Revista Jurídica Nª 19

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Edoardo Ricci
REVISTA JURÍDICA
FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA
FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA
PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
ISSN 0103-3506
R. Jurídica
Curitiba
n. 19
Temática n. 3
p. 1-201
2006
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
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EXPEDIENTE
REVISTA JURÍDICA – Publicação oficial das Faculdades Integradas Curitiba (FIC)
Diretor-Geral: Luís Cesar Esmanhotto
Diretor Acadêmico: Rainer Czajkowski
Comissão Editorial das FIC: Cristina Luiza C.
Surek, Marlus Vinicius Forigo, Nilson Cesar Fraga, Benedito Costa Neto Filho, Carlos Luiz
Strapazzon, Gisela Maria Bester Benitez, Olga
Maria Coutinho Pepece.
Editora da Revista Jurídica: Gisela Maria Bester
Benitez
Coordenador Editorial: Marlus Vinicius Forigo
Tradutora do italiano para o português e para
o inglês: Marta Marília Tonin
Tradutora do português para o espanhol e
para o inglês: Gricel Bargueño Machado
Revisor: Antonio Carlos Amaral Lincoln
Avaliadores do Conselho Científico para este
número: Gisela Maria Bester Benitez e Fábio
Leandro Tokars
Revisão Final: Gisela Maria Bester Benitez
Auxiliar nos contatos com os autores para
este número: Ana Paula Pavelski, mestranda
da Turma 2006
Diagramação: Tatiane Andrade de Oliveira
Endereço: Rua Chile, 1.678 – CEP 80220-181
Curitiba – PR – Brasil
Fone/fax: (41) 3213-8700 - 0800-418887
Site e endereço eletrônico:
www.faculdadescuritiba.br
[email protected]
Tiragem: 300 exemplares
Impressão: Associação de Ensino Novo Ateneu (AENA)
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Inpreso en Brasil
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Pidese permute.
Si richiede lo scambio.
Austausch wird gebeten.
Oni petas intersangam.
Qualquer parte dessa publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.
Registro no Escritório de Direitos Autorais da Fundação Biblioteca Nacional: 149.508, livro 244, folha
86
Revista Jurídica / Faculdades Integradas Curitiba. – N.1, nov.
1981 . – Curitiba, 1981 v. ; 24 cm.
Anual
A partir do n.17, 2004 a revista sofreu reformulações quanto à padronização
A partir do n.17, 2004 a revista passa a ser temática.
ISSN 0103-3506
1. Direito – Periódico. I. Faculdades Integradas Curitiba.
CDD 340.05
3
CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL
Prof. Dr. Friedrich Müller (Universität Heidelberg) – Alemanha
Prof. Dr. Jorge Miranda (Universidade Católica Portuguesa e Universidade de Lisboa) –
Portugal
Prof. Dr. Pedro Romano Martinez (Faculdade de Direito de Lisboa) – Portugal
Prof. Dr. Alejandro Daniel Perotti (Universidad Austral, Buenos Aires) – Argentina
Profª Drª Cristina Menichino (Università Statale di Milano) – Itália
Profª Drª Elvira Méndez Chang (Pontifícia Universidad Catolica del Peru) – Peru
Prof. Dr. Humberto Nogueira Alcalá (Universidad de Talca) – Chile
Profª Drª Lydia Guevara Ramírez (Universidad de la Habana) – Cuba
Prof. Dr. Edoardo Ricci (Università degli Studi di Milano) – Itália
Prof. Dr. Diego Fernandes Arroyo (Universidad Complutense de Madrid) – Espanha
Profª Drª Maria Fernanda Palma (Faculdade de Direito de Lisboa) – Portugal
CONSELHO EDITORIAL NACIONAL
Prof. Dr. Gustavo Tepedino (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ
Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS) – Porto Alegre, RS
Prof. Dr. Luiz Otávio Pimentel (UFSC e Tribunal Arbitral do Mercosul) – Florianópolis, SC
Prof. Dr. Mozart Victor Russomano (ex-Ministro do TST) – Pelotas, RS
Prof. Dr. Cezar Saldanha Souza Junior (UFRGS) – Porto Alegre, RS
Profª Drª Djanira Maria Radamés de Sá (Uniminas) – Uberlândia, MG
Prof. Dr. Wilson Madeira Filho (UFF) – Niterói, RJ
Profª Drª Deisy Ventura (UFSM, Fadisma, Universidad de la República, Uruguay e
Secretaria Técnica do Mercosul) – Santa Maria, RS
Prof. Dr. Oscar Vilhena Vieira (FGV, Conectas e PUC-SP) – São Paulo, SP
Prof. Dr. Luiz Flávio Borges D’Urso (Presidência OAB Seccional São Paulo) – São Paulo, SP
Profª Drª Loussia Penha Musse Félix (UnB) – Brasília, DF
Profª Drª Fernanda Dias Menezes de Almeida (USP) – São Paulo, SP
Prof. Dr. Pedro Sérgio dos Santos (UFGO) – Goiânia, GO
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CONSELHO CIENTÍFICO
Prof. Dr. Alexandre Walmott Borges (Unifran, SP e Uniminas) – Uberlândia, MG
Prof. Dr. Carlyle Popp (FIC) – Curitiba, PR
Prof. Dr. Clayton Reis (FIC) – Curitiba, PR
Profª Drª Elizabeth Accioly (FIC) – Curitiba, PR
Prof. Dr. Fábio André Guaragni (FIC) – Curitiba, PR
Prof. Dr. Fábio Leandro Tokars (FIC) – Curitiba, PR
Prof. Dr. Francisco Cardozo Oliveira (FIC) – Curitiba, PR
Profª Drª Gisela Maria Bester Benitez (FIC) – Curitiba, PR
Profª Drª Graciela Iurk Marins (FIC) – Curitiba, PR
Prof. Dr. Jair Lima Gevaerd Filho (FIC) – Curitiba, PR
Prof. Dr. João Bosco Lee (FIC) – Curitiba, PR
Prof. Dr. José Affonso Dallegrave Neto (FIC) – Curitiba, PR
Prof. Dr. José Roberto Vieira (FIC) – Curitiba, PR
Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier (FIC) – Curitiba, PR
Prof. Dr. Luiz Antônio Câmara (FIC) – Curitiba, PR
Prof. Dr. Luiz Eduardo Gunther (FIC) – Curitiba, PR
Profª Drª Marta Marília Tonin (FIC) – Curitiba, PR
Profª Drª Teresa Celina de Arruda Alvim Wambier (FIC) – Curitiba, PR
Prof. Dr. Ricardo Hermany (UNISC) – Santa Cruz do Sul, RS
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EDITORIAL
Você está recebendo o terceiro número de edição temática da
Revista Jurídica, das Faculdades Integradas Curitiba, com instigantes
assuntos ligados ao Direito Empresarial, ao Direito Comercial, à Mediação e à Arbitragem, além da contribuição em forma de artigo sobre Ensino Jurídico.
Apresentamos ao público leitor o nº 19 da Revista Jurídica, no
qual trabalhamos com um componente extra de emoção e com o desafio de fazermos, enquanto Editoria, uma homenagem póstuma. Afinal,
no findar do primeiro trimestre deste ano, fomos surpreendidos com a
irreparável perda de uma das mais vivas, sérias e autênticas intelectuais que conosco conviveu no quadro docente permanente do Programa
de Mestrado em Direito, no Conselho Científico deste periódico, nas
salas de aula, nas reuniões colegiadas, nas bancas para avaliações de
trabalhos científicos, nos corredores, no plano das idéias... Ainda podemos ouvi-la defendendo aguerridamente seus posicionamentos, a ética, a retidão intelectual, transbordando amor pela educação. Pois é,
este número é para você, ó Mariulza! E a homenagem a Mariulza Franco (1º/10/1938–31/3/2006) se dá justamente pela presença de um de
seus melhores amigos como colaborar neste nº 19: Edoardo Ricci,
respeitadíssimo autor italiano, de renome internacional, que abre esta
edição com seu texto.
A capa deste número é adornada com a tela intitulada Cena do
mercado, pintada por Joachim Beuckelaer (1530–1573), do maneirismo
flamengo, em 1564 (óleo sobre painel, 128 X 166 cm, Museu Pushkin,
Moscou). O tema da obra representa uma cena de troca de mercadorias. Nesse sentido, faz alusão ao antigo Direito Mercantil, que se
transmudou ao longo do tempo em Direito Comercial, chegando ao atual Direito Empresarial.
A manutenção de uma das grandes novidades da remodelação
da Revista Jurídica, concretizada em seu número 17, fez com que a
Editoria, concordando com a Comissão Editorial Institucional, dividisse
o periódico em dois números sucessivos com a mesma temática, tal foi
o número de bons artigos recebidos. Esse fato comprova o acerto da
nova diretriz então proposta, qual seja, a de que a Revista Jurídica passasse a ser temática, por se acreditar ser a melhor maneira de conseguir selecionar artigos de qualidade e ofertar ao público um produto de
excelência.
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Mantém-se, entre todas as novidades do histórico número 17, o
investimento na qualificação do periódico que resultou na firme regra de
a Revista Jurídica só veicular artigos inéditos, para ter mais apelo perante
o público leitor e até mesmo maior demanda para publicação.
Segue-se levando à risca, tendo em vista o propósito de criar uma
cultura de efetivo intercâmbio de idéias, a já estabelecida política de combate à endogenia, seguindo as diretrizes da CAPES no sentido de que
seja o menor possível o número de artigos publicados de autoria de professores da própria Instituição. Em paralelo, a Revista Jurídica continua
tendo preponderantemente articulistas exógenos, de variados países,
Estados da federação brasileira e instituições.
Todas as demais inovações em prol da qualificação desta Revista
Jurídica são respeitadas em seu nº 19, tendo-se centrado novamente no
Direito Empresarial, Direito Comercial, Mediação e Arbitragem, complexo
de temáticas de essencial importância à Área de Concentração do
Mestrado em Direito das Faculdades Integradas Curitiba, qual seja, Direito Empresarial e Cidadania.
Assim, é com muita honra que apresentamos a composição deste
periódico que já conta com vinte e seis anos na história da Instituição:
cinco artigos de doutrina sobre as áreas de estudo apontadas, um artigo
sobre ensino jurídico e uma resenha. Todos os textos têm em comum a
visão crítica dos temas abordados, legando, assim, contribuição reflexiva
nas referidas temáticas.
No primeiro artigo, o professor e advogado italiano Edoardo Ricci
discorre com desenvoltura, profundidade e originalidade sobre Il nuovo
Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale e Internazionale di Milano,
tema extremamente atual e ainda pouco abordado até mesmo pela doutrina italiana. O autor conseguiu dar longo “ciclo de vida” a seu texto, na
medida em que os princípios de que se utiliza independem da manutenção do substrato normativo. A importância deste artigo é muito elevada,
uma vez que trata de temas fundamentais de Direito Societário, tais como
a condição dos sócios minoritários e a função social dos atos praticados
pelos controladores. Na seqüência, o mesmo artigo é traduzido – Novo
Regulamento da Câmara Arbitral Nacional e Internacional de Milão –, em
atenção à norma editorial nº 16.1, da Revista Jurídica.
Depois vem o texto de Ezequias Losso, intitulado “A influência das
diretrizes regulatórias e da arbitragem estatal na empresa contemporânea: o exemplo das telecomunicações”. De elevada relevância, o artigo
abrange o tema da intervenção do Estado na atividade econômica – base
sobre a qual se desenvolve o Direito Econômico. O autor demonstra pleno domínio da matéria ao tratar de tema inovador, que é apresentado de
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forma clara e linear. Embora a abrangência do público leitor seja restrita,
por incluir aspectos práticos das telecomunicações que extrapolam o
âmbito usual de atuação dos profissionais do Direito, resulta em uma
diferenciada colaboração.
Com forte matiz de estudo comparado, segue-se um trabalho de
fôlego: “Exceções e limitações aos direitos do autor e observância da
regra do teste dos três passos (three step test)”, de Maristela Basso.
Em original abordagem comparativa, trata do contrato de franquia, que
é um instrumento negocial de grande importância na prática empresarial contemporânea.
No quarto artigo, intitulado “Possibilidade da concessão da tutela antecipada no instituto da arbitragem”, os co-autores Rogério Montai
de Lima e Marcelo de Oliveira Silva apresentam, com desenvolvimento
de raciocínio claro e linear, tema de elevada relevância, em vista da
utilização cada vez maior da arbitragem como forma de solução de litígios, especialmente em lides inter-empresariais. Assim, embora não se
trate de tema inédito, tem ampla abrangência junto ao público leitor, na
medida em que aborda questão processual aplicável aos mais diversos
ramos do Direito.
Já no quinto artigo Marlene Fuverki Suguimatsu trata do relevante
tema do redimensionamento da ordem econômica brasileira, gerado pela
Constituição de 1988, que se refletiu fundamentou a maior tutela das
relações trabalhistas (princípio da proteção) com reflexos na configuração do Direito Civil, elevando a promoção da dignidade da pessoa humana e da justiça social como limitadores das atividades econômicas privadas, não olvidando do adequado equilíbrio com o princípio da preservação da empresa.
