Apostila de História I, Geral - Edmundo Júnior - Santos Anjos

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Apostila de História I, Geral - Edmundo Júnior - Santos Anjos - PISM III
Introdução
- A Europa Ocidental comemorou euforicamente o começo do século XX. Acreditava-se que
ele seria mero prolongamento do progresso do século anterior e, claro, dos valores ligados à
tal progresso. O homem europeu tinha a sensação de que a Europa teria o domínio definitivo
sobre todos os continentes. Vivia-se o auge da chamada “Segunda Revolução Industrial”, a
revolução do aço, da eletricidade e do petróleo. Vigorava a crença no progresso ininterrupto e
definitivo. Era o momento da “belle époque”;
- Entretanto, sob a aparência de tranquilidade, de esbanjamento, de felicidade, de crença no
progresso ilimitado e sem fronteiras, estavam presentes problemas sócio-econômicos e
políticos sérios, que podiam ser sentidos nos movimentos operários, nos choques entre nações
como resultado de uma crise do capitalismo, que na sua fase financeira ou monopolista
acirrava a corrida imperialista, intensificava os nacionalismos, as políticas de alianças e a
corrida armamentista.
- A técnica e o capitalismo tinham posto a natureza nas mãos do homem e feito a Europa
dominar todos os continentes. Impérios coloniais nascidos de mercados e fontes de matériasprimas impunham a ideologia da civilização branca e da missão civilizadora do homem
branco. Após o teocentrismo medieval e o humanismo renascentista, chegara a vez do
eurocentrismo burguês.
- Neste contexto, percebe-se um extraordinário desenvolvimento industrial de outros países,
transformando-os em potências industriais: a Alemanha, na Europa; os EUA, na América; o
Japão, na Ásia; a Rússia, em menor grau. De 1815 a 1914, a Europa desfrutara de um século
de paz, a burguesia pôde consolidar seu poder, a ciência e a técnica se desenvolveram, a classe
operária descobria seus canais de luta e assegurava seus direitos. Entretanto, foi em 1914 que
acabou o século XIX e começou o XX.
- Segundo Eric Hobsbawm, o século XX começa com a Primeira Guerra Mundial, que
assinalou o colapso da civilização ocidental do século XIX. Tratava-se de uma civilização
capitalista; liberal na estrutura legal e constitucional; burguesa na imagem de sua classe
hegemônica; exultante com o avanço da ciência, do conhecimento e da educação e também
com o progresso material e moral; e profundamente convencida da centralidade da Europa,
berço das revoluções da ciência, das artes, da política e da indústria e cuja economia
prevalecera na maior parte do mundo, que seus soldados haviam conquistado e subjugado;
uma Europa cujas populações haviam crescido até somar um terço da população mundial.
I - A Primeira Guerra Mundial - 1914-1918
- Foi o primeiro grande conflito de massas do mundo contemporâneo, envolvendo as grandes
nações, as tradicionais e as emergentes, grandes impérios e aqueles que pretendiam constituise em impérios.
Segundo Jacques Néré, ela foi longa e contínua, o submarino e o avião levaram os combates
para baixo dos mares e para os ares, a surpresa pela imobilidade (quase sem movimentos) dos
exércitos, as trincheiras são, assim, o símbolo da guerra total.
. As causas da Primeira Guerra Mundial podem ser assim relacionadas:
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a) O imperialismo como causa profunda e as disputas do capitalismo monopolista, levando a
expansão em direção à África e à Ásia. Tal expansão acarretou para os países envolvidos na
corrida imperialista problemas de toda ordem, principalmente no que se refere à divisão das
áreas; intensificou as rivalidades internacionais, na medida em que cada país abandona o
livre-cambismo e eleva suas tarifas alfandegárias com a finalidade de proteger seu parque
industrial, o que aumenta as disputas pela aquisição de novas colônias;
b) O rompimento do equilíbrio europeu com o advento da Alemanha como potência. O
crescimento econômico da Alemanha foi fantástico, pela rapidez e dimensão tomadas.
Unificada politicamente em 1870, a Alemanha superou a produção de aço francesa e, no
início do século XX, já abalava a posição hegemônica da Inglaterra. Adotou uma política mais
agressiva de concorrência praticando o dumping, por meio da venda de produtos a preços mais
baixos que os custos, com a finalidade de eliminar concorrentes e conquistar fatias maiores de
mercado; passou a ter interesses em colônias dominadas pela Inglaterra, França e Bélgica;
desenvolveu o Pangermanismo, preconizando a expansão pela incorporação de todos os
povos germânicos que habitavam a Europa Central. A Alemanha lutava por uma nova divisão
do mundo e pelo domínio mundial, sendo seu objetivo arrebatar todas as colônias da
Inglaterra;
- A Inglaterra combatia pela conservação de seu império e pelo enfraquecimento de sua
principal competidora, a Alemanha. Eram as disputas entre a antiga e já consolidada economia
inglesa e a emergente e poderosa economia alemã;
c) Os nacionalismos estimulados pelas rivalidades imperialistas, pela desenfreada corrida
armamentista, difundindo a exaltação do sentimento nacional e das pretensões étnicas,
culturais e imperiais, que assumiu diferentes formas: “... eram audíveis os lamentos das
nacionalidades abortadas pela prepotência dos grandes impérios....”. O Império AustroHúngaro é o exemplo mais claro. Formado por inúmeras nacionalidades (húngaros, croatas,
bósnios, romenos, tchecos, eslovacos, etc) que não se entendiam entre si, mas uniam-se para
fazer críticas à monarquia dual Autro-Húngara;
- As disputas Austro-Russas: o ponto central da disputa austro-russa pela hegemonia balcânica
foi a Sérvia, país que buscava uma saída para o mar. A Áustria-Hungria temia que uma Sérvia
forte estimulasse movimentos das minorias sérvias que viviam sob domínio austríaco. Em
1908, a Áustria-Hungria incorporou as regiões da Bósnia e Herzegovina e, quatro anos depois,
patrocinou a independência da Albânia. As duas primeiras eram cobiçadas pelos sérvios e a
terceira lhes daria a saída para o mar;
- A Sérvia recebeu apoio da Rússia em nome de uma união dos povos de origem eslava. Era o
Pan-Eslavismo, defendendo a idéia de que os russos deveriam ser os líderes e protetores dos
Estados Eslavos nos Bálcãs, que pretendia criar a Grande Sérvia, anexando a Bósnia e a
Herzegovina à sua jurisdição. Ao seu domínio;
d) As questões balcânicas: a região dos balcãs era disputada por russos, alemães e austríacos.
Os interesses imperiais das grandes potências entravam em choque com as pretensões
autonomistas de pequenos países, como a Sérvia, por exemplo;
- O nacionalismo sérvio conduziu diretamente à conspiração que culminou no assassinato do
herdeiro do Império Austro-húngaro, no atentado de Sarajevo (em junho de 1914, na Bósnia),
que matou Francisco Fernando. O Príncipe herdeiro do trono Austro-húngaro pretendia
transformar a monarquia dual numa monarquia tríplice, com um terceiro parceiro englobando
os eslavos bósnios e croatas sob o controle austríaco, o que não interessava à Sérvia. Com o
rompimento das relações diplomáticas entre o Império Austro-Húngaro e a Sérvia, a Rússia se
colocou a favor do segundo, baseando-se no princípio do Pan-Eslavismo e no provável apoio
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francês;
e) O revanchismo francês: a França pretendia recuperar a região da Alsácia-Lorena, perdida
em decorrência da derrota dos franceses na guerra Franco-prussiana;
- O Japão entrou na guerra em agosto de 1914, para se apoderar das possessões alemãs na
China e no Pacífico. A Bélgica lutava pela reconquista de sua independência e pela
manutenção de suas possessões coloniais;
- A Questão Marroquina contrapunha a França e a Inglaterra contra a Alemanha;
f) A Política de Alianças: as rivalidades imperialistas e a corrida armamentista levaram a
Europa a uma divisão gradual, com a formação de blocos em torno do dois principais rivais:
Alemanha e Inglaterra. A Tríplice Aliança era formada por Alemanha, Áustria-Hungria e
Itália (quando a guerra se iniciou, a Itália permaneceu neutra), enquanto a Tríplice Entente era
composta por Inglaterra, França e Rússia, contando mais tarde com a entrada dos EUA;
- No dia 28 de julho de 1914, a Áustria-Hungria declarava guerra à Sérvia. A Rússia
preparou-se para a guerra e, em 1º de agosto, a Alemanha declarava guerra à Rússia. O
governo francês, diante das exigências alemãs, sobre como o país se comportaria, declarou
que a França agiria de acordo com seus interesses. Em 3 de agosto, os alemães declaravam
guerra à França;
- O Império Otomano entra na guerra ao lado dos Impérios Centrais, devido a antigas disputas
com a Rússia, e a Grã-Bretanha declara guerra à Alemanha diante da violação da neutralidade
belga (os alemães atravessaram a fronteira da Bélgica para o ataque à França – Plano
Schilieffen). Com a entrada da Grã-Bretanha, toda a Comunidade Britânica segue os ingleses;
- A Itália, que se declara neutra no início do conflito, apesar de estar oficialmente ligada à
Tríplice Aliança, entra na guerra, em 1915, ao lado dos aliados, dos países que participavam
da Tríplice Entente, para receber territórios que pertenciam à Turquia e Áustria;
- A Guerra começou com intenso movimento das tropas, na chamada “guerra de
movimento”, passando em seguida para a “guerra de trincheira”. Esperava-se que a guerra
fosse rápida, mas o conflito durou quatro anos e três meses;
- A Rússia não se encontrava em condições de sustentar uma guerra vitoriosa. O material era
insuficiente e, por falta de armas, não podia sustentar seus poderosos recursos humanos. Em
1915, os exércitos russos carecem de canhões, fuzis e munições e, apesar de seus recursos
naturais, a Rússia passa por uma grave crise de abastecimento no outono de 1915. Em fins de
1916, a Rússia tinha 2,5 milhões de mortos e 4,5 milhões de feridos. Em 1917, o governo
russo assina em separado com a Alemanha um Tratado de Paz, o Tratado de Brest-Litovsky,
quando a Rússia reconhece a independência da Finlândia e da Ucrânia, abrindo mão da
Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia e da maior parte da Bielorússia, além de ceder territórios à
Turquia;
- Em 1917, o afundamento de navios estadunidenses por submarinos alemães leva os EUA à
Guerra. A saída da Rússia e os antigos laços culturais com a Inglaterra reforçam a
participação dos EUA no conflito.
- Na Alemanha, eclodem greves na primavera de 1917 nas fábricas de munições de Berlim; na
França e na Grã-Bretanha, numerosas greves nas minas e nos estaleiros mobilizam 800.000
trabalhadores. O Império Austro-Húngaro vive uma crise no seu exército com mais de
300.000 desertores. No dia 8 de novembro de 1818, já vivendo um bloqueio naval imposto
pelos aliados, a Alemanha torna-se uma República. Áustria-Hungria, Bulgária e o Império
Otomano já estavam fora do conflito. A Alemanha aceita um armistício.
. A Paz
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- A paz firmada com as potências centrais teve o caráter de uma sentença imposta por um
tribunal. Na verdade, não houve negociações. O Tratado de Versalhes imposto à Alemanha,
que restituía à França as regiões da Alsácia e da Lorena, entre outras coisas, foi responsável
pelo nascimento do revanchismo alemão, abalou seu orgulho e estimulou o nacionalismo
germânico;
- O Tratado de Saint-Germain desmembrou o Império Austro-Húngaro e retirou da Áustria
sua saída para o mar, que teve de reconhecer a independência da Polônia, Thecoslováquia,
Hungria e Iugoslávia. O Tratado de Sèvres fez com que a maior parte do território turco na
Europa fosse cedido à Grécia;
- No dia 28 de junho de 1919, foi imposto à Alemanha o Tratado de Versalhes, que deveria
ter seguido o plano de paz apresentado (em janeiro de 1918) ao Congresso dos EUA pelo
presidente Woodrow Wilson, baseado em “14 pontos”, afirmando que não deveria haver
vencidos e vencedores. Não foi o que aconteceu. O Tratado de Versalhes impôs uma série de
condições à Alemanha:
. Art. 45. A Alemanha cede à França a propriedade das minas de carvão situadas na bacia do
Sarre;
. Art. 51. Os territórios cedidos à Alemanha, em 1871, são reintegrados à soberania francesa;
. Arts. 81 e 87. A Alemanha reconhece a completa independência da Thecoslováquia e da
Polônia;
. Art. 100. A Alemanha renuncia em favor dos aliados todos os direitos sobre a cidade de
Dantzig, sendo seu porto controlado pela Liga das Nações e a sua exploração econômica
entregue à Polônia. A Rússia ficou separada da Alemanha pelo “corredor polonês” (o porto de
Dantzig);
. Art. 119. A Alemanha renuncia a todos os seus direitos e títulos sobre suas possessões de
ultramar, sendo suas colônias entregues à Inglaterra e à França;
- A região do rio Reno foi desmilitarizada, o Exército alemão reduzido a 100 mil soldados (o
serviço militar obrigatório foi abolido pelo art. 173), não poderia ter aviação militar; os navios
alemães foram entregues aos britânicos, bem como locomotivas, vagões e gado;
- Art. 231. Os governos aliados e associados declaram e a Alemanha reconhece suas
responsabilidades, devendo pagar 269 milhões de marcos-ouro aos governos aliados, devendo
reparar todos os danos causados,...
. As principais consequências da guerra foram: a) a progressiva degradação dos valores
liberais e democráticos; b) o fortalecimento dos ideais nacionalistas; c) o aumento do
desemprego nos países europeus; d) o progressivo declínio da Europa e a ascensão dos EUA;
e) o desaparecimento do equilíbrio entre os Estados europeus, com o fim dos Impérios
Otomano e Austro-Húngaro, o surgimento de novos Estados e a supremacia da França e da
Grã-Bretanha; f) o despertar do nacionalismo asiático, que daria origem ao processo de
descolonização mais tarde; g) o surgimento da Liga das Nações, criada para preservar a paz;
h) o surgimento de partidos de orientação radical à direita e à esquerda, fascistas e comunistas,
propondo soluções extremas para a crise política e econômica que se abateu sobre a Europa; i)
acelerou a Revolução Russa;
- Mais de 65 milhões de indivíduos foram mobilizados para a guerra, 20 milhões morreram (a
maioria entre 20 e 40 anos), provocando uma queda brusca nas taxas de natalidade. A
Alemanha derrotada e humilhada pelas democracias liberais não esqueceu o tratamento
recebido, provocando profundos ressentimentos no povo alemão, pois perdeu 13% do seu
território, 75% das suas jazidas de ferro e 25% das de carvão.
- Nos últimos meses do conflito, uma outra desgraça, intimamente ligada às condições de
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vida, atinge a população européia e asiática: a “gripe espanhola”, epidemia devastadora que
irá fazer, segundo as estimativas, mais de 20 milhões de mortes.
II -A Revolução Russa
A Revolução Socialista Russa de 1917
. Significado(s): Foi o primeiro Estado Socialista que se dizia representativo das aspirações do
operariado e do campesinato, transformando-se no primeiro desafio concreto à ordem
burguesa, liberal e capitalista, na primeira forma não-burguesa de Estado. A partir de 1922,
com o surgimento da U.R.S.S., muitos países criam uma política de isolamento conhecida
pela expressão “política do cordão sanitário” para que o “vírus comunista” não contaminasse a
sociedade capitalista. Este processo começa depois da derrota das forças contrarevolucionárias ocidentais (França e Inglaterra).
- Segundo John Reed e Christopher Hill, a Revolução Soviética foi um acontecimento
glorioso, maravilhoso, que deu início a uma nova era na História da humanidade. Já Marc
Ferro e Ernest Mandel discordam. Marc Ferro diz que os marxistas russos ao realizarem a
Revolução fizeram mais do que escrever a história: fizeram a Revolução, adquiriram o poder e
converteram-se em profetas, aqueles que tinham a razão. O Partido tornou-se infalível. Os
Bolcheviques criaram uma ditadura chamada de socialismo, fortaleceram a distinção entre
governantes e governados que o povo e os revolucionários esperavam abolir. Para Mandel, o
Estado soviético expandiu-se acima da sociedade e, para regularizar as tensões sociais,
burocratizou-se, formando uma minoria privilegiada. A Revolução propunha-se a transformar
a sociedade, as relações sociais de produção, acabar com a propriedade privada e socializar os
meios de produção.
. Fatores da Revolução:
- Até 1917, a Rússia, com seus 170 milhões de habitantes, apresentava-se como um império
que carecia de unidade, formado por mais de 100 etnias e culturas variadas, sob o domínio de
um Império Czarista e autocrático, que escondia uma economia rural atrasada e estagnada,
que registrara poucos progressos importantes desde a emancipação dos servos (1861). A
Monarquia censurava a imprensa, limitava o ensino a uma elite privilegiada e reprimia
violentamente os movimentos sociais, através da polícia política (a Okhrana) e pelos
regimentos cossacos;
- A Monarquia Absolutista russa apoiava-se em quatro pilares básicos:
a) a aristocracia rural proprietária de terras que vivia da exploração semi-feudal dos
camponeses;
b) a Igreja Cristã Ortodoxa, também grande proprietária de terras, base ideológica do Estado,
inibia a resistência e as contestações, induzindo ao conformismo e à resignação;
c) o Exército, cuja oficialidade era recrutada exclusivamente entre a nobreza, sendo as
promoções realizadas não por méritos ou coragem, mas pelo nascimento e pelos laços com a
Corte. Era responsável pela coerção militar e manutenção do regime;
d) uma extensa burocracia parasitária e beneficiária do regime, que se valia da corrupção e da
proteção para preservar seus direitos e privilégios.
- Em meados do século XIX, a Rússia começou a viver um processo de industrialização,
limitado, tardio e dependente, responsável pelo aparecimento de uma burguesia financeira e
industrial rica e influente, que estimulou a infiltração de idéias liberais ocidentais no país, que
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encontraram sua expressão mais completa no Partido Kadet (Democrata Constitucional). Mas
esse processo foi acompanhado pelo crescimento de um proletariado e pelos primeiros
sintomas da agitação operária. As primeiras greves ocorreram na década de 1890 e refletiramse na fundação, em 1897, do Partido Marxista Russo dos Trabalhadores Socialdemocratas, o
partido de Lênin, Martov e Plekhanov;
- O proletariado urbano concentrava-se em grandes centros (Moscou, Petrogrado - antes da I
Guerra, denominada de São Petersburgo, e, após a Revolução, Leningrado e, hoje..., Minski,
Odessa e Kiev) vivia na miséria, submetido aos baixos salários e a condições de trabalho
extremamente precárias. 55% dos trabalhadores concentravam-se em fábricas com mais de
500 operários, o que favorecia a mobilização e conscientização da classe operária.
- O campesinato representava cerca de 80% do total da população russa, mais de 100 milhões
de camponeses que viviam na pobreza, sem acesso direto a terra, submetidos à exploração da
nobreza. Vale ressaltar que as origens do proletariado urbano encontravam-se no campo, o
que vai facilitar, à época da Revolução, uma articulação mais estreita entre o campo e a
cidade.
. Em 1905, a Rússia seria abalada pelo “ensaio geral”, designação aplicada ao movimento
revolucionário decorrente da ampla insatisfação social e que teve como fator desencadeador a
derrota da Rússia frente ao Japão na guerra de 1904-05. Este processo foi marcado por dois
grandes fatos: a revolta do encouraçado Potemkin, navio da esquadra russa que foi tomado
pelos marinheiros, após os mesmos terem fuzilado os oficiais superiores. Este episódio revela
a extensão do movimento revolucionário que começava a contagiar os meios militares. O
segundo momento refere-se ao domingo sangrento, 9 de janeiro de 1905, dia em que o povo
russo acabou de perder a fé em sua monarquia e em seus “superiores naturais”. A guarda do
Palácio de Inverno, em São Petersburgo (na época capital da Rússia), fuzila uma enorme
multidão desarmada que fazia uma manifestação pacífica. Houve centenas de mortos e
feridos. O regime czarista foi fortemente contestado, e os trabalhadores começaram a se
organizar em soviets, expressão russa que significa Conselho de Representantes, revelando o
nascimento de uma democracia proletária.
- O Partido Kadet defendia uma atuação reformista, enquanto o Partido Operário Social
Democrata é revolucionário, pregando uma atuação junto ao proletariado com base nas idéias
de Marx e Engels. Um terceiro partido, também dentro da linha revolucionária, defendia uma
aliança com os camponeses, o confisco das grandes propriedades e a coletivização das terras.
É o Socialista-Revolucionário.
- Durante a realização do II Congresso do Partido Operário Social Democrata, em 1903, em
Bruxelas e Londres, verificou-se uma divisão do partido em duas facções em torno da tática a
ser empregada na revolução: os mencheviques, liderados por Martov e Plekanov, favoráveis a
formação de um grande partido de massas, reunindo inclusive setores da burguesia liberal,
defendendo a necessidade de uma etapa burguesa no processo revolucionário que conduziria à
implantação do socialismo; os bolcheviques, liderados por Lênin, repensando a teoria
revolucionária de Marx, daí a expressão marxismo-leninismo, defendiam como fundamental,
a necessidade de uma vanguarda revolucionária, responsável pela organização dos
trabalhadores, que seria formada por “revolucionários profissionais” comprometidos com o
marxismo e responsáveis pela construção de uma teoria revolucionária, sem a qual o
movimento operário seria facilmente esmagado pelas forças contra-revolucionárias ou
cooptado pela burguesia.
