UMA BREVE APROXIMAÇÃO: A ONTOLOGIA DO SER SOCIAL E O TRABALHO ENQUANTO CATEGORIA FUNDANTE Francielly Rauber da Silva1 RESUMO: O principal objetivo desse estudo é uma maior aproximação de análise da categoria trabalho, utilizando autores com a perspectiva crítica, Karl Marx e Georg Lukács. Examinaremos algumas ideias fundamentais para a reflexão do trabalho enquanto categoria fundante do ser social. Tendo em vista, que Marx foi precursor no entendimento do trabalho como a relação do homem com a natureza, na medida em que ele vem transformando-a ele também transforma a si próprio. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho; Ser Social; Lukács; Marxismo. INTRODUÇÃO O presente trabalho é parte da investigação e estudos proporcionados pelo Projeto de Iniciação Científica – PIBIC. Nosso principal objetivo nesse projeto é compreender os elementos que constituem o processo de trabalho na sociedade capitalista, refletindo e dialogando com intelectuais que produziram trabalhos de grande relevância social, política e econômica para a humanidade e principalmente para a fundamentação teórica e prática da luta de classes. Portanto, a busca pela apreensão do conteúdo deu-se através das obras “Ontologia do Ser Social” Georg Lukács, que sustenta a importância de investigar o trabalho e “O Capital” de Karl Marx, que nos mostra que para além de uma analise econômica, a obra nos revela como o modo de produção capitalista age perversamente dominando e alienando o trabalhador, nos inserindo numa ideologia na qual o trabalhador não se reconhece no que ele mesmo produziu. Marx não deve ser compreendido como um autor que apenas nos mostra o que é o modo de produção capitalista, para além disso, ele nos mostra a direção a se tomar para uma sociedade diferente, partindo da análise histórica e da dialética. Por fim, é importante frisar que o presente trabalho, é um estudo das ideias dos autores, pretende-se fazer uma relação entre trabalho e ser social. Levando em consideração 1 Acadêmica do 4º ano do curso de Serviço Social da UNIOESTE- Toledo. [email protected], 04598210809. 1 que Lukács se volta à literatura marxista com o intuito de ali encontrar fundamentação para sua Ontologia, pois ele acreditava que ela era fundada na realidade objetiva da natureza. TRABALHO: CATEGORIA FUNDANTE DO HOMEM Sabendo a lógica da produção e reprodução na qual estamos inseridos na sociedade capitalista, o processo de produção se desenvolve de uma forma em que movimenta as relações sociais, ou seja, o trabalho se destaca enquanto categoria central na vida humana. Segundo Marx (1996), o trabalho é a relação do homem com a natureza, e é o agente principal mediador dessa relação. Através do método do materialismo histórico dialético, Marx (1996) explica que o homem se relaciona com a natureza intencionalmente, com o objetivo de transformá-la, pois é por meio dela que é possível produzir formas que satisfaçam suas necessidades humanas. Para Marx (1996), o trabalho é a condição natural da existência humana. Por isso, é que se dá a (re) produção da vida do homem. O processo de trabalho é o próprio trabalho, porém anterior a esse processo, existem as necessidades humanas que precisam ser supridas, toda atividade será colocada em prática quando existir um valor de uso, essa atividade é determinada a um fim. Nesse processo, há o dispêndio de energia, músculos e cérebro, porque é por meio do trabalho que o homem transforma a natureza e a si próprio. De acordo com Marx (1996), existem dois fatores fundamentais para que ocorra a produção: os meios de produção e a força de trabalho humana. O meio de trabalho é importante para a produção de um produto, pois ele media a relação do homem com o objeto de trabalho. O meio de trabalho pode ser o instrumento de trabalho, que também contém transformação por intermédio do trabalho. Porém, esses elementos encontrados separadamente são apenas capacidades do homem ainda em potência, tal potência quando colocada em prática, tem o poder de produzir determinados valores de uso. Já de acordo com Lukács (1986), o trabalho é a categoria fundante do ser social, ou seja, o homem se origina através do trabalho, que é a gênese de uma nova faceta do ser, o ser social. De acordo com Lukács, essa passagem de um nível de ser a outro, é um salto ontológico, “É preciso, pois, ter sempre claro que se trata de uma passagem que implica um 2 salto – ontologicamente necessário – de um nível de ser a outro, qualitativamente diferente”. (LUKÁCS, 1986, p. 3). Lukács esclarece que é a categoria trabalho que possui as outras determinações do ser social, “[...] todas as outras categorias desta forma de ser têm já essencialmente, um caráter puramente social; suas propriedades e seus modos de operar somente se desdobram no ser já constituído; [...]”