Na seção de Ensino Jurídico, Ubiratan de Mattos, gestor e professor universitário, traz diferenciada contribuição sob o título “Projeto pedagógico no ensino de Direito: aprendizagem baseada em problemas
(problem-based learning – PBL), texto extenso e profundo, de grande
importância prática e científica, notadamente por dar-nos a conhecer peculiaridades de um método de ensino jurídico superior advindo de um
outro país, qual seja, Estados Unidos da América. Sobretudo, sua colaboração enriquece este número da Revista Jurídica por concretizar o diálogo entre os programas de pós-graduação stricto sensu, porquanto é doutorando em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Sob o título “Análise econômica da nova Lei de Falências”, o exemplar reúne ainda a resenha do renomado advogado e professor de Curitiba,
Fábio Leandro Tokars, acerca da destacada obra coletiva (recentemente
lançada sob a coordenação de Fátima Bayma de Oliveira), e já tida como
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obra de referência para todos os que se dedicam ao estudo empresarial.
E é justamente a este colaborador que dirigimos um agradecimento penhorado. O Professor Fábio Tokars, na qualidade de integrante do Conselho Científico da Revista, pronta e diligentemente atendeu às solicitações desta Editoria, seja para atuar como avaliador de muitos artigos,
seja para elaborar a resenha.
À Professora Marta Marília Tonin somos imensamente gratos pela
destacada colaboração que deu ao êxito desta publicação, ao ter elaborado a tradução do artigo de Edoardo Ricci, do italiano ao português, bem
como as traduções do italiano ao inglês.
Agradecemos, in memorian, à Professora Mariulza Franco, por ter
auxiliado na captação do artigo em italiano, assim como a todos os coordenadores dos cursos de pós-graduação stricto sensu em Direito recomendados e reconhecidos pela CAPES. Igual agradecimento vai às equipes das bibliotecas desses cursos.
Agradecimentos especiais são devidos à Professora Cristina Surek,
presidente da Comissão Editorial das Faculdades Integradas Curitiba, e
ao Professor Marlus Vinicius Forigo, responsável pela operacionalização
das publicações institucionais no âmbito da Comissão Editorial. À equipe
técnica da gráfica da instituição endereçamos agradecimentos em nome
do Professor Antonio Carlos Amaral Lincoln, revisor, e de Richard Marquetti
da Cunha, gerente gráfico. Também agradecemos à mestranda Ana Paula
Pavelski, por ter auxiliado nos contatos com os autores e nas traduções.
Apresentado brevemente este nº 19 da Revista Jurídica e feitos
os merecidos agradecimentos, renovamos o convite para que você, leitor, interaja conosco, enviando críticas, sugestões e colaborações. Seja
você um parceiro nosso no comprometimento para com a constante qualificação deste periódico.
Profª Drª Gisela Maria Bester Benitez
EDITORA
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SUMÁRIO
SEÇÃO DE ARTIGOS JURÍDICOS
IL NUOVO REGOLAMENTO DELLA CAMERA ARBITRALE
NAZIONALE E INTERNAZIONALE DI MILANO
Edoardo Ricci ......................................................................................... 13
NOVO REGULAMENTO DA CÂMARA ARBITRAL
NACIONAL E INTERNACIONAL DE MILÃO
Edoardo Ricci ....................................................................................... 29
INFLUÊNCIA DAS DIRETRIZES
REGULATÓRIAS E DA ARBITRAGEM ESTATAL
NA EMPRESA CONTEMPORÂNEA:
O EXEMPLO DAS TELECOMUNICAÇÕES
Ezequias Losso ................................................................................... 45
EXCEÇÕES E LIMITAÇÕES AOS DIREITOS DO
AUTOR E OBSERVÂNCIA DA REGRA DO TESTE
DOS TRÊS PASSOS (THREE STEP TEST)
Maristela Basso .................................................................................. 65
POSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DA TUTELA
ANTECIPADA NO INSTITUTO DA ARBITRAGEM
Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva ........................... 83
PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E PROTEÇÃO AO TRABALHO:
PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL, À LUZ DA
DIRETRIZ DE TUTELA DO SER HUMANO
Marlene Fuverki Suguimatsu ............................................................. 103
10
SEÇÃO DE ENSINO JURÍDICO
PROJETO PEDAGÓGICO NO ENSINO DE
DIREITO – APRENDIZAGEM BASEADA EM
PROBLEMAS (PROBLEM-BASED LEARNING – PBL)
Ubiratan de Mattos ............................................................................ 151
SEÇÃO DE RESENHA
ANÁLISE ECONÔMICA DA NOVA
LEI DE FALÊNCIAS
Fábio Leandro Tokars ......................................................................... 187
NORMAS EDITORIAIS ....................................................................... 191
EDITAL PARA PUBLICAÇÃO DE
TRABALHOS NO Nº 20 ...................................................................... 199
11
SEÇÃO DE ARTIGOS JURÍDICOS
12
13
Edoardo Ricci
IL NUOVO REGOLAMENTO DELLA
CAMERA ARBITRALE NAZIONALE E
INTERNAZIONALE DI MILANO*
THE NEW REGULATION OF THE
NATIONAL AND INTERNATIONAL
MILAN ARBITRATION CHAMBER
NOVO REGULAMENTO DA
CÂMARA ARBITRAL NACIONAL
E INTERNACIONAL DE MILÃO
EDOARDO FLAVIO RICCI
___________________________________________________________
Avvocato e professore ordinario presso
l’Università degli Studi di Milano
(*) Nota da Editoria: artigo inédito no Brasil, especialmente cedido para esta publicação, a
pedido da Professora Drª Mariulza Franco, então integrante do Conselho Científico da
Revista Jurídica. Texto publicado anteriormente na Itália, na Rivista dell’Arbitrato (Milano,
Giuffrè Editore), anno XIII, p. 663-673, 2004.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
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Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ...
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
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Edoardo Ricci
SOMMÀRIO: 1 PREÀMBOLO. 2 DISPOSIZIONI GENERALE. 3 LA FASE
INIZIALE DELLA PROCEDURA E LA FORMAZIONE DEL TRIBUNALE
ARBITRALE. 4 DEL SUCCESSIVO PROCEDIMENTO E DO LAUDO
ARBITRALE. 5 CONCLUSIONE.
RIASSUNTO
Il 1º gennaio 2004 è entrato in vigore il nuovo regolamento della Camera
Arbitrale Nazionale e Internazionale della Camera di Commercio di Milano.
L’autore esamina il contenuto di questo nuovo regolamento, mettendone
in luce gli aspetti principali (disposizioni di carattere generale, inizio del
procedimento, formazione del Tribunale arbitrale, disciplina del successivo
procedimento, pronuncia del lodo arbitrale, spese di procedura).
Parole chiavi: arbitrato, istituzioni arbitrali, Camera di Commercio di Milano,
Camera Arbitrale, regolamento.
ABSTRACT
On January 1st, 2004, was into effect the new regulation of the National
and International Arbitration Chamber of the Chamber of Commerce of
Milan. The author examines the content of this new regulation and points
out the main aspects (general provisions, procedure’s beginning,
constitution of the Arbitration Tribunal, discipline of the successive
procedure, announcement of the arbitral judgment, procedure’s expenses).
Keywords: arbitration; arbitration institutions, Chamber of Commerce of
Mila, Arbitration Chamber, regulation.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
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Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ...
RESUMO
No dia 1º de janeiro de 2004 entrou em vigor o novo regulamento da
Câmara Arbitral Nacional e Internacional da Câmara de Comércio de Milão. O autor examina o conteúdo desse novo regulamento, colocando em
evidência os aspectos principais (disposições de caráter geral, início do
procedimento, formação do Tribunal Arbitral, disciplina do procedimento
sucessivo, pronunciamento do laudo arbitral, despesas do processo).
Palavras-chave: arbitragem, instituições arbitrais, Câmara de Comércio
de Milão, Câmara Arbitral, Regulamento.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
Edoardo Ricci
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1 PREAMBOLO
Il 1º gennaio 2004 è entrato in vigore il nuovo regolamento della
Camera Arbitrale Nazionale e Internazionale di Milano (che è – è forse
bene ricordarlo – una “azienda speciale” della Camera di Commercio
milanese).
L’opportunità di sostituire il regolamento previgente con un
regolamento nuovo è stata suggerita da una pluralità di considerazioni.
L’esperienza passata, ormai più che decennale ed in continuo sviluppo
(nel 2003 si è superata la soglia dei novanta nuovi arbitrati all’anno, con
un incremento del 10% rispetto al 2002) aveva evidenziato alcune questioni
interpretative, degne di essere affrontate e risolte con norme più chiare.
Nello stesso tempo, erano emersi anche dei difetti da emendare. Si
avvertiva altresì l’esigenza di una semplificazione, soprattutto tramite
l’elaborazione di una disciplina unitaria per l’arbitrato “nazionale” e l’arbitrato
“internazionale”, con applicazione anche al primo di soluzioni che in passato
erano esclusive del secondo. Inoltre, era necessario tener conto di novità
legislative (prime tra le quali quella concernente il nuovo arbitrato societario:
artt. 34 ss. del d. legisl. n. 5/2003) e della evoluzione della giurisprudenza.
Infine, si voleva rendere il testo normativo più completo, anche con
l’introduzione di norme capaci di evidenziare in modo espresso quanto
potrebbe essere ricavato in via interpretativa dalla legge: giacché non
sempre gli arbitri (soprattutto quelli nominati dalle parti), pur essendo talora
dei raffinati esperti della materia controversa, sono altrettanto raffinati
interpreti delle leggi processuali (e delle norme sull’arbitrato in special
modo).
Su quest’ultimo punto vale la pena di insistere in modo particolare,
anche perché – almeno in astratto – può capitare che il procedimento
arbitrale sia disciplinato da una legge diversa da quella italiana; e per di
più non sempre – pur nei casi in cui il procedimento è dominato dalla
legge italiana – gli arbitri sono italiani: talora si tratta di stranieri, non abituati
ad applicare la legge italiana con la stessa disinvoltura, che è propria di
chi vive ed opera nel nostro paese. Era dunque necessario sfruttare lo
spazio, che in genere le leggi sull’arbitrato lasciano alla volontà delle parti
quanto a disciplina del procedimento, per delineare un minicodice con
aspirazione a valere in ugual modo per tutti i casi: una guida
sufficientemente elastica e precisa, da potersi combinare in modo il più
possibile armonioso con una pluralità di testi legislativi.
Come è facile intuire in base a queste premesse, il lavoro
preparatorio è stato lungo e complesso; e ne è sortito un apparato normativo
che in qualche misura differisce dal precedente anche dal punto di vista
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Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ...
dello “stile”. Sotto questo profilo, i compilatori si sono prefissi un proposito
assai ambizioso. Da un lato, infatti, essi hanno voluto adottare come
modello di base, più che la tecnica con la quale si redigono clausole
contrattuali, la tecnica con cui si redigono norme di legge. Dall’altro, essi
si sono tuttavia resi conto che le norme sull’arbitrato possono talora essere
facilmente intese ed applicate soltanto da chi è abituato a misurarsi con la
legge processuale; ed hanno avvertito l’esigenza di introdurre delle varianti
stilistiche che potremmo definire “didattiche”: ove la stessa disciplina, che
potrebbe essere ricavata da una sintetica locuzione di tipo “codicistico”, è
sostituita da più distese previsioni con contenuto più analiticamente
descrittivo della prassi da adottare. Sono convinto che il lettore avveduto,
leggendo le nuove norme, individuerà subito facilmente i punti, nei quali la
tecnica normativa di tipo “codicistico” è stata abbandonata per attuare
l’intento “didattico” di cui si è detto.
2 DISPOSIZIONI GENERALI
Dopo un “preambolo” dedicato alla Camera Arbitrale e ai due organi
tecnici con i quali i procedimenti arbitrali sono amministrati (il Consiglio
Arbitrale e la Segreteria Generale), il regolamento si apre con un Capo I
intitolato “disposizioni generali”. E’ questa una novità rispetto al regolamento
previgente, avente la finalità di consentire l’immediata individuazione di
alcune regole di particolare importanza.
L’art. 1 concerne l’ambito di applicazione del regolamento, che
regge il procedimento arbitrale sia quando le parti lo hanno richiamato
nella convenzione di arbitrato o in altra convenzione separata, sia in
un’ulteriore importante ipotesi, descritta nel comma 2. Tale ipotesi si verifica se una parte propone con la domanda (sottoscritta personalmente)
un arbitrato disciplinato dal regolamento e l’altra accetta tale proposta,
con dichiarazione sottoscritta personalmente, entro il termine assegnatole
dalla Segreteria Generale. In questo modo, si forma tra le parti – tramite
la collaborazione della Segreteria Generale – una vera e propria
convenzione di arbitrato sull’oggetto della domanda, avente la sostanziale
natura del compromesso.
