As transformações recentes do Sistema Capitalista - FAU

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Aula 1: As transformações recentes do Sistema
Capitalista: reestruturação econômica e os paradigmas
de desenvolvimento
AUP 5869 – Avaliação de Grandes Projetos Urbanos: crítica da prática recente
Prof. Dr. Eduardo A. C. Nobre
1. A DEFINIÇÃO DO SISTEMA CAPITALISTA
Vários autores definiram o capitalismo como o sistema econômico mundial. Essa
idéia pressupõe a existência de um processo operacional global, em que os elementos
não são apenas partes justapostas, mas apresentam interdependência entre si para a
realização de um objetivo comum.
Assim sendo, o capitalismo é um sistema de relações político-econômicas cujo
principal objetivo é a acumulação do capital, sendo esse o principal agente no
processo contínuo de reprodução da riqueza.
O conceito de capital difere do conceito de dinheiro ou riqueza, pois enquanto estes
estão relacionados com o seu valor de troca, o capital visa a acumulação do lucro
ou mais-valia, que pode ser obtida através de diversas formas no seu ciclo de
reprodução: lucro advindo da produção, renda fundiária, juros, etc.
D Æ M Æ D´
Onde D = dinheiro; M = mercadoria e D´ = D+∆D
ou seja dinheiro inicial mais lucro
Esse sistema não é estático, apresentando modificações estruturais que vão constituir
as suas diversas fases de desenvolvimento. Modificações nas interações dos
diversos grupos sociais, transformações organizacionais e tecnológicas estabelecem
essas diversas etapas da evolução do sistema.
As transformações organizacionais podem ser entendidas como aquelas relacionadas
ao processo de divisão social do trabalho, enquanto as tecnológicas estão
relacionadas com as inovações técnicas, através do uso de novos equipamentos e
máquinas.
2. A PERIODIZAÇÃO DO SISTEMA CAPITALISTA
A periodização do sistema capitalista, no entanto, sempre foi alvo de grandes
discussões e diferentes proposições. Alguns autores (Amin, 1970; Palloix, 1972a,
1972b; Mandel, 1982) geralmente identificam a formação de três estágios, nos quais o
centro e a periferia desempenham diferentes funções e as estratégias de acumulação
do capital mudam:
2.1 CAPITALISMO MERCANTILISTA 1500-1780
A acumulação é advinda das atividades comerciais, na conquista e expansão
territoriais. O lucro advindo do comércio atlântico irá consolidar a formação da
burguesia mercantil do período. A periferia é trazida para o sistema como mera
fornecedora de matéria-prima.
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2.2 CAPITALISMO COMPETITIVO 1780-1890
As diversas inovações tecnológicas dos séculos XVIII e XIX (máquina de fiar, máquina
a vapor, tear mecânico etc.) junto com a inserção de uma mão-de-obra desocupada
proveniente do campo possibilitou o advento da Revolução Industrial. A fonte principal
de acumulação é a mais-valia, obtida através da exploração da mão-de-obra
assalariada.
2.3 CAPITALISMO MONOPOLISTA 1890A livre concorrência ocasionou maiores investimentos em máquinas e equipamentos
por parte dos empresários, com o intuito de aumentar a produtividade e, por
conseqüência, o lucro.
Somente as grandes empresas puderam desviar parte significativa do seu lucro na
aquisição desses bens de produção, fazendo com que as pequenas empresas fossem
absorvidas ou eliminadas.
Essa concentração e centralização do capital em um número pequeno de grandes
corporações levaram à fase do Capitalismo Monopolista, onde a acumulação do
capital ocorre pela ação dessas empresas, que através de acordos monopolistas
dominam completamente o mercado, eliminando a concorrência.
Assim sendo, no final do século XIX e começo do XX surgem os trustes americanos e
os cartéis europeus, grandes corporações internacionais com práticas monopolistas de
mercado, cuja gerência empresarial é essencialmente financeira, com planejamento
estratégico central e ação tática descentralizada nas subsidiárias
capital financeiro = capital bancário Æ capital industrial
A partir da II Guerra Mundial, as estratégias de acumulação do capital basearam-se na
internacionalização do capital produtivo, através das corporações multinacionais,
ramificações desses grandes grupos empresariais em países periféricos.
