofres públicos,
relegam ao segundo plano a atenção aos pacientes economicamente carentes. Valem-se
do absurdo “protocolo” por eles mesmos instituído, consistente em obrigar as gestantes
a suportar até o último minuto as dores de um impossível parto normal, a fim de
ganharem tempo para cumprirem seus outros afazeres. Distinguem, com tal prática,
pobres e ricos, assegurando a estes últimos, com a prontidão que deveriam dispensar a
todos, o tratamento mais adequado.
É precisamente por esse motivo que se faz imperiosa a propositura da
presente ação – sem embargo de eventuais medidas em outras searas –, a fim de que tais
condutas sejam rigorosamente sancionadas e jamais se repitam.
2 – DO DIREITO
2.1)- DA
APLICABILIDADE DA
LEI 8.429/92 (LEI
DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA) À ESPÉCIE
De saída, convém ressaltar que a Lei 8.429/92 é plenamente aplicável
à situação de fato narrada no capítulo precedente.
A Irmandade Nossa Senhora da Saúde, mantenedora do Hospital
Nossa Senhora da Saúde, é instituição filantrópica que possui personalidade jurídica de
direito privado, sendo inscrita no CNPJ sob o nº 20.081.238/0001-04.
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Entrementes, por se tratar de instituição sem fins econômicos, a
esmagadora maioria dos recursos destinados à sua manutenção e funcionamento são
repassados pelo Estado de Minas Gerais. A esse respeito, vejamos o relato da própria
Provedora da instituição:
“(...) que exerce a função de Provedora do Hospital Nossa Senhora
da Saúde desde o dia 01º de julho de 2012; que mais de 75% (setenta
e cinco por cento) dos atendimentos e procedimentos realizados no
Hospital são custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS); que no
Hospital são realizados os plantões de ortopedia, pediatria,
ginecologia e obstetrícia e urologia; que tais plantões são realizados
24 (vinte e quatro) horas por dia e são integralmente custeados pelo
SUS; que o Estado de Minas Gerais repassa ao Hospital mensalmente
a quantia de R$51.000,00 (cinqüenta e um mil reais) apenas para
custear o plantão médico em cada especialidade; que são
R$51.000,00 (cinqüenta e um mil reais) para cada especialidade; que
além dessa verba, há outros repasses feitos pelo Estado; que há um
contrato entre o Estado e o Hospital; que os atendimentos em
pediatria e ortopedia são referências regionais, atendendo uma
população de mais de 1.000.000 (um milhão) de pessoas; que essas
especialidades em que o Hospital é referência dizem respeito a
atendimentos pelo SUS; que perguntado à declarante qual a
porcentagem de dinheiro público e de dinheiro privado que entra no
Hospital, respondeu que acredita que seja mais de 80% (oitenta por
cento) de dinheiro público; que as verbas públicas recebidas pelo
Hospital são quase que totalmente repassadas pelo Estado de Minas
Gerais; que a Prefeitura de XXXXX/MG ajudava com pouco mais de
R$4.000,00 (quatro mil reais) por mês, mas esses repasses foram
cortados; que se o Estado de Minas Gerais parar de efetuar o repasse
de verbas para o Hospital, este fechará as portas, pois não possui a
mínima possibilidade de se manter sozinho; que perguntado se já foi
ajuizada alguma ação indenizatória contra o Hospital, respondeu que
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na área trabalhista sim; que inclusive há débitos reconhecidos pela
Justiça do Trabalho que estão sendo pagos parceladamente; que se
alguém ajuizar alguma ação de indenização por danos morais contra
o Hospital, o recurso utilizado para o pagamento terá que ser
retirado do dinheiro repassado pelo Estado; que o Hospital Nossa
Senhora da Saúde tem mais de 100 (cem) anos; que pelo que a
declarante sabe, desde sempre o Hospital foi custeado em grande
parte com verbas públicas; que se trata de uma entidade filantrópica
que não possui fonte própria para gerar renda (...)” – GISLENE
MARIA CAMELO MOTTA, ff. 769/770, grifamos.
A realidade fática declarada pela Provedora da instituição nos remete
à sempre abalizada lição de WALLACE PAIVA MARTINS, in verbis:
“Onde houver a presença de recursos públicos, no manejo dos
mesmos sempre se poderá verificar a improbidade”. (Probidade
Administrativa, Saraiva, 2001, São Paulo, p. 248).
A dicção do art. 1º, da Lei 8.429/92, também é clara e não deixa
dúvidas:
“Art. 1º - Os atos de improbidade praticados por qualquer agente
público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou
fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa
incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação
ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de
cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos
na forma desta lei.
Parágrafo único – Estão também sujeitos às penalidades desta lei os
atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que
receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de
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órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o
erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por
cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a
sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos
cofres públicos” – grifamos.
Ora, se o patrimônio de entidades custeadas com verbas públicas é
protegido pela lei, é intuitivo que o funcionário dessas entidades é equiparado a “agente
público”, para fins de sancionamento por improbidade. Não é outra a disposição do art.
2º, da Lei 8.429/92:
“Art. 2º - Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo
aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração,
por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra
forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função
nas entidades mencionadas no artigo anterior”.
A jurisprudência, do mesmo modo, entende pela incidência da Lei de
Improbidade Administrativa em casos análogos. Vejamos:
“ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE. CONCEITO E
ABRANGÊNCIA
DA
EXPRESSÃO
‘AGENTES
PÚBLICOS’.