Il successivo art. 2 concerne le “norme applicabili al procedimento”, stabilendo nel comma 1 una precisa gerarchia delle fonti: in primo
luogo il regolamento, in subordine le regole fissate di comune accordo
dalle parti, in ulteriore subordine le regole fissate dal tribunale arbitrale. In
questo modo dovrebbero perdere valore tutte le disposizioni della legge
processuale in astratto applicabile (quale che essa sia), con l’unica
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
Edoardo Ricci
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eccezione delle norme inderogabili (che sono fatte espressamente salve
nel comma 2, con una disposizione forse non necessaria dal punto di
vista strettamente giuridico ma ugualmente opportuna come richiamo per
le parti e per gli arbitri). Infine, il comma 3 (altra norma forse non necessaria
dal punto di vista strettamente giuridico, ma opportuna come richiamo per
le parti e per gli arbitri) è fatto espressamente salvo il principio del
contraddittorio e della parità di trattamento delle parti.
L’art. 3 si occupa delle norme applicabili al merito della controversia,
con quattro previsioni: la decisione secondo diritto, qualora le parti non
abbiano espressamente previsto la decisione d’equità; il potere delle parti
di scegliere le norme applicabili, con la convenzione di arbitrato o
convenzione successiva sino alla costituzione del tribunale arbitrale; il
potere-dovere degli arbitri di decidere – in mancanza di una concorde
indicazione delle parti – secondo le norme con cui il rapporto è più
strettamente collegato; il potere-dovere degli arbitri di tener conto degli
usi del commercio. Come è facile comprendere, le ultime due previsioni
generalizzano la stessa disciplina, che altrimenti sarebbe propria del solo
arbitrato internazionale.
La sede dell’arbitrato (oggetto dell’art. 4) è tema di grandissimo
rilievo, sia perché il diritto italiano fa dipendere dalla sede la qualificazione
dell’arbitrato come “nazionale” o “non nazionale” (o “estero”), sia perché
secondo l’opinione pressoché unanime dei giuristi (in Italia e all’estero)
dipende dalla sede dell’arbitrato l’individuazione del diritto processuale
applicabile. Il regolamento, dopo aver stabilito che la sede fissata dalle
parti nella convenzione di arbitrato (comma 1), prevede che in mancanza
di tale indicazione la sede sia fissata in Milano (comma 2). Tuttavia “il
Consiglio Arbitrale può fissare la sede dell’arbitrato in altro luogo, in Italia
o all’estero, tenuto conto delle richieste delle parti e di ogni altra circostanza”
(comma 3); ed in ogni caso si concede al tribunale arbitrale il potere di
svolgere le udienze e compiere gli atti del procedimento in luogo diverso
da quello della sede legale dell’arbitrato (comma 4).
Dopo l’art. 5 (che si occupa della lingua dell’arbitrato) e l’art. 6 (che
si occupa del deposito e trasmissione degli atti), l’art. 7 disciplina il delicato
tema dei termini, con un intento duplice: quello di risolvere il problema
relativo alla stessa ammissibilità di termini perentori dell’arbitrato; e quello
di ridurre al minimo le possibili questioni sul carattere perentorio o non
perentorio dei termini fissati dagli arbitri o dalla Camera. La regola generale
è nel senso che i termini (siano essi direttamente posti dal regolamento, o
fissati dal Consiglio Arbitrale, o fissati dalla Segreteria Generale, o fissati
dagli arbitri) non siano a pena di decadenza, qualora la decadenza non
sia espressamente prevista dal regolamento o non sia espressamente
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
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Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ...
stabilita dal provvedimento che li fissa (comma 1). Inoltre, si stabilisce che
il Consiglio Arbitrale, la Segreteria Generale e gli arbitri possono prorogare
i termini da essi fissati, prima della loro scadenza (comma 2, prima parte);
con l’avvertenza, tuttavia, che i termini fissati a pena di decadenza possono
essere prorogato soltanto per gravi motivi o con il consenso di tutte le
parti (comma 2, seconda parte). Infine, si stabilisce che nel computo dei
termini non si calcoli il giorno iniziale; e che, se il termine scade di sabato
o un giorno festivo, esso sia automaticamente prorogato al giorno
successivo (comma 3).
Infine, dopo l’art. 8 in tema di riservatezza del procedimento, l’art.
9 contiene due importanti regole relative agli “arbitrati regolati dalla legge
italiana”. In primo luogo, si stabilisce che, se le parti non hanno
espressamente qualificato l’arbitrato come “irrituale” nella convenzione
arbitrale, l’arbitrato sia rituale (comma 1). In secondo luogo si stabilisce
che, qualora l’arbitrato tragga origine da clausola compromissoria inserita
in atto costitutivo o in statuto di società, gli arbitri siano designati dal
Consiglio Arbitrale anche in deroga a quanto previsto nella convenzione
di arbitrato (comma 2): ed è questa una disposizione molto opportuna, di
fronte alla norma di legge, secondo la quale le clausole arbitrali in questione sono nulle se non attribuiscono il potere di nominare gli arbitri ad un
soggetto estraneo alla compagine sociale (cfr. l’art. 34, comma 2, d. legisl.
n. 5/2003). Mediante il rinvio al regolamento, le parti derogano
convenzionalmente a quelle diverse disposizioni contenute nella clausola
compromissoria, in virtù delle quali quest’ultima rischierebbe la nullità.
3 LA FASE INIZIALE DELLA PROCEDURA E LA FORMAZIONE
DEL TRIBUNALE ARBITRALE
I successivi quattro Capi del regolamento (dal II al V) si occupano
delle varie fasi nelle quali si articola il corso della procedura: la fase iniziale
(Capo II), la fase relativa alla formazione del tribunale arbitrale (Capo III),
la fase della trattazione e istruzione davanti agli arbitri (Capo IV, intitolato
“il procedimento”), la fase decisoria (Capo V, intitolato “il lodo arbitrale”).
La fase iniziale (artt. 10-13) è molto semplice: una domanda scritta
(disciplinata dall’art. 10) comunicata alla controparte dalla Segreteria
Generale, una memoria di risposta (disciplinata dall’art. 11) trasmessa
dalla Segreteria Generale all’attore (con invito al convenuto a proporre in
tale memoria anche l’eventuale domanda riconvenzionale: art. 12), per
finire con un eventuale provvedimento del Consiglio Arbitrale sulla
procedibilità dell’arbitrato (art. 13).
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
Edoardo Ricci
21
Il problema, cui il regolamento si riferisce quando parla di
“procedibilità” dell’arbitrato, è unicamente quello relativo alla applicabilità
o non applicabilità del regolamento; e su tale problema il Consiglio Arbitrale
è chiamato a pronunciarsi, soltanto se una parte contesta l’applicabilità
del regolamento stesso prima della costituzione del tribunale arbitrale. In
questo caso, il Consiglio Arbitrale esprime la posizione della Camera sul
procedimento iniziato, chiarendo se la stessa Camera è disposta ad
amministrare l’arbitrato (dichiarazione di procedibilità) o non è disposta a
farlo (dichiarazione di improcedibilità). Questo è l’unico significato, che il
provvedimento pretende di avere; e va da sé che, ove venga per ipotesi
dichiara l’improcedibilità, ciò non implica alcuna valutazione vincolante
sulla esistenza e validità della convenzione di arbitrato (la quale, pertanto,
può essere la base per un arbitrato ad hoc, ovvero per un arbitrato
amministrato da altri organismi).
Inoltre, nessun valore vincolante ha il provvedimento del Consiglio
Arbitrale per gli arbitri qualora sia dichiarata la procedibilità. Gli arbitri, più
in particolare, saranno liberi di valutare al meglio secondo i propri criteri
non soltanto l‘esistenza e validità della convenzione di arbitrato (il che è
ovvio), ma anche i problemi relativi alla stessa applicabilità del regolamento.
Assai ricco di norme è poi il Capo III sul tribunale arbitrale (artt. 1423). Questo Capo, infatti, non riguarda soltanto il meccanismo, tramite il
quale il tribunale arbitrale si forma, ma anche la disciplina dell’incompatibilità
(art. 17), il procedimento di ricusazione davanti alla Camera Arbitrale (art.
20), la disciplina della sostituzione (art. 21), la disciplina dell’incompetenza
del tribunale arbitrale (che deve essere eccepita,
[...] a pena di decadenza, nel primo atto o nella prima udienza
successiva alla domanda cui l’eccezione si riferisce: art. 22) e la
disciplina relativa ad un’ipotesi molto delicata; quella della ‘irregolare
formazione del tribunale arbitrale’ (art. 23).
Se il tema non fosse disciplinato, la soluzione potrebbe essere
soltanto la più radicale: la pronuncia, da parte degli arbitri, di un lodo
declinatorio. In questo modo, l’eventuale errore commesso nella formazione
del tribunale arbitrale sarebbe pagato a caro prezzo, con la necessità di
iniziare un nuovo procedimento; e, ove la pendenza dell’arbitrato fosse
accompagnata da collaterali provvedimenti cautelari pronunciati dall’autorità
giudiziaria, questi ultimi perderebbero efficacia. Il regolamento corre allora
ai ripari, stabilendo che il tribunale arbitrale – ove noti un errore nella
propria costituzione – depositi presso la Segreteria Generale un’ordinanza
motivata di restituzione degli atti alla Camera, destinata ad avere gli stessi
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
22
Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ...
effetti di una rinuncia all’incarico. Si apre in tal modo la via alla formazione
di un nuovo tribunale arbitrale in applicazione delle regole che disciplinano
il tema, mediante il meccanismo della sostituzione previsto dall’art. 21. È
questa un’importante novità del nuovo regolamento, volta alla
conservazione del procedimento arbitrale pendente.
Per quanto concerne più in particolare il meccanismo di formazione
del tribunale arbitrale, l’art. 14 si occupa del numero degli arbitri, sia
favorendo il più possibile (salva diversa volontà espressa dalle parti per la
convenzione di arbitrato) la designazione di un arbitro unico in luogo di un
collegio, sia stabilendo che (sempre salva diversa volontà delle parti
espressa nella convenzione di arbitrato) l’eventuale collegio sia formato
da tre membri, sia garantendo che in ogni caso il collegio sia composto da
un numero dispari di arbitri.
Il successivo art. 15 si occupa poi più da vicino del procedimento di
nomina. La regola fondamentale è costituita dall’applicazione delle
previsioni inserite dalle parti nella convenzione di arbitrato (comma 1): la
Camera interviene con proprie designazioni, insomma, soltanto se la
convenzione di arbitrato lo richiede o lo consente. Per tale ragione, l’arbitro
unico è nominato dal Consiglio Arbitrale, soltanto “se non è diversamente
stabilito nella convenzione arbitrale” (comma 2). Inoltre, il regolamento
coinvolge nuovamente le parti nella nomina degli arbitri, quando le parti si
sono limitate a richiedere la costituzione di un collegio senza aggiungere
altro. Il comma 4, infatti, delinea una disciplina sostanzialmente simile a
quella fissata dall’art. 810 CPC, con l’unica differenza che è la Camera
(tramite il Consiglio Arbitrale) ad assumere i compiti che il citato art. 810
c.p.c. assegna all’autorità giudiziaria. Infine, va ricordato il comma 5, in
virtù del quale
[...] se le parti hanno diversa nazionalità o domicilio in stati diversi, il
Consiglio Arbitrale nomina quale arbitro unico o quale presidente del
tribunale arbitrale una persona di nazionalità terza salva diversa e
concorde indicazione delle parti.
Se anche la volontà delle parti nella scelta degli arbitri è rispettata,
peraltro, la Camera (tramite il Consiglio Arbitrale) rivendica a sé stessa un
preliminare sindacato sulla indipendenza degli arbitri stessi. Questi ultimi
devono dunque sottoscrivere una dichiarazione di indipendenza, fornendo
tutti i chiarimenti espressamente indicati nell’art. 19. Tale dichiarazione
viene poi trasmessa alle parti, per eventuali osservazioni; e il Consiglio
Arbitrale conferma gli arbitri designati dalle parti o da terzi, soltanto se
non emergono elementi capaci di mettere in dubbio l’indipendenza
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
Edoardo Ricci
23
dell’arbitro prescelto. In caso di mancata conferma, si mette in moto il
meccanismo di sostituzione disciplinato dall’art. 21. La Camera Arbitrale
ritiene suo dovere fare ogni sforzo, affinché anche gli arbitri designati dalle
parti siano veramente indipendenti; e non ritiene di essere a disposizione
come ente incaricato di amministrare il procedimento arbitrale, se le parti
non accettano questo fondamentale orientamento di onestà.
Una norma di notevole importanza è infine quella contenuta
nell’art. 16, che si riferisce all’arbitrato con pluralità di parti. Tutti ricordano
i problemi che sorgono, quando le convenzioni di arbitrato – assegnando
a ciascuna parte il potere di designare un arbitro – rischiano di dare vita
alla composizione di collegi arbitrali non equilibrati (tali da mettere in
dubbio la loro imparzialità per virtù stessa della loro composizione); e
tutti ricordano che il modo più sicuro per salvare la convenzione di arbitrato
è costituito dalla designazione degli arbitri da parte di un terzo. L’art. 16
prevede allora che
[...] anche in deroga a quanto previsto nella convenzione arbitrale,
se la domanda è proposta da più parti o contro più parti, il Consiglio
Arbitrale nomina tutti i componenti del tribunale arbitrale, designando un arbitro unico qualora lo ritenga opportuno e la convenzione
arbitrale non richieda la designazione di un collegio. Tuttavia, se le
parti si raggruppano inizialmente in due sole unità, nominando
ciascuna unità un arbitro come se la controversia avesse due sole
parti ed è accettando che il tribunale arbitrale sia formato da tre
membri, il Consiglio Arbitrale nomina il solo presidente.