. (LUKÁCS, 1986, p. 4). O ser social forma o seu mundo através do trabalho, é por intermédio dessa categoria que se estabelece um vínculo entre o homem e a natureza. O trabalho é responsável pela sociabilidade do homem, para Lukács (1986), é através dele, que acontece uma posição teleológica em que se origina uma nova objetividade, por isso é que emerge o modelo de toda práxis social. Ambos os autores, concordam que o homem só tem condições de existir se realizarem transformações na natureza, “[...] o trabalho promete satisfazê-lo - que ele, de qualquer modo, é capaz de realizá-lo”. (LUKÁCS, 1978, p. 9). De acordo com Marx (1996), ao mesmo tempo, que o homem transforma a natureza, ele também vem transformando a si próprio enquanto sujeito. Portanto, é explicito que o trabalho é a peça principal na relação entre homem, natureza e sua sociabilidade. TELEOLOGIA DO SER O trabalho é um ato de pôr consciente e, portanto, pressupõe um conhecimento concreto, ainda que jamais perfeito, de determinadas finalidades e de determinados meios. Vimos que o desenvolvimento, o aperfeiçoamento do trabalho é uma de suas características ontológicas; disso resulta que, ao se constituir, o trabalho chama à vida produtos sociais de ordem mais elevada. (LUKÁCS, 1978, p. 9-10). Para Lukács (1978), a existência do trabalho ocorre no momento de separação, que se constituí não apenas na fabricação de mercadorias, porém no papel da consciência que organiza uma ideia na mente do trabalhador. Portanto, para o autor, o homem enquanto trabalhador é um animal que passa a constituir o gênero humano, e se torna homem pelo trabalho, “[...] o homem deixa a condição de ser natural para tornar-se pessoa humana, transforma-se de espécie animal que alcançou um certo grau de desenvolvimento relativamente elevado em gênero humano, em humanidade”. (LUCÁKS, 1978, p. 15). Logo, 3 tanto Lukács como Marx, concordam que é a atividade laborativa em que o homem satisfaz suas necessidades e se desenvolve socialmente. Diante disso, “o trabalho é formado por posições teleológicas que, em cada oportunidade, põem em funcionamento séries causais”. (LUKÁCS, 1978, p. 6). A ontologia marxista se afasta das suas antecessoras, pois ela é a única que entende o homem enquanto ser social, constituído pelo trabalho, “[...] uma natureza especial onde as correlações atuavam de modo teleológico, com a finalidade de atribuir à natureza e à sociedade tendências de desenvolvimento teleológico”. (LUKÁCS, 1978, p. 6) Lukács (1986) realiza uma análise do sentido teleológico, na perspectiva de outros autores, como Aristóteles que caracteriza a teleologia como uma característica cósmica, onde o trabalho é composto por dois elementos o pensar e o produzir. Hartmann que diferencia a posição dos fins e dos meios. Hegel que define a teleologia como o que move a história, perpassando por Kant e Königsberg. As filosofias anteriores, não reconhecendo a posição teleológica como particularidade do ser social, eram obrigadas a inventar, por um lado, um sujeito transcendente, e, por outro, uma natureza especial onde as correlações atuavam de modo teleológico, com a finalidade de atribuir à natureza e à sociedade tendências de desenvolvimento de tipo teleológico. (LUKÁCS, 1978, p.6-7). Em sua análise Lukács (1986) se aproxima de Marx, considerando que não é possível nenhuma forma de trabalho concreto sem uma premeditação. Ou seja, antes de colocar em exercício qualquer atividade, o homem faz uma projeção de todo o material e etapas necessários para efetivação de tal atividade. Isso segundo Marx (1996), é o que diferencia a perfeição de uma colmeia de abelhas do pior arquiteto, portanto, o agir de forma teleológica. É por meio dessa atividade, que o homem deixa na natureza suas marcas. Lukács (1986) entende todo esse processo de projeção e antecipação como pôr teleológico, “[...] a teleologia é um modo de pôr - posição sempre realizada por uma consciência - que, embora guiando-as em determinada direção, pode movimentar apenas séries causais”, (LUKÁCS, 1978, p.6), sendo o processo da onde se origina uma nova objetividade que vem a ser regida por uma finalidade. 4 Nos é mostrado que a teleologia e a causalidade apesar de heterogêneas, se unem no processo de trabalho, para alcançar determinado fim, compondo um fundamento ontológico. Portanto, o produto do trabalho é homogêneo e vem a superar a heterogeneidade. A natureza não é adequada para atender as necessidades do homem, ou seja, é heterogênea, e é apenas o trabalho que pode suprir tal demanda, logo, “Natureza e trabalho, meio e fim, produzem, pois, algo em si homogêneo: o processo de trabalho e, ao final, o produto do trabalho." (LUKÁCS, 1986, p.17). Portanto, o processo de trabalho tem um objetivo final, pois anterior a esse processo, existem as necessidades humanas que precisam ser supridas, é onde é possível observar a relação entre o pôr teleológico de Lukács à Marx, logo toda atividade será colocada em prática quando existir um valor de uso, essa atividade é determinada a um fim, portanto o próprio trabalho. Contudo, utilizando as palavras de Lukács (1978), tentamos explicitar como as categorias fundantes e centrais, já estão dadas através do trabalho. Para o autor, existem três orientações evolutivas. Em primeiro lugar, “há uma tendência constante no sentido de diminuir o tempo de trabalho socialmente necessário à reprodução dos homens. Trata-se de uma tendência geral, que hoje já ninguém contesta”. (LUKÁCS, 1978, p. 14.). Em segundo lugar, o processo de reprodução se torna cada vez mais social, Quando Marx