Países periféricos passaram a desempenhar um papel mais importante dentro do
processo produtivo mundial em função dos investimentos externos diretos dessas
corporações e dos incentivos à industrialização das políticas nacionais de
"desenvolvimentismo" baseadas em endividamento externo.
As estratégias de acumulação dos países centrais passaram a se basear então nas
repatriações do capital investido pelas multinacionais, através das remessas de lucros,
e na administração financeira das dívidas externas adquiridas pelos países periféricos;
3. AS CRISES DO SISTEMA CAPITALISTA
Segundo Marx (1983), a tendência natural do sistema capitalista é a elevação da
composição orgânica do capital através de maiores investimentos no capital
constante, principalmente em máquinas e equipamentos.
Composição Orgânica do Capital =
Capital circulante + Capital fixo
Quantidade de força de trabalho
Capital Circulante = matéria-prima + energia
Capital Fixo = máquinas e equipamentos + estabelecimentos
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Esse investimento num primeiro momento leva a um aumento na produtividade e a
maiores lucros.
Contudo, a longo prazo, esse fator leva à diminuição da taxa de lucro, pois a
diminuição da força de trabalho resultante do aumento da composição orgânica produz
mais mercadorias com menos trabalhadores assalariados, ou seja, menor poder
aquisitivo, levando a uma superprodução e a um subconsumo.
Marx (1983) já havia identificado as crises do capitalismo como cíclicas e ocasionadas
pela queda da taxa de lucro, levando a uma baixa nos investimentos e no nível de
emprego.
Antes da crise ocorre uma superprodução ou subconsumo e parte do capital
investido não é recuperado, pois as mercadorias não são vendidas ou são vendidas
por um preço baixo.
As crises são sistêmicas, inerentes ao processo de acumulação e redistribuição
sociais do capital, influindo no processo de produção capitalista que passa pelos
processos de ascensão, boom, superaquecimento, crise e depressão
econômicos.
Superaquecimento / crise
Depressão
Ascensão
Ascensão
Em função da sua constância e importância são objeto de estudo de vários autores
marxistas, tais como, Kontradiev, Schumpeter, Mandel, Aglietta e Lipietz, que
estudaram os diferentes estágios do capitalismo
Os diferentes estágios do capitalismo são constituídos de normas e mecanismos
específicos predominantes no sistema econômico mundial, organizando a produção
econômica capitalista e se impondo enquanto ideário político-econômico, garantido a
acumulação do capital durante determinado período.
No decorrer da crise, ocorrem mudanças nessas normas, mecanismos e formas de
acumulação, alterando o modelo de desenvolvimento, ocasionando uma transição
para um novo estágio.
4. A ESCOLA DE REGULAÇÃO E O CONCEITO DOS MODELOS DE DESENVOLVIMENTO
Analisando as crises e os estágios do sistema capitalista, economistas políticos
franceses desenvolveram a partir da década de 1970 uma teoria para explicar a
dinâmica cíclica do sistema capitalista. A linha de pensamento desses economistas,
cujos principais mentores são Michel Aglietta (1976) e Alain Lipietz (1987), ficou
conhecida como Escola de Regulação.
De acordo com Leborgne e Lipietz (1990), as diferentes fases do capitalismo
correspondem a diferentes Modelos de Desenvolvimento que são compostos por: um
Regime de Acumulação e um Modo de Regulação.
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Regime de Acumulação: esse conceito refere-se a um determinado modo de
transformação conjunta e compatível de normas de produção, de distribuição e de uso
que, baseados em princípios gerais de organização do trabalho e uso das técnicas
garantem a acumulação do capital (paradigma técnico-econômico).
Modo de Regulação: é o conjunto de normas (incorporadas ou explícitas),
instituições, mecanismos de compensação, dispositivos de informação que ajustam
permanentemente as antecipações e os comportamentos individuais à lógica do
conjunto do regime de acumulação (estrutura sócio-institucional).
Modelo de Desenvolvimento Æ incorpora tanto um paradigma tecnológico, enquanto
princípios de organização do trabalho e uso de técnicas, quanto um paradigma
político-econômico, baseado no aparato e nos mecanismos institucionais, políticas
macroeconômicas e diferentes formas de produção, distribuição e acumulação do
capital.
5. AS TRANSFORMAÇÕES DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO RECENTE: DO FORDISMO AO
PÓS-FORDISMO
5.1 O FORDISMO KEYNESIANO
A partir de 1945, os Estados Unidos assumiram a hegemonia econômica mundial,
passando a ter um papel fundamental no crescimento e expansão da economia
capitalista mundial.
Os vários tratados internacionais e programas promovidos por esse país a partir de
1944 estabeleceram os organismos financeiros internacionais e lançaram as bases
para a promoção da cooperação monetária e do comércio internacionais sob a sua
hegemonia político-militar:
•
•
•
Especificamente a Conferência da Bretton Woods em 1944;
GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) em 1947;
o Plano Marshall do pós-guerra.
Período caracterizado pelo:
1. Keyenesianismo Estado como regulador da economia e promotor do
desenvolvimento econômico, através de políticas fiscais e monetárias,
investimento e endividamento público.
Vários países reconstruíram-se através da ação do Estado keynesiano, financiados
pelos afluentes investimentos e empréstimos americanos.
A destruição da guerra Æ investimentos americanos + reconstrução promovida pelo
Estado Keynesiano = expansão de industrial (automotiva, a naval, a petroquímica, a
siderúrgica, a eletroeletrônica).
2. Pacto Social Æ Estado do Bem Estar Social:
a. os trabalhadores aceitavam a rotinização das tarefas, em troca da garantia de
emprego e melhorias na condição de vida;
b. o capital aceitava essas melhorias desde que houvesse aumento dos níveis de
produtividade
c. Estado garantiria o crescimento econômico contínuo e as condições sociais
dos trabalhadores através de investimentos e da montagem de um aparato de
promoção do bem-estar social.
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Dessa forma Keynesianismo e o Estado do Bem-Estar Social constituíram o modo
de regulação do período.
3. O Fordismo na produção industrial garantiu o aumento da produtividade
Henry Ford (1863-1947) Æ Produção em massa geraria o consumo de massa, pois
com a instituição da jornada de trabalho de 8 horas por US$5, os trabalhadores teriam
uma renda maior e mais tempo livre para consumirem os produtos que ajudavam a
produzir.
Redução das horas de trabalho sem a redução dos lucros Æ aumento da
produtividade Æ baseado nas idéias de Frederick W. Taylor (1856-1915)
Em 1914 Ford montou na sua fábrica de automóveis a linha de produção, sistema de
produção industrial no qual o produto passa por uma linha de operários que realizam
as diversas etapas necessárias para a montagem do produto (figura 1).
matéria prima
matéria prima
tarefa 1
tarefa 2
tarefa 1
tarefa 2
unidade de produção
unidade de produção
tarefa n
tarefa n
produto final
produto final
Figura 1: Esquema de produção fordista-taylorista ("linha de produção"). Baseado
em Harvey, 1989.
Modo de Produção Fordista Æ produção em massa Æ consumo de massa Æ periferia
é trazida para o sistema Æ formação de um mercado de consumo para o grande boom
da expansão industrial do pós-guerra (30 anos de ouro do capitalismo).
5.2 A RUPTURA DO MODELO FORDISTA-KEYNESIANO
O crescimento sustentado da produção industrial desse período manteve-se até a
década de 70.
1. Reconstrução da Europa e do Japão já estava concluída Æ diminuição no
consumo e aumento da competitividade.
2. Queda na lucratividade e produtividade das empresas americanas Æ diminuição
da base fiscal americana Æ emissão de dólares Æ processo inflacionário mundial
Æ desvalorização do dólar Æ rompimento do tratado de Bretton Woods de 1944
3. Crise do Petróleo em 1973 Æ principal insumo energético nos processos
produtivos e nos meios de transporte Æ crise produtiva de grande proporção.
O mundo mergulhou num processo de estagflação Æ reestruturações
organizacionais, regulatórias e tecnológicas Æ fim do paradigma de desenvolvimento
estabelecido.
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I.
Aumento da internacionalização do capital produtivo através das
multinacionais: aplicação das idéias de gerenciamento da produção fordistataylorista; grande reserva de mão-de-obra nos países periféricos;
desenvolvimento dos meios de transporte e da telemática Æ relocação das
unidades produtivas;
A produção de massa típica do fordismo foi substituída pela adoção do gerenciamento
de produção just-in-time, com uma maior variedade de bens a preços baixos e em
pequena quantidade de resposta rápida à demanda do mercado.
matéria prima
matéria prima
un. de prod. 1
un. de prod. 1
produto 1
produto 1
matéria prima
matéria prima
un. de prod. 2
un. de prod. 2
produto 2
produto 2
matéria prima
matéria prima
un. de prod. n
un. de prod. n
produto n
produto n
un. de montagem
un. de montagem
produto final
produto final
Figura 2: Esquema de produção do Regime de Acumulação Flexível. Baseado em Fröbel et al.,
1980; Harvey, 1989; Hoogvelt, 1997.
II.
Flexibilização do mercado de trabalho, do processo produtivo e do sistema
organizacional nesses países. A expansão da industrialização periférica
ocasionou um processo de desindustrialização nos países de capitalismo
avançado, ocasionando uma alta na taxa de desemprego jamais vista desde o
pós-guerra.
Formas flexíveis de trabalho: sub-contratação, contratos temporários, diminuição da
carga horária e nas formas de negociação e barganha salarial, trabalho informal.
III.
Reestruturação política, êxodo industrial e de investimentos nos países de
capitalismo avançado Æ diminuição da base fiscal Æ déficit permanente de
suas contas Æ fim da idéia do Estado do Bem-Estar Social e da Administração
Keynesiana.
Em função de seus gastos elevados e da crise fiscal e inflacionária o Keynesianismo
foi substituído pelo Monetarismo, que pregava a austeridade fiscal e a redução de
gastos,
O Neoliberalismo, que prega a desregulamentação da economia e do mercado de
trabalho para atrair mais investimentos e diminuir as taxas de desemprego, foi se
impondo enquanto ideário político-econômico:
• Margareth Thatcher (Reino Unido, 1979-1990),
• Ronald Reagan (Estados Unidos, 1981-1989)
• Helmut Kohl (Alemanha, 1982-1998)
O monetarismo espalhou-se pelo mundo através das políticas monetárias austeras
promovidas pelo FMI junto aos seus países-membro devedores.
A desregulamentação econômica promovida por esse novo paradigma políticoeconômico ocasionou a última grande reestruturação do período, a reestruturação do
sistema financeiro global.
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Na década de 80, essa desregulamentação econômica global, associada às
telecomunicações e aos novos instrumentos financeiros, fez com que o mercado
financeiro global crescesse três vezes mais que o comércio internacional
(importações e exportações).
Com isso os governos nacionais se viram na situação antagônica que se encontram
hoje que é de procurar regular as atividades do capital financeiro internacional, sem
contudo deixar de criar as condições adequadas para atraí-lo.
François Chesnais (1998) denominou esse estágio do sistema capitalista de Regime
de Acumulação Mundializado sobre Dominância Financeira, fruto do liberalismo e
da desregulamentação dos movimentos de capitais, dos investimentos estrangeiros
diretos e do comércio internacional.
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LIPIETZ, Alain (1987) O Capital e seu Espaço. São Paulo: Nobel.
MARX, Karl (1983) O Capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural. Série “Os
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PALLOIX, Christian (1972a) A Economia Mundial Capitalista: A Fase da Concorrência. Lisboa:
Editorial Estampa.
__________. (1972b) A Economia Mundial Capitalista: A Fase do Monopólio. Lisboa: Editorial
Estampa.
WALLERSTEIN, Immanuel (1979) The Capitalist World-Economy. Cambridge: Cambridge
University Press.
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