HOSPITAL PARTICULAR CONVENIADO AO SUS (SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE). FUNÇÃO DELEGADA. 1. São sujeitos ativos
dos atos de improbidade administrativa, não só os servidores
públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de
agente público, insculpido no art. 2º, da Lei n.º 8.429/92: ‘a Lei
Federal nº 8.429/92 dedicou científica atenção na atribuição da
sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público, que
se reflete internamente na relação estabelecida entre ele e a
Administração Pública, superando a noção de servidor público, com
uma visão mais dilatada do que o conceito do funcionário público
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contido no Código Penal (art. 327)’. 2. Hospitais e médicos
conveniados ao SUS que além de exercerem função pública delegada,
administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de
improbidade administrativa. 3. Imperioso ressaltar que o âmbito de
cognição do STJ, nas hipóteses em que se infirma a qualidade, em
tese, de agente público passível de enquadramento na Lei de
Improbidade Administrativa, limita-se a aferir a exegese da
legislação com o escopo de verificar se houve ofensa ao ordenamento.
4. Em conseqüência dessa limitação, a comprovação da ocorrência
ou não do ato ímprobo é matéria fática que esbarra na interdição
erigida pela Súmula 07, do STJ. 5. Recursos providos, apenas, para
reconhecer a legitimidade passiva dos recorridos para se submeteram
às
sanções
da
Lei
de
Improbidade
Administrativa,
acaso
comprovadas as transgressões na instância local”. (Superior Tribunal
de Justiça, Recurso Especial nº 416329/RS, Primeira Turma, Relator
Ministro Luiz Fux, j. em 13/08/2002) – grifamos.
“AÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - SANTA CASA
DE MISERICÓRDIA - CONVÊNIO COM O SISTEMA ÚNICO DE
SAÚDE ‘SUS’ - FUNÇÃO DELEGADA. Hospitais e médicos
conveniados aos SUS que além de exercerem função pública
delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos
de improbidade administrativa”. (TJMG, Apelação Cível nº
1.0000.00.326523-8/000, Rel. Des. Edivaldo George dos Santos
28/04/2003).
Com efeito, se os réus trabalham em entidade protegida pela Lei
8.429/92 e se são eles remunerados com dinheiro público, nada mais razoável do que
concluir que ambos devem se sujeitar aos princípios norteadores da administração
pública.
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2.2)- DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CAUSADORES DE
PREJUÍZO AO ERÁRIO
De acordo com o art. 10, caput, da Lei 8.429/92, “constitui ato de
improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão,
dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento
ou dilapidação dos bens ou haveres” de entidades custeadas total ou parcialmente pelos
cofres públicos.
Sobre o dispositivo, preleciona MARINO PAZZAGLINI FILHO:
“A técnica legislativa aqui adotada é idêntica à do artigo anterior,
que trata dos atos de improbidade administrativa que importam
enriquecimento ilícito. Assim, no caput do art. 10, conceitua-se a
improbidade lesiva ao Erário e seus incisos trazem o elenco das
espécies mais freqüentes, que, em face do advérbio notadamente,
como já assinalado, é meramente exemplificativo” (Lei de
Improbidade Administrativa Comentada, Atlas, 2006, p. 79).
Pois bem. Em todos os casos relatados no capítulo precedente, a
negligência e o despreparo dos réus, atuando ora em conjunto, ora separadamente,
geraram prejuízos ao erário.
Com efeito, nos casos em que houve o prolongamento indevido do
trabalho de parto, as pacientes permaneceram internadas no Hospital Nossa Senhora da
Saúde ocupando leitos hospitalares, às vezes recebendo um ou outro medicamento.
Além disso, e malgrado a negligência da ré nos atendimentos, essas pacientes
indevidamente mantidas em trabalho de parto também consumiam recursos humanos
igualmente custeados pelo dinheiro público, como o trabalho de eventuais enfermeiros,
técnicos em enfermagem ou mesmo do pessoal de serviços gerais (limpeza, cozinha,
etc.).
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O dispêndio desses recursos – materiais e humanos – certamente
poderia ser evitado, ou pelo menos sensivelmente diminuído, se as pacientes tivessem
tido atenção médica adequada por parte dos réus, o que implicaria uma alta hospitalar
mais rápida.
Contudo, o prejuízo mais grave aos cofres públicos foi produzido não
pelo retardamento indevido dos partos, em si, mas sim pelas conseqüências que daí
advieram. Especialmente em relação às pacientes EVA MARIA RIBEIRO, GILCILENE
PINTO ALÔ e SILVÂNIA
DE
FÁTIMA REIS, a negligência observada nos respectivos
atendimentos resultou na necessidade de manutenção de internações ou na realização de
tratamentos custeados pelo SUS. Confira-se:
“(...) que a criança nasceu desmaiada; que o bebê foi direto para o
CTI, onde ficou por 1 (um) mês; que isso ocorreu porque a criança
engoliu o ‘ferrado’, conforme se expressa; que ‘ferrado’ são as fezes
do bebê; que quando o bebê saiu do CTI, ele ainda ficou internado
por cerca de 2 (dois) meses no setor de pediatria; que a declarante
sofreu demais com toda essa situação; que o bebê da declarante ficou
com seqüelas muito graves; que ela não possui audição em um dos
ouvidos e faz fisioterapia semanalmente; que os médicos disseram que
é possível que a criança não ande; que o bebê não senta até hoje e
não se movimenta direito (...)” – EVA MARIA RIBEIRO, ff. 648/649.
