Herpes Zoster: HIV/SIDA ou feitiçaria

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Herpes Zoster: HIV/SIDA ou feitiçaria
Por Salane Muchanga (texto)
e Joel Chiziane (fotos)
O surgimento “espontâneo” de sinais de queimadura em algumas partes do corpo humano devido ao
Herpes Zoster, uma doença vulgarmente conhecida por “fogo da noite”, é algo que está a dividir opiniões na
sociedade moçambicana quando se procura identificar as reais causas deste problema de saúde. Algumas
pessoas associam a doença ao HIV/SIDA. Outras atiram a culpa às pessoas de má fé, os chamados
feiticeiros, alegando que durante a noite, estes deitam água fervida às suas vítimas.
Falar de “fogo da noite” ou Zona, como é também conhecida a doença no âmbito
científico, não é algo novo nas comunidades moçambicanas. Quase que todas as
pessoas interpeladas pelo SAVANA, semana passada, dos 70 aos 20 anos de idade, têm
conhecimento da existência da doença e outras já viveram histórias de pessoas que a
tiveram. Mas as dúvidas estão na origem da mesma o que, de algum modo, inquieta a
sociedade em procurar explicar a origem do problema. As pessoas dizem que é estranho
“da noite para o dia, alguém acordar com bolhas de queimadura” sem ter que ser obra de
feiticeiros. Outras dizem que a doença resulta do HIV/SIDA, enquanto que alguns indicam
que os investigadores ou médicos tradicionais é que melhor podem esclarecer o que
estará por detrás do Zona.
A doença está associada ao HIV/SIDA
Segundo profissionais de saúde, quer da medicina convencional, quer da tradicional, o
“fogo da noite” é uma doença que existe há muitos anos, antes mesmo da era da SIDA,
mas não era tão frequente como se verifica nos últimos anos.
Fala-se que em cerca de 90% dos doentes com Herpes Zoster que dão entrada no
Hospital Central de Maputo (HCM), na enfermaria de Dermatologia, está associado o
vírus da SIDA. Já os médicos tradicionais dizem receber nos seus consultórios quatro a
sete casos de pessoas com Zona e associam a doença à feitiçaria e até mesmo à
chamada doença do século.
Para melhor entender o problema, o SAVANA entrevistou alguns médicos tradicionais da
praça, dermatologistas e ouviu também alguns membros da sociedade e eis o que cada
um entende da doença.
Não era como nos tempos, não sei porquê
Marcelina Jorge Pelembe, anciã de 71 anos de idade, diz que o “Ndzilo ya Wusiko”, nome
em Changana, é uma doença que existe já há muitos anos e raros eram os casos
reportados na altura. Mas para seu espanto hoje em dia são muitas as pessoas que têm a
doença. “Hoje ouves que fulano queimou, ontem foi fulana”, disse Marcelina.
Acrescentou que actualmente a doença já “não é como nos tempos”. Explica que na
altura “as pessoas não precisavam de ir ao centro de saúde para receber tratamento, era
só tomar banho com ervas recomendadas e tudo passava”. Para finalizar, a anciã
precisou que “dizem que são feiticeiros que provocam a doença”.
Só oiço falar da doença, mas desconheço as causas
Julieta Francisco Pelembe de 50 anos é outra cidadã que desconhece as causas da
doença. Mas sabe que “a pessoa acorda com dores fortes numa parte do corpo onde
depois surgem bolhas de água que culminam em feridas”. Para ela, a doença tomou
outros contornos, visto que “nos tempos não era tão frequente tal como se verifica hoje
em dia”.
A minha mulher já teve esse problema
“Fiquei a saber que a doença era provocada por um vírus e que se chamava Herpes,
quando levei a minha mulher ao hospital devido a esse problema”, diz Pistola Nhaca de
50 anos de idade.
Nhaca conta que a mulher sofreu muito por causa da doença. “Eu tinha que passar uma
toalha molhada na parte do corpo que ela sentia sensação de queimadura e a toalha
secava em poucos minutos”.
De acordo com a nossa fonte, “algumas pessoas dizem que a doença é HIV/SIDA, mas
não concordo porque esta doença é possível curá-la o que já não acontece com o SIDA”.
Para ele, a doença resulta da falta de condições para se ter uma alimentação equilibrada,
situação que leva “a pessoa a enfraquecer e ter essa doença”.
É preciso ir ao curandeiro (médico tradicional)
Cidade António, jovem de 31 anos de idade, diz que quando a pessoa contrai o Herpes
deve ir ao curandeiro para receber tratamento. “Dizem que esta doença é causada por
feiticeiros”, observou.
Natural de Quelimane, Cidade apontou que na sua região a doença é conhecida por
“Moto Wamatilo”.
Pode ser feitiçaria
Aurélio Morais, médico tradicional
Falando ao SAVANA, o médico tradicional, Aurélio Morais, entende que a doença pode
ser causada por dois motivos, sendo um relacionado com a feitiçaria “que resulta
tradicionalmente da maldade de pessoas” e outro associado ao HIV/SIDA.
Para este médico, a doença é interpretada na comunidade como sendo feitiçaria, dado
que geralmente as manifestações surgem à noite. Mas adicionou que a doença pode
estar associada ao vírus da Sida. “As pessoas devem ir ao hospital fazer o diagnóstico
para apurar se a doença está ou não associada ao HIV/SIDA”. Diz que os médicos
tradicionais têm medicamentos eficazes para tratar o Herpes Zoster e recebem em média
mensal cerca de quatro a sete pessoas que sofrem da doença. O que se quer, segundo
avançou, “é uma acção conjunta entre os médicos tradicionais e os convencionais para
melhorar a qualidade de saúde das pessoas”.
A doença pode ser sinal de que a pessoa está infectada pelo HIV/SIDA
Entretanto, de acordo com Rolanda Manuel, dermatologista do Hospital Central de
Maputo, o Herpes Zoster é uma doença que resulta da reactivação do vírus Varicella
Zoster, o mesmo que provoca a Varicela.
A doença, segundo a médica, muitas vezes, está associada a outras que levam à
diminuição das defesas do organismo, como a SIDA. “Esta doença pode ser um dos
primeiros sinais que dão indicação de que a pessoa está infectada pelo vírus da SIDA”,
disse.
Pode afectar pessoas de quase todas as idades desde que o seu sistema imunológico
esteja enfraquecido.
Esta doença, explica a médica, tem habitualmente a particularidade de ser limitada a um
território cutâneo (pele), inervado por determinado nervo, chamado dermátomo.
Normalmente, a manifestação é uma erupção de bolhas (erupção vesicobolhosa)
agrupadas sobre uma base avermelhada da pele, que têm uma disposição linear que
corresponde ao nervo que inerva um determinado território cutâneo, assimétrica e
unilateral.
A doença, segundo disse, caracteriza-se por estar associada a uma dor intensa local,
“porque o vírus se vai localizar a nível do nervo, e é por isso que dói muito”.
Aconselhar a fazer o teste de HIV/SIDA
Portanto, segundo avançou a médica, “sempre que nos aparece alguém com Zona, temos
a obrigação de lhe falar que pode estar associado ao HIV e aconselhamos a pessoa a
fazer o teste”.
“O Herpes Zoster é frequente dentro das doenças dermatológicas registadas no hospital e
infelizmente cerca de 90% dos doentes com esta doença está associado ao HIV”, referiu
Rolanda.
Distribuindo em idades, actualmente a doença regista-se com maior frequência nas faixas
etárias mais jovens (dos 19 aos 50 anos de idade).
“Aliás, em pessoas com mais de 60 anos, para além do HIV/SIDA, temos que pensar em
doenças malignas como cancros e tumores”.
Para tratar a doença, “temos que fazer a desinfecção do local atingido, administrar
aciclovir em comprimidos, entre outros medicamentos consoante o grau da lesão”.
Rolanda referiu que mesmo depois das lesões terem cicatrizado, a dor pode persistir por
algum tempo. Todavia, “isto não quer dizer que o Zona não esteja curado, mas como o
nervo ficou irritado pela infecção a dor persiste”.
Segundo a médica, o Herpes Zoster cura-se, mas “não temos como prever ou prevenir a
doença no futuro”.
Quanto à associação da doença com a feitiçaria, Rolanda diz que “não tem fundamento
nenhum associar a doença à feitiçaria. Eu acho que as pessoas que fazem essa
associação fazem-no como fazem em outras doenças”.
A doença era comum em idosos
- Rui Bastos, médico dermatologista do HCM
Segundo o dermatologista Rui Bastos antes da era do Sida, o Zona era uma doença que
surgia com maior frequência nos indivíduos com mais de 70 anos. Segundo Bastos, é
nessa idade que as pessoas começam a ter outras doenças como Tumores, Cancros, ou
outras doenças que levam a uma diminuição da imunidade.
“Era raro ver esta doença num indivíduo mais novo como vemos hoje com 25 a 50 anos”,
disse Bastos.
Explicou que actualmente, há tantas pessoas com a doença devido ao distúrbio da
imunidade que resulta na maioria das vezes pela infecção do vírus da SIDA.
“Se nos aparece na enfermaria um indivíduo com 25 a 50 anos com esta doença, o
médico tem que obrigatoriamente suspeitar. Não é obrigatório que tenha o vírus da SIDA”,
precisou.
Todavia, apontou que num trabalho de recolha de dados realizado na década 90 no HCM
em doentes com Herpes Zoster, verificou-se que em 83% das pessoas, na faixa etária
dos 20 aos 50 anos, a doença estava associada ao HIV.
A feitiçaria está na cabeça das pessoas
Bastos não aceitou a associação que é feita entre a doença e feitiçaria, porque “a doença
resulta de uma infecção que o indivíduo tem durante muitos anos”.
“A feitiçaria entra na cabeça das pessoas”, precisou.
Disse ainda que as pessoas invocam a feitiçaria por não encontrarem uma explicação
clara do porquê da doença.
“Mas isto é normal em todas as sociedades”, reconheceu.
Entretanto, o dermatologista apela à sociedade para em caso de Herpes Zoster dirigir-se
a uma unidade sanitária onde se vai apurar se a doença está ou não associada a outras
como a SIDA.
“Eu não tenho nada contra a medicina tradicional, só que quando se trata do Zona, é
importante pesquisar a doença, e é preciso que a pessoa se dirija ao hospital”.
O médico avançou ainda que quando o Zona for mal tratado pode provocar complicações
na pessoa - a Nevralgia pós-herpética, provocando deste modo uma dor intensa mesmo
depois da queimadura sarar.
SAVANA – 31.01.2009
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