- Em 1912, a facção bolchevique estrutura-se na clandestinidade e no exílio, como um partido
independente e não mais como uma facção. Lênin estava exilado desde a repressão ao
movimento revolucionário de 1905. A 8 de abril de 1917, após o triunfo da Revolução de
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Fevereiro (março segundo o calendário ocidental), que depôs o czar e destruiu a monarquia
autocrática, partiu para a Suíça com destino à Rússia, em um trem cedido pelo governo
alemão, com mais 29 exilados russos. A viagem com destino a Petrogrado foi feita por
território alemão, sueco e finlandês. Na época, a Finlândia fazia parte do Império Russo.
- Em 1914, por razões estudadas anteriormente, a Rússia envolvia-se na I Guerra Mundial. Em
função das questões balcânicas, o pan-eslavismo, o apoio russo às pretensões da Sérvia, a
rivalidade autro-russa, a luta pelo controle dos estreitos (região entre o Mar Mediterrâneo e o
Mar Negro), além da aliança entre a Rússia, a Inglaterra e a França. O compromisso com os
aliados fez com que o governo czarista procurasse mobilizar o “fervor patriótico” do povo
russo. No entanto, Lênin, ainda em 1914, afirmava que a guerra foi o melhor presente que o
czar poderia ter dado ao movimento revolucionário, pois aguçou as contradições da frágil
economia capitalista russa (“o elo mais fraco”), arrastando o regime czarista que envolvera o
país numa guerra para a qual não estava preparado;
- O material era insuficiente e, por falta de armas, não poderia utilizar suas poderosas reservas
humanas e, apesar de seus recursos naturais, a Rússia passava por uma grave crise de
abastecimento no outono de 1915. Em fins de 1916, a Rússia tinha 2,5 milhões de mortos e
4,5 milhões de feridos. Segundo Marc Ferro, “o povo russo nutria um tal ódio contra seus
dirigentes que derrubar o czarismo era para ele um dever tão sagrado como a defesa da
pátria”. Na frente de batalha, milhões de soldados eram mortos e mutilados sem ter a menor
noção dos objetivos daquela guerra: consideravam-na um capricho do czar, de acordo com
Christopher Hill.
. Todo esse quadro conduziu ao movimento de fevereiro de 1917, com uma ação das massas e
uma onda de greves acompanhadas da adesão das forças encarregadas da repressão,
culminando na queda do regime no dia 27. Entre fevereiro e outubro de 1917, instalou-se um
Governo Provisório (sob a influência do Partido Kadet), cujo principal líder era Kerensky.
Constitui-se um “duplo poder”: por um lado, a burguesia liberal, procurando beneficiar-se de
uma revolução que não fizera, organiza o governo formado por representante da Duma, por
homens que desejavam um regime de tipo parlamentar, à moda ocidental, que não pretendiam
transformar a ordem econômica e social, mas renovar o Estado e ganhar a guerra. Por outro
lado, as massas trabalhadoras organizam-se em soviets, com soldados e camponeses, sob a
influência dos Socialistas Revolucionários, Mencheviques e dos Bolcheviques.
- Destacam-se como principais medidas do Governo Provisório: a) anistia aos presos políticos
e permissão para o retorno dos exilados; b) proclamação das liberdades civis; c) planos para a
eleição de uma Assembléia Constituinte (sistematicamente adiados); d) decisão de que a
Rússia deveria honrar seus compromissos com os aliados e, portanto, permanecer na guerra.
- Lênin e outros líderes bolcheviques voltam ao país. O Partido Bolvhevique é reorganizado e
Lênin publica as “Teses de Abril”, reivindicando todo o poder aos soviets, a entrega das
terras da nobreza e da Igreja Ortodoxa aos camponeses e a constituição de um governo
proletário. No começo de outubro, a Rússia era a imagem da decomposição: crise na indústria
e nos transportes, escassez de alimentos e inflação, as derrotas da guerra e as promessas não
concretizadas. Nas frentes de batalha, a desmoralização era completa: atos de confraternização
com os alemães, deserções, indisciplina e execução de oficiais. Kerensky dissolve o Comitê
Central da Frota de Guerra, os marinheiros não obedecem. Os Bolcheviques organizam a
derrubada do Governo Provisório.
- Em setembro, Trotsky, líder e teórico Bolchevique, organiza a Guarda Vermelha, braço
armado do partido e vanguarda para a tomada do poder. Em outubro de 1917, os Bolcheviques
tomam o poder. Era a revolução de outubro. Eleito Presidente do Conselho dos Comissários
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do Povo, na manhã do dia 26 de outubro, Lênin anuncia as principais medidas do novo
governo proletário que se constituía:
a) expropriação das terras da Igreja, da Coroa e da aristocracia, e sua distribuição aos
camponeses através dos Comitês Agrários;
b) proposta de paz imediata a todos os países em guerra. Apenas a Alemanha, interessada em
se livrar da “frente oriental”, respondeu à proposta de armistício, assinado em março de 1918,
Paz de Brest-Litovsky;
c) nacionalização dos bancos e dos investimentos estrangeiros no país;
d) controle das fábricas pelos operários;
e) organização do Exército Vermelho, dirigido por Trotsky;
f) decreto de autodeterminação das nacionalidades até então submetidas à Rússia.
- Começa a Guerra Civil: russos brancos X russos vermelhos, na qual os primeiros
representavam os interesses das classes expropriadas (burguesia e aristocracia), reacionários e
imperialistas, liderados por antigos oficiais czaristas com o apoio das potências capitalistas
que viam na Revolução Bolchevique um perigoso exemplo a ser seguido. Os vermelhos,
comandados por Trotsky e Lênin, garantem a vitória do Estado Socialista, e, em 1921, a
guerra iniciada em 1918 chega ao fim. Com a criação da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas, em 1922, começa a política de isolamento total, conhecida pela expressão “política
do cordão sanitário”...
- Após a morte de Lênin, em janeiro de 1924, iniciou-se uma disputa interna pelo poder no
nascente Estado Soviético. De um lado, Trotsky, favorável à internacionalização da revolução
proletária, adepto do comunismo internacional, e, de outro lado, Stalin, Comissário para as
nacionalidades, favorável ao comunismo num só país. Com maior sustentação partidária, as
teses de Stalin saíram vitoriosas. Em 1927, Trotsky e seus seguidores são expulsos do país.
Stalin assumiria o poder, inaugurando a longa era stalinista (1927-1953), marcada pelo culto à
personalidade, pela repressão e a total burocratização da administração socialista.
- A planificação e socialização da economia da Rússia passaram por três fases:
a) o Comunismo de Guerra (1918-1921) em que se adotou uma economia completamente
centralizada e planejada pelo Estado, com a equiparação salarial, a requisição forçada de
gêneros agrícolas e o controle absoluto do Estado sobre a economia;
b) a NEP (1921-1927), fase em que a economia planejada e planificada é mantida, porém,
permitindo-se a existência de uma economia de mercado e a livre iniciativa em certos setores,
com liberdade para os camponeses venderem seus excedentes após o pagamento dos
impostos, a adoção de uma economia monetária com a criação do Banco do Estado, liberando
a posse em dinheiro e a transferência da propriedade aos herdeiros.
c) adoção dos Planos Qüinqüenais e a coletivização forçada dos campos (1928 em diante).
Fase assinalada pelo confisco das médias propriedades dos Kulaks e formação dos Kolkhoses
(fazendas coletivas) e dos Sovkhoses (fazendas estatais), pelos grandes investimentos do
Estado à indústria de base, em detrimento da indústria de bens de consumo. Toda a economia
é planificada, a partir da direção do Estado.
2.1 - A Expansão do Socialismo na Europa Oriental
- No decorrer da II Guerra Mundial, a Estônia, Letônia e a Eslovênia (Repúblicas do Báltico)
foram incorporadas às Repúblicas Soviéticas num acordo secreto entre Hitler e Stalin
(inserido no acordo de paz Ribentrop-Molotov), com uma tentativa de anexação da Finlândia.
A União Soviética apoiou os comunistas de toda a Europa na luta contra os nazistas, apoiou
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lideranças partidárias comunistas no leste. A expansão e a implantação de regimes socialistas
na Europa do leste deu-se de “cima para baixo” sob o apoio e controle da União Soviética e
não através de movimentos sociais revolucionários, como na própria Rússia, China (1949),
Cuba (1959) e Nicarágua (1979).
- O socialismo expandiu-se pelas regiões consideradas “satélites” da órbita soviética na II
Guerra e no contexto da Guerra Fria: a antiga República Democrática Alemã ou Alemanha
Oriental (“unificada” após a queda do Muro de Berlim, em 1989), a Tchecoslováquia
(dividida nos anos 1990, num processo pacífico), a Hungria, Romênia, Bulgária, Polônia,
Albânia e Iugoslávia (dissolvida pelos movimentos e guerras étnicas e nacionalistas dos anos
1990).
2.2 - A Crise do Socialismo no Leste Europeu
- A crise do socialismo, segundo Frei Betto, na visão maniqueísta que nos é própria parece
uma vitória do capitalismo, mas é, na verdade, uma vitória da democracia, do povo. Os
neoliberais e ideólogos do capitalismo esquecem que o capitalismo não resolveu os problemas
da humanidade, ao contrário. O padrão de vida no leste europeu era extremamente elevado e
desenvolvido, se comparado com a América Latina, mas muito modesto, se comparado com a
visão que eles tinham do Ocidente. E por uma questão ética é bom lembrar que nenhum dos
países socialistas cresceu a partir da exploração de outros países.
- Em 1953, com a morte de Stalin e a ascensão de Nikita Kruchev, a URSS começa a viver um
processo de “desestalinização”, quando o mundo passa a conhecer o caráter personalista do
regime anterior, a repressão, os expurgos e os campos de concentração e trabalhos forçados da
Sibéria. Com a “distensão” dos anos 1970 e a reaproximação entre a URSS e os EUA, há uma
redução do domínio e da hegemonia soviética no leste europeu, facilitando a eclosão de
movimentos étnicos e nacionalistas na região;
- O socialismo da Europa Oriental não possuía raízes populares, surgiu de “fora para dentro”,
sob a hegemonia da URSS, do socialismo stalinista, burocrático, estatocrático, altamente
centralizado no monopartidarismo, com um modelo de economia pensada e executada a partir
do burocratismo, imposto sem perceber as contradições sociais, políticas e étnicas da região;
- Os altos custos da economia militar, que se apresentava dinâmica e competitiva no contexto
da Guerra Fria, da corrida armamentista e espacial com os EUA. A economia civil, ao
contrário, mostrava-se estagnada e burocratizada. O militarismo permitiu o equilíbrio políticomilitar no mundo, mas a um custo social muito alto para a economia civil. A prioridade não
foi para as máquinas agrícolas e bens de consumo, mas sim para os tanques, bombas e aviões
militares. A União Soviética chegou a comprometer 16% de seu PIB com os gastos militares.
- O burocratismo soviético constituiu-se em uma “máfia” política e econômica que inibiu a
capacidade de iniciativa e criativa dos operários, que se acostumaram a fazer apenas aquilo
que estava previsto no plano em vigor, não existindo flexibilidade;
- A infalibilidade do partido como representante da massa gerou um exclusivismo, um
monopólio partidário, um autoritarismo estatal, marcado pela censura, repressão e pela
inexistência de eleições livres e do pluripartidarismo, de liberdade de greve. Afinal, como
justificar greves de operários contra um governo que era exercido por eles mesmos;
- Nos 1980, M. Gorbachev lança a Perestroika e a Glasnost. Segundo o próprio Gorbachev, a
Perestroika ou reestruturação era uma “política de aceleração do processo social e econômico
do país e de renovação de todas as esferas da vida”, pensada e articulada em função da
realidade da URSS, estagnação econômica, autoritarismo, burocratismo, ineficiência
econômica e pobreza. A Glasnost, transparência acaba com a censura e monopartidarismo,
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permitindo a existência de uma imprensa livre, do pluripartidarismo e de eleições livres e
gerais, do direito de greve;
- A Perestroika e a Glasnost constituíam-se num projeto geopolítico para manter a URSS entre
as grandes potências do século XXI, equiparar a economia civil à economia militar e
introduzir gradualmente mecanismos da economia de mercado, preservar a unidade do país
por meio de um sistema federativo e conter os sentimentos étnicos e nacionalistas;
- No dia 26 de abril de 1986, houve o desastre de Tchernobil, com explosões no reator 4 da
Usina de Tchernobil, na região da Ucrânia, naquele que é considerado o maior desastre
nuclear da história. Nenhum médico podia mencionar a radiação como causa de morte ou
enfermidade;
- O pavio acendeu em março de 1990, quando a Lituânia proclamou sua independência. Em
agosto de 1991, Gorbachev propôs um novo Tratado da União que reformulava a condição
jurídica da União Soviética. No mesmo mês, nove Repúblicas proclamaram sua
independência, tornando-se livres, na devida ordem: Estônia, Letônia, Ucrânia, Bielo-Rússia,
Moldávia, Casaquistão e Quirguízia, Azerbaijão, Usbequistão. Nos meses seguintes mais três
conquistaram sua independência, Tadjiquistão e Armênia (setembro) e Turquemenistão
(outubro);
- Os líderes da Rússia, Ucrânia e Bielo-Rússia declararam o fim da União Soviética e
tornaram pública a fundação da CEI - Comunidade de Estados Independentes. Em nenhum
momento Gorbachev foi consultado. Na verdade, George Herbert Bush soube da novidade
antes dele. Cada vez mais esvaziado, restava-lhe apenas a dignidade. E para preservá-la, na
noite do natal de 1991, Gorbachev fez um curto pronunciamento despedindo-se da
presidência. Pouco tempo depois, a bandeira vermelha com a foice e o martelo deixava de
tremular no topo do Kremlin. A história da União Soviética terminara ali.
- Na Polônia, o líder operário de Gdansk, Lech Walesa, cria o Sindicato Solidariedade em
1976. No início dos anos 1980, vence a eleição e assume a Presidência. L. Brejnev e alguns
representantes do Pacto de Varsóvia entendiam que a liberdade alcançada pelo operariado
significava uma perigosa exceção que ameaçava a ordem comunista no leste, ameaçando
invadir o país. Em crise a União Soviética temia as conseqüências para o Kremlin, sentia
ainda os efeitos decorrente da guerra com o Afeganistão e sofria as pressões do Governo
Reagan e do Vaticano (o Papa João Paulo II era Polonês), que se opunham à invasão.
- Na Romênia, Nicolae Ceaucescu, encastelado no poder desde 1965, foi derrubado e fuzilado
24 anos depois. Conhecido como “Vampiro dos Bálcãs” e “Führer romeno”, Ceuacescu usava
a Securitate, a polícia secreta romena para perseguir e eliminar os opositores do regime. O
casal Ceuacescu foi fuzilado no natal de 1989.
- A Tchecoslováquia viveu em 1989 uma nova primavera em Praga (em referência a
Primavera de Praga, de 1968, quando Alexander Dubcek, tentou criar um modelo de
“socialismo com rosto humano”, esmagado pelos tanques da URSS). Dubcek estava de volta
em 1989, com o semblante envelhecido, cabelos brancos e o corpo ligeiramente arqueado. No
dia 17 de novembro de 1989, o regime de Milos Jakes reprimiu violentamente uma
manifestação de estudantes. Alguns intelectuais, dentre eles Václav Havel, organizaram um
movimento de oposição ao regime, criando o Fórum Cívico, organizando manifestações de
oposição na Praça Venceslau. Os exemplos de outros países do leste levaram Milos Jakes à
renúncia. Dubcek e Havel brindaram a vitória à revolução pacífica, a nova primavera de
Praga.
- Em novembro de 1989, o Muro de Berlim é derrubado, o governo de Honecker da
Alemanha Oriental vê-se impedido de conter a demolição. Era o fim do “breve” século XX.
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III - A Crise de 1929
- A crise de 1929 foi a mais grave crise cíclica e estrutural do capitalismo contemporâneo. Foi
uma crise de superprodução do capitalismo liberal que atingiu em maior ou menor intensidade
todos os países, exceto a antiga URSS, de economia planificada e isolada. Esse fenômeno se
explica pela plena integração e interdependência das economias capitalistas, que desde o
século XIX (com divisão internacional do trabalho), articulava as economias centrais com as
economias periféricas. A crise foi agrícola e industrial ao mesmo tempo, e seu período de
duração, o chamado “ciclo infernal”, estendeu-se até 1933.
- Vale ressaltar o caráter contraditório do capitalismo: a produção objetiva o lucro e se baseia
na exploração do trabalho assalariado (através da extração da mais-valia), gerando, portanto, a
concentração de renda, da riqueza produzida. Como a capacidade do mercado consumidor não
acompanha o ritmo de crescimento da produção, cada vez maior, em função do avanço das
forças produtivas e do aumento da produtividade, chega-se a uma situação de superprodução e
contração do mercado. Este quadro, contraditoriamente, acaba por gerar uma queda da taxa de
lucro do capitalista, da burguesia.
- Bolsa de valores é o lugar onde se negociam ações (papéis) que representam o capital de
uma empresa, que podem ter um valor (real e nominal) e valor de mercado (que pode ser
irreal e fictício). A compra desenfreada (a procura) leva ao aumento das cotações (dos
preços), podendo levar ao crescimento do capital da empresa.
. Antecedentes da crise:
- Os Estados Unidos emergiram da I Guerra Mundial como a maior potência capitalista,
passando a exercer um crescente controle sobre os mercados até então submetidos ao capital
europeu, à Inglaterra. Em 1919, os Estados Unidos detinham cerca da metade do estoque
metálico do mundo, aproximadamente 45% das reservas de ouro do planeta, enquanto os
europeus amargavam uma dívida de mais de 10 bilhões de dólares com os norte-americanos;
- O clima de euforia sem precedentes, alimentado pelo espírito do “american way of life” e na
idéia de que a prosperidade seria permanente, contagiavam a sociedade norte-americana.
Durante a década de 20, os republicanos ocuparam a Casa Branca, sem intervir na economia,
alicerçados nos princípios do liberalismo econômico.
- Entretanto, a onda de otimismo e o desenvolvimento escondiam uma outra realidade: a renda
per capita aumentou de 660 para 857 dólares entre 1921 e 1929, a produção de veículos saltou
de 8 para 23 milhões entre 1920 e 1930. Entre 1923 e 1929, o valor dos produtos industriais
cresceu aproximadamente 10 bilhões de dólares, enquanto o valor global dos salários foi de
aproximadamente 600 milhões de dólares. Uma brutal diferença entre o VPI e o VGS, em
outras palavras, aumentava o número de indústrias e de produtos, que não era acompanhado
do crescimento de compradores na mesma proporção, superprodução e sub-consumo.
- Externamente, a Europa começa a reorganizar sua economia, reduzindo a dependência dos
empréstimos e produtos dos Estados Unidos. Os fazendeiros estadunidenses começam a
recorrer aos empréstimos bancários, construir silos para estocagem de grãos, gerando uma
crescente dependência do setor financeiro. Acreditava-se que esses problemas eram
passageiros. No setor financeiro, as grandes empresas norte-americanas tiveram suas ações
supervalorizadas na Bolsa de Nova Iorque, o termômetro do mercado econômico-financeiro,
no clima de “prosperidade permanente”. No entanto, tratava-se de uma valorização artificial,
baseada na especulação, não sendo sustentada por um real crescimento da economia;
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- Durante o segundo semestre de 1929, a confiança no “american way of life” começou a ser
questionada, o pânico tomou conta dos acionistas das principais empresas norte-americanas.
Se, entre 1927 e 1929, as ações passaram de 130 para 218 pontos, durante o mês de outubro
de 1929, as ações caíram mais de 40%. Esse quadro culminou na célebre Quinta-Feira Negra
(24 de outubro), dia em que mais de 16 milhões de ações não encontraram compradores. Era o
“crack” ou quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, que nos dias subseqüentes arrastou o
sistema capitalista num “crash” global.
. Efeitos da crise:
- Paralisação do crescimento alemão, com o surgimento de mais de 6 milhões de
desempregados. A crise se propagou rapidamente pela Inglaterra e França, principais credoras
da Alemanha, que se viu absolutamente impossibilitada de pagar indenizações de guerra;
- Colapso do comércio internacional e um crescimento assustador do desemprego (e da fome),
com mais de 15 milhões de desempregados nos EUA, mais de 40 milhões no mundo
ocidental, com repercussões da crise por mais de 10 anos, que só seria realmente superada a
médio prazo, no contexto da II Guerra Mundial (1939-1945), vista como saída “natural” para
a maior crise do sistema capitalista, possibilitando uma re-divisão dos mercados e uma
retomada do crescimento industrial;
- No mundo ocidental, os países capitalistas abandonaram os princípios do liberalismo e
voltaram às práticas intervencionistas, que não devem ser confundidas com intervenção
mercantilista e nem com planificação socialista. Era intervenção capitalista na economia
capitalista para garantir sua sobrevivência, seus instrumentos e seus agentes. Esse processo de
controle do Estado sobre a economia foi baseado nas idéias do economista Jonh Maynard
Keynes (1883-1846), do Keynesianismo, influenciando o New Deal, o programa de
recuperação econômica de Franklin Delano Roosevelt e a superação da Grande Depressão
dos anos 30.
- Crise do Estado Liberal, com a busca de soluções nacionais e a contestação do liberalismo
feita pelos socialistas e pelos nazi-fascistas. Para os primeiros, o Estado Liberal encontrava-se
a serviço dos interesses da burguesia, com uma liberdade mais formal do que real, na medida
em que as massas populares estavam excluídas de qualquer processo decisório. Para os nazifascistas, o Estado Liberal, alicerçado nos princípios da liberdade e da democracia burguesa,
era incapaz de realizar e garantir a grandes transformações preconizadas pelo nacionalsocialismo. Apenas um Estado autoritário, baseado no unipartidarismo, seria capaz de
garantir, inclusive, a própria ordem capitalista ameaçada pelo avanço das esquerdas. Esse
confronto levou à polarização ideológica dos anos 30, envolvendo “direita” e “esquerda”,
nazi-fascistas e comunistas;
- A crise das democracias liberais-burguesas, o desemprego, a busca de soluções nacionais e
avanço do socialismo levaria parte do mundo ocidental a soluções totalitárias;
- Nas economias periféricas (Brasil e os demais países latino-americanos), iniciou-se um
processo de reciclagem de seus modelos, até então primário-exportadores. O abalo da
economia cafeeira levou o Brasil à revisão de seu modelo de desenvolvimento, com o
estímulo à diversificação econômica e à industrialização. Assim, o Estado assume um novo
papel, o de agente da modernização e da industrialização, aliando-se às novas forças sociais, a
burguesia industrial a ao operariado, sem tirar do Estado seu caráter capitalista, burguês e
conservador.
- A adoção do New Deal, a partir da vitória do democrata Franklin D. Roosevelt, em 1932,
que em 1933 começa a implementar um conjunto de medidas que se propunham a
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recuperação econômico-social do país: intervenção estatal na economia; concessão de
empréstimos arruinados; controle da produção visando à manutenção dos preços; fixação dos
preços de produtos básicos (carvão, petróleo, cereais); aumento de salários e a redução da
jornada de trabalho para 8 horas; legalização dos sindicatos e abolição do trabalho infantil;
desenvolvimento da previdência social e criação do salário-desemprego; incentivo à
construção de obras públicas e a criação de um fundo que garantisse os depósitos populares
nos bancos, mesmo em caso de falências.
- Muitos estudiosos da História econômica questionam até que ponto o New Deal ajudou os
Estados Unidos a saírem da crise. Outros consideram que várias medidas já tinham sido
adotadas pelo Presidente anterior, Herbert Hoover. Entre 1937 e 1943 o programa foi sendo
abandonado e abolido definitivamente.
IV - Os Nazi-Fascismos
- Os anos 20 e 30 do século passado, assistiram o surgimento e ascensão de regimes
totalitários, basicamente nazi-fascistas, na Alemanha, Itália, Portugal, Espanha, Brasil,
Polônia, Romênia e Hungria. Regimes que encontrariam maior expressão nos camisas-negras
de Mussolini e nos camisas-pardas de Hitler, financiados pela grande burguesia européia para
combater e esmagar o movimento organizado das classes trabalhadoras. Foram, portanto,
movimentos contra-revolucionários, para garantir a ordem estabelecida: capitalista.
. A Itália
- Apesar de ter lutado ao lado dos vencedores da I Guerra, Inglaterra, França e EUA, a Itália
foi tratada como parceiro de segunda categoria, recebendo muito pouco do espólio da guerra e
dos vencidos, sentindo-se humilhada. A Itália (como a Alemanha) unificou-se tardiamente, só
em 1870. O país continuava marcado por uma clara diferenciação entre a economia agrária no
sul e os dinâmicos centros industriais do norte, como Turim e Milão. A Grande Guerra
proletarizou a classe média e a pequena burguesia, que espremidas entre o avanço do
proletariado e a insensibilidade da burguesia tornaram-se presas fáceis à pregação fascista;
- Benito Mussolini, um dos mais populares líderes socialistas, neutralista e antimilitarista,
redator-chefe do jornal socialista Avanti! Exige a entrada da Itália na Guerra, com o apoio
financeiro de empresários interessados nos lucros da guerra e do governo francês. Em 1919,
transforma-se no principal líder do fascismo. Junto a escritores famosos, como Filippo
Marinetti, Gabriele D’Annunzio e Mario Carli, Mussolini defende uma revolução dos
costumes e do modo de viver, a criação de um novo homem, adere ao futurismo como visão
de mundo, considerando a guerra um caminho para a redenção da Itália e superação das
oligarquias tradicionais;
- A palavra fascismo tem sua origem no termo latino “fasci” (feixe) e, na Roma Antiga,
representava um símbolo e um princípio de autoridade. O feixe de varas paralelas,
entrecortadas por um machado era o símbolo da autoridade dos magistrados romanos;
- A Monarquia Parlamentar vê-se incapaz de controlar os Grupos de Combate (“Fasci di
Combattimento” e os Esquadrões (“Squadi”), que passam agir livremente, praticando
atentados contra jornais de esquerda, sedes de sindicatos e líderes comunistas. Pouco a pouco,
Mussolini e seus “camisas negras” ganham a simpatia do grande capital (Giovanni Agnelli, da
Fiat e Giuseppe Volpi, do setor elétrico), dos meios militares, de amplos setores da Igreja
Católica, dos grandes proprietários e da classe média. Com porretes e óleo de rícino,
humilhavam, espancavam e matavam seus oponentes. Em 1921, já havia 200 mil fascistas em
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esquadrões armados, contando com o fornecimento de armas da polícia e do Exército
italianos;
- Em agosto de 1922, os partidos de esquerda organizam uma greve geral com o objetivo de
denunciar e repudiar os métodos fascistas. Em outubro do mesmo ano, os fascistas realizam a
famosa “Marcha Sobre Roma”, quando cerca de 50.000 “camisas negras” desfilam pela
capital e exigem a entrega do poder. O rei Vítor Emanuel III, pressionado por militares e pela
alta burguesia, convida Mussolini a ocupar o cargo de 1º Ministro. Em 1924, realizam
eleições para o Parlamento, e, por meio do terror, os fascistas obtêm 65% dos votos;
- O deputado socialista Giacomo Matteotti denuncia, em 1924, o Estado Policial e a tortura
em discurso no Parlamento. Logo em seguida, seria seqüestrado e apareceria morto dias
depois. Mussolini resistiu ao escândalo, recebeu apoio do Exército e dos católicos. Em 1926, a
pena de morte é restaurada e milhares de pessoas são condenadas à prisão, exiladas e mesmo
executadas;
- Em 1928, Mussolini assina um acordo com a Igreja Católica, pondo fim à “questão
romana”, que perdurava desde a unificação italiana, quando o Papa Pio IX (Giovanni Maria
Mastai-Ferreti, Papa entre 1846 e 1878) se autoconsiderou prisioneiro do Estado italiano no
Vaticano. Pelo Tratado de Latrão, assinado com o Papa Pio XI (Achille Ratti, Papa entre
1922 e 1939), cria-se o Estado do Vaticano, a Igreja Católica recebe indenização pelos
Estados Pontifícios perdidos com a Unificação, a religião católica torna-se obrigatória nas
escolas. Em contrapartida, Mussolini obtém o apoio da Igreja Católica.
- O nazi-fascismo rejeita:
a) o individualismo, pois o homem só adquire valor para a pátria, quando é parte integrante de
um grupo. Assim, direitos individuais e direitos humanos, também são rejeitados. O homem e
seus interesses pessoais devem se subordinar aos interesses maiores das nações;
b) o liberalismo, visto como princípio que leva à degenerescência do grupo;
c) o racionalismo, que asfixia o instinto, o impulso vital, a vontade primária do homem. O
intelectualismo é visto como nocivo, desagregador, entrave à coesão do grupo;
d) o marxismo, baseado na luta de classes e visto fator de enfraquecimento e divisão da
sociedade.
- O nazi-fascismo defende:
a) o nacionalismo exacerbado, o culto à nação e a mistificação desta, para recuperar suas
raízes, preservar suas origens, e manter a “pureza da etnia”;
b) o racismo: é preciso “purificar” o elemento nacional de qualquer tipo de “contaminação”
do sangue. O racismo alimenta-se do nacionalismo e vice-versa. Exagerados levam ao
xenofobismo e à intolerância, comprometendo a capacidade de alteridade;
c) o expansionismo, necessidade básica dos “povos vigorosos e dotados de vontade” para a
conquista de um “espaço vital”;
d) o militarismo, condição para o sucesso do projeto expansionista;
e) a submissão de todos ao Estado; o unipartidarismo; o culto ao chefe, ao líder (o Duce, na
Itália; o Führer, na Alemanha); a hierarquização da sociedade e seu elitismo; o
corporativismo;
e) o ideal de construção de um novo homem, viril, insensível em relação aos mais fracos,
porta-voz da vontade nacional, etnicamente puro, instintivo, primário, corajoso, disciplinado.
Obediente e capaz de executar qualquer ordem sem questionar ou discutir.
. A Alemanha
- As frustrações acumuladas decorrentes da I Guerra Mundial (1914-1918), a derrota, as
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humilhações impostas pelo Tratado de Versalhes e aceitas pela República de Weimar (nome
dado à experiência republicana, representativa e parlamentar adotada entre 1919 e 1933)
criaram as condições favoráveis para o surgimento, crescimento e ascensão do nazismo e de
Hitler;
- Pela Constituição de Weimar (1919), a Alemanha do pós-guerra deveria ser uma República
Parlamentar, federalista e democrática, com o Presidente sendo eleito pelo voto universal e
direto. O Parlamento era dividido em duas Câmaras: o Reichstag, formado pelos deputados
eleitos, e o Reichsrat, formado pelos representantes dos Estados federados. O 1º Ministro ou
Chanceler é nomeado pelo presidente e exerce as funções do Poder Executivo;
- Em 1919, funda-se o Partido dos Trabalhadores Alemães, do qual Adolf Hitler é o sétimo
membro. Em 1920, Hitler já é a principal figura do partido, que altera seu nome para Partido
Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista.
Em 1923, aproveitando da ocupação francesa no Vale do Ruhr e da crise política e econômica,
Hitler e seu partido tentam um golpe para assumir o poder, conhecido pela expressão Putsch
de Munique. A tentativa fracassa e Hitler é preso e condenado a 5 anos de prisão, não
chegando a cumprir um ano. Na prisão escreve o livro “Mein Kampf”, Minha Luta, onde
apresenta o programa e a ideologia nazista. Em função da grande repercussão da obra, o
Partido Nazista decide chegar ao poder por meios legais;
- A crise econômica de 1929 agrava a situação sócio-econômica da Alemanha. A ordem
capitalista é criticada pelos comunistas que alcançam expressivas votações nas eleições de
1930 e 1932. O nazismo passa a ser visto como solução para os setores conservadores,
nacionalistas e antiliberais. Diante do avanço das esquerdas a burguesia alemã vê no nazismo
um “mal menor”. Através do terror implantado pelas tropas de assalto (S.A.), o nazismo se
impõe;
- Em 1932, Htler concorre às eleições presidenciais, sendo derrotado, apesar da expressiva
votação. Em janeiro de 1933, o Presidente Hindemburg convida Hitler para o cargo de
Chanceler, sob pressões dos militares e do empresariado alemão. Nas eleições de 1933, a
fraude e o terror garantem aos nazistas 44% dos votos, dividindo o Parlamento alemão e
facilitando a escalada de Hitler, que por meio de um decreto-lei obtém plenos poderes.
- Em 1934, morre o velho Presidente Hindemburg, e Hitler passa a ser o chefe da nação. No
mesmo ano, os nazistas providenciam um incêndio no Reichstag. Os comunistas são acusados
e o Partido Comunista é declarado ilegal, seus líderes são presos em campos de concentração.
O terror se espalha e a Alemanha começa a ser nazificada, tudo passa a ser controlado pelo
Estado, o unipartidarismo se impõe. A indústria bélica e o militarismo crescentes resolvem o
problema do desemprego;
- Começa a expansão nazista: em janeiro de 1935, a região do Sarre é reincorporada; em
março de 1936, a Renânia é ocupada; em março de 1938, a Áustria é anexada; em setembro
do mesmo ano, os Sudetos são ocupados; em 1939, anexa a Boêmia, a Moravia, Eslováquia e
invade a Polônia. Eram os primeiros passos da II Grande Guerra.
. Em 1936, a Alemanha e a Itália envolvem-se na Guerra Civil Espanhola, considerada um
“pequeno ensaio” para a Grande Guerra. O governo espanhol (a Frente Popular, integrada por
socialistas, republicanos, comunistas e anarquistas) foi atacado e derrubado pelas tropas do
General Francisco Franco, que organiza o Partido Nacional da Falange. Com o apoio da Igreja
Católica, dos grandes proprietários e empresários, da Itália e da Alemanha, Franco mergulha a
Espanha numa guerra civil, que se prolongou até 1939. A cidade de Guernica, no país Basco,
foi destruída pela aviação alemã. O governo republicano esperou inutilmente pelo auxílio das
democracias européias, que decidiram pela não intervenção no conflito. A União Soviética foi
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o único Estado que apoiou materialmente o governo republicano, com um grande número de
voluntários da Europa e da América integrados às fileiras do Exército republicano (entre eles
o brasileiro Apolônio de Carvalho), que foi derrotado. Ao final da guerra civil, contavam-se 1
milhão de mortos, Franco assume o poder, iniciando um governo fascista, que se estenderia
até 1975. Em 1969, o generalíssimo Franco, envelhecido e doente, indicou o príncipe Juan
Carlos de Bourbon como seu sucessor. Enquanto esteve vivo, porém, mesmo quando sofreu
vários ataques cardíacos, jamais concordou em transferir-lhe o poder, o que só aconteceu com
a sua morte, em 20 de novembro de 1975. Em outubro de 1977, o Pacto de Moncloa garantiu
o restabelecimento da Monarquia e da democracia espanholas.
Apêndice I
A Propaganda Nazista e o Totalitarismo
“Dusseldorf: Hitler esteve aqui durante dois dias. O querido e velho camarada. Como pessoa,
qualquer um tem que se simpatizar com o Fuhrer. É ainda, uma personalidade atraente
Sempre se aprende algo de novo com esse homem resoluto. Como
orador
sabe
combinar
com
grande
harmonia
gesto,
mímica
e
linguagem. É um agitador de nascimento. Com seus dotes, um homem pode conquistar o
mundo.”
(Diário pessoal de Joseph Goebbels, chefe da propaganda nazista.)
“(...) a prpaganda permitiu-nos conservar o poder. A propaganda nos permitirá a conquista do
mundo.”
Com Adolf Hitler - cidadão austríaco de nascimento e germânico por adoção - nasceu um dos
períodos mais sombrios da História mundial, marcado por capítulos de sangue, terror e ironia.
Ao final da Segunda Guerra Mundial - que não pode ser atribuída a ele - 1.350.000 toneladas
de bombas haviam sido despejadas, a maior parte sobre populações civis; 55 milhões de
mortos; dezenas de cidades foram reduzidas a pó com seus tesouros milenares; campos de
extermínio e tortura; experiências científicas; hordas de refugiados (aproximadamente 30
milhões) e fome transformaram-se nas conseqüências mais imediatas da guerra.
Hitler estudava História, o bastante para conhecer as advertências que, desde do final do
século XIX, anunciavam o fim próximo do domínio europeu e a emergência de novos
poderes. EUA e a Rússia, que fundou a URSS nos anos 1920. Em 1918, um assustadíssimo
jovem teve acesso ao livro A decadência do Ocidente, de Oswald Spengler, que alimentava
estudos e debates. Os alemães já sentiam o peso do poder estadunidense em tempos de paz
quando tiveram que depender dos banqueiros de Nova York para pagar indenizações de
guerra aos franceses. Temia-se a tecnocracia estadunidense e a violência estalinista. E o
grande sonho de Hitler era tirar a Europa da condição de território espremido e secundário
diante de dois gigantes emergentes, suprimir a URSS e deixar o mundo dividido em dois
grandes blocos: a Europa, com os Impérios Britânico e Alemão, apoiada no Oriente pelo
Japão, e, de outro, os Estados Unidos.
Hitler não bebia nem fumava e era vegetariano, o que o tornava mais simpático a certas
mentalidades. Era leitor de Nietzsche, Freud, Weber (um dos mentores da República liberal de
Weimar) e outros autores. Visitou reverentemente o túmulo de Napoleão Bonaparte, de quem
se considerava um sucessor, e pregava a subjugação das “raças inferiores”, das quais emergira
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o general francês. Hitler não inventou a propaganda, mas transformou-a. Converteu-a numa
arte particular, tão utilizável como a diplomacia e os exércitos.
República de Weimar é o nome atribuído à experiência republicana, representativa, federalista
e parlamentarista adotada entre 1919 e 1933. Pela Constituição de Weimar (1919) a Alemanha
do pós-guerra deveria ter um Parlamento dividido em duas câmaras: o Reichstag, formado
pelos deputados eleitos, e o Reichsrat, formado pelos representantes dos Estados Federados. O
1º Ministro ou Chanceler seria nomeado pelo Presidente e exerceria as funções do poder
Executivo.
Em 1919, surge o Partido dos Trabalhadores Alemães, do qual Adolf Hitler é o sétimo
membro. Um ano depois Hiltler já é o principal nome do Partido, que altera seu nome para
Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido
Nazista.
A propaganda foi transformada em arma, foi utilizada em toda a sua extensão e fins. Uma
raça/etnia foi dominada, transformada em fantoches e carrascos. Outra foi odiada,
transformada em cobaias e quase exterminada. Os alemães acreditavam em ideais, loucuras e
esperanças, todos sempre muito bem divulgados, com uma síntese cuidadosa de todas as
técnicas de manipulação de opinião até então existentes, utilizando-se de recursos da ciência,
da religião e da arte.
O Fuhrer, como gostava de ser chamado, era dotado de grande fascinação e carisma. Usava
seus gestos definidos e bem treinados, sua voz em tons certos. Divulgar ao máximo os ideais
do nazismo era uma de suas estratégias. Os discursos deveriam ser curtos para não cansar,
maniqueístas opondo o bem e o mal, pois assim era a visão simplificada das massas, incapazes
de muita compreensão. Todos que eram inimigos da Alemanha deveriam ser combatidos.
Integrar todos num projeto muito maior do que eles, a um Estado forte e poderoso. Os
cidadãos alemães sentiam-se participantes do processo de recuperação do país, além de
protegidos e irmanados numa mesma luta, pelos mesmos ideiais.
Hitler considerava que a propaganda sempre deveria ser popular, dirigida às massas, levando
em conta seu baixo nível de compreensão. “As grandes massas”, dizia ele, “tem uma
capacidade de recepção muito limitada, uma inteligência modesta, uma memória fraca”, por
isso deveria ser reduzida a poucos pontos, repetidos incessantemente.. Deveria ser eloqüente,
instintiva e irracional. A massa seria como as mulheres, cuja sensibilidade não captaria os
argumentos de natureza abstrata, mas seria tocada por uma “vaga e sentimental nostalgia por
algo forte que as complete”.
A pasmação do mundo exterior, a omissão (com a política de apaziguamento) e o apoio eram
forças que entusiasmavam seu domínio. Milhões de pessoas o seguiram, embriagas no sonho
de uma Alemanha industrializada, sem desemprego (com 6 milhões de desempregados) e
fome. A inflação no país atingiu, em 1923, o índice de 32.400% ao mês. Médicos e advogados
preferiam receber seus honorários em ovos, carne e cigarros. A Alemanha estava humilhada
pelas imposições do Tratado de Versalhes. A população masculina em idade adulta havia sido
drasticamente reduzida na Primeira Grande Guerra. Conheceu um período de estabilização e
de retomada do da produção entre 1924 e 1929, interrompido pela crise de 1929 e a grande
depressão que se seguiu, o movimento operário e as idéias socialistas e nacionalistas cresciam.
Era uma época ideal para a ascensão e o triunfo de ideologias radicais.
O avanço dos comunistas na Alemanha (com expressivas votações nas eleições de 1930 e
1932) e na Europa leva as forças de direita à união e à adesão dos militares e da burguesia
industrial e financeira ao nazismo. Os grupos Thyssen, Kupp, Bosch, Siemens, Schacht, Von
Schröder (na Alemanha); L’Oréal (na França); IBM (nos EUA); FIAT (na Itália) apoiaram e
financiaram o nacionalsocialismo.
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Hitler e Goebbels/Espetáculo
Homem pálido e estranho. Olhos azuis, bem claros e fortes, “como estrelas”, segundo
Goebbels para magnetizar e impressionar as pessoas, para subjugá-las. Corpo Franzino,
baixo, lábios finos e um bigode bem aparado. Uma incrível agilidade. Uma mímica
exagerada, que lhe endurecia as feições. Hitler nasceu em Braunau au Inn, na Áustria em 20
de abril de 1889, era filho de um funcionário aduaneiro. Fizera seus estudos em Linz e
Viena, para seguir a profissão do pai. Dizia querer ser pintor. Em 1907, entre uma ópera ou
outra de R. Wagner, a que assistia, tentou entrar para a Academia de Belas Artes de Viena,
mas foi reprovado.
Em Mein Kampf - que vendeu mais de 300.000 exemplares antes mesmo dele chegar ao
poder - elaborado na prisão (durante alguns meses) após uma tentativa de golpe fracassada
em 1923 (citado mais a frente), dizia que leu o bastante para odiar tanto os comunistas,
quanto os socialdemocratas e os judeus. Em 1913 vai para a Munique, provavelmente a fim
de escapar do serviço militar. Mas com a guerra, alista-se, é ferido numa perna e ganha a
Cruz de Ferro de primeira classe. Perdeu as eleições presidenciais de 1932 para Paul Von
Hindemburg. Em janeiro de 1933, Hindemburg convida Hitler para o cargo de Chanceler,
sob pressões dos militares e empresários do país. Nas eleições de 1933, a fraude e o terror
garantem aos nazistas 44% das cadeiras do Parlamento, dividindo-o. Com a morte de
Hindemburg em 1934, Hitler transforma-se em Chefe da Nação, acumulando os dois
cargos, Presidente e Chanceler. Era o início do Terceiro Reich e a Alemanha começa a ser
nazificada.