“(...) que em relação à paciente Gilcilene Pinto Alô, a declarante se
recorda que foi chamada tardiamente, tendo chegado ao Hospital
depois que o bebê já havia nascido; que o recém-nascido ficou com
uma encefalopatia por hipóxia; que o bebê ficou internado até a
semana próxima passada, não sabendo a declarante se ele já recebeu
alta; que a internação da criança perdurou por 5 (cinco) meses (...)”
– ROSEMARY ABREU SANTOS FREITAS, ff. 658/659.
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“(...) que a criança nasceu em estado grave, mas com vida, e Silvânia
foi encaminhada para o CTI; que no CTI foram realizados exames
neurológicos e o médico neurologista informou à declarante que tudo
indicava que Silvânia já se encontrava com morte cerebral; que no
dia 27 de julho de 2009 cessaram as demais funções orgânicas de
Silvânia (...)” – GIOVANA MARIA REIS, ff. 228/231.
Como se vê, os recém-nascidos de EVA MARIA RIBEIRO e GILCILENE
PINTO ALÔ permaneceram internados, respectivamente, por 3 (três) e 5 (cinco) meses
após os partos. Desnecessário dizer o volume de recursos públicos despendido para a
manutenção desses 2 (dois) bebês em Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal por
tão longo período. E mesmo com a internação, as graves conseqüências da desídia
ocorrida nos partos permanecerão, sendo necessário que essas crianças recebam
assistência pelo SUS senão por toda a vida, certamente durante a primeira infância.
No caso de SILVÂNIA DE FÁTIMA REIS, não obstante a interrupção da
gravidez tenha sido realizada em caráter de emergência na data de 22 de julho de 2009,
foi necessário mantê-la internada em Centro de Tratamento Intensivo por mais 5 (cinco)
dias, com custos mais uma vez suportados pelo SUS.
Já em relação a TÁBATA GUIEIRO BRANDÃO, a má condução do parto
pela ré acarretou a necessidade de realização de cirurgia de emergência na data de 18 de
maio de 2011 (f. 286), bem como demandou a manutenção da internação da paciente até
a data de 22 de maio de 2011 (f. 307). Trata-se de um período de 4 (quatro) dias de
internação custeada pelo SUS em razão da negligência médica da ré.
Desse modo, fica bem claro que a ré MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS
QUIRINO negligencia o atendimento médico e quem arca com as conseqüências disso é o
erário. Tal situação, sem dúvida, é considerada pela Lei 8.429/92 como ato de
improbidade administrativa lesivo ao patrimônio público.
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Cabe lembrar que a Lei de Improbidade Administrativa consagra o
dever do agente ressarcir o prejuízo suportado pelos cofres públicos. Vejamos:
“Art. 5º - Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou
omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o
integral ressarcimento do dano”.
2.3)- DOS
ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE ATENTAM
CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
No sub-item acima tencionamos demonstrar as conseqüências
econômicas, para os cofres públicos, da negligência e do mau atendimento prestado às
pacientes alhures mencionadas.
No presente tópico, procuraremos ressaltar que, para além de
prejuízos financeiros – graves, embora plenamente indenizáveis –, as condutas dos réus
deixaram um enorme e impagável passivo de ordem imaterial.
Conforme a lição de MARINO PAZZAGLINI FILHO, a Lei de
Improbidade Administrativa elenca em seu art. 11 uma espécie de “tipo subsidiário”,
aplicável ainda que os atos de improbidade administrativa não importem
enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário. Vejamos:
“Daí se conclui que a norma em exame é residual em relação às que
tratam das duas outras modalidades de atos de improbidade, pois a
afronta a legalidade faz parte de sua contextura.
Assim, se o ato violador de princípio constitucional administrativo
resultar enriquecimento ilícito do agente público que o praticou, há
absorção da regra do art. 11 (subsidiária), contida no art. 9º
(principal), por esta. E, da mesma forma, se da afronta a princípio
constitucional decorrer lesão ao Erário, configura-se somente ato
ímprobo de lesividade ao patrimônio público que, em face do
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princípio da subsidiariedade, absorve aquela (Lex primaria derogat
legi subsidiariae).
Logo, a figura da improbidade administrativa por transgressão a
princípio constitucional que rege a Administração Pública está
contida nas normas principais que definem tipos mais graves de
improbidade (arts. 9º e 10). E, por isso, sua aplicação subordina-se a
não-aplicação daquelas.
Em síntese, pode dizer-se que a norma do art. 11 constitui soldado de
reserva (expressão do saudoso jurista Nelson Hungria), configurandose pelo resíduo na hipótese da conduta ilegal do agente público não
se enquadrar nas duas outras categorias de improbidade” (Lei de
Improbidade Administrativa Comentada, Atlas, 2006, p. 112) –
grifamos.
Nesse contexto, independentemente do reconhecimento de qualquer
lesão ao erário, tem-se que ato que implique ofensa a princípios retores da
administração pública pode receber a pecha de ato de improbidade. Não é outra a dicção
do art. 11, da Lei 8.429/92:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta
contra os princípios da administração pública qualquer ação ou
omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso
daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das
atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
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VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro,
antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou
econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço”.
Pela narração fática já descrita anteriormente, verifica-se que os réus,
ora em conjunto, ora separadamente, de maneira geral, procrastinaram de maneira
indevida o atendimento médico que deveriam ter dispensado com prontidão a diversas
pacientes, retardando de forma injustificada a realização dos procedimentos técnicos
pertinentes – nos casos, a interrupção da gravidez. Tal conduta, por certo, encontra
perfeita adequação típica no que dispõe o art. 11, II, da Lei 8.429/92. Mais uma vez
colacionamos trecho da doutrina de MARINO PAZZAGLINI FILHO:
“Comete o ato de improbidade administrativa em exame, v. g., o
agente público que, voluntária e desonestamente, recusa dar
cumprimento a decisão judicial; deixa de embargar obra clandestina;
retarda o atendimento de pessoa doente; protrai ou omite a
instauração
de
procedimento
disciplinar
contra
funcionário
subalterno infrator; procrastina a lavratura de óbito ou nascimento;
demora exageradamente no atendimento de ocorrência policial” (op.
cit., p. 116).
Além do retardamento indevido do ato de ofício, os réus, ao prestarem
atendimento médico a pacientes particulares em prejuízo de pacientes do SUS16,
quando, por estarem em horário de plantão e recebendo dos cofres públicos, deveriam
privilegiar justamente os pacientes menos favorecidos, ofenderam indecorosamente o
dever constitucional de obediência ao princípio da moralidade, expressamente
reconhecido no art. 37, caput, da Constituição da República de 1988. Nos dizeres de
MARINO PAZZAGLINI FILHO,
16
Foram os casos, por exemplo, das pacientes MARÍLIA NATALINA DA CRUZ e WILIANE
JOISE DA SILVA.
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“A moralidade significa ética da conduta administrativa; a pauta de
valores morais a que a Administração Pública, segundo o corpo
social, deve submeter-se para a consecução do interesse coletivo.
Nessa pauta de valores insere-se o ideário vigente no grupo social
sobre, v. g., honestidade, boa conduta, bons costumes, equidade e
justiça. Em outras palavras, a decisão do agente público deve atender
àquilo que a sociedade, em determinado momento, considera
eticamente adequado, moralmente aceito” (op. cit., p. 32).
Para EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES:
“(...) constata-se que os atos dissonantes do princípio da legalidade,
regra geral, sempre importarão em violação à moralidade
administrativa (...)
Em razão disto, é possível dizer que a legalidade e moralidade
integram-se e complementam-se, sendo cogente sua observância pelos
agentes públicos” (Improbidade Administrativa, Lumen Juris, 2006,
pp. 74-75).
Com efeito, são indissociáveis da idéia de moralidade os
mandamentos de probidade, retidão, ética e boa-fé. É prosaica a noção de que, no
momento em que se encontravam de plantão, os réus jamais poderiam ter dado
preferência a pacientes particulares em detrimento de pacientes do SUS, mormente
quando estas se encontravam em situação que caracterizava urgência médica, ao passo
que aquelas foram atendidas em caráter chamado “eletivo”17.
Nesse cenário, o procedimento dos réus ofende quaisquer noções de
justiça, eqüidade, ética e boa-fé. Ofende, enfim, o princípio da moralidade inserido no
texto constitucional.
17
O procedimento eletivo se contrapõe ao procedimento de urgência, pois enquanto este
deve ser realizado o quanto antes, aquele é passível de agendamento, conforme critérios
de conveniência e oportunidade do médico e do paciente.
Página 39 de 52
Viola também os deveres de honestidade e de lealdade às instituições
a conduta dos réus de adulterarem o Boletim do Centro Cirúrgico (ff. 140 e 174) e, no
caso específico da ré MARIA ZILMAR DE MEDEIROS QUIRINO, de inserir dados falsos nos
Partogramas de diversas pacientes, conforme exaustivamente exposto no tópico
destinado à narração dos fatos. A falsificação de documentos hospitalares constitui
autêntico ato de defraudação que, além de impedir que os pacientes tenham acesso às
corretas informações sobre seus respectivos casos18, se presta também a ludibriar os
gestores do SUS e os próprios órgãos de controle e fiscalização.
Por fim, a atuação dos réus nos casos aqui relatados passou ao largo
também do princípio da eficiência. A nosso ver, a noção de eficiência pode ser
sintetizada na fórmula “melhores resultados com menores custos”. A síntese de ODETE
MEDAUAR é lapidar:
“Agora a eficiência é princípio que norteia toda a atuação da
Administração Pública. O vocábulo liga-se à idéia de ação, para
produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à
Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a
Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir
resultados que satisfaçam as necessidades da população. Eficiência
contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão –
características habituais da Administração Pública brasileira, com
raras exceções” (Direito Administrativo Moderno, Revista dos
Tribunais, 2000, p. 152) – grifamos.
Embora tal princípio não esteja nominalmente elencado no caput, do
art. 11, da Lei 8.429/92, não resta dúvida de que a sua inobservância também pode
caracterizar ato de improbidade. Vejamos:
18
O art. 7º, V, da Lei 8.080/90, consagra o direito do paciente à informação sobre sua
saúde. A violação desse dispositivo, portanto, constitui ofensa ao princípio da
legalidade.
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“Ação Civil Pública - Improbidade Administrativa - Omissão
configurada - Violação ao princípio da eficiência - Pena aplicada Apelos não providos - Pena aplicada adequada e suficiente - Sentença
mantida”. (TJMG, Apelação Cível n° 1.0499.08.010787-7/001, Rel.
Des. Brandão Teixeira, j. em 01/06/2010).