Tale disposizione è animata dal desiderio di salvare il più possibile
le convenzioni di arbitrato, con un meccanismo idoneo alla designazione
di arbitri ad un tempo equilibrata e idonea a garantire la massima
imparzialità.
Allo svolgimento del successivo procedimento è dedicato come
già detto il Capo IV. Si inizia con una norma (l’art. 24) sulla costituzione
del tribunale arbitrale, che ha luogo entro trenta giorni dalla ricezione degli
atti trasmessi dalla Segreteria Generale mediante la redazione di un verbale
datatati e sottoscritto. Seguono disposizioni sui poteri del tribunale arbitrale
(art. 25), sulle ordinanze dello stesso tribunale (art. 26), sulle udienze (art.
27), sull’assunzione delle prove sulla consulenza tecnica (artt. 28 e 29),
sulle domande nuove proposte in corso di procedimento (art. 30) sulla
precisazione delle conclusioni (art. 31) e sulla rinuncia agli atti (art. 32).
Tra queste disposizioni, vale probabilmente la pena di considerare
con particolare attenzione gli artt. 25 (poteri del tribunale arbitrale), l’art.
30 (domande nuove) e l’art. 31 (precisazione delle conclusioni).
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
24
Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ...
Quanto ai poteri del tribunale arbitrale, va segnalato che gli arbitri
– oltre a poter tentare in ogni momento la conciliazione della controversia
(comma 1) – possono pronunciare “tutti i provvedimenti cautelari urgenti e
provvisori, anche di contenuto anticipatorio, che non siano vietate da norme
inderogabili applicabili al procedimento”: il che non ha molta importanza
quando deve essere applicata al procedimento la legge italiana (stante
l’art. 818 c.p.c.), ma è invece norma di fondamentale rilievo qualora il
procedimento sia retto da altre leggi, più liberali della nostra. Inoltre, se
più procedimenti oggettivamente connessi si svolgono davanti agli stesi
arbitri, questi possono riunirli (comma 3); e diversamente gli arbitri possono
separare tra di loro le diverse controversie inizialmente unificate in un
unico procedimento (comma 4). Infine, si riconosce espressamente agli
arbitri il potere di prendere “tutti i provvedimenti ritenuti opportuni per
regolarizzare o integrare la rappresentanza o l’assistenza delle parti”
(comma 5).
Per quanto concerne le nuove domande proposte dalle parti nel
corso del procedimento, se ne è prevista l’ammissibilità in due ipotesi:
quando la parte, contro la quale la domanda nuova è proposta, dichiara di
accettare il contraddittorio o non propone eccezioni di inammissibilità preliminarmente ad ogni difesa di merito; e quando “la nuova domanda è
oggettivamente connessa con una di quelle pendenti nel procedimento”.
Inoltre, si prevede che in ogni caso il tribunale arbitrale consenta alla parte, contro cui la domanda è proposta, di rispondere alla medesima con
una memoria scritta.
Quanto infine alla precisazione delle conclusioni, tale formalità è
stata ritenuta opportuna come strumento indispensabile per consentire
alle parti di adeguare le loro domande alle risultanze della istruzione; e si
è altresì ritenuto opportuno individuare nell’invito a precisare le conclusioni,
che gli arbitri rivolgono alle parti, il momento oltre il quale diviene
inammissibile sia la proposizione di nuove domande, sia l’introduzione nel
procedimento di nuove istanze istruttorie di qualsiasi tipo. Chi ha esperienza
di arbitrato può facilmente apprezzare, credo, la scelta così compiuta dal
regolamento, che consente di superare con una disciplina precisa tutte le
incertezze (e i disagi), ai quali gli arbitri si trovano di fronte allorché nuove
domande o nuove risultanze istruttorie sono introdotte dalle parti in
prossimità del lodo o addirittura in sede di discussione finale. Alla luce del
regolamento, gli arbitri possono dichiarare inammissibili le nuove domande
e le nuove prove, con la protezione di una disciplina previamente accettata
dalle parti mediante il richiamo al regolamento stesso.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
Edoardo Ricci
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È infine da segnalare che la Camera milanese, pur avendo riservato
al procedimento arbitrale un complesso di norme piuttosto ricco, non ha
ritenuto di inserire nel regolamento un istituto, che invece è molto importante nel regolamento di altre istituzioni specializzate, soprattutto straniere:
il così detto terms of reference o acte de mission: atto redatto dagli arbitri
e sottoscritto dalle parti, nel quale si definisce l’oggetto della controversia,
delineando altresì l’insieme delle questioni da risolvere in funzione
preparatoria della decisione finale e fissando le fondamentali regole di
procedura. Si è infatti temuto che la preparazione e confezione di tale atto
introducesse nel procedimento un ritardo non strettamente necessario; e
nello stesso si è temuto che esso potesse pregiudicare l’elasticità della
procedura arbitrale, impedendo agli arbitri di regolarla secondo l’opportunità
del momento e le circostanze.
Dopo ciò, il successivo Capo V si occupa del lodo arbitrale, sia dal
punto di vista della deliberazione (ove la conferenza personale è necessaria
soltanto se le norme applicabili al procedimento la impongono: art. 33),
sia dal punto di vista della forma e del contenuto, sia dal punto di vista del
deposito e della comunicazione alle parti: dovendo il lodo essere depositato
presso la Segreteria Generale, che ne cura la comunicazione alle parti
(art. 35). Apposite norme, inoltre, hanno per oggetto i lodi parziali e i lodi
non definitivi (art. 37), nonché la correzione del lodo (che può aver luogo
col procedimento presso la Camera “nei casi e nei termini previsti dalle
norme applicabili al procedimento” (art. 38).
Tra queste norme, di fondamentale rilevanza è quella relativa al
termine, che si articola in tre previsioni. La regola generale è nel senso
che il lodo debba essere depositato presso la Segreteria Generale entro
sei mesi dalla costituzione del tribunale arbitrale (comma 1). Peraltro, il
termine può essere prorogato “dal Consiglio Arbitrale o, quando vi si è il
consenso delle parti, dalla Segreteria Generale” (comma 2). Inoltre, lo
stesso termine “è sospeso dalla Segreteria Generale […] in presenza di
[…] giustificato motivo” (norma pensata soprattutto per le ipotesi, nelle
quali uno o più arbitri siano colpiti da impedimenti improvvisi e temporanei).
Nel pronunciare il lodo, gli arbitri devono secondo il regolamento
pronunciarsi anche sulle spese, sotto un duplice profilo. Da un lato, infatti,
essi devono decidere, se ed entro quali limiti una parte debba rifondere
all’altra gli oneri da questa sostenuti per la propria difesa, liquidando il
relativo importo; dall’altro devono indicare le spese relative al
funzionamento dell’arbitrato (comprensivo dei loro compensi). Ma, mentre
sul primo punto gli arbitri devono far riferimento unicamente alla legge
applicabile, sul secondo essi devono recepire la liquidazione compiuta
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
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Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ...
prima del lodo dal Consiglio Arbitrale. In altre parole: l’ammontare delle
spese di funzionamento dell’arbitrato è fissato dalla Camera (tramite il
Consiglio Arbitrale), e gli arbitri: facendo espressa menzione del
provvedimento di liquidazione loro trasmesso – devono soltanto decidere
sulla ripartizione tra le parti del relativo onere.
Completano il regolamento, il Capo VI sulle spese del procedimento ed un Capo VII contenente disposizioni transitorie.
5 CONCLUSIONE
In conclusione, si può dire quanto segue circa il nuovo regolamento
della Camera Arbitrale Nazionale e Internazionale di Milano, entrato in
vigore il 1° gennaio 2004.
Il nuovo regolamento si applica, in linea di principio, se le parti lo
hanno stabilito nella convenzione di arbitrato o mediante una convenzione
separata. Anche in mancanza di un preventivo accordo tra le parti su questo
tema, tuttavia, il regolamento è applicato se l’attore lo propone nella
domanda di arbitrato e il convenuto accetta questa proposta.
Quanto alle regole del procedimento, il regolamento stabilisce la
seguente gerarchia: in primo luogo il regolamento stesso, in subordine le
regole fissate dalle parti, in ulteriore subordine le regole fissate dagli arbitri.
Naturalmente, devono sempre essere applicate le norme inderogabili della
legge processuale che disciplina ogni singolo arbitrato.
Quanto al merito della controversia, il regolamento prevede che gli
arbitri decidano secondo diritto, qualora le parti non li abbiano autorizzati
a pronunciare una decisione d’equità. Le parti, inoltre, hanno il potere di
scegliere le norme applicabili al merito della controversia; e in mancanza
di tale indicazione gli arbitri devono applicare le norme, con le quali il
rapporto è più strettamente collegato, tenendo anche conto degli usi del
commercio.
La sede dell’arbitrato è fissata dalle parti. In difetto di tale
indicazione, la sede è in linea di principio fissata a Milano. La Camera (e
tramite il Consiglio Arbitrale) può tuttavia fissare la sede anche in un altro
luogo, in Italia o all’estero, tenuto conto delle richieste delle parti e di ogni
altra circostanza.
II termini del procedimento sono perentori soltanto quando il loro
carattere perentorio è fissato dal regolamento o dal provvedimento che
fissa i termini stessi (sia che si tratti di termini fissati dagli arbitri, sia che si
tratti di termini fissati dalla Camera). Un’apposita disciplina è prevista per
la proroga dei termini.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006.
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Edoardo Ricci
Il procedimento si inizia con una domanda dell’attore, che la Camera
(tramite la Segreteria) trasmette al convenuto. Il convenuto può rispondere
con un atto scritto, che la Camera comunica all’attore. Si forma poi il
fascicolo, che viene trasmesso al tribunale arbitrale.
Il tribunale arbitrale è composto secondo la volontà delle parti, e la
Camera Arbitrale designa gli arbitri soltanto se le parti gliene hanno dato il
potere o si astengono dal compiere qualsiasi nomina. Esistono tuttavia
severe norme di incompatibilità (che tendono ad escludere dalla funzione
di arbitro le persone coinvolte nella gestione della Camera e del Consiglio
Arbitrale che sorveglia i procedimenti); e la Camera si riserva un penetrante controllo sull’imparzialità e l’indipendenza degli arbitri (i quali sono
tenuti a compilare e sottoscrivere apposite dichiarazioni, rivelando eventuali
rapporti con le parti e i loro difensori).
Il regolamento disciplina poi il successivo procedimento davanti
agli arbitri, inclusa l’istruzione probatoria. Va segnalato che il regolamento
non richiede la compilazione dell’atto denominato in francese acte de
mission e in inglese terms of reference, che invece è richiesto dal
regolamento della Corte di Arbitrato della Camera di Commercio
Internazionale di Parigi.
Il regolamento disciplina infine la pronuncia del lodo, prevedendo
un apposito termine (che la Camera Arbitrale può prorogare, in caso di
necessità).
Per quanto concerne le spese, è la Camera Arbitrale a stabilire le
spese del procedimento e il compenso degli arbitri, secondo un apposito
tariffario. Spetta invece agli Arbitri stabilire, in qual modo l’onere delle spese
debba essere ripartito tra le parti.
REFERÊNCIAS*
(*) Nota da Editoria: o autor não usou referências bibliográficas fundamentalmente por ter
feito análise normativa em seu artigo.
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Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ...
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NOVO REGULAMENTO DA
CÂMARA ARBITRAL NACIONAL
E INTERNACIONAL DE MILÃO*
THE NEW REGULATION OF THE
NATIONAL AND INTERNATIONAL
MILAN ARBITRATION CHAMBER
IL NUOVO REGOLAMENTO DELLA
CAMERA ARBITRALE NAZIONALE
E INTERNAZIONALE DI MILANO
EDOARDO FLAVIO RICCI
___________________________________________________________
Advogado e “professor ordinário”
na Universidade de Milão
(*) Nota da Editoria: artigo inédito no Brasil, especialmente cedido para esta publicação, a
pedido da Profa. Drª Mariulza Franco, então integrante do Conselho Científico da Revista Jurídica. O texto foi publicado anteriormente na Itália (RIVISTA DELL’ARBITRATO,
Milano, Giuffrè, anno XIII, p. 663-673, 2004). Por solicitação da Editoria, foi traduzido
pela Professora Drª Marta Marília Tonin, integrante do corpo docente da Graduação e
do Mestrado em Direito, das Faculdades Integradas Curitiba, e membro do Conselho
Científico da Revista Jurídica.
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Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ...
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006.
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Edoardo Ricci
RESUMO
No dia 1º de janeiro de 2004 entrou em vigor o novo regulamento da
Câmara Arbitral Nacional e Internacional da Câmara de Comércio de Milão. O autor examina o conteúdo desse novo regulamento, colocando em
evidência os aspectos principais (disposições de caráter geral, início do
procedimento, formação do Tribunal Arbitral, disciplina do procedimento
sucessivo, pronunciamento do laudo arbitral, despesas do processo).