se refere a um constante "recuo dos limites naturais", pretende indicar, por um lado, que a vida humana (e portanto social) jamais pode desvincular-se inteiramente da sua base em processos naturais; e, .por outro, que - tanto no plano quantitativo quanto no qualitativo - diminui constantemente o papel do elemento puramente natural, quer na produção quer nos produtos; ou, em outras palavras, todos os momentos decisivos da reprodução humana (basta pensar em aspectos naturais como a nutrição ou a sexualidade) acolhem em si, com intensidade cada vez maior, momentos sociais, pelos quais são constante e essencialmente transformados. (LUKÁCS, 1978, p. 14). E por fim no terceiro momento, Lukács (1978), afirma que o desenvolvimento econômico cria ligações cada vez mais intensas em sociedades singulares, que originalmente tinham um caráter de serem pequenas e autônomas. Tal unificação existe para ativar os princípios econômicos de unidade. “Ela se realiza concretamente num mundo onde essa integração abre para a vida dos homens e dos povos os mais graves [...]”.(LUKÁCS, 1978, p. 14). 5 CONSIDERAÇÕES Contudo, é através do trabalho que as relações sociais e a transformação da natureza acontecem, o homem tem a capacidade de interferir no seu meio e simultaneamente em si próprio, entretanto podemos considerar que, além disso, o trabalho ganhou um caráter de criador de novas necessidades. No modo de produção capitalista, sempre surgem novas mercadorias, elas não são mais tão resistentes, porém sempre há o intuito de fazer com que o consumo aumente. Para Marx o homem é um ser histórico, ele afirma que os homens fazem a sua história, porém não são eles que escolhem as circunstâncias. De acordo com Lukács, “Isso quer dizer o mesmo que antes formulamos do seguinte modo: o homem é um ser que dá respostas. Expressa-se aqui a unidade - contida de modo contraditoriamente indissolúvel no ser social [...]”. (1978, p.16). Compreender a ontologia do ser, onde o trabalho é reconhecido como a categoria fundante na gênese do ser social, e a práxis pode vir a ser a categoria que o define, “[...] a praxis é uma decisão entre alternativas, já que todo indivíduo singular, sempre que faz algo, deve decidir se faz ou não.” (LUKÁCS, 1978, p.7). Infelizmente na sociedade capitalista, o trabalho perde seu caráter emancipador, ocorre à incorporação do trabalho a favor do modo de produção capitalista. Para Marx (1996), na sociedade capitalista o trabalho é uma mercadoria como outra qualquer, porém é a única criadora de valor. O trabalhador perde sua identidade e se aliena durante o processo de trabalho, não recebendo o excedente do seu trabalho. Só quando o trabalho for efetiva e completamente dominado pela humanidade e, portanto, só quando ele tiver em si a possibilidade de ser 'não apenas meio de vida', mas 'o primeiro carecimento da vida', só quando a humanidade tiver superado qualquer caráter coercitivo em sua própria autoprodução, só então terá sido aberto o caminho social da atividade humana como fim autônomo (LUKÁCS, 1978, p. 16). Ocasionando uma constante contradição, entre os interesses do proletariado e do capitalista. Esse processo aprofunda-se e modifica-se enquanto uma necessidade de sobrevivência do capital como cita Marx juntamente com Engels no Manifesto do Partido Comunista, “A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os 6 instrumentos de produção e, com isso, todas as relações sociais” (MARX, ENGELS, 1999, p.12). Ou podemos citar também, “Só quando o trabalho for efetivamente e completamente dominado pela humanidade e, portanto, só quando ele tiver em si a possibilidade de ser “não apenas meio de vida”, mas “o primeiro carecimento da vida”, só quando a humanidade tiver superado qualquer caráter coercitivo em sua própria autoprodução, só então terá sido aberto o caminho social da atividade humana com fim autônomo”. (LUKÁCS, 1978, p.18). Considerando os elementos trabalhados, chegamos ao ponto de que o caminho da liberdade, é a conquista do homem sobre ele mesmo, Lukács (1978) afirma que para Marx o reino da liberdade é como "um desenvolvimento de energia humana que é fim em si mesmo", como algo, que tanto para o homem quanto para a sociedade, é suficiente para transformá-lo em fim autônomo. REFERÊNCIAS LUKÁCS, Georg. As bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem. trad. Carlos Nelson Coutinho, In: Temas de Ciências Humanas, São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1978. Disponível em: http://www.giovannialves.org/Bases_Luk%E1cs.pdf . Acesso em: 13 maio 2014. LUKÁCS, Georg. Ontologia do ser social: O trabalho. Trad. Ivo Tonet, São Paulo, 1986. Disponível em: http://afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Lukacs,%20Georg/O%20TRABALHO%20%20traducao%20revisada.pdf . Acesso em: 13 maio 2014. MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Nova Cultura, 1996. (Coleção Os economistas.). Disponível em: http://meusite.mackenzie.com.br/monicayukie/bibliografia.pdf . Acesso em: 12 maio 2014 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto do partido comunista. 1999. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestocomunista.pdf . Acesso em: 13 maio 2014. 7