Em 1923, aproveitando-se da ocupação francesa no Vale do Ruhr e da crise política e
econômica, Hitler e seu partido tentam assumir o poder com um golpe, conhecido pela
expressão Putsch de Munique. A tentativa fracassa e Hitler é preso e condenado a 5 anos de
prisão, não chegando a cumprir um ano.
Hitler morreu em 30 de abril de 1945 em Berlim.
Ninguém sabia como ele sugestionar as massas. Fazia mover conforme sua vontade um
público cada vez mais numeroso. Reservava para si - como confessou várias vezes - a
satisfação de falar a um grande público, chegando tais vezes a ter orgasmos. Não temia as
ameaças e nunca esquecia as bajulações. Sua eloqüência obedecia a características
especiais, conhecendo melhor do que ninguém a arte de orador, sabendo apresentar-se
conforme o momento, cômico ou grave e sério, trágico ou cínico. Era um perito em fazer
malabarismos com temas místicos (honra, sangue, o fogo e a terra), transformava a política
em espetáculo, envolvendo as pessoas num estado de tensão superando a lógica e a clareza.
Os nazistas produziam grandes espetáculos, exaustivamente planejados com símbolos,
uniformes, desfiles de armas, bandeiras e discursos inflamados. As fontes eram variadas da
ancestral mitologia germânica até elementos litúrgicos do catolicismo, incluindo o estudo
da psicologia das massas e as técnicas de agitação comunista. Procuravam condicionar
homens e mulheres com estímulos primários e respostas imediatas. Os comícios
espetaculares eram realizados preferenciaamente no início da noite, pois segundo Hitler era
ao cair da tarde e no começo da noite que o trabalhador estava preparado para acreditar. A
multidão disposta disciplinadamente, a música envolvente e cantada pelas pessoas
acompanhadas de bandas e fanfarras ampliavam consideravelmente o entusiasmo, a histeria
e o êxtase de todos.
Speer dispunha os projetores de baterias antiaéreas para obter efeitos expressionistas,
aumentando a dimensão física dos monumentos e dando aos símbolos uma força
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extranatural. Em comícios 130 projetores eram dispostos a doze metros um do outro,
iluminando verticalmente o céu com raios que alcançavam de seis a oito quilômetros de
altura. A chave da organização dos grandes espetáculos era converter a própria multidão em
peça essencial dessa mesma organização.
Walter Benjamim, no final de seu célebre ensaio “A obra de arte no tempo de suas técnicas
de reprodução”, chama a atenção para a importância das massas na história presente e para
a dificuldade que o fascismo encontrava em atender seus anseios básicos. Ao pretender
organizar as massas, o fascismo não admitia que elas fizessem valer seus direitos, mas
apenas “se expressassem”. Em Mein Kampf Hitler colocava que a arte era produto da
grandeza nacional. Arte e política eram por ele concebidas como uma única e mesma coisa.
Sentia-se lisonjeado ao ser considerado chefe artístico e político da nação. Povo, arte e
Estado eram as bases do espetáculo nazista.
A arquitetura elevada à condição de arte no nazismo deveria expressar a grandeza de um
regime, de uma época, de um povo, de uma raça. Entretanto, não deveria apenas expressar a
unidade e o poder alcançados pela nação, ela poderia também criá-los, despertando a
consciência nacional, reforçando a unidade política e o orgulho de ser alemão. A arte
Greco-romana era, para os nazistas, “inseparável de uma certa glorificação da crueldade, da
escravatura, do militarismo e da afirmação da supremacia da raça ariana sobre os bárbaros”.
O modo como a multidão se comportava durante os espetáculos e a maneira como eram
organizados acentuavam seu caráter de culto religioso, com o povo envolvido numa
atmosfera de fanatismo e de histeria. Segundo Joachim Fest, era sobretudo, nas cerimônias
fúnebres noturnas que a política estetizada do nazismo alcançava resultados deslumbrantes.
Com tochas de fogo, fogueiras e círculos de chamas, desfiles, sequências sombrias de
músicas de Wagner compunham o cenário da exaltação dos feitos grandiosos do teatro do
regime, canalizador dos imperativos da política. No ponto alto do espetáculo, o “grande
sacerdote” mantinha-se imóvel, silencioso, de luto, em meditação, acompanhado do silêncio
impressionate da multidão.
O espetáculo teatral procurava mostrar Hitler como o homem providencial, como expressão
maior das vontades coletivas, a quem se obedece. “Sua vontade é efetivamente a vontade de
Deus”. O culto da personalidade de Hitler assume traços de pura idolatria. Cercado da
maior solidão em meio à massa, a liturgia teatral realçava a sua condição de Fuhrer, posto
acima de todos e inatingível. Tinha o hábito de chegar aos comícios e festividades de avião,
sobrevoando os locais dos eventos lentamente para aparecer aos olhos de seus fiéis como
“um Deus descendo sobre a terra” como está colocado no magistral filme O Triunfo da
Vontade, de Leni Riefenstahl, a cineasta alemã predileta de Hitler. Como se fosse um deus
pousando entre seus fiéis ele chegava, discursava, levava a multidão ao delírio e
desaparecia, pois o mito não deveria permanecer por muito tempo no mundo dos simples
mortais.
Os Meios
A imprensa era o porta-voz do nazismo e nenhuma outra voz podia ser ouvida. Como já foi
colocado Hitler desprezava a capacidade intelectual e crítica das massas, mas um outro
ponto deveria ser destacado, os meios e técnicas que deveriam ser criados e utilizados em
toda a sua extensão na preparação para ter o poder, exercê-lo e conservá-lo. Neste processo
tinha destaque o uso de palavras-chave, de auto-afirmação e de grandeza, o discurso no
imperativo. Era a Doutrina de Pavlov, dos reflexos condicionados, aplicada aos métodos e
resultados da propaganda.
19
A Cruz gamada, suástica de conhecida ancestralidade, conhecida entre os semitas e os
povos da Índia na antiguidade, simbolizava o trabalho, a agricultura, o movimento. Para W.
Reich,era carregada de um conteúdo afetivo e sexual, com grande poder de excitação nas
camadas mais profundas do inconsciente coletivo. A cruz desmembrada em duas barras
seriam símbolos masculino e feminino, juntas simbolizam uma relação sexual. O vermelho,
cor intimamente ligada às manifestações do nazismo, remete ao sangue, vida, movimento e
revolução. O branco, outra cor forte do movimento leva consigo a idéia do nacionalismo.
Tudo era articulado para promover a violação psíquica do ser humano, de sobrepor a
imagem à explicação, o brutal ao racional, a força instintiva das massas ao sentido
individual que desagrega.
As manifestações eram cuidadosamente planejadas e se derramavam em gritos de guerra,
vagas profecias e promessas, que só poderiam atingir o ser humano num nível de exaltação
em que a resposta é irrefletida, bestial. Ao galgar os degraus do palanque, da tribuna do
Congresso de Nuremberg canhões de luz buscavam freneticamente por Hitler, tambores
rufavam a cada degrau e quando chegava ao alto a multidão o saudava aos gritos de “sieg
heil” (salvação). Os instintos mais elementares de violência, de grupo e de destruição
estavam preparados.
Como a população masculina em idade adulta foi drasticamente reduzida na Primeira
Guerra, Hitler reservava um papel especial às mulheres da Alemanha, determinando que “a
finalidade da educação feminina deve ser, irrevogavelmente, a futura mãe”. Dirigia-se às
tropas femininas dizendo que “nem todas vocês podem encontrar um marido, mas todas
podem tornar-se mãe”. Em 28 de outubro de 1935, foi oficialmente instaurado o casamento
biológico “recomendando as relações sexuais fora dos laços do casamento entre rapazes e
moças, unidos pelo mesmo ideal de conservação da raça”. Hitler seria o pai simbólico dessa
mães solteiras, chamadas com respeito de “senhoras” e tratadas como heroínas.
A mulher camponesa está próxima da terra e dos ancestrais comuns dos povos germânicos,
e conjuga, portanto, perfeitamente, a visão essencial do “sangue e da terra”. Na pintura, a
Vênus camponesa aparece sempre com olhos azuis, quadris largos, seios e ventre salientes,
pronta para parir. A sua nudez é a alegoria da mulher alemã, para exaltar a pureza e
fecundidade da raça alemã. A mulher seria a “guardiã da raça ariana”. A pedagogia nazista
para a mulher não ia além de prepará-las para a maternidade. A orientação ideológica
prescrevia para homens e mulheres o cumprimento de funções sociais expressamente
determinadas pelos atributos biológicos. Este processo estaria definido no Projeto
Lebensborn.
O Projeto Lebensborn era uma organização montada pela SS para a seleção de jovens
“guerreiros” que deveriam ter filhos com mulheres arianas previamente selecionadas,
visando a formação da futura elite ariana do Terceiro Reich. Para isso foram criadas
“estações” de reprodução na Alemanha, Noruega, Bélgica e França, onde cerca de 8000
crianças nasceram a partir de tal política. Vale destacar que as políticas de eugenia não
tiveram início na Alemanha.
Antes que se iniciasse nos portões de Auschwitz e Treblinka uma brutal seleção de aptos
para o trabalho e condenados ao extermínio, o Ocidente já realizava a esterilização forçada
de segmentos populacionais considerados degenerados ou perigosos, separando famílias,
proibindo casamentos e separando pais e filhos. Nos Estados Unidos, país iniciador das
práticas eugenistas institucionalizadas, os negros, os migrantes da Europa Oriental e do
Mediterrâneo, os índios e os brancos pobres das montanhas Apalaches eram os alvos
principais. O pior, contudo, estava por vir. Hitler, através de cartas, reconheceu sua imensa
20
dívida para com a eugenia estadunidense, considerando as “experiências na melhoria da
raça como indispensáveis como base científica de sua própria política racial”.
Entre 1935 e 1938, um conjunto de medidas foi efetivado para a implementação da política
racial nazista: os Decretos de Nuremberg determinando o extermínio da população judaica
da Europa e a arianização do Reich. A solução final custaria a vida de seis milhões de
judeus.
O século XX assistiu a uma série de holocaustos, os chamados “genocídios esquecidos”:o
primeiro foi o massacre da população herero da Namíbia, entre 1904 e 1907, pelas tropas
imperiais alemãs; o assassinato em massa dos armênios pelos Turcos, em 1915; a morte
ordenada pelo ditador Trujillo de mais de 30000 haitianos que viviam e trabalhavam na
República Dominicana. Em 1937, em emio a campanha contra a China, o Japão promoveu
o massacre de Nanquim, quando o Império Japonês impõe os “três tudo”: queimar tudo,
matar tudo e saquear tudo. Os dados variam de 260 000 a 400 000 vítimas, com uma série
de atrocidades cometidas contra a população civil da cidade de Nanquim: pessoas sendo
enterras vivas, utilizadas como alvos em treinamento de soldados com baionetas, queimadas
com ácido ou com lança-chamas e atacadas por cães. Segundo a historiadora chinesa Iris
Chang, o grau de brutalidade dos japoneses superou todos os limites, quando pais foram
obrigados a estuprarem filhas e filhos a estuprarem as próprias mães. O fato estarrecedor
chegou a gerar críticas de oficiais nazistas presentes na cidade.
O esquecimento deliberado e a negação destes fatos parecem ser práticas comuns dos
historiadores e autores ocidentais: Winston Churchill não mencionou sequer uma vez estes
massacres ao longo das mais de 1000 páginas de sua monumental obra Memórias da
Segunda Guerra Mundial, publicada em 1959. O mesmo aconteceu com Henri Michel,
presidente do Comitê Internacional de História da Segunda Guerra Mundial, de 1961, um
dos livros mais marcantes de sua geração.
Vários meios, um mesmo fim. Cartazes, jornais, filmes, revistas, alto-falantes, televisão,
cinema, teatro e escolas. Não importava o meio. O importante era comunicar, fazer com que
a propaganda nazista atingisse toda a Alemanha. Comunicar, convencer e mobilizar. Os
meios de difusão da propaganda não eram fixos, variavam no tempo e no espaço, com toda
a intensidade.
A educação, para Hitler, deveria gravar no cérebro e no coração da juventude o sentido de
fidelidade e de obediência ao Fuhrer, além do orgulho de pertencer à raça ariana. A Escola,
submetida ao Estado, deveria colaborar para a formação ideológica da criança e do
adolescente. Os pais eram obrigados a colocar os filhos nas escolas a partir dos 10 anos e
um dos primeiros postulados que aprendiam eram: “Eu não tenho consciência; minha
consciência se chama Adolf Hitler”. Um membro da Juventude Hitlerista fazia a saudação
nazista “Heil Hitler”, com o braço direito estendido e a mão aberta, mais ou menos 150
vezes por dia. Ridicularizar a saudação ou se negar a fazê-la era um delito grave. As
crianças judias eram humilhadas em salas de aula e, mais tarde, acabaram sendo banidas do
sistema educacional.
O Rádio, entretanto, foi o meio mais efetivamente usado pelo nazismo. Foram fabricados
seis milhões do receptor popular Volksempfanger BE301. A programação da rádio estatal
incluía músicas, hinos, programas culturais e jornalísticos, sempre submetidos aos ideais
nazistas, e breves discursos de Hitler. Goebbels controlava todas as transmissões
radiofônicas, priorizando o horário de trabalho, quando mais de 40 milhões de alemães
transformavam-se em ouvintes. Auto-falantes foram estrategicamente colocados em pontos
mais movimentados, de maior concentração pública. A Alemanha alcançou uma cobertura
21
radiofônica mais densa que qualquer país do mundo. O rádio foi colocado à venda por um
preço tão baixo que ninguém poderia deixar de comprá-lo. A voz de Hitler ecoava pela
Alemanha, triunfante, brutal, agressiva, dominadora, desafiadora, ameaçando e se impondo.
O cinema foi largamente utilizado pelo regime pelo seu poder de sedução e de magia..
Calcula-se que foram produzidos 1 350 longas metragens nos doze anos de domínio nazista.
O racismo e o xenofobismo, a militância partidária e as grandes figuras da história da
Alemanha, além claro da exaltação à Hitler, eram os temas predominantes dos filmes. O
ódio aos judeus aparecia em obras como Os Rothschilds, Judeus Suss e o Eterno Judeu, que
mostram os judeus como criaturas degeneradas, féis, sujas, covardes e traidoras, que
enriquecem à custa do trabalho alheio. Para os nazistas, a chamada raça ariana tinha nos
germânicos os seus representantes mais perfeitos e era a única em toda a história que
deixara contribuições e verdadeiras para o progresso humano. E um fato era óbvio para os
alemães: nenhuma ciência, literatura, conhecimento ou música procedente dos judeus
poderia representar verdadeiramente a nação alemã.
Era preciso culpar alguém e pelo preconceito racial, os judeus acabaram com “bodeexpiatório”, sobre quem foram descarregados ódios e vinganças de um povo que passava
por uma época difícil. No filme Olímpia, de Leni Riefenstahl, sobre os Jogos Olímpicos de
1936 em Berlim, procurava-se exaltar a pureza racial, a saúde, a força física e, sobretudo, a
beleza ariana dos alemães. Aliás, os Jogos Olímpicos de 1936, eram considerados o
momento perfeito e privilegiado para se fazer propaganda do regime e “provar ao mundo a
superioridade racial dos alemães”. O próprio Hitler presidiu a abertura dos Jogos e assistiu
diversas vitórias e a superação de recordes pelo negro Jesse Owens, chamado de Apolo
Negro.
Noventa e seis filmes foram produzidos diretamente pelo Ministério da Propaganda, criado
em 1933, e chefiado por Goebbels. No tratamento da guerra, o cinema nazista exercitou seu
duplo esforço de propaganda, tanto no sentido positivo ao exaltar a bravura e o heroísmo
nazista quanto negativo ao mostrar a brutalidade e covardia do inimigo. A propaganda
deveria funcionar como artilharia antes da infantaria, quebrando e abalando as linhas de
defesa do inimigo antes do avanço do Exército. As produções desqualificavam ingleses,
russos e franceses e o sei caráter doutrinário tinha um ponto interessante ao projetar nos
inimigos externos, práticas que estavam sendo implantadas e disseminadas na própria
Alemanha: campos de concentração, perseguições, torturas, genocídio de civis.
O fotógrafo Hugo Jaeger foi escolhido pelo próprio Hitler para documentar sua intimidade.
Acompanhou-o em centenas de eventos entre 1936 e 1943, visitou sua cidade natal, flagrou
a devoção com que os alemães tratavam o ditador. E permaneceu em um quase anonimato
até hoje. Parte de sua trajetória foi revelada em junho de 2009, quando a Life publicou 50
fotos - de um total de mais de 2 000 negativos - inéditas feitas por ele, todas coloridas, um
recurso raro para a época Os registros de Jaeger reforçaram, entre os historiadores, a
relevância dado por Hitler à propaganda com a utilização da fotografia. As imagens
divulgadas tem contornos clássicos e um ar nostálgico. Mostram líderes sorridentes e
multidões organizadas. É a imagem que Hitler queria vender. Jaeger trocou os campos de
concentração pelos suntuosos gabinetes em que seus chefes despajavam. Um privilégio
obtido por seu empenho em explorar a fotografia a cores, definida pelo Fuhrer como “O
futuro”.
Jaeger trabalhava com uma máquina portátil Leica, lançada nos anos 1920. Na década
seguinte, incorporou ao seu equipamento o filme a cores. A primeira empresa a lançá-la foi
a Kodak, logo seguida pela Agfa, filial da marca alemã IG Farben, a mesma que produzia,
durante a guerra, o gás letal usado nas câmaras de Auschwitz. Jaeger não foi o único
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fotógrafo do Reich, mas, como nenhum de seus colegas, teve acesso à intimidade do
Fuhrer. Hitler lhe dizia quais registros poderiam ou não ser publicados. Era permitido, por
exemplo, que fosse fotografado ao lado de sua cadela Blondi. Mas não queria que viesse a
público qualquer imagem dele com Eva Braun. Tal divulgação poderia comprometer a
idolatria das mulheres alemãs ao líder nazista, pois muitas eram apaixonadas por ele.
Estima-se que durante a Segunda Guerra Mundial, 30 milhões de fotos tenham sido
produzidas com objetivo militar. Uma quantidade ínfima, todas dos EUA e Alemanha, era
colorida. Segundo a historiadora Ana Maria Dietrich, o realismo é chocante, onde ficava
evidente a preocupação com a estética, a fascinação do nazismo, um dos pilares ideológicos
do regime.
A literatura, a arquitetura e o teatro estiveram a serviço do Estado e da idéia de se formar o
“novo homem alemão”. Muitos livros foram proibidos de circular. Obras marxistas,
psicanalíticas, liberais e humanistas foram queimadas em cerimônias públicas. Admirador
da arte da Antiguidade Clássica e do Renascimento, Hitler construiu majestosos
monumentos neoclássicos.
O Totalitarismo
Aliando o pensamento marxista e a psicanálise, W. Reich criticou o “marxismo vulgar” e
seus determinismos econômicos ao definir a infra-estrutura como fator de análise de
qualquer fenômeno. Não era pela teoria econômica, afirmava ele, que as práticas nazistas
poderiam ser entendidas. Citava Otto Strasser para criticar a permanente cegueira dos
marxistas alemães: “seu erra básico é que vocês rejeitam ou ridicularizam a alma e a mente,
e não compreendem que estas movem tudo”.
Para Reich a família pequeno-burguesa é o cerne do nazismo enquanto regime autoritário a
serviço do capitalismo. A classe média conservadora é a célula reprodutora dos ideais da
sociedade, é o microcosmo do macro. Opera a normatização dos filhos de acordo com as
normas sociais vigentes para manter se status quo. Prega e reproduz as idéias de honra,
dever e docilidade acríticas, a subserviência à autoridade. O pai introduz na família e
reproduz a relação com seu superior hierárquico na sociedade, com uma vantagem, a forte
carga afetiva. E um problema maior para Reich: as famílias proletárias assimilam,
incorporam e reproduzem a estrutura familiar pequeno-burguesa. Os recalques e a energia
psicossocial das massas eram canalizadas para o envolvimento com as propostas do
movimento nazista, apesar delas se voltarem contra os interesses dos próprios
trabalhadores.
Para Hannah Arendt o totalitarismo era o regime que destruía o terreno da política e fazia
do terror uma forma central do relacionamento do Estado com seus cidadãos. Ao analisar a
violência e a banalidade do mal, esta autora defendia a insuficiência das teorias e categorias
científicas, econômicas e políticas tradicionais para captar e explicar a novidade do que
estava acontecendo. O domínio total é mais opressor que a escravidão e a tirania, é mais
destruidor que a miséria econômica e o expansionismo territorial. O tema do mal, em
Arendt, não tem como pano fundo a malignidade, a perversão ou o pecado humano. A
novidade de sua reflexão reside justamente em evidenciar que os seres humanos podem
realizar ações inimagináveis, do ponto de vista da destruição e da morte, sem qualquer
motivação maligna. É o resultado do processo de naturalização da sociedade e de
artificialização da natureza ocorrido com a massificação, a industrialização e a tecnificação
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das decisões e das organizações humanas na contemporaneidade. O mal passa a ser
abordado na sua perspectiva ético-política e não na sua visão moral ou religiosa.
Para isso Arendt recorre a Kant ao perceber que o mal pode ter origem não nos instintos ou
na natureza pecaminosa do homem e, sim, nas faculdades racionais que o fazem livre.
Dessa forma, o mal não posui dimensão ontológica, mas contingencial. Ele acontece a partir
da interação e da reação das faculdades espirituais humanas às suas circunstâncias. O mal
radical, em Kant, é uma espécie de rejeição consciente ao bem e está atrelado, ainda, ao uso
dos homens como meios, instrumentos, e não fim em si mesmo. E Hannah acrescenta a esta
análise a dimensão histórico-política do seu próprio tempo.
O mal radical está associado ao totalitarismo, organização governamental e sistemática da
vida dos homens prescindindo do discurso e da ação, considerando-os meros animais,
controláveis e descartáveis. É uma forma de governar sustentada no pressuposto de
extermínio de setores da população e não apenas na sua opressão ou instrumentalização.
Isso não diz respeito apenas à exclusão sócio-política do criminoso, nem à eliminação do
opositor ou do inimigo, mas a atualização da lógica da descartabilidade humana inerente
àquelas formas de governo.
Destruindo o mundo comum (partidos, família, arte, religiões, sindicatos, justiça e outras
formas de organização), os governos totalitários constituíram-se baseados na propaganda,
na espetacularização, na atomização, na solidão, na padronização, na coletivização das
massas e na redução do homem a animal. Os regimes totais conceberam os homens como
seres vivos e prolongaram esse critério na escolha dos merecedores da vida. Ao definir o
termo banalidade do mal, Arendt, afirmava que estávamos diante de um tipo de mal sem
relação com a maldade, uma patologia ou uma convicção ideológica, onde o praticante do
mal não conhece a culpa.
Vivendo apenas como animal laborante, os homens tecnificam e burocratizam as suas
obrigações e se tornam, desse modo, incapazes de pensar as conseqüências das ordens
dadas pelos seus superiores ou grupos. Eichmann, segundo Arendt, agiu igual ao cão de
Pavlov que foi condicionado ao salivar mesmo sem ter fome, renunciando ao ato de pensar
e refletir. Buscar o sentido não é apenas se informar, não é algo da ordem do conhecimento
nem da aferição da eficácia. Trata-se de medir e buscar a estatura do que está acontecendo a
partir do crivo da dignificação dos envolvidos. Quem pensa resiste à prática do mal.
O praticamente do mal renuncia à capacidade pertencente aos humanos de mudar o curso
das ações rotineiras através do exercício da vontade própria. Ele também não exercita a
habilidade, peculiar aos homens, de falar e comunicar o que está vendo e sentindo. Vive
sem compartilhar o mundo com os outros. Em suma, recusa-se a viver com os dons
provenientes de suas faculdades espirituais: pensar, querer e julgar. Assim, o mal realiza-se
na banalidade, nas injustiças e nas radicais práticas de violência contra apátridas,
imigrantes, mulheres, desempregados, índios, negros, crianças, idosos e a natureza.
Na contramão da tese de Hannah Arendt, Daniel Jonah Goldhagen defende a idéia de que a
vasta maioria dos alemães partilhava do anti-semitismo de Hitler, muito antes de sua
ascensão política. Na sua obra, Os Carrascos Voluntários de Hitler, Goldhagen afirma que
os carrascos do nazismo não eram burocratas bitolados ou condicionados, que sofriam
pressões psicológicas para se adequarem ao comportamento dos colegas, do grupo.
Matavam judeus porque eram anti-semitas incorrigíveis, gostavam disso e ponto. Para este
autor, a “Solução Final” não teve como única causa o anti-semitismo, mas foi produto de
uma união entre um regime determinado a eliminar judeus europeus e uma gigantesca
burocracia que ansiava pela aprovação de seus superiores.
24
Nos estudos das obras de Kant e Arendt, Norberto Bobbio ressalta o ineditismo da violência
nazista: a escala, a banalização e a descartabilidade do ser humano. Em o Elogio da
Serenidade e outros escritos morais, Bobbio expõe duas vertentes da violência do regime
nazista, o mal ativo, infligido pela violência prepotente e sem limites do poder, e o mal
passivo, sofrido por aqueles que padecem uma pena sem culpa. O filósofo italiano
empenha-se em pensar o holocausto como uma das grandes questões da política e dos
direitos humanos do século XX. O genocídio premeditado e organizado, conduzido pelo
nazismo, diz ele, “é um fato único na história, o maior delito até agora realizado por
homens contra outros homens”.
Para Norberto Bobbio a insuficiência de teorias e categorias científicas tradicionais, como
afirma Arendt, para explicar a violência nazista está relacionada ao seu ineditismo histórico.
Existem razões históricas e gerais para o genocídio, ainda que insuficientes: interesses
econômicos, o desejo de poder, o prestígio nacional, os conflitos sociais, as lutas de classes
e as ideologias.
Referências
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo, Companhia das Letras.
1989.
ARENDT, Hannah. Totalitarismo, o paroxismo do poder. Rio de Janeiro. Ed,
Documentário. 1979.
BAR-ZOHAR, Michael. Perfume Amargo. Rio de Janeiro. Imago. 1997
BLACK, Edwin. IBM e o Holocausto. Rio de Janeiro. Campus. 2001.
GOLDHAGEN, Daniel Jonah. Os Carrascos Voluntários de Hitler. São Paulo. Companhia
das Letras. 1997.
HITLER, Adolf. Minha Luta. Mein Kampf. São Paulo. Moraes Editora. 1983.
KERSHAW, Ian. Hitler, Um Perfil do poder. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1993.
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Filmes
. A Queda. As Últimas Horas de Hitler, de Oliver Hirschbiegel. 2006.
. A Vida Secreta de Adolf Hitler. Kives produtora. 1945.
. Arquitetura da Destruição, de Peter Cohen. 1992.
. Berlim, Sinfonia da Metrópole, de Walther Ruttmann. 1922.
. Hitler. De Paul Rotha. Abril. 2006.
25
. Minha Luta. DVD Vídeo distribuidora. 2003.
. O Triunfo da Vontade, de Leni Riefenstal. 1936.
. Olympia, de Leni Riefenstal.1938.
. The Nazis. Um Alerta da História. BBC. 1996.
. Vale a Pena Sonhar, de Stela Grisotti. Superfilmes e TV Cultura. 2003.
V - A Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945)
. A II Guerra Mundial - 1939-1945
. Antes que se iniciasse nos portões de Auschwitz e Treblinka uma brutal seleção dos aptos
para o trabalho e os condenados ao extermínio, o Ocidente já realizava a esterilização
forçada de segmentos populacionais considerados degenerados ou perigosos, separando
famílias, proibindo casamentos e separando pais e filhos. Nos Estados Unidos, país iniciador
das práticas helenistas institucionais, os alvos principais eram os negros, os migrantes da
Europa Oriental e do Mediterrâneo, os índios e os brancos pobres das montanhas Apalaches.
O pior, contudo, estava por vir.
. Hitler reconheceu sua imensa “dívida” para com o helenismo norte-americano,
considerando as “experiências” na melhoria da raça como indispensáveis como base
científica de sua própria política racial. Em 1935, H. Himmler coloca em prática sua política
de “eugenia positiva”, visando estimular a proliferação da raça ariana. É o projeto
Lebensborn, uma ampla organização montada pela SS para a seleção de jovens “guerreiros”
que deveriam ter filhos com mulheres arianas previamente selecionadas, visando à formação
de uma futura elite ariana do Terceiro Reich. Criadas “estações” de reprodução na Alemanha
e, mais tarde, na Noruega, Bélgica e França, onde cerca de 8.000 crianças nasceram a partir
de tal política.
. Entre 1935 e 1938, um conjunto de medidas foi efetivado para a implementação de tais
políticas: os Decretos de Nurenberg determinando o extermínio da população judaica da
Europa e o processo de Arianização do Reich. A Solução Final custaria a vida de seis
milhões de judeus europeus.
. O século XX assistiu a uma série de holocaustos, os chamados “genocídios esquecidos”.
Historicamente o primeiro genocídio do século XX foi o assassinato em massa da população
herero na Namíbia entre 1904 e 1907, pelas tropas imperiais alemãs. O massacre dos
armênios promovido pelos turcos em 1915, durante a I Guerra Mundial. Em 1937, milhares
de haitianos que viviam e trabalhavam na vizinha Republica Dominicana foram massacrados
pelo ditador Trujillo, que ordenou a matança de mais de 30.000 homens, mulheres e
crianças.
. Em 1937, em meio a campanha contra a China, o Japão promoveu o massacre de Nanquim.
O Império Japonês impõe o “Três Tudo”: queimar tudo, matar tudo e saquear tudo. Os dados
variam de 260.000 a 400.000 vítimas, com uma série de atrocidades cometidas conta a
população da cidade de Nanquim: pessoas sãs enterradas vivas, utilizadas vivas como alvos
para o treino de soldados com baionetas, queimadas com ácido ou por lança-chamas e
atacadas por cães. Segundo a historiadora chinesa Iris Chang, o grau de brutalidade dos
soldados japoneses superou todos os limites, quando pais foram obrigados a estuprarem
filhas e filhos a estuprarem as próprias mães. O fato chegou a gerar críticas de oficiais
nazistas presentes na cidade.
26
. O esquecimento e a negação destes fatos parecem ser práticas comuns dos historiadores
ocidentais: Winston Churchill não mencionou sequer uma vez estes massacres ao longo das
mais de 1000 páginas de sua monumental obra Memórias da Segunda Guerra Mundial,
publicada em 1959. O mesmo aconteceu com Henri Michel, presidente do Comitê
Internacional de História da Segunda Guerra Mundial, com A.P.J. Taylor, em As Origens da
Segunda Guerra Mundial, de 1961, um dos livros mais marcantes de sua geração. É neste
contexto de retomada de memória dos povos esquecidos deliberadamente que estudaremos a
II Guerra Mundial.
. A década de 1930:
- No ano de 1935, Hitler anunciou publicamente aquilo que já vinha sendo feito às
escondidas: a Alemanha retomaria seu programa de rearmamento, proibido pelo Tratado de
Versalhes. A Liga das Nações protestou, mas Hitler ignorou e iniciou o recrutamento militar
obrigatório. A Inglaterra iniciou uma política de conciliação com a Alemanha, mais tarde
conhecida como política de apaziguamento. No dia 7 de março de 1936, soldados da
Wehrmacht (o exército alemão) invadiram a Renascia (região fronteiriça entre a França e a
Alemanha), remilitarizando toda as cidades da região. A França silenciou-se enquanto a
Itália preparava a invasão da Etiópia. Forma-se o Eixo Roma-Berlim, com a inclusão mais
tarde de Tóquio.
- A relação entre as três potências foi consolidada com a assinatura do Pacto AntiKomintern, um Pacto contra o movimento internacional comunista com um alvo certo: a
União Soviética.
- O mundo da década de 1930 estava mergulhado na mais grave crise cíclica e estrutural do
capitalismo contemporâneo, com a “grande depressão”: recessão, desemprego, falências,
colapso do comércio internacional. O clima de beligerância é reforçado pela necessidade de
resguardar mercados, pelo nacionalismo econômico e pela solução militarista dos países
totalitários como forma de conter o desemprego. Em 1933, quando Hitler assumiu o poder,
havia mais de 6 milhões de desempregados; em 1939, o desemprego era quase nulo.
- No dia 1º de setembro de 1939, as forças alemãs invadiram e dominaram a Polônia,
dominando o país em quatro semanas. No dia 3 de setembro, a Grã-Bretanha e a França
declararam guerra à Alemanha, evitando uma mobilização militar mais importante. Em abril
de 1940, os alemães ocuparam a Dinamarca e a Noruega. A invasão da Bélgica e da Holanda
em maio de 1940 abriu o período da “guerra relâmpago” (Blitzkrieg), provocando a queda
dos países baixos em quatro dias, da Bélgica em três semanas e da França em sete semanas.
Hitler começa a atacar as rotas de abastecimento da Inglaterra. Os alemães avançam para o
leste, invadindo a Iugoslávia e a Grécia em abril de 1941 e atacando a URSS, rompendo o
Pacto Germano-Sovético. Os esforços militares britânicos se concentraram contra os
italianos, unidos aos alemães em 1940, e que ao final de 15 meses estavam já derrotados de
uma maneira tão completa que se converteram em uma carga para seus aliados.
- A II Guerra deve ser entendida, também, como resultado da necessidade de redefinição de
mercados pelas potências capitalistas, às questões políticas e ideológicas relacionadas ao
nacionalismo exacerbado, às alianças, o combate ao comunismo e uma solução extremada
para a crise de 1929. Estes fatores relacionados levaram os países à formação de blocos: as
Potências do Eixo, Alemanha, Itália e Japão como regimes totalitários e os regimes liberais
e democráticos, Inglaterra, França e EUA.
5.1 - Fatores da II Grande Guerra Mundial - 1939-1945
- A necessidade de uma “nova partilha” do mundo ou de uma redefinição da geopolítica
27
mundial, revendo os acordos firmados em 1919, em Versalhes. As nações derrotadas e
secundárias questionavam a dominação das potências imperiais: Inglaterra, França, EUA,
Bélgica, Holanda e, em menor escala, Itália e Japão;
- O aumento da tensão nas relações internacionais a partir das pressões da burguesia
financeira e industrial alemã, dos conglomerados italianos e japoneses, que exigiam a
revisão das questões estabelecidas em 1919;
- A fragilidade e a falência dos organismos internacionais criados no pós-guerra, incapazes
de manter o já frágil equilíbrio europeu: a Liga das Nações;
- A “Política de apaziguamento” desenvolvida pelas potências ocidentais e democráticas,
que fecham os olhos às agressões dos nazi-fascismos contra regiões e países vizinhos. Para
evitar conflitos de maiores proporções ou adiar um confronto inevitável, as potências se
omitem. Para essas potências o fortalecimento da Alemanha era interessante para conter a
URSS e a invasão da União Soviética pelos alemães era estimulada. Alguns historiadores
apontam os principais “lances” da “política de apaziguamento”:
a) a crise da Mandchúria: região pertencente à China, cobiçada pelo Japão para a expansão
militarista japonesa. Em 1931, os japoneses iniciam a invasão da região;
b) a crise da Etiópia iniciada em 1935, quando Mussolini invade o país. A Liga das Nações
tentou impor sanções econômicas à Itália, sendo impedida pela França e Inglaterra.
c) a crise da Renânia, região de fronteira entre França, Bélgica e Alemanha, considerada
pelo Tratado de Versalhes uma área desmilitarizada. Em 1936, Hitler determina a
remilitarização da região, sob protestos e temores da França, do isolacionismo dos EUA;
d) a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), quando Inglaterra e França omitem-se na
destruição de mais um regime democrático por Francisco Franco, com o apoio de Hitler. A
Guerra Civil Espanhola transformou-se num “pequeno ensaio” para a Grande Guerra;
e) a anexação da Áustria em 1938;
f) o desmembramento da Tchecoslováquia, como resultado do Acordo de Munique e da
violação deste mesmo acordo, quando Hitler invade a região dos Sudetos, em setembro de
1938, dizendo ser a sua “última” reivindicação territorial. Apesar dos protestos da URSS,
França e Inglaterra se dispuseram a assinar um acordo com a Alemanha, sem a participação
da Tchecoslováquia. Em 1939, a Tchecoslováquia foi invadida e anexada pela Alemanha.
- Em dezembro de 1941, inicia-se a guerra em outra frente, por iniciativa dos japoneses. O
Japão abre as hostilidades contra os Estados Unidos: é o ataque contra as bases norteamericanas de Pearl Harbour, nas ilhas do Havaí. O Japão ataca ainda os britânicos em
Singapura e na Malásia, e os holandeses na Indonésia. O General japonês Ishi, responsável
pelo programa de guerra biológica japonês, começa a estudar a possibilidade de lançar sobre
a costa leste dos Estados Unidos bombas de cerâmica contendo pulgas contaminadas com
peste bubônica. Os EUA iniciam o Projeto Manhattan, uma das maiores operações coletivas
da história norte-americana, que levaria às bombas atômicas.
5.2 - Fases da II Guerra Mundial:
1ª Fase: setembro de 1939 - junho de 1942: período marcado pela expansão das potências do
eixo, com a ocupação da Dinamarca, Noruega, Holanda e Bélgica; invasão da França, Grécia
e Iugoslávia. Em abril de 1941, a URSS é invadida. Os italianos e alemães invadem a África;
2ª Fase: junho de 1942 - fevereiro de 1943: começa a contenção das forças alemãs na
Europa, África e Ásia. Iniciam-se os ataques aéreos americanos e ingleses contra as cidades
alemãs. Em 1943, aos soviéticos iniciam o contra-ataque a partir da batalha de Stalingrado.
Os alemães começam a perder espaço na África e, na Ásia, inicia-se a contra-ofensiva norte-
28
americana, com a batalha de Midway;
3ª Fase: março de 1943 - setembro de 1945: em maio de 1943, o Eixo perde o Mediterrâneo.
No dia 6 de junho de 1944, começa o Dia D, quando os aliados desembarcam na Normandia,
na França. Paris é libertada em agosto, e os aliados encontram-se com os soviéticos dentro
da Alemanha. Os alemães aceitam a rendição incondicional em maio de 1945. Os japoneses
renderam-se em agosto de 1945, com a explosão das bombas atômicas de Hiroshima e
Nagasaki.
- Como já foi colocado, a invasão e a destruição da URSS eram interessantes para as
potências democráticas ocidentais. Hitler rompe o Pacto Germano-Soviético, inicia a
Operação Barbarrossa, determinando a invasão e captura de Leningrado e de Moscou,
afirmando que a primeira seria varrida da face da terra, enquanto a segunda seria
transformada num lago artificial. O cerco a Leningrado foi imposto de setembro de 1941 a
janeiro de 1944, os famosos Novecentos Dias, quando quase 2/3 dos seus três milhões de
habitantes foram eliminados. Em Moscou, a resistência levada a cabo pelo General Zhulckov
conseguiu conter a ofensiva alemã, com o apoio dos EUA, que enviou armas e suprimentos
dentro das regras estabelecidas pela Lei do Empréstimo-Arrendamento (Lend Lease),
aprovado no início da guerra.
- Nos EUA, um país que tinha mais cinemas do que bancos, o Presidente Roosevelt
mobilizou seu governo sugerindo que a indústria cinematográfica fosse largamente utilizada,
aproveitando-se de toda a popularidade e prestígio dos atores e, principalmente, de belas
atrizes. A partir de 1942, a produção de filmes com motivações militares deslanchou.
Artistas poderiam estar no front para levantar o moral da tropa. Clark Gable corta o seu
bigode parecendo um militar. Alex Raymond lança Flash Gordon, cujas concepções
aerodinâmicas foram aproveitadas não só pela Força Aérea americana, durante a guerra,
como posteriormente pela NASA. Em junho de 1943, foi lançado Casablanca, um dos
filmes mais eficazes no sentido de capturar a imaginação dos americanos durante o conflito,
explorando o impacto da recente reunião aliada na cidade e o impasse vivido por Rick
(Humphrey Borgat) e Ilsa (Ingrid Bergman), demonstrando que mesmo o individualismo do
qual os americanos tanto se orgulhavam parecia superado pelos desafios lançados pela
Guerra Total.
5.3 - Os Acordos:
No contexto da II Guerra Mundial, a questão da ordem mundial e do papel que caberia às
grandes potências foi discutida a partir de vários acordos elaborados pelos líderes aliados:
a) A Carta do Atlântico, de 1941: Roosevelt e Churchill, EUA e Inglaterra assinam um
acordo pela não expansão territorial e pela defesa do direito de autodeterminação dos povos
e igualdade nas relações comerciais.
B) A Declaração das Nações Unidas, de 1942: EUA, URSS, Inglaterra e China
comprometem-se em não assinar a paz em separado.
c) A Conferência do Cairo, de 1943: Roosevelt, Churchill e Chiang-Kai-Shek decidem o
destino do Império Japonês e a devolução dos territórios ocupados pelos japoneses (exceto a
Coréia) à China.
d) A Conferência de Teerã, de 1943: os três grandes, Inglaterra, EUA e URSS iniciam a
partilha da Europa, a invasão do continente na França (O Dia D) e determinam um novo
limite entre a URSS e a Polônia.
29
e) A Conferência de Yalta, de 1945: os três grandes elaboram planos para avanço dos aliados
e as imposições à Alemanha no pós-guerra. Começam os planos para a Organização das
Nações Unidas, a ONU;
f) A Conferência de Potsdam, de 1945: os três grandes definem a ocupação e a divisão da
Alemanha em quatro zonas. A URRS ganha liberdade de ação no leste europeu. É o início de
“satelitização” da Europa Oriental, transformada em área da “órbita” soviética.
5.4 - Consequências da II Guerra Mundial:
a) a redenifinição da ordem mundial com o surgimento de duas superpotências, EUA e
URSS, iniciando a Guerra Fria ou Doutrina Truman (os conflitos políticos e ideológicos),
em 12 de março de 1947, com a promessa de ajuda à Grécia e à Turquia. Antes, em 1946,
Churchill pronunciou seu famoso discurso sobre a “cortina de ferro”, imposta a diversas
capitais européias. Em maio de 1947, comunistas franceses e italianos foram expulsos do
governo;
b) o declínio da influência política, econômica e cultural da Europa, com a consequente
americanização do mundo ocidental e mesmo do Japão;
c) o início da descolonização afro-asiática, com a independência das colônias e a formação
de novos Estados Nacionais. Processo facilitado pela decadência política, econômica e
cultural da Europa, que se transformou num “parente pobre” dos EUA;
d) a elaboração do Plano Marshall e sua implementação a partir de abril de 1948, plano de
recuperação econômica da Europa com o auxílio dos EUA e denunciado pelos soviéticos
como estratégia de subordinação econômica da Europa aos EUA;
e) a assinatura no Rio de Janeiro do Tratado Interamericano de Mútua Proteção e criação da
OEA, Organização dos Estados Americanos;
f) Em abril de 1949, foi criada a OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte. Em
setembro, ocorre a explosão da primeira bomba atômica da URSS, colocando fim à
hegemonia nuclear dos EUA;
g) Criação pela URSS do Pacto de Varsóvia, aliança militar reunindo os países satélites dos
soviéticos, em 1955.
h) A elaboração do Plano Marshall, programa criado pelo Secretário de Estado americano
George Marshall para a recuperação da Europa Ocidental após o fim da II Guerra Mundial,
arruinada pela Guerra. Aprovado durante a Conferência de Paris, em 1947, o plano contou
com o apoio dos 16 países presentes ao encontro. No ano seguinte foi criada a Organização
para a Cooperação Econômica Européia. Na implementação do Plano Marshall foram gastos
mais de 11,5 bilhões de dólares e os maiores beneficiados foram Inglaterra (24%), França
(20%), Alemanha Ocidental (11%) e Itália (10%). O plano envolvia capitais e equipamentos
e durou até 1952. Mesmo depois de sua supressão, os EUA continuaram a resolver
problemas de balanço de pagamentos dos países europeus.
i) Antes mesmo do fim da II Guerra Mundial, foi realizado o Acordo de Bretton Woods,
uma tentativa de reconstruir o capitalismo. Reunidos no Mount Washington, na pequena
cidade de Bretton Woods, no Estado americano de New Hampshire, os 730 delegados de
todas as 44 nações aliadas acertaram um novo gerenciamento econômico mundial. Era julho
de 1944, e pela primeira vez o mundo negociava uma nova ordem monetária. No acordo
liderado pelos EUA ficou decidido que o dólar passaria a ser o padrão monetário do sistema
financeiro mundial como moeda forte. Ficou decidido também um conjunto de regras para
regular a economia internacional, além da criação do Banco Mundial (BIRD, que nasceu
com o nome de Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento) e do Fundo
30
Monetário Internacional (FMI). Em 1971, diante das pressões crescentes na demanda global
por ouro, o então Presidente norte-americano Richard Nixon suspendeu unilateralmente o
sistema de Bretton Woods, cancelando a conversibilidade direta do dólar em ouro.
- Nos anos 1990, o Presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu a reformulação destes
organismos financeiros mundiais e formas de controle sobre o capital especulativo
internacional, que aumentava a vulnerabilidade das economias nacionais cada vez mais
interdependentes. Era uma antevisão sombria da crise que abalou as economias ocidentais no
segundo semestre de 2008.
VI - A Guerra Fria:
- A produção historiográfica sobre o tema é imensa, segundo o historiador Sidnei Munhoz.
Para este professor-doutor da Universidade Estadual de Maringá, a guerra fria não passou de
uma mera construção ideológica que tinha por objetivo expandir as áreas de influência
estadunidenses na nova ordem mundial do pós-guerra.
- Para Noam Chomsky, a guerra fria foi altamente funcional para as superpotências, apesar
da possibilidade de mútua aniquilação no caso de uma falha acidental, o que poderia ocorrer
mais cedo ou mais tarde. A guerra fria, para Chomsky, fornecia uma justificativa onde cada
uma das superpotências podia usar a força e a violência para controlar seus próprios
domínios contra os que buscavam um grau de independência no interior dos blocos,
apelando à ameaçada superpotência inimiga, para mobilizar sua própria população e a de
seus aliados.
. Os conflitos ocorridos durante o período da guerra fria estavam inseridos em uma
complexa teia em que se entremeavam os interesses geopolíticos das superpotências e dos
seus respectivos blocos, as rivalidades existentes no interior desses blocos, as disputas entre
os parceiros menores em busca da consolidação de hegemonias regionais e as tensões
existentes em cada uma dessas sociedades. Assim, o mundo do pós-guerra foi marcado por
guerras regionais, revoluções e golpes militares no Terceiro Mundo, que custaram a vida de
mais de 20 milhões de pessoas.
- Os choques diplomáticos e ideológicos entre as superpotências evitavam a mútua
destruição, mas não a morte de milhões de pessoas nos países do Terceiro Mundo. Em 12 de
março de 1945, foi anunciada a Doutrina Truman, com a promessa de ajuda à Grécia e à
Turquia. A partir de abril de 1948 (adotado até 1952), começa o Plano Marshall, que
consistia na maciça aplicação de capitais dos Estados Unidos, para promover a recuperação e
a reconstrução econômica da Europa Ocidental, consolidando sua influência na região e para
conter o avanço da União Soviética.
- De Stettin, no mar Báltico, a Trieste, no mar Adriático, uma Cortina de Ferro desceu
sobre o continente. Atrás daquela linha, todas as capitais de antigos estados do Centro e do
Leste Europeu, Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sofia
(respectivamente capitais da Polônia, Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Áustria,
Hungria, Iugoslávia, Romênia e Bulgária), todas elas famosas e belas cidades passam para a
esfera soviética e todas estavam sujeitas, de uma forma ou de outra, não apenas à influência
soviética, mas em crescente medida ao controle de Moscou. Em 1946, acelera-se a divisão
da Alemanha: a zona oriental de Berlim já estava sob o controle soviético. Dois anos depois
a divisão já estava consumada, e no fim dos anos 50 e início dos 60, começava a construção
do muro.
- Nos EUA começa o processo de “saneamento” da pátria dos “elementos comunistas”.
Estimulada por políticos e pela imprensa, inicia-se a “cruzada anticomunista”, mobilizando a
31
opinião pública e transformando o cidadão em delator e reforçando os contornos de uma
figura já conhecida: o “inimigo interno”. Em 1945, a Comissão Sobre Atividades Antinorteamericanas ganhou o estatuto de Comitê Permanente, iniciando uma investigação da
infiltração comunista em Hollywood, quando o então deputado federal Richard Nixon passa
a defender e justificar as investigações, estimulando delações.
- Robert Taylor, Gary Cooper e Ronald Reagan, atores de Hollywood, passam a delatar
companheiros de trabalho, supostamente envolvidos em “maquinações comunistas”. Era a
“caça às bruxas”, que iria perseguir figuras como o ator Larry Parks, o dramaturgo Bertold
Brecht, que havia fugido para os EUA tentando escapar da histeria nazista.
- Em setembro de 1950, o Congresso aprovou o McCarthy Act, lei que autorizava os chefes
dos órgãos governamentais a demitir sumariamente funcionários suspeitos, desde que
houvesse “motivos razoáveis para duvidar de sua lealdade”. Era o início do macarthismo,
nome dado a esta cruzada anticomunista que criou um clima de histeria coletiva no país, do
Senador McCarthy. A execução (sob acusação de espionagem) dos cientistas Julius e Ethel
Rosenberg, judeus filiados ao Partido Comunista, é um dos episódios mais dramáticos da
“caça às bruxas”, com a prisão e condenação do casal sem que as provas fossem conclusivas.
Robert Oppenheimer, o físico que havia dirigido os trabalhos de construção da bomba
atômica norte-americana, foi outra vítima. Em 1954, o Senado aprova por 67 votos contra 22
uma medida de condenação à conduta do senador McCarthy. Três anos depois, morreu sem
glória, mergulhado nos seus sonhos de inquisidor contemporâneo.
6.1 - A Guerra da Coreia
- Neste contexto, a Guerra da Coréia constituiu-se como um dos mais significativos
desdobramentos da Guerra Fria. A ação da guerrilha esquerdista antijaponesa da Coréia, ao
final da Segunda Guerra Mundial, foi contida pelos americanos, que ocuparam o sul do país
após a rendição japonesa e colocaram no poder Sybgman Rhee (que vivera nos Estados
Unidos 37 dos seus 60 anos). No norte, manteve-se a República Popular liderada pelo jovem
comunista Kim Il Sung, e foi implementada uma reforma agrária que consolidou o apoio ao
regime, enquanto os soviéticos retiravam suas tropas em 1948.
- Num quadro de revoltas no sul e de dificuldades, as provocações sul-coreanas na fronteira
multiplicavam-se, e Kim Il Sung passou a preparar-se militarmente. Em junho de 1950, as
tropas norte-coreanas cruzaram o paralelo 38, avançando rapidamente, e o Conselho de
Segurança da ONU imediatamente condenou a invasão e decidiu enviar tropas sob sua
bandeira (composta basicamente por norte-americanos). O desembarque de marines perto de
Seul obrigou as forças comunistas a recuar, salvando as forças norte-americanas e sulcoreanas cercadas em Pusan. Duas semanas depois, as tropas da ONU, comandadas por
MacArthur, cruzaram a fronteira. A ofensiva sobre o norte, ao aproximar-se da fronteira da
China, levou este país a entrar na guerra, que se prolongou até 1951, quando foi assinado um
cessar-fogo e, posteriormente, um armistício, em 1953, confirmando a divisão da Coréia e de
mais um conflito indireto entre as superpotências.
6.2 - A Revolução Chinesa
- A Revolução Chinesa teve um caráter distinto da soviética e das revoluções antifascistas.
Foi um fenômeno influenciado pelo nacionalismo anticolonial e apoiado numa base
camponesa. A Revolução Republicana chinesa é anterior à soviética (1911), embora
acabasse sendo profundamente influenciada por esta. Nos anos 20, a Rússia bolchevique
32
estabeleceu contato direto com o movimento revolucionário chinês, apoiando o governo de
Sun Yat-Sem, sediado em Cantão.
- Com a morte de Sun Yat-Sem, o líder nacionalista aliado da URSS e admirador da
Revolução Soviética, Chiang Kai-Chek, assumiu a direção do KMT em 1925.
Kuomintang/KMT era o nome do Partido Nacional, apoiado pelo jovem Partido Comunista
Chinês, sob pressões soviéticas, no quadro da política de frente única da Internacional
Comunista.
- A aliança entre o Partido Nacional e os comunistas ficou comprometida com a postura
reacionária do Partido Nacional às transformações sociais exigidas pelos comunistas.
Instigado pelas elites financeiras e feudais chinesas, bem como pelas potências coloniais,
Ching Kai-Chek massacrou os comunistas em Xangai em abril de 1927.
- Depois do fracasso da aliança com o Partido Nacional, Mao Zedong e Chu Teh, transferem
o eixo da luta revolucionária para o campesinato, retirando-se das cidades e criando sovitetes
camponeses no sul da China. Em 1935, Mao Zedong realiza a Longa Marcha do sul até o
norte do país, para escapar do cerco e da aniquilação desejada pelo Partido nacional.
- Com a invasão da Manchúria pelo Japão em 1931, a Liga das Nações protestou
timidamente e Chiang Kai-Chek foi obrigado a aceitar este fato consumado devido à
omissão de seus aliados e à continuação da guerra civil chinesa. O governo concentrava seus
esforços contra os comunistas chineses e não contra os japoneses. Em 1937, o Japão invadiu
o restante da China, ocupando o litoral, o vale dos rios e as principais cidades e eixos de
transporte. A guerra sino-japonesa teve prosseguimento até 1945, como parte da II Guerra
Mundial.
- Com a derrota do Japão, reiniciaram-se os choques entre os Partido comunista Chinês e o
KMT. O Partido Nacional controlava as principais cidades da China, mas com o apoio dos
camponeses e maior estrutura militar os comunistas cresceram, apesar da falta de apoio
soviético. Com a intensificação da Guerra Fria na Europa, em particular a crise da Alemanha
e a criação da OTAN, Stalin decidiu ajudar o Partido Comunista Chinês a completar sua
revolução. O exército nacionalista, derrotado, refugiou-se na Ilha de Formosa (Taiwan),
enquanto Mao Zedong (Mao Tse Tung) proclamava a República Popular da China no dia 1º
de outubro de 1949.
- A China passou por um período de reconstrução que se estendeu até 1952. A seguir, sob
forte influência da URSS, foi lançado o Primeiro Plano Quinquenal, implantando a
industrialização pesada e a coletivização da agricultura. O modelo soviético foi substituído
pelo Grande Salto para Frente, que se estendeu de 1958 a 1965, propondo-se a ser um
“caminho chinês para o socialismo”, priorizando a agricultura e descentralizando a indústria
pesada pelo interior. Em meio à retirada da ajuda soviética, o Grande Salto foi um fracasso
econômico, mas a idéia de fortalecer e difundir a resistência popular permaneceu.
- Entre 1965 e 1969, o país viveu a Revolução Cultural, resultado da divisão entre o grupo
maoísta e os “pragmáticos”, liderados por Deng Xiaoping. Este processo pode ser visto
como uma segunda guerra civil com terríveis conseqüências para o país. A Revolução
Cultural foi uma tentativa de transformação da mentalidade do povo chinês levada a cabo
por Mao Tse Tung, visando a erradicação dos valores burgueses e o estabelecimento mais
rápido do comunismo. Inspirados no “livrinho vermelho” de Mao, verdadeira bíblia da
juventude revolucionária, os Guardas Vermelhos espalharam-se pelo país. Em Xangai, um
seminário de 1966 sugeriu a ampliação do debate e do combate aos chamados “quatro
velhos”, velha cultura, velhas idéias, velhos hábitos e velhos costumes, ao mesmo tempo em
que estimulava ataques à estrutura partidária para “libertar os diabinhos”, ou seja, os jovens
inovadores.
33
- Em importantes cidades da China surgiram os da-ze-baos (cartazes), com críticas ao
partido e aos dirigentes, exceto a Mao, exaltado como o “maior marxista-leninista de nossa
época”. Com a morte de Mao Tse Tung em 1976, Deng Xioping consolidou o poder dos
reformistas, lançando a política de abertura e modernização ainda vigente na China.
VII - A descolonização Afro-Asiática:
. A luta dos povos africanos e asiáticos pela independência das metrópoles imperiais e
capitalistas foi um dos fatos dominantes das décadas que se seguiram à Segunda Guerra
Mundial (1939-1945). Tratava-se de liquidar os impérios coloniais inglês, francês, holandês,
belga e português, construídos ao longo do século XIX. Embora as colônias portuguesas na
África e a presença inglesa na Índia tenham suas origens em outras fases da história da
expansão europeia, a noção de Império Colonial elaborou-se e consolidou-se à medida que o
capitalismo, como sistema de dominação econômica, tornava-se hegemônico e, ao mesmo
tempo, concentrava-se nas potências que detinham o controle da reprodução dos capitais e
das fontes de riqueza.
. A noção de Império celebrizou-se na Europa Moderna a partir do século XVI, nas Grandes
Navegações oceânicas, a descoberta dos continentes e a ocupação dos territórios da América
e suas populações, da África negra, ao sul do Saara e ao longo do litoral Atlântico e do
Índico, atingindo o imenso continente indiano bem como o Oceano Pacífico.
. No Imperialismo ou Neocolonialismo do século XIX, a dominação, a ocupação e a
exploração revestiram-se de dominação cultural (não excluindo este processo no
colonialismo mercantilista da Transição), gerando, na mentalidade de colonizados e
colonizadores, modos de viver, de pensar, de criar comportamentos sociais, novas maneiras
de ver o mundo bem como mecanismos de sujeição e controle sobre mentes e corações.
. A dissolução dos Impérios Coloniais tem como data simbólica de início de um amplo
processo de mudança o ano de 1947 - a independência da Índia e sua partilha entre hindus e
muçulmanos, com a emergência do Paquistão. À medida que avança nas colônias a tomada
de consciência contra a dominação imperialista, alarga-se o fosso entre os senhores de ontem
e a consciência da espoliação de riquezas, da apropriação indevida de culturas longamente
assentadas, embora ignoradas ou desprezadas pelo homem branco portador de civilização,
como ele se proclamava.
. Neste contexto, a Ásia e a África descobriram-se diferentes e tomaram consciência de tudo
que os diferenciava dos europeus: diferença nas condições materiais de vida, diferença de
cultura, enfim, diferença nas experiências históricas. Em 1919, quando foi criada a Liga das
Nações, esta organização jamais contou com mais de 50 de Estados. Na década de 1980, a
ONU, criada em 1945, era integrada por mais de 130 países. Atualmente, segundo a
Enciclopédia do Mundo Contemporâneo, da Publifolha, de 1999, existem mais 217 países.
. Fatores:
O processo de emancipação dos povos colonizados variou de região para região, segundo
características locais, o que envolvia fatores diversos pertinentes ao colonizador e às
condições internas da colônia em questão:
a) as contradições inerentes ao processo colonizador quando o colonizador transfere para as
áreas coloniais alguma tecnologia: ferrovias, sistema de comunicação, eletricidade, bancos e
portos, possibilitando o desenvolvimento econômico e a assimilação por parte dos povos
34
colonizados de um arsenal ideológico, fornecido pelo homem ocidental. Assim, o
nacionalismo, ideologia de origem tipicamente europeia, serviu de instrumento ideológico
para que o mundo afro-asiático reagisse contra a dominação europeia.
b) o confronto das condições materiais de vida entre os colonizados e os colonizadores,
radicalmente diferentes.
c) a influência da doutrina socialista como ideologia libertária e revolucionária. No contexto
de Revolução Socialista de 1917, Lênin já defendia o princípio de auto-determinação dos
povos.
d) a posição contraditória das superpotências do pós-guerra, EUA e URSS em relação à
questão. Como os EUA poderiam condenar a expansão socialista no Leste europeu e apoiar
seus aliados europeus ocidentais que mantinham colônias? Para a URSS a idéia de autodeterminação dos povos já era defendida na Rússia czarista e ficaria difícil opor-se ao
processo de descolonização.
e) o enfraquecimento das potências coloniais europeias no pós-guerra e o surgimento de dois
novos centros hegemônicos da política internacional, Washington e Moscou.
f) o fim do mito da inferioridade afro-asiática, em virtude das inúmeras derrotas impostas
aos europeus e norte-americanos na Segunda Guerra.
g) o clima de euforia e idealismo do pós-guerra, a onda democrática, a defesa das liberdades
individuais com o apoio da ONU e da opinião pública mundial aos movimentos
emancipacionistas.
7.1 - A Ásia:
- Na Índia, em 1858, após a vitória dos britânicos sobre a Revolta dos Cipaios, a região foi
transformada oficialmente em colônia da Grã-Bretanha. A Grã-Bretanha já vinha
introduzindo reformas institucionais que proporcionavam certa autonomia às províncias em
1919, momento em que surgia a figura de Gandhi (1869-1948), o Mahatma (a Grande
Alma), disposto a engajar-se na luta contra o domínio inglês, mas contrário à ação violenta,
ao defender o pacifismo e a desobediência civil. Com sua resistência, tornou-se o grande
líder de seu povo e o mais temido por seus inimigos.
- Em 1920, o Movimento do Congresso, nascido em 1885, transforma-se em partido e adere
ao programa de não-colaboração. A Índia conquista sua independência em 1947, sendo
dividida em dois Estados: a República Indiana e o Paquistão. A divisão obedeceu a motivos
religiosos da Índia hindu e do Paquistão muçulmano Em 1971, o Paquistão Oriental, também
de maioria muçulmana, separou-se do Paquistão Ocidental, tornando-se o Estado soberano
de Bangladesh. A partilha da Índia obrigou a transferência de mais de 13 milhões de
refugiados de um Estado para outro, o que causou conflitos religiosos entre hinduístas e
muçulmanos, o assassinato de Gandhi por hinduístas radicais e um conflito entre
paquistaneses e indianos pela posse da região da Caxemira.
- A Birmânia separa-se do Império Britânico em 1948. As Índias Holandesas, ocupadas
pelos japoneses durante a II Guerra Mundial, em 1942, tornam-se República da Indonésia
em 1949. Na Indochina Francesa, o Vietnã, o Laos e o Camboja proclamam sua
independência em 1954. A Malásia conquista sua emancipação em 1957.
- Em 1955, reúne-se em Bandung, na Indonésia, uma conferência dos representantes dos
governos da Ásia e da África já libertados da tutela européia, que afirma a solidariedade
entre todos os países decididos a eliminar os últimos vestígios do colonialismo.
- No Vietnã, em setembro de 1945, o Partido Comunista proclama a independência depois
da criação da Liga para a Independência do Vietnã (Viet-Minh), com Ho-Chi-min, a partir
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da união de vários partidos nacionalistas. No ano seguinte, a França reconheceu o Vietnã
como Estado livre e comprometeu-se a retirar suas tropas do país. Este compromisso foi
violado com o bombardeio de Hayphong pelas tropas francesa, levando o governo de HoChi-Min à clandestinidade.
- Invisível e permanente, o exército guerrilheiro, auxiliado pela solidariedade das comunas
camponesas, derrotou e humilhou o bem equipado exército francês. Com a ascensão de
Mao-Tsé-Tung na China e o caráter libertário e revolucionário do governo de Ho-Chi-min, o
Vietnâ transformou-se em ícone da Guerra Fria. A derrota total dos franceses aconteceu em
Dien-Bien-Phu, em maio de 1954.
- Uma guerra que assumiu um caráter bem diferente de uma simples guerra de libertação da
dominação estrangeira transformou-se numa guerra contra a expansão do comunismo na
Ásia, uma “grande cruzada americana”. O acordo de Genebra dividiu o Vietnã, pelo paralelo
17, em dois Estados: o do Norte e do Sul.
- O Vietnã do Sul se impôs com a ajuda financeira dos EUA, instaurando um regime policial
que retomou dos camponeses mais de dois milhões de hectares de terras distribuídos pelos
Viet-Minh durante a guerra contra os franceses e, em 1956, proibiu as aldeias de eleger seus
próprios representantes. Esta situação gerou aquilo que os vietnamitas chamaram de segunda
resistência, quando apareceu a Frente de Libertação Nacional, provocando temores nos
Estados Unidos e a sua posterior agressão.
- Os dois Vietnãs seriam reunificados após eleições gerais previstas pelo acordo de Genebra.
Temendo uma provável vitória de Ho-Chi-Minh e o avanço do comunismo pela “teoria do
dominó”, os norte-americanos decidiram intervir, oferecendo ajuda financeira e militar aos
sulistas. Posteriormente, ocorreu o envolvimento das tropas dos Estados Unidos. Em 1969,
havia mais de 500.000 soldados dos EUA em ação no Vietnã. Apesar de todo esse
envolvimento e do uso maciço da mais sofisticada tecnologia bélica, os EUA foram
derrotados, obrigando o governo a negociar a sua retirada em 1972, com a assinatura do
acordo de paz em Paris, entre H. Kissinger, secretário de Estado norte-americano, e Le Duc
To, do Vietnã. Com a saída das tropas norte-americanas, a guerra passou a ser interna: as
tropas do Norte penetraram no Sul, impondo o modelo socialista a todo país, o que deveria
ter ocorrido em 1954, sem a guerra.
7.2 - A África
- Em 1960, foi proclamada a independência das colônias francesas: Camarões, Togo,
Senegal, Mali, Costa do Marfim, Daomé, Alto Volta, Níger, República Central Africana,
Congo, Brazzaville, Gabão, Chade, Madagascar e Mauritânia. Todos estes países foram
admitidos pela ONU. A Tunísia, no norte da África, já havia conquistado sua independência
em 1954, reconhecida em Cartago dois anos depois. A Nigéria emancipou-se em 1960,
formada por 9 grupos étnicos principais, 248 dialetos e três grandes grupos religiosos. A
Nigéria é um típico produto do colonialismo com suas divergências internas, difícil de ser
concebida como nação. No Congo Belga, Patrice Lumumba lidera o processo de
emancipação em 1960. A partir dos anos 1950, a União Sul-Africana retira-se da
Comunidade Britânica e passa a praticar impunemente uma política segregacionista, o
apartheid, que só chegaria ao fim no início dos anos 1990.
- A Argélia, também colônia francesa, conseguiu sua independência em 1962 após uma
longa luta iniciada em 1954, desencadeada pela Frente de Libertação Nacional (FLN). Com
a oposição da opinião pública mundial, a França foi obrigada a negociar assinando os
Acordos de Evian, garantindo a emancipação e a retirada dos franceses do país.
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- Portugal representou na Europa a última resistência do colonialismo, em função do
Regime salazarista (1932-1968), que iria ser superado pelo movimento de 25 de abril de
1974, a Revolução dos Cravos, que colocou fim ao fascismo português e apoiou a
independência das colônias portuguesas. Em Angola, três grupos participaram da luta pela
independência: a UNITA (União pela Independência Total de Angola), a FNLA (Frente
Nacional de Libertação de Angola) e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de
Angola, de Agostinho Neto). Este último apoiado pela URSS e Cuba, enquanto os outros
dois eram apoiados pelos EUA, através da África do Sul. Em 1976, a luta terminou com a
vitória do MPLA. Recentemente, nas eleições de 5 de setembro de 2008, a UNITA aceitou a
vitória do MPLA, que passou a controlar as 18 províncias do país e garantiu dois terços das
220 cadeiras do Parlamento. O MPLA envolveu-se na guerra de independência da Guiné e
de Cabo Verde.
- Em Moçambique, formaram-se vários grupos de luta pela independência: a União Nacional
Africana de Moçambique e a União Democrática Nacional. Coube a FRELIMO (Frente de
Libertação de Moçambique) realizar a união das forças nacionalistas e conquistar sua
emancipação em 25 de junho de 1975. A Guiné-Bissau conquistou sua independência em
1974, sob a liderança de Amilcar Cabral.
. O Imperialismo humilhou, asfixiou, explorou e devastou os povos mais humildes e
desarmados da Ásia e da África. Na Índia, entre 1800 e 1825, a fome matou mais de
1.400.000 pessoas. Entre 1875 e 1900, a Índia sofreu 18 grandes epidemias de fome que
mataram 26 milhões de pessoas. Em 1918, houve mais de 8 milhões de mortos por
desnutrição e gripe. Segundo Héctor H. Bruit, antes de Fidel Castro, Cuba era descrita como
o maior prostíbulo do mundo.
. Segundo Edward W. Said, “o imperialismo não acabou com a descolonização e a
desmontagem dos impérios clássicos. Toda uma herança de vínculos ainda liga países como
Argélia e Índia à França e Inglaterra, respectivamente. Um novo e imenso contingente de
muçulmanos, africanos e centro-americanos dos antigos territórios coloniais agora reside na
Europa metropolitana (...)”, sendo discriminados, explorados, marginalizados e vitimizados
pelo xenofobismo nacionalista europeu, pela onda conservadora e neonazista de muitos
países do velho mundo.
. Em 1977, o secretário de Estado norte-americano Henry Kyssinger afirmou: “os países
industrializados não poderão viver da maneira como existiram até hoje, se não tiverem à sua
disposição os recursos naturais não-renováveis do planeta. Para tanto, terão os países
industrializados que montar um sistema mais requintado e eficiente de pressões e
constrangimentos, que garantam a consecução dos seus intentos.” Parece ser uma profecia
que se confirma neste início de novo século e milênio.
7.3 - O Oriente Médio:
- O Oriente Médio é, historicamente, uma das áreas mais conflituosas do mundo. Seus
problemas remontam à Antiguidade, quando povos de diferentes etnias e culturas e
originários de diversas civilizações ocuparam a região, disputando territórios e seus recursos
econômicos. O Oriente Médio sempre foi uma região de passagem e acabou sofrendo
múltiplas influências. Como consequência disso, transformou-se num verdadeiro mosaico de
povos e culturas.
- Os judeus chegaram na Palestina há mais ou menos 2.000 A.C.. Em 63 A.C., os romanos
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dominaram a região e, no ano 135 D.C., expulsaram os judeus de Jerusalém, iniciando a
Diáspora judaica, quando milhões de judeus fugiram para a Europa. Com a queda do
Império Romano, persas e árabes invadiram a região, que em 1516 passou a fazer parte do
Império Turco-Otomano.
- Na Idade Média, a região foi islamizada no expansionismo árabe, quando a língua e a
religião passaram a ser, predominantemente, islâmicas. A região foi alvo das Cruzadas
entre os séculos XI e XIII, passando a se opôr ao mundo cristão europeu. A região foi parte
do Império Turco-Otomano até o final da I Guerra Mundial (1914-1918), quando a França
dominou o Líbano e a Síria, a Inglaterra dominou a Jordânia e a Palestina, onde hoje está
Israel.
- Após a I Guerra, os ingleses prometeram criar um “lar judeu” na região, com a Declaração
de Balfour, de 1917. Sob a influência do movimento sionista, mais de 200.000 judeus
ocuparam a região antes da II Guerra, criando Kibutz, comunidades rurais coletivas de
trabalho e divisão da produção. Ao final da II Guerra, a ONU, sob a influência do holocausto
e com o apoio da opinião pública mundial, aprova o plano de divisão da Palestina, “uma
terra para dois povos”. No dia 14 de maio de maio de 1948, foi proclamada a criação do
Estado de Israel, tendo Ben-Gurion como Primeiro-Ministro.
- No dia 15 de maio de 1948, os países árabes tentaram invadir Israel. Egito, Iraque, Líbano,
Síria e Transjordânia foram derrotados por Israel, apoiado pelas potências ocidentais,
particularmente os EUA. Israel apropriou-se de 75% do território palestino. Nascia a
Questão Palestina, a partir da discriminação e expulsão dos palestinos que ocupavam as
regiões sob domínio israelense, o não cumprimento pela ONU do acordo que previa,
também, a criação de um Estado Palestino. A Liga Árabe nunca aceitou esta realidade, um
Estado Judeu em terras palestinas sem um Estado Palestino.
- Dos países europeus, a Inglaterra imperialista era o que tinha maior interesse na região sob
o domínio otomano, por ser uma área de passagem que os britânicos usavam para chegar a
sua principal colônia da Ásia, a Índia. A França justificava seus interesses na região
alegando a necessidade de proteger os lugares santos do cristianismo e a defesa das minorias
cristãs. Os interesses das tradicionais potências coloniais estavam relacionados a um
objetivo: ter acesso e controlar aquele produto que ainda é matriz energética do mundo
contemporâneo: o petróleo. A Península Arábica produz 85% do petróleo do Oriente Médio.
A Região possui 25% das reservas mundiais de gás.
- Antes mesmo das duas Grandes Guerras, a região já recebia contingentes judeus
financiados pelo Barão de Rotschild, adepto e financiador do movimento sionista. Isto
estimulava o sentimento nacionalista árabe-palestino e os futuros confrontos.
- Em 1959, Yasser Arafat criou a Al-Fatah, organização militar pela libertação da Palestina
contra Israel. Na Conferência Árabe de Alexandria, em 1964, foi criada a OLP, controlada
por Arafat a partir de 1969. Em 1973, a ONU reconhece a OLP como representante legítima
do povo palestino. Existem na região várias organizações que buscam a representatividade e
a legitimidade: a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP); a Frente
Democrática Popular para a Libertação da Palestina (FDPLP) e outros grupos, hoje adeptos
do fundamentalismo radical e do terrorismo como forma de luta na destruição de Israel, não
reconhecendo o Estado judeu e pela criação de um Estado Palestino.
- A criação do Estado israelense e a Questão Palestina foram acompanhadas de momentos de
crises e confrontos:
a) A já citada oposição dos palestinos à criação do Estado judeu, quando recusaram-se a
ceder territórios e a resistência árabe à presença norte-americana na região por trás de Israel;
b) A Crise do Canal de Suez em 1956, quando a França, Inglaterra e Israel planejaram a
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ocupação do Sinai e do Canal de Suez, que havia sido nacionalizado pelo Presidente Nasser,
do Egito. A oposição norte-americana e dos soviéticos impediu a concretização deste plano;
c) A Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Nasser exige a retirada das tropas da ONU da
região, apesar dos protestos de Israel. Israel impõe duras derrotas aos árabes, ocupando o
Sinai, as Colinas de Golam (na Síria), Jerusalém, a Faixa de Gaza e Cisjordânia (na
Jordânia). A derrota e a humilhação do Egito pelos israelenses na Guerra dos Seis Dias
deram à Arábia Saudita o papel de árbitro do mundo árabe. O Rei Faiçal era, com o Xá do
Irã, Muhammaad Reza Pahlevi (educado na Europa e “dócil” aos interesses estrangeiros) os
principais aliados dos EUA na região;
- Vale destacar, sinteticamente, a situação do Irã (a antiga Pérsia): o Xá Reza Pahlevi
retornou ao poder no país com um golpe articulado pela CIA, em 1953. O Golpe iniciou um
processo de eliminação de setores da esquerda e de nacionalistas iranianos. O nacionalista
Mossadegh (que governava o Irã desde de 1949, nas eleições parlamentares) foi preso,
ficando na condição de prisioneiro político até a sua morte em 1967. No fim dos anos 70, o
crescente poder das empresas estrangeiras, as mudanças nos hábitos de consumo e a
ocidentalização do país diminuíram a simpatia do Xá e apoio das poderosas elites comercial
e industrial do Irã. Cresciam as manifestações estudantis e religiosas;
- As manifestações que haviam começado nas escolas secundárias do Irã em 1977 se
generalizaram. O Xá foi forçado a deixar o país em 1978. Khomeini regressou triunfante do
exílio. Em 11 de fevereiro de 1979, as multidões tomaram o palácio imperial. Era a
Revolução Islâmica do Irã, uma revolução que se apresentava como uma alternativa
vitoriosa aos modelos capitalista e socialista ocidentais e que despertou um grande
entusiasmo no só no Irã (até então ocidentalizado e explorado), mas em todo mundo
muçulmano. O Irã transforma-se numa nova força regional. Em 1980, começa a Guerra com
o Iraque de Saddam Husseim (apoiado pelos EUA), que sangrou o país por 8 anos.
- No começo de 1979, um grupo de estudantes ocupou a embaixada norte-americana em
Teerã, tomando como reféns os seus funcionários. Com os documentos ali encontrados, eles
mostraram ao mundo a ingerência da CIA na vida política e econômica do país. Uma
tentativa militar de libertar os reféns fracassou em abril de 1980. Em 17 de julho de 1980, o
Xá Reza Pahlevi morre no Egito. Logo a seguir, iniciam-se as negociações para a libertação
dos reféns, que veio a ocorrer em 20 de janeiro de 1981.
- O governo estadunidense, baseado no fundamentalismo cristão ocidental, no
unilateralismo, nos interesses imperialistas e expansionistas, acusa o atual governo do Irã de
patrocinar o terrorismo e de pretender desenvolver armas de destruição em massa,
contestando o projeto nuclear pacífico do Irã, enquadrado pelo governo Bush no “Eixo do
Mal”. Vale lembrar que governo de Israel já admitiu ter 600 ogivas nucleares com o apoio
dos EUA.
d) Em 1973, explode a Guerra do Yom Kippur (o dia do perdão no calendário judaico),
quando os árabes impõem derrotas aos israelenses de dimensões reduzidas. Os árabes criam
a OPEP e passam a usar o petróleo como arma de pressão contra as potências ocidentais,
aumentando os preços do produto e recusando-se a fornecer os produtos e seus derivados aos
aliados de Israel.
- Estes conflitos provocaram o deslocamento de milhões de refugiados que passam a viver
em campos de refugiados (nome diplomático de grandes favelas que vivem da assistência
internacional. É a diáspora palestina.) ou em outras regiões do Oriente Médio. Depois da
Guerra dos Seis Dias, milhares de palestinos refugiaram-se na Jordânia, onde o Rei Hussein,
39
temeroso pela instabilidade de seu governo, de seu trono e temendo os Feddayin (“os que se
sacrificam” por uma causa, “soldados” muçulmanos), lança contra os palestinos a Legião
Árabe, no episódio conhecido como Setembro Negro, com a morte de mais de 4 mil
palestinos e a fuga de mais de 1 milhão para o Líbano, junto com a OLP.
- O sul do Líbano transforma-se em base de ataque a Israel e base da OLP. Os palestinos
contestam a autoridade do Exército libanês, dividindo a opinião pública do país e
contribuindo para a guerra civil no Líbano. O movimento palestino também adotou táticas
terroristas de luta como o sequestro de aviões e o ataque aos atletas israelenses nas
Olimpíadas de Munique em 1972.
- Apesar das guerras, o Oriente Médio viveu no período pós-guerra um intenso processo de
desenvolvimento, com crescimento demográfico, modernização econômica e pela tomada de
consciência da situação econômica de subdesenvolvimento em que viviam (e ainda vivem)
os países da região.
- Os EUA vivem alguns dilemas nas suas relações com o Oriente Médio: como continuar
ajudando Israel sem se indispor com os países árabes mais moderados e aliados? Como
fornecer armas mais sofisticadas para a Arábia Saudita sem causar preocupações a Israel?
- Nos últimos 60 anos, nunca houve uma paz duradoura no Oriente Médio. No final da
década de 80, surgiu uma esperança com fim da Guerra Irã x Iraque e a retirada das tropas
da ex-URSS do Afeganistão. A região ainda vive alguns dilemas que envolvem os conflitos
Oriente x Ocidente; Tradição x Modernidade; Islamismo x Cristianismo.
- Em 1993, foi assinada Declaração de Princípios, acordo entre palestinos e israelenses
mediado pelo governo Clinton, tentando abrir caminhos para a paz, em meio aos sentimentos
nacionalistas e religiosos, paixões e ódios despertados por cinco questões polêmicas e
delicadas, como tudo que envolve a região:
1) Jerusalém e a sua divisão ou não, capital de um futuro Estado palestino ou Capital
Religiosa de Israel. É uma questão que transcende e ultrapassa os mapas políticos e
militares, pois é considerada o centro religioso das três maiores religiões monoteístas do
mundo;
2) Os assentamentos judeus na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, onde mais de 200.000 judeus
vivem e consideram-se parte do Estado Israelense;
3) Fronteiras: Israel aceita reconhecer um futuro Estado palestino, mas não abre mão dos
assentamentos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia e do controle da água do rio Jordão e de
outras fontes;
4) Os direitos hídricos: Israel quer manter o controle sobre o rio Jordão e sobre outros
recursos hídricos, inclusive os subterrâneos. Os palestinos que sofrem com a falta crônica de
água não aceitam tal situação e querem assumir o controle dos reservatórios da Cisjordânia;
5) Os refugiados: segundo dados da ONU existem mais de 5 milhões de refugiados vivendo
em campos da Cisjordânia, na Faixa de Gaza, na Jordânia, Síria e Líbano. A Autoridade
Nacional Palestina (ANP) reivindica o retorno de todos os refugiados a suas casas, hoje
ocupadas por israelenses ou o pagamento de indenizações.
- No início deste século, o Primeiro-Ministro Ariel Sharon, líder do novo partido, o Kadima,
iniciou o processo de retirada dos assentamentos judaicos em algumas regiões com o
pagamento de indenizações aos israelenses que foram desapropriados, sob protestos do
Likud (partido de direita) e mesmo dos Trabalhistas (progressistas). Com a doença e o
posterior internamento de Sharon, o processo foi paralisado pelo vice, Ehud Olmert.
- Nas recentes eleições israelenses, o Kadima venceu as eleições parlamentares e o governo
de Ehud Olmert entrou em crise a partir das acusações de corrupção. Estes fatos abriram
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caminho para ascensão política de Tzipi Livni, Ministra do Exterior, ex-agente do Mossad e
principal negociadora israelense, que deve ser a segunda mulher a assumir o cargo de
Premier na história de Israel. A primeira mulher foi Golda Meir nos anos 70. Herdeira
política de Ariel Sharon, Tzipi Livni, tem um estilo discreto e fama de durona.
7.4. As Revoluções Cubana e Sandinista da Nicarágua
- A Revolução Cubana é a primeira revolução nacional-socialista vitoriosa na América
Latina (e a única a sobreviver até o início do século XXI) e parte integrante do nacionalismo
latino-americano e cubano, em particular. Estes nacionalismos adquiriram, nos anos 50, um
conteúdo de oposição aos Estados Unidos, cristalizando-se com a radicalização dos
movimentos populistas desenvolvimentistas da época (é o caso de Vargas em seu 2º
governo) e com a crise do regime semicolonial cubano.
- Os cubanos são herdeiros das rebeliões antiespanholas do século XIX, do pensamento de
José Martí e dos movimentos populares e socialistas cubanos do século XX. Fizeram um
caminho original para a tomada do poder, quando os comunistas mais ortodoxos
argumentavam ser “impossível a conquista do poder a 120 quilômetros do império”.
- Cuba somente se libertou da dominação espanhola em 1898, depois de uma guerra entre
EUA e a Espanha. Na realidade não houve independência, visto que os norte-americanos se
apossaram da ilha, transformando-a em seu “quintal”. Impuseram uma Constituição na qual
se destacava a Emenda Platt, segundo a qual os americanos tinham direito de intervir nos
assuntos internos da ilha.
- Cuba foi a última colônia a se tornar independente da Espanha e o primeiro país a se
libertar dos Estados Unidos. De 1934 a 1958, o país foi governado por Fulgêncio Batista,
que instalou uma ditadura com o apoio dos Estados Unidos. No dia 1º de janeiro de 1959,
um grupo de guerrilheiros liderados por Fidel Castro, Ernesto “Che” Guevara, Rui Castro e
outros derrubaram a ditadura de Fulgêncio Batista, a partir de um movimento popular
iniciado em 1956 em Sierra Maestra. As reformas moderadas do novo governo receberam
firme oposição dos Estados Unidos, que dominavam a maior parte da economia da ilha e
desencadearam fortes pressões econômicas e diplomáticas.
- O novo governo cubano pretendia promover reformas políticas, sociais e econômicas:
reforma agrária, reforma do ensino e processo de alfabetização se tornaram fundamentais, o
sistema de saúde também se tornou prioritário, passando a ser totalmente gratuito, acesso à
moradia e outras medidas.
- O ano de 1960 foi decisivo para o rompimento das relações entre Cuba e os EUA. Neste
ano, as três grandes empresas petrolíferas que dominavam o mercado cubano - Standard Oil,
Texaco e Shell - negaram-se a refinar o petróleo soviético que o governo cubano começava a
importar. Houve intervenção estatal nas empresas e elas foram obrigadas a proceder o refino.
Em represália, as companhias suspenderam as importações de petróleo para Cuba.
Começava a guerra. 700 mil toneladas foram compradas pela União Soviética, e a China se
comprometeu a comprar 500 mil toneladas durante cinco anos.
- Após esse incidente, o governo cubano nacionalizou as principais companhias norteamericanas que funcionavam na ilha: refinarias de petróleo, as companhias de luz e
telefonia, lojas, empresas que exploravam a borracha e que produziam cigarros, bancos. Até
então, a prostituição, o jogo, o tráfico de drogas e a miséria eram comuns na paisagem
cubana.
- Após três meses no governo, Kennedy autorizou uma operação clandestina de contrarevolucionários, montada pela CIA. O desembarque na Baía dos Porcos (16/04/1961) foi
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derrotado com certa facilidade, frustrando as expectativas do governo norte-americano de
encontrar apoio popular para derrubar Fidel Castro. No dia 1º de maio de 1961, Fidel Castro
proclamou a adoção do socialismo no país, num processo que era somente nacionalista.
- O estabelecimento de um regime de orientação marxista-leninista a 100 milhas de seu
território levou os EUA à escalada de hostilidades: seguiram-se a imposição e ampliação do
bloqueio econômico à ilha, a Crise dos Mísseis (outubro de 1962), quando a União
Soviética instala ogivas nucleares em Cuba, iniciando uma crise, que se transformaria num
dos pontos mais críticos da Guerra Fria; a expulsão de Cuba da OEA (25/11/1962). Esses
eventos levaram Havana a uma aproximação ainda maior em relação à Moscou, tanto no
plano econômico quanto político.
- Politicamente os “barbudos de Havana” representavam um desafio inaceitável num
continente já convulsionado: era um mau exemplo que simultaneamente espelhava a
incapacidade americana e a presença diplomática soviética na reserva de caça aos Estados
Unidos.
- Com a queda do Muro de Berlim (1989) e o fim da URSS (1991), a situação de Cuba ficou
delicada, uma vez que o auxílio econômico-financeiro até então prestado pelos soviéticos foi
sensivelmente reduzido. A ilha foi obrigada a buscar novas parcerias no fim do século
passado e início deste novo milênio: China, Brasil (o governo Sarney retomou relações
diplomáticas com a ilha), Espanha, Itália, Canadá, a Rússia de Vladimir Putin e outros
países. A situação sócio-econômica de Cuba passou por sensíveis avanços nos últimos anos,
e a situação política está indefinida com a doença e o afastamento de Fidel Castro. Raul
Castro, o irmão e um dos últimos remanescentes de Sierra Maestra, assumiu o governo.
- Uma outra revolução importante na América Latina ocorreu na Nicarágua. A Frente
Sandinista de Libertação Nacional (FSLN, fundada em 1961) derrubou o ditador A. Somoza
em 1979, apoiado pelos EUA, que dominava a economia e controlava um canal que
atravessa o país (como no Panamá). Na década de 1920, o líder nacionalista Augusto César
Sandino elabora um manifesto político contra a situação do país, sendo morto em 1934 pela
Guarda Nacional. Em 1979 os Sandinistas tomaram Manágua, formando um novo governo,
sob a liderança de Daniel Ortega. Cinco anos depois, através de eleições, conquistaram mais
de 65% do eleitorado, consolidando o processo revolucionário.
- A derrubado do governo Anastasio Somoza foi possível pela aliança entre os sandinistas e
a burguesia anti-somozista, procurando desenvolver uma economia mista. Esta aliança foi
comprometida pela guerra contra-revolucionária articulada e financiada pelos EUA. Com o
apoio norte-americano, os “contras” organizaram-se na Costa Rica e em Honduras no
decorrer dos anos 1980, tentando estabilizar e derrubar o governo de Daniel Ortega, já
bloqueado por um embargo estadunidense.
- Nas eleições de 25 de fevereiro de 1990, a história da Nicarágua tomou um rumo
inesperado com a vitória da oposição aos Sandinistas (a UNO), apoiada pelos EUA, quando
Violeta Barrios de Chamorro assume o poder. Daniel Ortega admitiu a derrota e entregou o
poder. Em 1996, o ex-prefeito de Manágua, o empresário conservador Arnoldo Alemán,
vence as eleições presidenciais. A situação precária da Nicarágua agravou-se em novembro
de 1998 com a passagem do furacão Mitch, deixando um saldo de 3.000 mortos e milhares
de desabrigados.
- No início do século, Daniel Ortega vence as eleições e retorna à presidência, colocando a
Nicarágua na linha de apoio aos governos de Hugo Chaves e Evo Morales, retomando o
discurso nacionalista e antiamericano do país.
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- Em El Salvador a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMNL), instalada em
montes e vulcões do país, apoiada pela Igreja Católica vêm sendo alvo da repressão.
. Anexo I - A Revolução Mexicana
- Em 1910, o México cobre um território de 2 milhões de quilômetros quadrados e conta
com 15 de milhões de habitantes. No período que se seguiu à independência da Espanha em
1821, o México conheceu múltiplas tentativas de estabilização política. Com o tratado de
Guadalupe Hidalgo, que põe fim à guerra com os EUA (1846-1848), a fronteira é deslocada
para o Rio Grande, o México perde a Califórnia e o Novo México, parte dos estados de
Tamaulipas, Coahuila, Chihuahua e Sonora. A secessão do Texas ocorreu na década
anterior, em 1836, quando colonos norte-americanos que ocupavam a região pedem ao
governo federal o reconhecimento e a proteção, levando os Estados Unidos à invasão do
México em 1846.
- Em fins do século XIX e começo do XX, o México, como outros países latino-americanos,
experimenta um grande crescimento econômico, em função das relações que mantêm com as
potências industriais e imperialistas modernas. Os ingleses e estadunidenses investiam em
minas e ferrovias. Na primeira década do século XX, passam a investir em petróleo, a grande
riqueza do México.
- Em 1884, foi adotado o princípio da reeleição do presidente, modificando-se a Constituição
de 1857 e, a partir desta data, Porfírio Díaz será reconduzido às suas funções a cada fim de
mandato, com o apoio dos investidores estrangeiros e recorrendo à fraude e à violência. Em
1910, a oitava reeleição de Díaz - já octogenário - provoca uma grave crise interna, sobre a
qual se acrescentam as tensões políticas e sociais latentes: as disputas entre liberais e
conservadores, a concentração de terras, a pobreza de camponeses e operários.
- A Revolução Mexicana encerrou este longo ciclo de autoritarismo e fraudes do porfiriato.
Em 1910, Francisco Madero, rico haciendado do norte, após fugir da prisão ordenada por
Díaz, lança a proclamação de São Luís de Potosí, opondo-se diretamente ao regime. Sem
sustentação, depois de um ano de lutas contra as oligarquias dissidentes, Porfírio Díaz parte
para o exílio na França, e Madero assume a presidência. Em 1913, um golpe liderado por
Victoriano Huerta derruba Francisco Madero. No ano seguinte, Venustiano Carranza ocupa
a presidência, apresentando-se como “moderado” e propondo uma nova constituição para o
país.
- A Revolução Mexicana deve ser entendida como um complexo processo político-social
que envolveu o embate de diferentes projetos em que a implementação de medidas decorre
das lutas entre as classes envolvidas, sem modelos pré-estabelecidos: os “camponeses
indígenas” que se mobilizaram entre 1910 e 1920 nas tropas das oligarquias dissidentes e
nos exércitos “radicais” liderados por Emiliano Zapata, no Sul, centrado no pequeno estado
de Morelos, e Pancho Villa (que personifica a figura do revolucionário saído do povo), no
Norte, na região fronteiriça de Chihuahua. O movimento envolveu também grupos de classes
médias urbanas, trabalhadores agrícolas diaristas, pequenos meeiros, lenhadores,
desempregados e outros.
- A década revolucionária que começa em 1910 comporta duas fases: a primeira é marcada
pela chegada ao poder de Francisco Madero (1911-1913), deposto pelo golpe de Estado do
general Victoriano Huerta em fevereiro de 1913. A segunda fase começa com a tentativa de
derrubar o governo de contra-revolucionário de Huerta, que mergulha o país na guerra civil e
revolucionária de 1914-1915, e compreende o período que culmina com a aprovação da
Constituição de 1917 e a presidência de Venustiano Carranca (1917-1920).
43
- As comunidades camponesas indígenas ligadas a Zapata garantiram nas áreas ocupadas por
seus exércitos a aceitação das diretrizes de reforma agrária do Plano Ayala. O programa
previa a devolução das terras indígenas ocupadas indevidamente pelos haciendados; a
entrega de 1/3 das propriedades dos latifundiários mediante indenizações antecipadas; a
expropriação de 2/3 dos bens dos proprietários que recusassem o plano. Os principais pontos
do Plano Ayala foram incorporados ao decreto de 6 de novembro de 1915, emitido por
Carranza, que se transformaria no artigo 27 da Constituição de 1917.
- Entretanto, a reforma agrária só foi implementada em maior escala entre os anos de 1930 e
1940, no governo de Lázaro Cárdenas, que criou um departamento de reforma agrária e
devolveu aos índios os ejidos, propriedades comunais indígenas. Os dados mais
significativos da reforma agrária no México são do período em que Cárdenas esteve à frente
do governo, entre 1934 e 1940. O próprio Cárdenas armou os camponeses com 60.000 rifles,
o que demonstra que sem luta e tensões os resultados não seriam alcançados: mais de 50%
das terras cultiváveis distribuídas entre mais de 2,2 milhões de ejidatários.
- Em 1919, Emiliano Zapata foi assassinado. Pancho Villa, em 1923. A luta dos camponeses
e a reforma agrária foram implementadas a partir de um projeto nacional-estadista, que
caracterizou muitos regimes políticos da América Latina, que tinham em comum a rejeição à
hegemonia norte-americana, travando disputas em seu interior, para que ela pudesse ser
redefinida. Destaca-se neste contexto a intervenção do estado como alavancador do
desenvolvimento nacional, concepção crítica que se opõe ao conceito “clássico” de
populismo como mera “manipulação das massas pelo líder carismático”.
- Muitos historiadores ressaltaram as poucas mudanças imediatamente perceptíveis trazidas
pela revolução. Entretanto, vale ressaltar que as transformações advindas do processo
revolucionário conduziram: I) a supressão do Estado Oligárquico fundado nos privilégios
das classes latifundiárias; II) a adoção de um sistema político aberto, no qual as diferentes
classes sociais podem exercer seu papel; III) por fim, instaura um complexo jurídico que
limita a margem de atuação do capital estrangeiro e das potências imperialistas. Além, é
claro, da reforma agrária, vivenciada por poucos países latino-americanos.
- Em 17 de dezembro de 1992, os governos do México, Estados Unidos e Canadá assinaram
o acordo de Livre Comércio Norte-Americano, o NAFTA. O México adota, através do
governo de E. Zedilo, o modelo neoliberal do FMI, com privatizações e o aumento da taxa
de juros que asfixiou as pequenas e médias empresas, aumentando o desemprego e o
subemprego de 12 milhões de pessoas, o aumento das dívidas interna e externa, privada e
pública do país.
- Em dezembro de 1994, ocorre uma súbita retirada dos capitais especulativos do mercado
de ações do México, que passa a sofrer um ataque especulativo, colocando em questão o
modelo de liberalização da economia imposto pelo FMI. A crise ameaçou outras economias
da região com o chamado “efeito tequila”. A crise aumenta a dependência do México em
relação aos EUA, e suas reservas monetárias advindas da venda do petróleo passam a ser
depositadas em bancos ao norte do Rio Grande. O país se transforma em zona terceirizada
das maquiladoras norte-americanas. O México substituiu a Colômbia como principal sede
dos cartéis de droga. Entre 2001 e 2002, é assinado o Plano Puebla-Panamá, um megaprojeto
de integração com os EUA, que pretende levar “desenvolvimento” ao México e à América
Central com investimento em infra-estrutura.
- Em 1º de janeiro de 1994, o até então Exército Zapatista de Libertação Nacional
(EZLN) do “sub-comandante Marcos” tomou três povoados do estado sulista de Chiapas,
exigindo infra-estrutura sanitária e educativa, ensino das línguas nativas nas escolas e
modificações no código penal e de propriedade da terra.
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Anexo II - O Mundo pós 11/09/2001
- No período que imediatamente se seguiu ao atentado de 11 de setembro de 2001 sobre as
torres gêmeas de Nova York, o mundo ocidental assistiu atônito a uma primeira guerra de
informações, onde grande parte do que era veiculado possuía uma linha unilateral,
monolítica, norte-americana e ocidentalizada. Dos EUA partem mais de 65% das
informações mundiais; de 30% a 70% das emissões de TV são importadas do centro. O
mercado de informação é quase um monopólio de quatro grandes agências: Associeted Press
e Unidet Press (dos EUA), Reuters (da Inglaterra) e France Press (da França).
- Entretanto, os países pobres e em desenvolvimento consomem 5 vezes menos cinema, 8
vezes menos rádio, 15 vezes menos televisão e 16 vezes menos papel jornal que o centro. O
avanço da internet seria uma esperança, mas ainda é um privilégio dos países desenvolvidos
e marginal para os “excluídos digitais” dos países pobres da África, grande parte da Ásia e
das Américas Central e do Sul. Segundo uma pesquisa realizada pela ONU no final dos anos
90 e no início deste século, o sul da Ásia, com quase um quarto da população mundial,
contava com apenas 1% dos usuários da Internet; os países industriais, com 15% da
população global, tinham 88% de internautas; 25% dos americanos usavam a internet, contra
apenas 0,1% na África. 80% de todos os sites são em inglês, embora apenas 10% do mundo
falem a língua. O crescimento da China e da Índia pode modificar este quadro nos próximos
anos.
- Os Estados Unidos ampliaram sua escalada militar (já ampliada nos anos 1990 na região
dos Balcãs, quando a OTAN e EUA fizeram uso de bombas de urânio empobrecido) e
econômica. Segundo Gore Vidal, escritor ítalo-americano, Bin Laden virou pretexto para a
invasão do Afeganistão e do Iraque, quando o motivo real era o petróleo. O escritor que
mora na Itália é crítico feroz e frequentemente isolado do governo Bush. Para o escritor, a
“terça-feira infame” de 11/09 serviu para o governo avançar sobre a Carta de Direitos e
garantias civis da sociedade americana e escamotear a fraude eleitoral que garantiu a vitória
de Bush Jr., decretada pela Suprema Corte.
- Gore Vidal afirma que Democratas e Republicanos sabiam, baseados em pesquisas, que a
opinião pública norte-americana resistiria a qualquer guerra na Ásia Central ou no Oriente
Médio sem que houvesse uma grande e perceptível ameaça, que, pela lei, caças de combate
poderiam ser interceptados e abatidos os aviões que praticaram os atentados de 11 de
setembro. Também questiona por que Bush ficou numa sala de aula na Flórida enquanto
notícias do ataque eram divulgadas. Segundo Vidal, o outro “dia de infâmia” (o ataque sobre
Pearl Harbor) está obscuro até hoje.
- Muito já foi divulgado e estudado sobre o 11 de setembro e muito mais deveria ser
investigado. Mas segundo a CNN, Bush pediu ao líder da maioria no Senado, Tom Daschle,
para limitar as investigações, visando a aceleração da liberação de verbas e fundos para a
guerra contra o “terror“.
- A posição de Gore Vidal parece “teoria conspiratória”, mas vale lembrar e ressaltar que os
índices de popularidade de Bush vinham caindo vertiginosamente, e o país estava isolado
externamente: em março de 2001, os EUA foram expulsos da Comissão de Direitos
Humanos da ONU, por ter sistematicamente votado contra todas as resoluções aprovadas
desde 1948; em junho, a Conferência de Bonn, na Alemanha, aprovou o Protocolo de Kyoto
por 178 votos contra um dos EUA; em seguida, os EUA e Israel retiraram-se da Conferência
45
contra o racismo em Durban.
- A recessão dos EUA, a diminuição dos lucros e da rentabilidade dos grandes
conglomerados financeiros e industriais aumentavam as demandas pelos recursos naturais
dos países periféricos. A conquista da Eurásia era considerada pelo governo norte-americano
(que não contava com o despertar de um antigo Império, o russo) a pedra angular da
estratégia militar estadunidense, pois naquela região vivem 75% da população mundial, está
a maior parte dos recursos do planeta com 60% do PIB global. Os cinco países da Bacia do
Cáspio (Azerbaijão, Cazaquistão, Irã, Rússia e Turcomenistão) possuem reservas estimadas
em 200 bilhões de barris de petróleo e um volume comparável de gás. Reservas maiores do
que as do Golfo Pérsico. Grandes empresas como a Texaco, Chevron, Conoco, Móbil e a
Unocal estavam assinando acordos bilionários com estes países.
- No início de setembro de 2001, antes dos atentados e logo após o encontro do G7 em
Gênova, os países ricos já preparavam um plano para criminalizar e tipificar como
terrorismo qualquer ação ou movimento antiglobalização. O Brasil foi pressionado e
ameaçado pelo Secretário de Comércio dos EUA, Donald Evans, que exigiu que o Brasil
“abandonasse a retórica” e ameaçando aplicar sanções. O governo FHC reafirmou a
postulara multilateral do país, opondo-se à guerra e cobrando uma posição da Assembleia
Geral da ONU e do Conselho de Segurança.
- A posição brasileira, apoiada pela maior parte dos países latino-americanos e ocidentais,
foi derrotada, e os EUA invadiram o Iraque e o Afeganistão, mobilizando uma Coalizão
apoiada pela Inglaterra, Austrália, Itália e outros, numa escalada comparável à Guerra do
Vietnã, isolando ainda mais os Estados Unidos, estimulando o sentimento antinorteamericano (e a “Onda Vermelha” na América Latina) e a crise na fragilizada economia
norte-americana. Segundo Gore Vidal, “os americanos não têm ideia dos danos causados por
seu governo (...). O número de ataques militares que fizemos sem sermos provocados, contra
outros países, desde 1947, é de mais de 250”.
- A América do Sul foi varrida por uma onda de reformas neoliberais nos anos 90,
sustentada pelo Consenso de Washington, um plano de ajustamento econômico dos países
periféricos, chancelado pelo FMI, o G7 e pelo BIRD em mais de 60 nações de todo o
mundo, estabelecendo a homogeneização das políticas econômicas nacionais na África, Ásia
e América Latina, sem levar em conta as profundas diferenças regionais. A “cartilha”
pregava disciplina fiscal, reforma tributária, taxas de juros positivas determinadas pelo
mercado, câmbio competitivo; desenvolvimento de políticas liberais, com maior abertura ao
investimento estrangeiro (sem qualquer controle ou tributação sobre o capital especulativo
investido em bolsas), privatização de empresas estatais, profunda desregulamentação dos
mercados com a quebra de monopólios e a “flexibilização” de leis trabalhistas. A prescrição
deste receituário devastou diversas regiões.
- A América Latina entrou no século XXI tão ou mais pobre que antes, com o crescimento
das taxas de desemprego, de miséria, das dívidas interna e externas, com o aumento do
processo de desnacionalização econômica. Os conflitos políticos e sociais transformaram-se
em guerra civil, como na Argentina, Venezuela, Bolívia e Colômbia. A crise econômica
gerou um certo desencantamento com a política e com a democracia, que sendo amplo e
aberto, não produz resultados imediatos.
- A História da América Latina é marcada, desde do século XIX, por processos cíclicos de
estabilidade e de crise, de respeito ao Estado de direito democrático e por regimes ditatoriais.
Existe sempre a possibilidade de ruptura com a democracia se houver o abandono do
discurso e da defesa da democracia e se esta democracia não corresponder às demandas
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institucionais mais urgentes.
- O Neoliberalismo é a doutrina político-econômica que representa uma tentativa de adaptar
os princípios de liberalismo econômico às condições do capitalismo contemporâneo,
adequado à economia globalizada e sem descartar os mecanismos de intervenção econômica.
Estruturou-se por meio das obras dos norte-americanos Walter Lesam e M. Friedman; dos
franceses Jacques Rueff, Maurice Allais e L. Baudin; dos alemães Walter Eucken e W.
Röpke e austríaco F. Hayek. No Brasil, os teóricos do Rio de Janeiro que elaboraram o Plano
Real (Pérsio Arida, Gustavo Franco, Pedro Malan e outros), chamados de “Chicago Boys”,
estão entre os principais nomes desta linha.
- A década de 90 do século passado assistiu a um brutal avanço do processo de globalização
ou, como preferia Milton Santos, de “globalitarismo”, de “uma lógica globalitária regulada
pelo G7 e organismos financeiros internacionais”, sustentada pelo bombardeio da
informação e pelo papel “pedagógico” da mídia, que cria mitos e símbolos da globalização:
de que a “mão invisível do mercado” resolveria os problemas sociais e da concorrência
desleal; do “Estado mínimo” que deveria cuidar de políticas públicas de segurança, saúde e
educação; que as empresas estatais eram deficitárias e “cabides de emprego”.
- O castelo de areia do neoliberalismo e da globalização está sendo demolido pela recente
crise nas bolsas dos Estados Unidos, da União Europeia e da Ásia, arrastando, em maior ou
menor grau, os países emergentes. É interessante notar que a crise está sendo combatida a
partir de “pacotes” e medidas estatais para salvar as economias, bancos e investidores. Tudo
para “acalmar” os mercados.
Anexo III - Observações Finais....
- O recente (e insustentável) crescimento da China, Índia e Rússia, do Brasil, mais
recentemente, promoveu o aparecimento do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), bloco de
países emergentes que reúnem uma série de fatores favoráveis para um extraordinário
desenvolvimento: recursos naturais, custos de produção baixos (força de trabalho, matériasprimas, energia), estabilidade econômica, expansão dos mercados consumidores e outros.
Este fato pode mudar o sistema de forças da geopolítica internacional, com a redução da
hegemonia anglo-americana.
- Os Estados Unidos assinaram recentemente com a Polônia e a República Tcheca acordos
para a instalação de um sistema de defesa antimísseis para a proteção dos seus aliados contra
os mísseis iranianos. Pressionaram os países aliados da OTAN no sentido de facilitar a
entrada das antigas Repúblicas Soviéticas no bloco e aceitaram a independência unilateral do
Kosovo da Sérvia, deslocando suas tropas na região.
- A mini-guerra na região do Cáucaso envolvendo a Geórgia e a Ossétia do Sul e a Abcácia,
províncias separatistas apoiadas pela Rússia, abalou a comunidade internacional, quando os
Estados Unidos e a União Europeia protestaram contra a invasão da Geórgia pelas tropas
russas, denunciando a “desproporção de forças” favorável à Moscou. Segundo Immanuel
Wallerstein, os norte-americanos e europeus esqueceram-se de um fato: a recuperação e o
crescimento da Rússia, não uma nação, mas um Império.
- O governo de Vladimir Putin, apoiado pela China e Irã, não assistiria passivamente a
expansão norte-americana e da OTAN sobre seus antigos “satélites” e suas fronteiras. A
Rússia controla o petróleo e o gás tão necessários à União Europeia nas regiões do Mar
Cáspio e do Mar Negro. Os Estados Unidos, envolvidos em duas guerras (Iraque e
Afeganistão) que estão perdendo, no meio da sucessão presidencial de Bush Jr e debilitados
pela recente crise econômica, limitaram-se aos protestos.
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