Referindo-se à redação do art. 11, caput, da Lei 8.429/92, colhe-se o
seguinte excerto doutrinário:
“Embora a redação do dispositivo não tenha sido a mais apropriada,
pois seria de maior rigor ou precisão reiterar os princípios
constitucionais basilares que informam a atuação pública elencados
no art. 37, caput, da Carta Magna (legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência), a circunstância de constar dele
a expressão violação da legalidade elucida, sem dúvidas, que o
preceito
compreende
a
transgressão
dos
demais
princípios
constitucionais que instruem, condicionam, limitam e vinculam a
atuação dos agentes públicos, posto que, como já afirmado no
Capítulo I, por ocasião do exame dos princípios constitucionais da
Administração Pública, estes ‘servem para esclarecer e explicitar o
conteúdo do princípio maior ou primário da legalidade’” (FILHO,
MARINO PAZZAGLINI, op. cit., p. 112).
Ora, não há como negar que os réus violaram o princípio da eficiência.
Os resultados produzidos falam por si sós: gestante morta, bebês gravemente seqüelados
e aborto, tudo isso atribuído à inépcia, à lentidão e à negligência dispensadas pelos réus
às pacientes. Definitivamente, nenhum desses resultados pode ser caracterizado como
“eficiente”.
2.4)- DO AFASTAMENTO CAUTELAR DOS RÉUS DE SUAS FUNÇÕES NO
HOSPITAL NOSSA SENHORA DA SAÚDE
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Por derradeiro, conforme amplamente revolvido no tópico destinado à
exposição dos fatos, percebe-se que os réus tentaram, por diversas vezes, prejudicar a
apuração dos fatos.
Em quase todos os casos apurados a ré MARIA ZILMAR DE MEDEIROS
QUIRINO inseriu dados falsos nos documentos médicos das pacientes, sobretudo nos
Partogramas. Especificamente quanto ao caso da paciente MARÍLIA NATALINA DA CRUZ,
além da inserção de dados falsos no Partograma, ocorreu a adulteração do Boletim do
Centro Cirúrgico (ff. 140 e 174) realizada pelo réu LUIZ GERALDO PIMENTA DE ARAÚJO
em proveito da ré MARIA ZILMAR DE MEDEIROS QUIRINO.
O que torna essas falsificações ainda mais preocupantes é o fato de
que não se tratam de situações isoladas. A médica ANA LUÍZA DAYRELL GOMES
DA
COSTA SOUSA asseverou:
“(...) que a declarante pôde verificar a ficha de atendimento de
Silvânia, tendo constatado que ela havia sido atendida no Hospital na
noite anterior, apresentando sintomas de pré-eclampsia, como
pressão muito alta, epigastralgia, edema e cefaléia; que o
procedimento médico recomendado nesses casos é a interrupção
imediata da gravidez, o que não foi feito na noite anterior; que
inclusive, por ocasião do parto, o Dr. Renato, obstetra que realizou o
procedimento, orientou a declarante que imediatamente pegasse a
ficha de atendimento e o prontuário da paciente, pois temia que esses
documentos sumissem; que esse receio advém do fato de que situações
assim já ocorreram no hospital, sempre quanto a pacientes atendidos
pela Dra. Zilmar; que esses documentos às vezes sumiam e depois
reapareciam preenchidos de outro jeito (...)” – ANA LUÍZA DAYRELL
GOMES DA COSTA SOUSA, ff. 624/626, grifamos.
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“(...) que segundo a Dra. Maria Zilmar, os familiares da paciente
estavam atribuindo ao declarante a culpa pela morte do bebê, dizendo
que teria sido por causa de uma doença não diagnosticada no prénatal; que o declarante achou a situação muito estranha, uma vez que
a papeleta de atendimento não havia sido preenchida até aquele
momento pela Dra. Maria Zilmar; que o único documento que estava
preenchido era o boletim do centro cirúrgico, onde constava na linha
do ‘diagnóstico’ a sigla ‘SFA’, que significa ‘sofrimento fetal agudo’;
que inclusive o declarante apresenta nesta oportunidade a cópia do
boletim do centro cirúrgico que se encontrava preenchido quando o
declarante assumiu o plantão; que porém, na madrugada de quartafeira para quinta-feira, o declarante, ao conferir novamente o
referido boletim, percebeu que havia sido modificada a sigla ‘SFA’,
passando a constar ‘SFC’, que significa ‘sofrimento fetal crônico’;
que a diferença entre o “sofrimento fetal agudo” e o “sofrimento fetal
crônico” é que o primeiro tem como característica a ocorrência no
momento do parto, ao passo que o segundo ocorre em momento
anterior, como por exemplo, o pré-natal (...)” – RENATO FERREIRA
DOS SANTOS,
ff. 170/173, grifamos.
Ora, nesse contexto, seria extremamente temerário permitir que os
réus continuem exercendo suas funções, freqüentando as dependências do Hospital
Nossa Senhora da Saúde, pois todos esses eventos demonstram o inequívoco propósito
dos réus em interferir na apuração da verdade, repercutindo até mesmo na lisura da
prova coligida.
Nesse caso, apesar da excepcionalidade da medida, a única solução
restante é o afastamento cautelar dos réus de suas funções, a fim de se assegurar a
normalidade da instrução processual, consoante permissivo contido no art. 20, parágrafo
único, da Lei 8.429/92. A jurisprudência, especificamente do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, não vacila em conceder o afastamento cautelar do agente público que
comprovadamente tenta obstar a instrução probatória. Confira-se:
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“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VEREADORES DE
FRONTEIRA. AFASTAMENTO. INDISPONIBILIDADE DE BENS.