Palavras-chave: arbitragem, instituições arbitrais, Câmara de Comércio
de Milão, Câmara Arbitral, regulamento.
ABSTRACT
On January 1st, 2004, was into effect the new regulation of the National
and International Arbitral Chamber of the Chamber of Commerce of Milan.
The author examines the content of this new regulation and points out the
main aspects (general provisions, procedure’s beginning, constitution of
the Arbitral Tribunal, discipline of the successive procedure, announcement
of the arbitral judgment, procedure’s expenses).
Keywords: arbitration, arbitral institutions, Chamber of Commerce of Milan,
Arbitral Chamber, regulation.
RIASSUNTO
Il 1º gennaio 2004 è entrato in vigore il nuovo regolamento della Camera
Arbitrale Nazionale e Internazionale della Camera di Commercio di Milano.
L’autore esamina il contenuto di questo nuovo regolamento, mettendone
in luce gli aspetti principali (disposizioni di carattere generale, inizio del
procedimento, formazione del Tribunale arbitrale, disciplina del successivo
procedimento, pronuncia del lodo arbitrale, spese di procedura).
Parole chiavi: arbitrato, istituzioni arbitrali, Camera di Commercio di Milano,
Camera Arbitrale, regolamento.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006.
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1 INTRODUÇÃO
Na data de 1º de janeiro de 2004 entrou em vigor o novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional e Internacional de Milão (que é – vale
a pena recordar – um “departamento especial” da Câmara de Comércio
de Milão).
A oportunidade de substituir o regulamento anterior por um novo
foi sugerida, levando-se em conta uma série de considerações. A experiência passada, já com mais de uma década e em contínuo desenvolvimento (em 2003, superou-se a marca de 90 novas arbitragens por ano,
com um incremento de 10% em relação a 2002), tinha evidenciado algumas questões interpretativas, dignas de serem abordadas e resolvidas
com normas mais claras. Ao mesmo tempo, surgiram defeitos a serem
corrigidos. Observava-se a necessidade de uma simplificação, sobretudo
por meio da elaboração de uma disciplina unitária, tanto para a arbitragem “nacional” quanto para a “internacional”, com aplicação também à
primeira de soluções que anteriormente eram exclusivas da segunda. Além
disso, era necessário levar em conta as novidades legislativas (entre as
quais aquela concernente à nova arbitragem societária: artigo 34 e seguintes do Decreto Legislativo 5/2003) e a evolução do Direito. Enfim,
querer-se-ia tornar o texto normativo mais completo, com a introdução
de normas capazes de evidenciar, de maneira expressa, o quanto poderia ser extraído pela via interpretativa da lei. Nem sempre os árbitros
(sobretudo aqueles nomeados pelas partes), mesmo sendo às vezes
grandes conhecedores da matéria controversa, são igualmente grandes intérpretes das leis processuais (e das normas sobre a arbitragem
de modo especial).
Sobre o último aspecto, vale a pena insistir de modo particular,
porque – ao menos em abstrato – pode ocorrer que o procedimento arbitral
seja disciplinado por uma lei diferente daquela italiana. Nem sempre –
mesmo nos casos em que o procedimento é dominado pela lei italiana –
os árbitros são italianos; às vezes se trata de estrangeiros não acostumados a aplicar a lei italiana com a mesma desenvoltura – própria de quem
vive e opera em nosso país. Era, portanto, necessário aproveitar o espaço, que em geral as leis sobre a arbitragem deixam à vontade das partes
quanto à disciplina do procedimento, para delinear um minicódigo com
aspiração de valer igualmente para todos os casos: um guia suficientemente elástico e preciso, para se poder combinar do modo mais harmonioso possível com uma pluralidade de textos legislativos.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006.
34
Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ...
Como é fácil intuir com base nessas premissas, o trabalho preparatório foi longo e complexo. E surgiu um aparato normativo que de algum modo difere do precedente também do ponto de vista do “estilo”.
Sob esse perfil, os compiladores se fixaram num propósito muito ambicioso. De um lado, de fato, eles quiseram adotar, como modelo de base,
mais que a técnica com a qual se redigem cláusulas contratuais e a técnica com a qual se redigem normas de lei. De outro, eles se deram conta,
todavia, de que as normas sobre a arbitragem podem às vezes ser facilmente entendidas e aplicadas somente por quem é acostumado a operar
com a lei processual. Sentiram a exigência de introduzir variantes
estilísticas que seriam consideradas “didáticas”: a mesma disciplina que
poderia ser extraída de uma sintética locução do tipo “codicístico” é substituída por previsões gerais de conteúdo mais analiticamente descritivo
da prática a ser adotada. Estou convencido de que o leitor atento, lendo
as novas normas, identificará de imediato os pontos nos quais a técnica
normativa do tipo “codicístico” foi abandonada para atuar a intenção “didática” da qual se tratou.
2 DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Após um “preâmbulo” dedicado à Câmara Arbitral e aos dois órgãos técnicos pelos quais os procedimentos arbitrais são administrados
(Conselho Arbitral e Secretaria-Geral), o Regulamento inicia-se com um
capítulo (I) intitulado “Disposições gerais”. É essa uma novidade em relação ao Regulamento anterior, pois tem a finalidade de consentir a imediata identificação de algumas regras de particular importância.
O artigo 1º diz respeito à aplicação do Regulamento, que rege o
procedimento arbitral, seja quando as partes o tenham mencionado na
convenção da arbitragem ou em outra convenção separada, seja em uma
ulterior importante hipótese, descrita no parágrafo 2º. Tal hipótese se verifica se uma parte propõe com a demanda (subscrita pessoalmente) arbitragem disciplinada pelo Regulamento, e a outra aceita tal proposta,
com declaração subscrita pessoalmente, dentro do prazo conferido pela
Secretaria-Geral. Desse modo, forma-se entre as partes – mediante colaboração da Secretaria-Geral – uma verdadeira convenção de arbitragem sobre o objeto da demanda, que tem a substancial natureza do compromisso.
O artigo 2º refere-se às “normas aplicáveis ao procedimento”, estabelecendo no parágrafo 1º uma hierarquia precisa das fontes: em primeiro lugar, o Regulamento; em seguida, as regras fixadas de comum
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006.
Edoardo Ricci
35
acordo pelas partes; posteriormente, as regras fixadas pelo Tribunal
Arbitral. Desse modo, deveriam perder valor todas as disposições da lei
processual aplicável em abstrato (qualquer que seja), com a única exceção das normas inderrogáveis (que são expressamente ressalvadas no
parágrafo 2º, com uma disposição talvez não necessária do ponto de
vista estritamente jurídico, mas igualmente oportuna como disposição para
as partes e para os árbitros). Enfim, o parágrafo 3º (outra norma talvez
não necessária do ponto de vista estritamente jurídico, mas oportuna como
disposição para as partes e para os árbitros) resguarda expressamente o
princípio do contraditório e da paridade de tratamento das partes.
O artigo 3º trata das normas aplicáveis ao mérito da controvérsia,
com quatro previsões: a decisão segundo o Direito, quando as partes não
tenham expressamente previsto a decisão de eqüidade; o poder das partes de escolher as normas aplicáveis, com a convenção de arbitragem ou
a convenção posterior até a constituição do Tribunal Arbitral; o poderdever dos árbitros de decidir – na falta de concordância das partes –,
segundo as normas com as quais a relação é mais estreitamente ligada;
o poder-dever dos árbitros de levar em conta os usos do comércio. Como
é fácil compreender, as últimas duas previsões generalizam a mesma
disciplina que, de outro modo, seria própria somente da arbitragem internacional.
A sede da arbitragem (objeto do artigo 4º) é tema de grandíssimo
relevo, seja porque o Direito italiano depende da sede para a qualificação
da arbitragem como “nacional” ou “não nacional” (ou no “exterior”), seja
porque, segundo a opinião quase unânime dos juristas (na Itália e no
exterior), depende da sede da arbitragem a identificação do Direito Processual aplicável. O Regulamento, depois de ter estabelecido que a sede
fixada pelas partes na convenção de arbitragem (parágrafo 1º), prevê
que, na ausência de tal indicação, a sede seja fixada em Milão (parágrafo
2º). Todavia, “[...] o Conselho Arbitral pode fixar a sede da arbitragem em
outro lugar, na Itália ou no exterior, levando em conta os pedidos das
partes e de qualquer outra circunstância” (parágrafo 3º). E, em todo caso,
concede-se ao Tribunal Arbitral o poder de desenvolver as audiências e
realizar os atos do procedimento em lugar distinto daquele da sede legal
da arbitragem (parágrafo 4º).
Depois, o artigo 5º se ocupa da língua usada na arbitragem, e o
artigo 6º trata do depósito e transmissão dos atos. O artigo 7º disciplina o
delicado tema dos prazos, com uma dupla intenção: a de resolver o problema relativo à admissibilidade dos prazos peremptórios da arbitragem
e a de reduzir ao mínimo as possíveis questões sobre o caráter peremptório ou não peremptório dos prazos fixados pelos árbitros ou pela CâmaR. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006.
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Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ...
ra. A regra é no sentido de que os prazos (sejam eles diretamente colocados pelo Regulamento, ou fixados pelo Conselho Arbitral, ou fixados pela
Secretaria-Geral, ou fixados pelos árbitros) não estejam sujeitos à decadência, quando esta não seja expressamente prevista pelo Regulamento
ou não seja expressamente estabelecida pelo provimento que os fixa (parágrafo 1º). Além disso, fica estabelecido que o Conselho Arbitral, a Secretaria-Geral e os árbitros podem prorrogar os prazos por eles fixados,
antes dos respectivos términos (parágrafo 2º, primeira parte). Advertese, entretanto, que os prazos fixados sujeitos à decadência podem ser
prorrogados somente por graves motivos ou com o consenso de todas as
partes (parágrafo 2º, segunda parte). Enfim, estabelece-se que na contagem do prazo não se considere o dia inicial e que, se o prazo termina
num sábado ou num feriado, ele seja automaticamente prorrogado para
o dia útil seguinte (parágrafo 3º).
A seguir, o artigo 8º trata da matéria de sigilo do procedimento. O
artigo 9º contém duas importantes regras relativas às “arbitragens reguladas pela lei italiana”. Em primeiro lugar, estabelece-se que, se as partes
não qualificaram expressamente a arbitragem como “irritual” na convenção arbitral, a arbitragem seja ritual (parágrafo 1º). Em segundo, determina-se que, quando a arbitragem tem origem na cláusula compromissória
a inserida na constituição ou no estatuto da sociedade, os árbitros sejam
designados pelo Conselho Arbitral, em derrogação do previsto na convenção de arbitragem (parágrafo 2º). É uma disposição muito oportuna,
perante a norma de lei, segundo a qual as cláusulas arbitrais em questão
são nulas, se não atribuem o poder de nomear os árbitros a um sujeito
estranho ao quadro social (artigo 34, parágrafo 2º, Decreto Legislativo 5/
2003). Mediante o reenvio ao Regulamento, as partes derrogam convencionalmente as diversas disposições contidas na cláusula compromissória,
em conseqüência das quais se arrisca a nulidade.
3 DO INÍCIO DO PROCEDIMENTO E DA FORMAÇÃO DO
TRIBUNAL ARBITRAL
Os sucessivos quatro capítulos do Regulamento (II ao V) ocupamse das várias fases nas quais se articula o curso do processo: a fase
inicial (capítulo II), a fase relativa à formação do Tribunal Arbitral (capítulo
III), a fase da tratativa e instrução perante os árbitros (capítulo IV, intitulado
“O procedimento”), a fase decisória (capítulo V, intitulado “Laudo arbitral”).
A fase inicial (artigos 10-13) é muito simples: um pedido escrito
(disciplinado pelo artigo 10) comunicado à parte contrária pela SecretaR. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006.
Edoardo Ricci
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ria-Geral; uma memória de resposta (disciplinada pelo artigo 11) transmitida pela Secretaria-Geral ao autor (com convite ao réu para propor em tal
resposta também o eventual pedido de reconvenção: artigo 12), finalizando com uma eventual providência do Conselho Arbitral sobre o procedimento da arbitragem (artigo 13).
O problema, ao qual o Regulamento se refere, quando aborda o
“procedimento” da arbitragem, é unicamente aquele relativo à
aplicabilidade ou não-aplicabilidade do Regulamento. Sobre esse problema, o Conselho Arbitral é chamado a pronunciar-se somente se uma parte contesta a aplicabilidade do próprio Regulamento antes da constituição do Tribunal Arbitral. Nesse caso, o Conselho Arbitral exprime a posição da Câmara sobre o procedimento iniciado, esclarecendo se a mesma
Câmara está disposta a administrar a arbitragem (declaração de procedência) ou não está disposta a fazê-lo (declaração de improcedência).
Esse é o único significado que o provimento pretende ter. Quando é por
hipótese declarada a improcedência, isso não implica nenhuma avaliação vinculante sobre a existência e validade da convenção de arbitragem
que pode ser a base para uma arbitragem ad hoc ou para uma arbitragem administrada por outros organismos.
Além disso, nenhum valor vinculante tem a providência do Conselho Arbitral para os árbitros, quando é declarado o procedimento. Os árbitros, mais em particular, estarão livres para avaliar, da melhor maneira
segundo os próprios critérios, não somente a existência e validade da
convenção de arbitragem (o que é óbvio), mas também os problemas
relativos à própria aplicabilidade do Regulamento.
Muito rico de normas é então o capítulo III sobre o Tribunal Arbitral
(artigos 14-23). Esse capítulo, de fato, não concerne somente ao mecanismo, pelo qual o Tribunal Arbitral se forma, como ainda trata da disciplina da incompatibilidade (artigo 17), do procedimento de recusa diante da
Câmara Arbitral (artigo 20), da disciplina da substituição (artigo 21) e da
disciplina da incompetência do Tribunal Arbitral (que deve ser levantada),
[...] sob pena de decadência, no primeiro ato ou na primeira audiência sucessiva ao pleito ao qual a objeção se refere: artigo 22; e a
disciplina relativa a uma hipótese muito delicada: aquela da ‘irregular formação do Tribunal Arbitral’ (artigo 23).
Se o tema não fosse disciplinado, a solução poderia ser somente
a mais radical: o pronunciamento, por parte dos árbitros, de um laudo
declinatório. Desse modo, o eventual erro cometido na formação do Tribunal Arbitral seria pago em um alto preço, com a necessidade de iniciar
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006.
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Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ...
um novo procedimento. Quando a pendência da arbitragem fosse acompanhada por provimentos cautelares colaterais, pronunciados pela autoridade judiciária, esses perderiam a eficácia. O Regulamento busca, então, reparar isso, estabelecendo que o Tribunal Arbitral – quando perceber um erro na própria constituição – depositará na Secretaria-Geral uma
decisão motivada de restituição dos atos à Câmara, destinada a ter os
mesmos efeitos de uma renúncia ao encargo. Abre-se, de tal modo, o
caminho à formação de um novo Tribunal Arbitral em aplicação das regras que disciplinam o tema, mediante o mecanismo da substituição prevista pelo artigo 21. É essa uma importante novidade do novo Regulamento, destinada à conservação do procedimento arbitral pendente.
A respeito, mais diretamente, do mecanismo de formação do Tribunal Arbitral, o artigo 14 trata do número de árbitros, seja favorecendo
quanto possível (salvo vontade diversa expressa pelas partes para a convenção de arbitragem) a designação de um árbitro único em lugar de um
colegiado, seja estabelecendo que (sempre salvo vontade diversa expressa pelas partes na convenção de arbitragem) o eventual colegiado
seja formado por três membros, seja garantindo que, em todo caso, o
colegiado seja composto de um número ímpar de árbitros.
O artigo 15 trata, então, mais propriamente, do procedimento de
nomeação. A regra fundamental é constituída pela aplicação das previsões inseridas pelas partes na convenção de arbitragem (parágrafo 1º): a
Câmara intervirá com designações próprias, somente se a convenção de
arbitragem o requerer ou o consentir. Por tal razão, o árbitro único é nomeado pelo Conselho Arbitral, apenas “[...] se não é diversamente estabelecido na convenção arbitral” (parágrafo 2º). Além disso, o Regulamento envolve novamente as partes na nomeação dos árbitros (quando elas
se limitaram a requerer a constituição de um colegiado sem acrescentar
outro). O parágrafo 4º, de fato, delineia uma disciplina substancialmente
similar àquela fixada pelo artigo 810 CPC, com a única diferença de que
é a Câmara (por intermédio do Conselho Arbitral) que assume as obrigações que o artigo 810 CPC confere à autoridade judiciária. Enfim, recorda-se o parágrafo 5º, pelo qual
[...] se as partes têm diferente nacionalidade ou domicílio em estados diversos, o Conselho Arbitral nomeia como árbitro único ou como
presidente do Tribunal Arbitral uma pessoa de terceira nacionalidade, salvo indicação diversa e de concordância das partes.
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Edoardo Ricci
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Se também a vontade das partes na escolha dos árbitros é respeitada, por outro lado, a Câmara (por meio do Conselho Arbitral) reivindica para si mesma uma preliminar sindicância sobre a independência
dos próprios árbitros. Eles devem, portanto, subscrever uma declaração de independência, fornecendo todos os esclarecimentos expressamente previstos no artigo 19. Tal declaração é depois transmitida às
partes, para eventuais observações. O Conselho Arbitral confirmará os
árbitros designados pelas partes ou por terceiros, somente se não surgirem elementos capazes de colocar em dúvida a independência do
árbitro previamente escolhido. No caso de falta de confirmação, colocase em prática o mecanismo de substituição disciplinado pelo artigo 21.
A Câmara Arbitral entende seu dever de fazer todo o esforço, a fim de
que os árbitros designados pelas partes sejam realmente independentes. E não se julga estar à disposição como órgão encarregado de administrar o procedimento arbitral, se as partes não aceitam essa fundamental orientação de honestidade.
Uma norma de notável importância é, enfim, a contida no artigo
16, que se refere à arbitragem com pluralidade de partes. Todos recordam os problemas que surgem, quando as convenções de arbitragem –
conferindo a cada uma das partes o poder de designar um árbitro – arriscam dar vida à composição de colegiados arbitrais não equilibrados (de
modo a colocar em dúvida sua imparcialidade, em razão de sua própria
composição). Todos admitem que o modo mais seguro para salvar a convenção de arbitragem é constituído pela designação dos árbitros por parte de um terceiro. O artigo 16 prevê, então, que
[...] também em derrogação ao previsto na convenção arbitral, se
o pleito é proposto por várias partes ou contra várias partes, o
Conselho Arbitral nomeia todos os componentes do Tribunal
Arbitral, designando um único árbitro quando julga oportuno e a
convenção arbitral não requeira a designação de um colegiado.
Todavia, se as partes se agruparem inicialmente em duas unidades
somente, nomeando cada uma um árbitro como se a controvérsia
tivesse somente duas partes e aceitando que o tribunal arbitral
seja formado por três membros, o Conselho Arbitral nomeia
somente o presidente.
Tal disposição é decorrente do desejo de salvar, o quanto possível, as convenções de arbitragem, com um mecanismo idôneo à designação de árbitros, ao mesmo tempo equilibrada e idônea para garantir a
máxima imparcialidade.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006.
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Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ...
4 DO PROCEDIMENTO SUCESSIVO E DO LAUDO ARBITRAL
Para o desenvolvimento do procedimento sucessivo é dedicado o
capítulo IV. Inicia-se com uma norma (artigo 24) sobre a constituição do
Tribunal Arbitral, que ocorre dentro de 30 dias, a partir do recebimento
dos atos transmitidos pela Secretaria-Geral, mediante a redação de uma
ata datada e subscrita. Seguem disposições sobre os poderes do Tribunal
Arbitral (artigo 25), sobre as decisões do próprio Tribunal (artigo 26), sobre
as audiências (artigo 27), sobre o acolhimento das provas acerca da
consultoria técnica (artigos 28 e 29), sobre as novas demandas propostas
no curso do procedimento (artigo 30), sobre a precisão das conclusões
(artigo 31) e sobre a renúncia dos atos (artigo 32).
Entre essas disposições, vale provavelmente a pena considerar
com particular atenção os artigos 25 (poderes do Tribunal Arbitral), o artigo
30 (novas demandas) e o artigo 31 (precisão das conclusões).
Quanto aos poderes do Tribunal Arbitral, observa-se que os árbitros
– além de poderem tentar, em qualquer momento, a conciliação da
controvérsia (parágrafo 1º) – podem declarar “[...] todas as providências
cautelares urgentes e provisórias, também de conteúdo antecipatório, que
não sejam vedadas por normas inderrogáveis aplicáveis ao procedimento.”
Isso não tem muita importância, quando deve ser aplicada ao procedimento
a lei italiana (artigo 818 CPC), mas, ao contrário, é norma de fundamental
relevo, quando o procedimento é regido por outras leis, mais liberais do
que a nossa. Além disso, se vários procedimentos objetivamente conexos
se desenvolvem diante dos mesmos árbitros, estes podem reuni-los
(parágrafo 3º). Diversamente, os árbitros podem separar entre eles as
diversas controvérsias inicialmente unificadas em um único procedimento
(parágrafo 4º). Enfim, reconhece-se expressamente aos árbitros o poder
de tomar “[...] todas as providências julgadas oportunas para regularizar
ou integrar a representação ou a assistência das partes” (parágrafo 5º).
Acerca das novas demandas propostas pelas partes no curso do
procedimento, a admissibilidade delas está prevista em duas hipóteses:
quando a parte, contra a qual a nova demanda é proposta, declara aceitar
o contraditório ou não propõe exceções de inadmissibilidade
preliminarmente a cada defesa de mérito; quando “[...] a nova demanda é
objetivamente ligada a uma daquelas pendentes no procedimento.” Ainda
se prevê que, em todo caso, o Tribunal Arbitral consinta à parte, contra
quem a demanda é proposta, responder com uma defesa escrita.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006.
Edoardo Ricci
41
Em relação à precisão das conclusões, tal formalidade foi julgada
oportuna como instrumento indispensável para consentir às partes adequar
suas demandas aos resultados da instrução. Julgou-se oportuno
especificar, na indicação das conclusões, que os árbitros digam às partes
o momento além do qual se torna inadmissível tanto a proposição de
novas demandas quanto a introdução, no procedimento, de novas
instâncias instrutórias de qualquer tipo. Quem tem experiência de
arbitragem pode facilmente apreciar, acredito, a escolha assim realizada
pelo Regulamento, que consente superar com uma disciplina precisa todas
as incertezas (e as dificuldades) com as quais os árbitros se defrontam,
quando novas demandas ou novos resultados instrutórios são introduzidos
pelas partes na proximidade do laudo ou até mesmo em sede de discussão
final. À luz do Regulamento, os árbitros podem declarar inadmissíveis as
novas demandas e as novas provas, com a proteção de uma disciplina
previamente aceita pelas partes, de acordo com o próprio Regulamento.
Enfim, deve-se assinalar que a Câmara de Milão, mesmo tendo
reservado ao procedimento arbitral um conjunto de normas, um tanto
quanto rico, não entendeu de inserir no Regulamento um instituto, que,
ao contrário, é muito importante no regulamento de outras instituições
especializadas, sobretudo estrangeiras: terms of reference ou acte de
mission. É o ato redigido pelos árbitros e subscrito pelas partes, no qual
se define o objeto da controvérsia, delineando o conjunto das questões a
serem resolvidas em função preparatória da decisão final e fixando as
regras do processo. Temeu-se, de fato, que a preparação e a confecção
de tal ato introduzissem no procedimento um atraso não estritamente
necessário. No mesmo procedimento temeu-se que ele (o ato) pudesse
prejudicar a elasticidade do processo arbitral, impedindo aos árbitros de
regulá-lo, segundo a oportunidade do momento e as circunstâncias.
Depois disso, o capítulo V trata do laudo arbitral, seja do ponto de
vista da deliberação (quando a conferência pessoal é necessária, somente
se as normas aplicáveis ao procedimento a imponham: artigo 33), seja do
ponto de vista da forma e do conteúdo, seja do ponto de vista do depósito
e da comunicação às partes. Deve o laudo ser depositado na SecretariaGeral, que se encarrega da comunicação às partes (artigo 35). Normas
apropriadas têm por objeto os laudos parciais e os laudos não definitivos
(artigo 37), bem como a correção do laudo que pode ocorrer com o
procedimento perante a Câmara “[...] nos casos e nos termos previstos
pelas normas aplicáveis ao procedimento” (artigo 38).
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006.
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Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ...
Entre essas normas, de fundamental relevância, está a relativa ao
prazo, que se articula em três previsões. A regra é no sentido de que o
laudo deva ser depositado na Secretaria-Geral dentro de seis meses, a
partir da constituição do Tribunal Arbitral (parágrafo 1º). Por outro lado, o
prazo pode ser prorrogado “[...] pelo Conselho Arbitral ou, quando existe
o consenso das partes, pela Secretaria-Geral” (parágrafo 2º). Além disso,
o mesmo prazo “[...] é suspenso pela Secretaria-Geral […] na presença
de […] justificado motivo” (norma pensada, sobretudo, para as hipóteses,
nas quais um ou mais árbitros sejam atingidos por impedimentos
imprevistos e temporários).
Ao proferir o laudo, os árbitros devem, segundo o Regulamento,
manifestar-se sobre as despesas, sob um duplo perfil. Por um lado, de
fato, eles devem decidir se e dentro de quais limites uma parte deve
reembolsar à outra os ônus por esta efetuados para sua própria defesa,
liquidando a relativa importância. Por outro lado, devem indicar as custas
relativas ao funcionamento da arbitragem (inclusive de seus honorários).
Mas, enquanto sobre o primeiro ponto, os árbitros devem fazer referência
unicamente à lei aplicável, sobre o segundo eles devem considerar a
liquidação realizada antes do laudo do Conselho Arbitral. Em outras
palavras: o montante das despesas do funcionamento da arbitragem é
fixado pela Câmara (por meio do Conselho Arbitral), e os árbitros – fazendo
expressa menção da providência de liquidação a si transmitida – devem
somente decidir sobre a divisão entre as partes do relativo ônus.
Completam o Regulamento o capítulo VI, que trata das despesas
do procedimento, e o capítulo VII, que contém disposições transitórias.
5 CONCLUSÃO
Concluindo, pode-se afirmar o que segue sobre o novo
Regulamento da Câmara Arbitral Nacional e Internacional de Milão, que
entrou em vigor em 1º de janeiro de 2004.
O novo Regulamento se aplica, via de regra, se as partes o
estabeleceram na convenção de arbitragem ou mediante uma convenção
separada. Na falta de um acordo prévio entre as partes sobre esse tema,
todavia, o Regulamento é aplicado, se o autor o propõe no pedido de
arbitragem, e o réu aceita essa proposta.
Quanto às regras do procedimento, o Regulamento estabelece a
seguinte hierarquia: em primeiro lugar o próprio Regulamento, em seguida
as regras fixadas pelas partes e, por último, as regras fixadas pelos árbitros.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006.
Edoardo Ricci
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Naturalmente, devem sempre ser aplicadas as normas inderrogáveis da
lei processual que disciplina individualmente cada arbitragem.
Quanto ao mérito da controvérsia, o Regulamento prevê que os
árbitros decidam segundo o Direito, quando as partes não os tenham
autorizado a pronunciar uma decisão de eqüidade. As partes têm o poder
de escolher as normas aplicáveis ao mérito da controvérsia e, na falta de
tal indicação, os árbitros devem aplicar as normas com as quais a relação
seja mais estreitamente ligada, levando em conta os usos do comércio.
A sede da arbitragem é fixada pelas partes. Na falta dessa
indicação, a sede é, normalmente, fixada em Milão. A Câmara (por meio
do Conselho Arbitral) pode, entretanto, fixar a sede em um outro lugar, na
Itália ou no exterior, considerando os pedidos das partes e de qualquer
outra circunstância.
Os prazos do procedimento são peremptórios, somente quando
seu caráter resoluto é fixado pelo Regulamento ou pelo provimento que
fixa os próprios prazos (tratando-se de prazos fixados pelos árbitros ou
pela Câmara). Uma disciplina apropriada é prevista para a prorrogação
dos prazos.
O procedimento se inicia com um pedido do autor, e a Câmara
(pela Secretaria-Geral) envia a citação ao réu. Este pode responder com
uma peça escrita, e a Câmara informa ao autor. Formam-se, então, os
autos que são enviados ao Tribunal Arbitral.
O Tribunal Arbitral é composto segundo a vontade das partes, e a
Câmara Arbitral designará os árbitros, se as partes lhes derem o poder
ou se abstiverem de realizar qualquer nomeação. Existem, contudo,
severas normas de incompatibilidade (que tendem a excluir da função de
árbitro as pessoas envolvidas na gestão da Câmara e do Conselho Arbitral
que se ocupam dos procedimentos). A Câmara se reserva um profundo
controle sobre a imparcialidade e a independência dos árbitros (os quais
têm a incumbência de compilar e subscrever declarações adequadas,
revelando eventuais relações com as partes e os respectivos defensores).
O Regulamento disciplina, pois, o procedimento sucessivo diante
dos árbitros, incluída a instrução probatória. Observa-se que o
Regulamento não requer a compilação do ato denominado, em francês,
acte de mission e, em inglês, terms of reference, que, ao contrário, é
requerido pelo Regulamento da Corte de Arbitragem da Câmara de
Comércio Internacional de Paris.
O Regulamento disciplina, enfim, o pronunciamento do laudo,
prevendo um prazo adequado (que a Câmara Arbitral pode prorrogar, em
caso de necessidade).
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Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ...
No tocante às despesas, é a Câmara Arbitral que estabelece as
custas do procedimento e o pagamento dos árbitros, segundo uma tabela
apropriada. Cabe, por outro lado, aos árbitros estabelecer de que modo o
ônus das despesas deva ser repartido entre as partes.
REFERÊNCIAS*
(*) Nota da Editoria: o autor não usou referências bibliográficas fundamentalmente por ter
feito análise normativa em seu artigo.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006.
Ezequias Losso
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INFLUÊNCIA DAS DIRETRIZES
REGULATÓRIAS E DA ARBITRAGEM ESTATAL
NA EMPRESA CONTEMPORÂNEA: O
EXEMPLO DAS TELECOMUNICAÇÕES*
THE INFLUENCE OF THE REGULATORY
GUIDELINES AND THE STATE ARBITRATION
IN THE CONTEMPORARY COMPANY:
THE EXAMPLE OF TELECOMMUNICATIONS
L’INFLUENZA DELLE DIRETTIVE
REGOLAMENTARI E DI ARBITRATO STATALE
NELL’IMPRESA CONTEMPORANEA:
L’ESEMPIO DELLE TELECOMUNICAZIONI
EZEQUIAS LOSSO
___________________________________________________________
Professor e Mestrando em Direito das Faculdades Integradas Curitiba,
Advogado
(*) Nota da Editoria: artigo inédito, elaborado especialmente para ser submetido à avaliação do Conselho Científico desta Revista.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006.
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Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ...
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006.
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Ezequias Losso
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A TRANSIÇÃO DO ESTATISMO AO
DIRIGISMO, NO FINAL DO SÉCULO XX. 3 ASPECTOS DA AGÊNCIA
NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL) COMO ÓRGÃO REGULADOR. 4 QUESTIONAMENTOS DAS FUNÇÕES REGULADORAS
E ARBITRAIS DA AGÊNCIA. 5 POSSÍVEIS REFLEXOS DE
INDETERMINAÇÕES DO ÓRGÃO REGULADOR NA EFICIÊNCIA EMPRESARIAL. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
RESUMO
O progressivo esgotamento do capital público para novos investimentos
em telecomunicações levou o Brasil, a exemplo de outras nações, ao
processo de privatização. Contudo, deixando de ser o Estado provedor
dos serviços, entendeu o legislador constituinte, assim como o governo,
ser necessária a configuração do Estado regulador, criando para tanto
um órgão regulador. Esse órgão foi instituído com a denominação de
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), com atribuições executivas e, com certa inspiração no modelo dos Estados Unidos da América,
funções observadas como quase legislativas e quase judiciárias. Tais
apontamentos geraram controvérsias que ainda não foram bem resolvidas, refletindo no desempenho da agência e, por decorrência, na vida
empresarial e social. Assim, pretende-se nesta exposição apresentar uma
breve análise da problemática e, finalmente, levantar alguns pontos para
reflexão dos estudiosos.
Palavras-chave: empresa de telefonia, órgão regulador, Anatel, arbitragem estatal.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006.
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Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ...
ABSTRACT
The progressive expenditure of the public capital for new investments in
telecommunications led Brazil, to the example of other nations, to enter
the process of privatization. However, once the State no longer is the render of services, the constituent legislator, as well as the government,
understood to be necessary the configuration of the regulator State, by
creating a regulator organ. This organ was instituted with the denomination
of National Agency of Telecommunication (Anatel), helding executive
attributions and, with certain inspiration in the United States system,
presenting functions observed as almost legislative and almost judiciary.
Such attributions generated controversies that were not yet resolved, and
which reflects in the agency’s acting and, consequently in social and
business life. Therefore, the intention of this exhibition is to present a brief
analysis of this problematic situation, and, finally, to indicate some points
for the specialists to reflect on.
Keywords: telephone company, regulator organ, Anatel, state arbitration.
RIASSUNTO
La progressiva riduzione dell’afflusso di capitale pubblico per nuovi
investimenti in telecomunicazioni ha portato il Brasile, sull’esempio di altri
paesi, al processo di privatizzazione. Con ciò, appurato che lo Stato ha
smesso di essere fornitore di servizi, il legislatore costituente, così come
il governo, hanno capito la necessità della configurazione dello Stato
regolatore, creando a tal fine un organo regolatore. Tale organo fu istituito
con la denominazione di Agenzia Nazionale di Telecomunicazioni (Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel), con compiti esecutivi e con
una certa ispirazione al modello degli Stati Uniti d’America, con funzioni
osservate come fossero quasi legislative o giudiziarie. Tali incarichi
generarono controversie che tuttora non sono state risolte, riflettendo il
disimpegno dell’agenzia e, per il decorrere del tempo, si riflettono anche
sulla vita delle imprese e della società. Pertanto, in questa trattazione ci si
propone di presentare una breve analisi della problematica e infine
di indicare alcuni punti per le riflessioni degli studiosi.
Parole chiavi: impresa di telefonia, organo regolatore, Anatel, arbitrato
statale.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006.
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Ezequias Losso
1 INTRODUÇÃO
No texto se desenvolve, inicialmente, uma breve revisão das evoluções estruturais, ocorridas no Brasil, desde a década de 70 (séculoXX),
notadamente na redefinição da oferta de serviços tipicamente empresariais, do Estado ao particular.
Na seqüência, de acordo com a nova Lei Geral das Telecomunicações (Lei 9.472/97), insere-se a abertura do mercado com a privatização,
em 29/7/1998, do Sistema Telebrás, até então liderado pela holding Telecomunicações Brasileiras S.A., e da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), em promoção da novel Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) .
No item seguinte, faz-se uma análise crítica diante de certas
indefinições do papel da agência reguladora e as incertezas decorrentes.
Finalmente, em coerência com os pontos da doutrina consultada e com a
experiência profissional do autor em ações judiciais, são levantadas algumas sugestões aos estudiosos, para aprofundamento analítico.
2 TRANSIÇÃO DO ESTATISMO AO DIRIGISMO, NO
FINAL DO SÉCULO XX
As sucessivas crises econômicas no século recém-findo geraram
variações cambiais que se refletiram na dificuldade de captação de recursos externos para investimentos produtivos no Brasil. Concomitantemente,
continuava comprimida e mal gerenciada a poupança pública, e mais se
reduziu a capacidade contributiva dos brasileiros em geral, com aumento
da carga tributária. Não houve maiores preocupações com o constante
aumento desordenado de gastos públicos correntes.
Diante de galopante inflação, foram impostos mecanismos rígidos
para seu controle, sendo um deles o dos reajustes tarifários inferiores
aos índices de inflação passada, provocadores de progressivos déficits
nas estatais prestadoras de serviços1. Por outro lado, a generosidade de
agentes políticos e do constituinte na abertura de caminhos
assistencialistas, sem anterior contribuição previdenciária ou fonte de receita rotativa, como a da geração de novos empregos e renda, agravou –
continua agravando – a situação.
É certo que o desequilíbrio econômico internacional contaminou
profundamente o modelo do Estado do Bem-Estar e gerou pessimismo
1
O déficit se acentuou, enquanto a depreciação do capital fixo não foi sistematicamente
considerada.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006.
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Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ...
internacional. Contudo, os países da América Latina e, particularmente, o
Brasil padeceram de crônica fraqueza estrutural por falta de eixos dinâmicos forjados em sérios planejamentos.
O medíocre desempenho econômico brasileiro dos anos 80, conseqüência de más experiências de planos econômicos, desacreditados
pelo próprio governante, apressou o surgimento de arautos da privatização
das atividades que não se caracterizassem como serviços públicos propriamente ditos. Foi proposta a mudança do estatismo, intervenção direta
do Estado como único responsável por atividades em áreas vistas como
tipicamente econômicas, para o dirigismo, intervenção indireta, via
regulação e regulamentação de atividades econômicas desenvolvidas pelo
Estado e (ou) particulares.2
É verdade que muitos integrantes da Assembléia Nacional Constituinte de 1988 observaram a tendência mundial ao modelo neoliberal de
Estado mínimo – já em curso a globalização – e indicaram a livre iniciativa
como um dos fundamentos principais da nova ordem econômica, em consonância com a receita em manipulação por autoridades internacionais,
consagradas no Consenso de Washington3. Instituíram, claramente, a
vocação econômica da iniciativa privada, no texto do caput do artigo 173
da Carta Magna, consignando o princípio da legalidade4:
2
No dirigismo se considera que os serviços de utilidade pública, tais como o transporte
coletivo, fornecimento de energia elétrica e telecomunicações, podem ser prestados
diretamente pelo Estado ou delegadas.
3
Consenso de Washington é uma expressão informal atribuída ao economista inglês
John Williamson. Corresponde a conclusões de economistas e representes de diversos
países, inclusive do Brasil, sobre um conjunto de reformas para a superação da crise
econômica e retomo ao crescimento, tendo por sede o International Institute for Economy.
Dentre os pontos tratados ressalta-se o da redução da intervenção do Estado na economia e a privatização das empresas estatais.
4
O princípio da legalidade, expresso no artigo 5, II, da Constituição, proporciona ao particular a garantia de livre ação, desde que não proibida por lei, pois, enfim, como raciocina Marta Marília Tonin (2004, p. 307): “Não se pode restringir o direito das pessoas a
ponto de não exercerem plenamente sua cidadania.” Por sua vez, em vista do apontamento do princípio da legalidade no artigo 37 da Constituição, é limitada a ação do
poder público, como ensina Hely Lopes Meirelles (1995, p. 356): “A legalidade, como
princípio de administração (CF, 37, caput), significa que o administrador público está,
em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências
do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.” A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei. Na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração
particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o
administrador público significa “deve fazer assim” (GASPARINI, 2000, p. 342).
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Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração
direta da atividade econômica pelo Estado, só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definida em lei.
Quanto ao dirigismo, também condicionado à lei, insculpiu-se, entre
os preceitos, o do artigo 174:
Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo
e planejamento, sendo este determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado.
Na década seguinte, a de 90, o Legislativo federal discutiu e aprovou, entre outros, o projeto que deu origem à Lei 8.987, de 13/2/1995,
com a ementa: “[...] dispõe sobre o regime de concessão e permissão da
prestação de serviços público previsto no artigo 175 da Constituição Federal, e dá outras providências.” Firmou-se, então, por marco legal o Programa Nacional de Privatização.
Do texto da referida Lei 8.987/95 colhem-se conceitos que se relacionam como dever de o Estado garantir ao indivíduo “serviço adequado”, como a seguir se transcreve:
Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade,
cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
§ 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do
equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a
melhoria e expansão do serviço.
Deduz-se, daí, que, se não for possível ao Estado prestar, diretamente, um serviço público adequado, não deverá se omitir em outorgá-lo
a quem possa oferecê-lo, desde que autorizado em lei.
Especificamente quanto ao sistema brasileiro de telecomunicações
era reclamada urgentíssima adequabilidade5. Conclamado a providências
cabíveis, o constituinte derivado produziu a Emenda Constitucional nº 8,
5
O direito de uso de uma linha telefônica – independentemente de ações – chegou a ser
considerado um bem patrimonial, inclusive como tal declarado à Receita Federal. Era
comum a negociação por valores exorbitantes em mercado paralelo, pois o institucional,
na maior parte do País, estava cerrado.
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Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ...
de 15/8/1995. Por ela, deu-se nova redação ao inciso XI do artigo 21, da
Constituição, prevendo-se a edição de uma lei sobre a organização dos
serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais.
Foi apontada a União como responsável pela exploração dos serviços,
diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão.
Por decorrência, foram revisadas e alteradas as normas do antigo
Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei 4.117, de 27/8/1962, e da
regulamentação da década de 706. Surgiu, daí, a Lei 9.472, de 16/7/1997,
conhecida como Lei Geral das Telecomunicações (LGT), que assinalou:
Art. 1º Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos
termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e
Legislativo, organizar a exploração dos serviços de telecomunicações.
Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o
disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso
dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofreqüências.
Certamente a LGT teve por escopo principal a ampliação e modernização dos serviços de comunicação a distância, especialmente a
partir da telefonia, porquanto não abrangeu a concessão de radiofonia e
canais de televisão. Para a atração de capital estrangeiro, acenou com
expressões implícitas ou expressas de incentivo, estabilidade e transparência do modelo, como se verificará a seguir.
3 ASPECTOS DA AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES
(ANATEL) COMO ÓRGÃO REGULADOR
A LGT é das mais auto-explicativas. Sem vaguezas ou dubiedades, define, no artigo 2º, os deveres do Poder Público
6
Na regulamentação do Código Brasileiro de Telecomunicações, o Ministério das Comunicações, criado pelo regime militar em 1967, estabeleceu um sistema nacional de telecomunicações, sob o monopólio das empresas estaduais (estatizadas) e federais. Estas, em 1972 passaram seus acervos e controle acionário para a Telecomunicações
Brasileiras S.A. (Telebrás), que, nos termos da Lei 5.792, de 11/7/1972, se constituiu
em empresa de economia mista, operando como holding, com empresa-pólo em cada
Estado, com a competência de planejar, instalar e operar o Sistema Nacional de Telecomunicações.
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[...] de garantir a toda população o acesso às comunicações, estimular a expansão, adotar medidas para a competição, fortalecer o
papel regulador estatal, criar oportunidades de investimentos e estimular o desenvolvimento tecnológico e harmônico o desenvolvimento
social do País.
Depois de arrolar, no artigo 3º, os direitos do usuário, aplicáveis
em todo o território nacional, trata da criação do órgão regulador das
telecomunicações, com a denominação de Agência Nacional de Telecomunicações7, que foi concebida com status de “[...] entidade integrante
da Administração Pública Federal indireta e submetida a regime autárquico
especial” (artigo 8º), tendo como órgão máximo o Conselho Diretor (artigo 8º, § 1º). Ficou “[...] caracterizada por independência administrativa,
ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de
seus dirigentes e autonomia financeira” (artigo 8º, § 2º). Para completar
foi, ainda, prevista para “[...] atuação como autoridade administrativa independente, assegurando-se-lhe nos termos desta lei, as prerrogativas
necessárias ao exercício da sua competência” (artigo 9º). Além disso,
ficou assentado, no artigo 19, que:
À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade,
legalidade, impessoalidade, publicidade.
Do mesmo artigo da lei consta, em 31 incisos, um roteiro amplo de
estruturação da política nacional de telecomunicações.
A lei criadora da Anatel foi proposta por longa exposição de motivos quanto às competências inovadoras, inclusive o de administrar o espectro de radiofreqüências, declarado, pela mesma lei, como “bem público”, portanto incluído entre os bens da União, na forma do artigo 20, “I” da
Constituição. Quando sancionada, a LGT foi solenemente apresentada
7
Diógenes Gasparini (2000, p. 342) assim se manifesta: “Com a implementação da política que transfere para o setor particular a execução dos serviços públicos e reserva
para a Administração Pública a regulamentação, o controle e a fiscalização da prestação desses serviços aos usuários e a ela própria, o Governo Federal, dito por ele mesmo, teve a necessidade de criar entidades para promover, com eficiência, essa regulamentação, controle e fiscalização, pois não dispunha de condições para enfrentar a
atuação dessas parcerias. Tais entidades, criadas com essa finalidade e poder, são as
agências reguladoras. São criadas por lei como autarquia de regime especial recebendo os privilégios que a lei lhes outorga, indispensáveis ao atingimento de seus fins. São
entidades, portanto, que integram a Administração Pública Indireta.”
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Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ...
com bafejos políticos à independência decisória e de ação efetiva, não
sujeita às pressões irrazoáveis, populistas ou indecorosas, tão comuns
na história brasileira.
Consultando doutrinadores dedicados ao Direito Comparado, verifica-se que o legislador brasileiro se inspirou, em parte pelo menos, no
modelo norte-americano, em que a empresa privada é regulada pelo Estado, que defende a concorrência. Um ponto relevante, acentuado por
diversos tratadistas, é o da abertura de atuação quase legislativa e quase
judiciária da agência.
Assim, efetivada a inserção da Anatel como órgão autônomo da
administração pública e vinculada ao Ministério das Comunicações, na
forma do Decreto 2.338, de 7/10/1997, cumpriu com as tarefas iniciais,
entre as quais a de fracionar em lotes o Sistema Telebrás e promover a
privatização deste, com a Embratel, outra estatal criada para conexões
entre longas distâncias, chamando à licitação os interessados nas concessões, em regime público. Assume a concessionária obrigação de
universalização dos serviços e obediência à estatal fixação tarifária. Do
mesmo processo fez parte a divisão do território nacional em regiões,
para operação de empresas em regime privado.8
Contudo, registraram-se veementes protestos quanto à privatização
das estatais. Uma das principais motivações foi o noticiado financiamento governamental a empresas nacionais e estrangeiras – geralmente reunidas em consórcios – que, aportando pouco capital próprio, assumiram
o controle das estatais montadas com dotações de orçamentos públicos.
A propósito, observou Gisela Maria Bester Benitez (2004, p. 148):
Um inventário do que já foi feito indica que no plano federal já se
privatizaram empresas dos setores petroquímico, siderúrgico,
metalúrgico, de fertilizantes e de telecomunicações. E o que é pior:
geralmente as privatizações se dão com o auxilio do próprio Estado,
que financia a compra de empresas estatais por empresas privadas,
via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), isto é, com o próprio dinheiro público e a juros módicos,
8
O território nacional foi inicialmente dividido em 3 regiões para as empresas-espelho da
telefonia fixa comutada, em 10 regiões para telefonia celular e prevista a amplitude
nacional pela telefonia de longa distância. Atualmente, as empresas contam com a
possibilidade de ação diversa da inicial, inclusive com a de acesso a todos os cidadãos
à rede mundial de computadores (internet), conforme objetivo-garantia discriminado no
inciso II do artigo 4º, do Decreto 4.733, de 10/6/2003, que dispõe sobre políticas relativas aos serviços de telecomunicações. Isso se encontra no inciso VII do mesmo artigo:
“[...] a organização do serviço de telecomunicações visando à inclusão social”; também
é tratado no artigo 3º do mesmo decreto como objetivo geral das políticas para as
telecomunicações.
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bem menores inclusive do que aquele de 12% ao ano até recentemente previsto no art. 192 da CF/88 e nunca respeitado pelo sistema financeiro nacional em relação ao restante da população.
É certo que tal liberalidade não alcançou todas as empresas de
telefonia organizadas por investidores da iniciativa privada que aderiram
ao Plano Nacional de Telecomunicações, na condição de autorizatárias9.
Estas, correndo riscos próprios, notadamente as empresas-espelho da
telefonia fixa comutada, foram estratégicas para evitar o monopólio das
privatizadas, pela promoção da concorrência.
4 QUESTIONAMENTOS DAS FUNÇÕES REGULADORAS E
ARBITRAIS DA AGÊNCIA
Seguindo na linha de análise, a possibilidade de êxito empresarial
na era da informação, garantidas a segurança jurídica e a transparência
institucional, constitui fator de credibilidade ao empresário e ao próprio
usuário. Essa condição seria mais firme se inserida fosse na Constituição, peça fundamental para as garantias pessoais ante o poder do Estado. A propósito, Paulo Márcio Cruz (2004, p. 121-122) considerou que:
Desde o surgimento do Estado Constitucional, os objetivos fundamentais dos textos constitucionais têm sido a regulação do poder
político e a garantia da liberdade do cidadão frente a este poder.
Não foi, portanto, até época relativamente recente, a finalidade expressa das constituições prever a intervenção do Estado, com detalhes, na ordem econômica estabelecida para a sociedade.
A intervenção do Estado na ordem econômica deve ser vista, portanto, com ressalvas. A manutenção de um bom nível de capital e o atendimento ao usuário, com a certeza de continuidade e da modernização
constante do serviço contratado, devem balizar-se por critérios técnicos e
visíveis. Deve ser objeto de constante reflexão o significado de “serviço
adequado”, prevendo-se, no caso da prestação em regime público, a fi-
9
Sabe-se que, pelo menos uma delas, a Global Village Telecom Ltda. (GVT), sediada no
Paraná, foi instalada com vultosos recursos aportados por investidores privados. O capital correspondeu à moderna aparelhagem e a equipamentos de infra-estrutura e numerário para o pagamento de mão-de-obra e para o funcionamento de seu sistema na
região 2. Essa área corresponde a uma das três regiões em que foi dividido o território
nacional para operação de empresas-espelho da telefonia fixa comutada. Acrescentese que, para efeitos da telefonia celular, o País foi dividido, inicialmente, em 10 regiões
e prevista a amplitude nacional pela telefonia de longa distância.
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Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ...
xação de tarifas e preços razoáveis – ou modicidade em sua composição,
como constou de decreto – ou ainda de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua
natureza, em qualquer ponto do território nacional.
A última expressão do parágrafo anterior, aliás, é a primeira que
consta do rol dos notáveis direitos do usuário, formulado no artigo 3º da
LGT. Por óbvio, a Anatel, diante da competência (que significa obrigação)
que lhe foi atribuída, deve colocar-se a postos para mediar conflitos que
possam ameaçar a qualidade dos serviços que fiscaliza, sem esperar
que a Justiça seja acionada. Entre as questões, estão as geradas por
obstinadas decisões regionais ou municipais que condicionam, ao arrepio da legislação federal e a pretexto de interesse local, a instalação ou
funcionamento de estações rádio-base (ERB) de telecomunicações.
A primeira visão que se tem da lei e dos decretos que se referem
à agência reguladora é que a atividade econômica deve ser tratada com
equilíbrio, atendendo simultaneamente aos interesses da União, responsável pelas telecomunicações em todo o território nacional, dos agentes
econômicos prestadores de serviços e dos usuários. Por conseguinte,
terá legitimidade nas funções apontadas para cuidar da contratação e
das relações decorrentes da aplicação de dispositivos legais e contratuais.
Digna de apreço é o caráter administrativo da agência. De modo
peculiar, assim se manifesta Rafael Bielsa (1964, p. 6. v. 2):
[…] ‘administrar’ es algo más que ‘ejecutar’, pues si ejecutar es
cumplir lo ordenado, administrar es ‘concebir’ y llevar luego a la
práctica la concepción o disposición, con criterio de oportunidad, de
elección de medios, de economía, de mayor eficiencia etc.10
Relevante, também, foi a nomeação da Anatel como agente de
fiscalização das telecomunicações. