O debate sobre o trabalho imaterial fundamenta

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O debate sobre o trabalho imaterial fundamenta-se como um dos
mais discutidos pela sociologia contemporânea, sobretudo, a partir dos
autores, de filiações teóricas distintas, enfrentaram esse tema chegando a
muito diferentes. No entanto, a produção sociológica predominante teve
interlocutor Karl Marx.
objetos de pesquisa
anos 1990. Muitos
conclusões também
como seu principal
O texto de referência que motivou e ainda motiva polêmicas é os Grundrisse de Marx.
A crítica central à obra de Marx nos informa que nem o conceito de valor-trabalho, nem o de
classe social seriam suficientes para compreender a diversidade das sociedades capitalistas. A
partir dos anos 1970 uma suposta complexificação das sociedades capitalistas exigiriam
conceitos mais amplos daqueles estabelecidos por Marx no século XIX.
Valor e classe social foram, nesse sentido, considerados conceitos marcadamente
articulados à especificidade do industrialismo, isto é, a um momento da história no qual teria
sido possível a identificação de uma homogeneidade na produção de mercadorias e, por conta
disso, uma homogeneidade dos sujeitos sociais envolvidos nessa produção.
No momento em que a produção tipicamente taylor-fordista sofre transformações
significativas e a produção de bens intangíveis ganha visibilidade, projeta-se a necessidade de
alterar-se a linha interpretativa baseada na indústria de bens “materiais” para aquela de bens
imateriais. A produção imaterial, nesse sentido, teria aberto um novo ciclo social que imporia
novos desafios à sociologia contemporânea. Portanto, para uma nova dinâmica social, um novo
corpo teórico deveria ser erigido.
Valendo-me do debate sobre o trabalho imaterial estruturado com base na negação do
conceito de valor e de classe social de Marx, tenho como objetivo apresentar introdutoriamente
como se organizam teoricamente as principais correntes interpretativas da produção e do
trabalho imaterial. Realizada essa introdução, passo a desenvolver a hipótese de que a leitura
predominante sobre o imaterial tem uma compreensão insuficiente dos conceitos de valor e
classe social em Marx, sobretudo, quando indicam a impossibilidade de mensuração de tempo e
da produtividade na produção de mercadorias imateriais.
Um conjunto de fatores influenciou a crítica estrutural da teoria do valor-trabalho e da
teoria das classes de Marx a partir dos anos 1970. Podemos delimitá-los em duas frentes: uma
histórica e outra teórica. A primeira delas se manifestou em decorrência do colapso de Bretton
Woods e da crescente intervenção dos Estados nas políticas salariais, do enfraquecimento
progressivo das políticas de intervenção estatal de tipo keynesiano, das crises do petróleo, da
reestruturação produtiva (diminuição dos postos de trabalho na indústria dado pelo processo de
automação), do desenvolvimento do neoliberalismo nos Estados Unidos e na Europa (já no fim
da década de 1970 e início da década de 1980) e de sua nova política de regulamentação das leis
de (des)proteção ao trabalhador.
Em relação ao plano teórico podemos destacar a emergência da teoria da virada
cultural, segundo a qual haveria a substituição da racionalidade econômica por uma
racionalidade de tipo hedonista – motivada, sobretudo, pela prosperidade dos países europeus
sob o Estado de bem-estar social (Inglehart, 1997); das teorias dos novos movimentos sociais
(Offe, 1994; Touraine, 1993) que, ao criticar o caráter redutor do paradigma produtivo,
vislumbrava uma diversidade de processos de sociabilização para além do universo do trabalho;
da teoria da sociedade pós-industrial que pressupõe a sociedade pós-industrial como aquela na
qual predominariam valores pós-materialistas, distintos daqueles das conjunturas precedentes
ancorados na economia e na indústria e baseada, sobretudo, no setor de serviços (Bell, 1977); do
debate sobre a perda da centralidade do trabalho como conseqüência da última reestruturação
produtiva, isto é, o colapso da produção industrial (tradicional) e a emergência de determinações
sociais divergentes da fabril (Gorz, 1987); das teorias da cidadania, sobretudo, caracterizadas
pela recuperação dos textos de T. H. Marshall que acabam por fundamentar teoricamente as
teses sobre a renda universal e/ou renda mínima (Gorz, 2003; Silva, 2008; Lazzarato, 2002;
Boutang, 2007); e, por fim, da teoria do capitalismo cognitivo que indica a superação tendencial
das formas de trabalho e produção capitalistas e a emergência de um “comunismo do saber”
(Lazzarato, 1993; Negri, 2003; Gorz, 2003; Boutang, 2007).
Como já indicamos, no escopo geral dessa crítica está presente a tese segundo a qual a
teoria do valor-trabalho estaria relacionada ao industrialismo. Com a indicação do fim da
“hegemonia industrial”, superada pelo setor de serviços e pela produção da informação e
conhecimento, as teorias do valor-trabalho e das classes foram consideradas teórica e
historicamente ultrapassadas.
Haveria
um
distanciamento
das
novas
formas
de
trabalho
(imaterial/informacional/cognitivo) em relação às atividades de constituição material dos
objetos produzidos. O trabalho que tem como matéria-prima as capacidades cognitivas não
poderia ser analisado pelo mesmo estatuto teórico daqueles trabalhos que tem como matériaprima a produção material (no sentido físico do termo). Em resumo, a alusão de Marx ao
homem transformando a natureza é confinada, apenas e tão somente, a uma concepção de
natureza como conjunto de objetos físicos.
Como desdobramento dessa indicação a produção imaterial, forma condensada de
produção na qual predominariam as “capacidades intelectuais”, colocaria questões estruturais à
teoria do valor: se a teoria do valor de Marx observa o processo de valorização apenas sob signo
da transformação física da natureza, como seria possível mensurar o tempo de trabalho
necessário à produção imaterial? Sendo essa mensuração inviável, a teoria do valor perderia sua
validade teórico-analítica? Seria o trabalho abstrato uma ficção já que não possui uma natureza
física? Ou ele sintetizaria a forma acabada das relações sociais capitalistas?
O debate sociológico contemporâneo que estuda o tema do trabalho imaterial e da teoria
do valor-trabalho parece relacionar indevidamente a produção de mercadorias do início do
século XX às formas da produção atual. É com base nessa “nova” forma de compreensão do
trabalho que se situa a crítica e suposta superação da teoria do valor-trabalho. Tempo de
trabalho, qualificação profissional, atividades cognitivas, utilidade, caráter produtivo ou
improdutivo do trabalho, imaterialidade, quantidade-qualidade, domínio e controle da produção
são elementos de um debate que se situa direta ou indiretamente sob a rubrica da teoria do
trabalho material/imaterial.
Nestes termos, nos parece importante voltarmos à obra de Marx, especialmente aos
Grundrisse e a O Capital, e refletirmos o sentido da relação entre trabalho intelectual e trabalho
manual; trabalho material e imaterial, trabalho concreto e abstrato, sobretudo quando esses
conceitos são utilizados como elemento de classificação social.
A relação central na teoria de Marx sobre o processo de valorização do capital é
construída em torno das concepções de valor de uso e valor de troca. Os conceitos de trabalho
manual e intelectual, de trabalho material e imaterial ou mesmo de trabalho produtivo e
improdutivo estão subordinados às formas do trabalho abstrato. O trabalho abstrato é
caracterizado como um trabalho em geral que expressa diferentes quantidades de valores de
troca das mercadorias, tornando-as socialmente intercambiáveis, caracterizando-se, portanto,
como um regulador das trocas entre mercadorias distintas.
Do ponto de vista do trabalho abstrato não há, dessa forma, diferença entre a
produção/trabalho material ou imaterial. Essa dicotomia, na análise que Marx realiza da
produção de mercadorias e do valor-trabalho, seria um falso problema. A produção de maisvalia, ou mais valor, não seria, portanto, caracterizada pela relação de transformação física dos
objetos trabalhados.
O valor-trabalho deveria, então, ser considerado como um desdobramento das
atividades e das relações sociais que engendram a produção capitalista. Nestes termos, a
discussão sobre a materialidade e a imaterialidade do trabalho pode ser relacionada muito mais à
especificidade da produção capitalista, ou seja, ao objetivo de valorização do capital baseado na
ampliação das mercadorias produzidas. Isto é, quanto maior for a produção (em um tempo
menor), maior será a mais-valia relativa constitutiva do conjunto de mercadorias. As relações
sociais que dão base e garantem essa empreitada sequer se valem da natureza física das coisas.
Desse modo, não importa se se trata da produção de uma mercadoria conhecimento ou
de uma mercadoria máquina, pelo contrário, o importante é analisar como, em que condições,
sob que tipo de empreendimento, em que encontro de relações sociais o conhecimento e a
máquina foram produzidos.
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