INCENSURABILIDADE DAS MEDIDAS LIMINARES. RECURSO
DESPROVIDO. I - Para o deferimento de medida liminar, seja ela de
natureza cautelar ou mesmo antecipatória, é imprescindível que se
configure a concomitante existência da plausibilidade e da
periclitação do direito afirmado. II - Desde que veementes os indícios
de que os edis acusados de improbidade realmente estão dificultando
a apuração da verdade real por meio da coação de testemunhas e,
ainda, da forjadura de documentos, incensurável a decisão liminar
que ordena sejam eles afastados dos respectivos cargos públicos
eletivos. III - Restando inconteste o dano real ou efetivo ao
patrimônio público causado pelo ato ímprobo imputado aos agentes
políticos, bem como em face da plausibilidade jurídica dessa
imputação e, conseqüentemente, da condenação ao ressarcimento e à
pena de multa postulados pelo ‘parquet’ na ação civil pública matriz,
torna-se plenamente justificável garantir a efetivação das respectivas
execuções
por
meio
da
excepcional
e
grave
medida
de
indisponibilidade de bens prevista no art. 7º da Lei n.º 8.429/92”
(TJMG, Agravo de Instrumento Cível n° 1.0271.11.001087-0/001,
Rel. Des. Peixoto Henriques, j. em 20/09/2011) – grifamos.
Em situações tais, não há sequer a discricionariedade do julgador no
que tange ao afastamento do agente público de seu cargo, conforme já decidiu o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“PREFEITO MUNICIPAL/ADMINISTRADOR PÚBLICO - DILAÇÃO
PROBATÓRIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AFORADA PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO - AFASTAMENTO DO ALCAIDE INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 20 DA LEI
Página 44 de 52
Nº 8.429/92. Havendo indícios de que o administrador público,
permanecendo no cargo, poderá de uma forma ou outra, perturbar a
coleta de provas do processo, seu afastamento liminar se impõe
imediatamente, não havendo falar de poder discricionário da
autoridade judiciária; este afastamento do agente público do
exercício de seu cargo decorre sem prejuízo de seus vencimentos
enquanto durar a coleta dos elementos informativos do processo
instaurado”. (TJMG, Processo nº 1.0000.00.268073-4/000(1), Rel.
Des. Alvim Soares, j. em 24/06/2002, pub. em 13/08/2002) –
grifamos.
“AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA
-
PREFEITO
MUNICIPAL
-
AFASTAMENTO. Para o afastamento liminar do Prefeito do seu
cargo, é indispensável que se tenha um indício que nos mostre que, se
a medida não for tomada, isso poderá redundar em prejuízos para a
instrução, com a interferência ou atuação indevida do mesmo ao
longo do processamento. De outro modo, havendo apenas meras
suposições ou presunções, suspeitas mesmo, por mais crível que elas
possam até parecer, sem que, contudo, tais elementos venham
acompanhados em alguma conduta a indicar a medida extrema como
indispensável, não há como se deferir a tutela antecipada em tais
casos” (TJMG, Agravo nº 000.270.440-1/00, Rel. Des. Sérgio Braga,
j. em 17/06/2002, pub. em 22/11/2002) – grifamos.
No mesmo sentido leciona a doutrina:
“O parágrafo único (do art. 20), a seu turno, prevê medida
tipicamente cautelar, cuja inspiração, ao que parece, remonta ao
CPP (art. 312). Por intermédio do afastamento provisório do agente,
busca o legislador fornecer ao juiz um importantíssimo instrumento
com vistas à busca da verdade real, garantindo a verossimilhança da
instrução processual de modo a evitar que a dolosa atuação do
Página 45 de 52
agente, ameaçando testemunhas, destruindo documentos, dificultando
a realização de perícias etc., deturpe ou dificulte a produção dos
elementos necessários à formação do convencimento judicial. Buscase, enfim, propiciar um clima de franco e irrestrito acesso ao material
probatório, afastando possíveis óbices que a continuidade do agente
no exercício do cargo, emprego, função ou mandato eletivo poderia
proporcionar.
(...)
Por tratar-se de medida cautelar, deverão estar presentes o risco de
dano irreparável à instrução processual (periculum in mora), bem
assim a plausibilidade da pretensão de mérito veiculada pelo autor
(fumus boni iuris). Nesta linha, embora não possa o afastamento
provisório arrimar-se em ‘meras conjecturas’, não tem sentido exigir
a prova cabal, exauriente, de que o agente, mantido no exercício da
função, acarretará prejuízo ao descobrimento da verdade. Indícios já
serão suficientes à decretação da medida, o que em nada infirma o
seu caráter excepcional. Como sinteticamente exposto por Galeno
Lacerda, “se o dano ainda não ocorreu, não se requer prova
exaustiva do risco. Basta a probabilidade séria e razoável, para
justificar a medida”. (GARCIA, EMERSON e ALVES, ROGÉRIO
PACHECO,, op. cit, p. 709) – grifamos.
No caso em pauta, mais que indícios, existe prova cabal de que os réus
têm pleno ânimo de interferir na produção probatória mediante a falsificação de
documentos médicos, o que constitui razão suficiente para o afastamento cautelar de
ambos como única forma de se garantir a higidez da instrução processual.
Registre-se que não há nenhuma outra medida menos gravosa que
possa ser adotada no lugar do afastamento, mormente porque a Direção Clínica do
Hospital Nossa Senhora da Saúde, atendendo a recomendação expedida pela Promotoria
de Justiça (ff. 691/695), já determinou a suspensão da ré MARIA ZILMAR DE MEDEIROS
Página 46 de 52
QUIRINO (ff. 737/738), mas esta vem se recusando a acatar a medida, continuando a
freqüentar o Hospital, conforme comunicado de ff. 768 e 773.
Por fim, atente-se que o afastamento do cargo pode e deve ser
concedido liminarmente, inaudita altera parte, nos termos do art. 12, da Lei 7.347/85,
como medida a prevenir outras manobras prejudiciais à instrução da ação, que poderiam
advir da intimação prévia dos réus, estando presentes, outrossim, o periculum in mora e
o fumus boni juris. Colaciona-se:
“RECURSO ESPECIAL - ALÍNEAS “A” E “C” - AÇÃO CIVIL
PÚBLICA – DECISÃO QUE CONCEDEU A LIMINAR E A
ANTECIPAÇÃO
DE
AFASTAMENTO
DO
TUTELA
PARA
DETERMINAR
O
CARGO
DOS
REQUERIDOS,
A
INDISPONIBILIDADE DE SEUS BENS E A SUSPENSÃO DA
VIGÊNCIA E VALIDADE DE DETERMINADOS CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS LICITATÓRIOS - HIPÓTESE EM QUE NÃO
DEVE FICAR RETIDO O RECURSO ESPECIAL - AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO DOS ARTS. 7º E 16, § 1º DA LEI N.
8.429/92, 822 E 825 DO CPC - ART. 2º DA LEI N. 8.437/92 NÃO
VIOLADO - PRETENDIDA OFENSA AO ARTIGO 273 DO CPC INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 07/STJ. (...) Em face da manifesta
ilegalidade de atos praticados pelo representante da pessoa jurídica
de direito público e demais requeridos, não faz o menor sentido
submeter a concessão da liminar à sua prévia intimação. Como bem
ressaltou a egrégia Corte de origem, ‘a intenção do art, 2º da Lei nº
8.437/92, ao determinar que a liminar na ação civil pública somente
será concedida após a audiência do representante judicial da pessoa
jurídica de direito público é a de preservar o ato administrativo
hostilizado em razão da presunção de legalidade que o reveste.
Contudo, esta ação civil pretendeu, liminarmente, dentre outros
pedidos, afastar os agravantes de seus cargos em razão da prática,
em tese, de ato de improbidade administrativa. Assim, não havia
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mesmo obrigatoriedade de, previamente, intimar-se o primeiro
agravante, então Prefeito Municipal, para manifestar-se nos autos
para, só então, conceder-se a liminar, da forma como ocorreu. (...).”
(STJ - RESP - 468354 Processo: 200201082630 UF: MG; Órgão
Julgador: Segunda Turma; Data da decisão: 04/11/2003, Fonte: DJ de
02/02/2004) – grifamos.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LIMINAR
- REQUISITOS LEGAIS - PRESENÇA. Cabível o deferimento de
medida liminar, ‘inaudita altera pars’ (sic), em ação civil pública,
desde que presentes o ‘periculum in mora’ e o ‘fumus boni juris’. Em
que pese ser medida excepcional, possível a concessão de liminar
para determinar o afastamento do agente público de seu cargo, desde
que necessária para se evitar prejuízos à instrução processual.”
(TJMG, Processo nº 1.0411.06.025827-3/001(1), Rel. Des. Edivaldo
George dos Santos, j. em 30/01/2007, pub. em 02/03/2007) –
grifamos.
Convém frisar que o afastamento dos réus, a par de proteger a
instrução processual, não lhes ocasionará qualquer impedimento de ordem profissional,
uma vez que poderão continuar clinicando, desde que em caráter particular. Com efeito,
nenhum deles possui vínculo estatutário ou empregatício com o Hospital Nossa Senhora
da Saúde, conforme afirmado pela própria ré Maria Zilmar de Medeiros Quirino:
“(...) que perguntado à declarante qual o vínculo que possui com o
Hospital Nossa Senhora da Saúde, respondeu que nenhum, apenas
tem um consultório na sede do hospital, pagando o aluguel
respectivo; que quem define quais médicos devem integrar o corpo
clínico é o próprio corpo clínico; que a declarante é remunerada pelo
SUS em decorrência dos plantões obstétricos realizados no Hospital
Nossa Senhora da Saúde (...)” – Maria Zilmar de Medeiros Quirino,
ff. 683/689, grifamos.
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Ou seja, embora os réus possam ser caracterizados como agentes
públicos, para os fins da Lei de Improbidade Administrativa, nenhum deles é titular de
mandato ou cargo público. Dessa forma, caso seja deferido o afastamento cautelar, não
será vulnerado qualquer “direito subjetivo” dos réus.
Por outro lado, essa inexistência de vínculo formal com a
Administração Pública não impede o afastamento de ambos do corpo clínico do
Hospital Nossa Senhora da Saúde, pois enquanto exercerem suas funções na referida
entidade, ambos poderão fraudar outros documentos em benefício próprio e em prejuízo
da verdade.
Destarte, a concessão do afastamento cautelar dos réus do corpo
clínico do Hospital Nossa Senhora da Saúde é medida imprescindível caso tenhamos a
pretensão de uma fase instrutória honesta e regular.
3 – DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, requer o Ministério Público do Estado de Minas
Gerais:
a)- seja deferida medida liminar, inaudita altera parte, para
determinar o afastamento dos réus MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO e LUIZ
GERALDO PIMENTA DE ARAÚJO do corpo clínico do Hospital Nossa Senhora da Saúde,
proibindo-se que ambos tenham acesso às dependências da instituição ou nela prestem
qualquer atendimento;
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b)- sejam notificados o Estado de Minas Gerais, o Município de
XXXXX/MG e a Irmandade de Nossa Senhora da Saúde19 para, querendo, se
manifestarem sobre a presente demanda, nos termos do art. 17, §3º, da Lei 8.429/92, c/c
art. 6º, §3º, da Lei 4.717/65;
c)- a notificação dos corréus MARIA ZILMAR DE MEDEIROS QUIRINO e
LUIZ GERALDO PIMENTA DE ARAÚJO independentemente de dia e hora (art. 172, §2º, do
Código de Processo Civil), para, querendo, apresentarem alegações preliminares
escritas, dentro do prazo de 15 (quinze) dias, na forma do art. 17, §7°, da Lei 8.429/92;
c.1)- após apresentadas as alegações preliminares, seja a presente
exordial recebida, nos termos do art. 17, §8º, da Lei 8.429/92, citandose os co-réus independentemente de dia e hora (art. 172, §2º, do
Código de Processo Civil), para, querendo, contestarem, no prazo
legal, sob pena de serem considerados verdadeiros os fatos ora
articulados (art. 17, §9º, da Lei 8.429/92);
d)- seja ao final julgado procedente o pedido, para condenar os corréus
MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO e LUIZ GERALDO PIMENTA
DE
ARAÚJO a
repararem os prejuízos causados aos cofres públicos do Estado de Minas Gerais e/ou do
Município de XXXXX/MG, em valores a serem apurados ao longo do processo ou em
fase de liqüidação de sentença (arts. 475-A, e seguintes, do Código de Processo Civil),
tudo corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora;
e)- seja ao final julgado procedente o pedido, para condenar os corréus
MARIA ZILMAR
DE
MEDEIROS QUIRINO e LUIZ GERALDO PIMENTA
DE
ARAÚJO nas
sanções previstas no art. 12, da Lei 8.429/92, dentre as quais:
19
Pessoa jurídica de direito privado, CNPJ nº 20.081.238/0001-04, com sede na Praça
Redelvim Andrade, nº 564, Centro, Município de XXXXX/MG, representada pela sua
Provedora, a senhora Gislene Maria Camelo Motta.
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e.1)- perda de todas as suas funções públicas, inclusive com o
desligamento definitivo do corpo clínico do Hospital Nossa Senhora
da Saúde (Irmandade de Nossa Senhora da Saúde);
e.2)- suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) a 8 (oito)
anos;
e.3)- pagamento de multa civil de até 2 (duas) vezes o valor do dano
ao erário que será apurado ao longo do processo ou em fase de
liqüidação de sentença (arts. 475-A, e seguintes, do Código de
Processo Civil);
e.4)- proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios
ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que
por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários,
pelo prazo de 5 (cinco) anos.
f)- sua isenção do pagamento de quaisquer despesas processuais e/ou
ônus sucumbenciais, nos termos do art. 18, da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública),
e do art. 87, parágrafo único, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor);
g)- sua intimação acerca de todos os atos do processo mediante
entrega dos autos na 2ª Promotoria de Justiça de XXXXX/MG (Defesa da Saúde),
situada na Rua Macau do Meio, nº 196, Centro, Município de XXXXX/MG;
h)- condenação dos corréus nos ônus da sucumbência;
Protesta pela juntada do incluso Procedimento Preparatório, bem
como pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos, notadamente
juntada de novos documentos, depoimento pessoal dos réus, oitiva de testemunhas (cujo
rol provisório segue anexo), realização de perícia técnica, entre outros.
Dá à causa o valor de R$622,00 (seiscentos e vinte e dois reais), para
fins meramente processuais.
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Pede deferimento.
XXXXX, 23 de agosto de 2012.
XXXXX
Promotor de Justiça
Rol de testemunhas, a ser complementado oportunamente:
1)- Luciano Vial Faria, qualificado à f. 88;
2)- Renato Ferreira dos Santos, qualificado à f. 170;
3)- Marília Natalina da Cruz, qualificada à f. 192;
4)- José Vicente da Silva, qualificado à f. 226;
5)- Giovana Maria Reis, qualificada à f. 228;
6)- Cláudio Manoel Ademar Gomes, qualificado à f. 232;
7)- Gustavo Carvalho Fonseca, qualificado à f. 487;
8)- Gilcilene Pinto Alô, qualificada à f. 489;
9)- Ana Luíza Dayrell Gomes da Costa Sousa, qualificada à f. 624;
10)- Marcela Danielle Pimenta de Barros, qualificada à f. 627;
11)- Tábata Guieiro Brandão, qualificada à f. 639;
12)- Marciano Paulo de Souza, qualificado à f. 642;
13)- Eva Maria Ribeiro, qualificada à f. 648;
14)- Rosemary Abreu Santos Freitas, qualificada à f. 658;
15)- Flávia Karla da Cruz Mota, qualificada à f. 670;
16)- Maria Aparecida da Silva, qualificada à f. 725;
17)- Gislene Maria Camelo Motta, qualificada à f. 769.
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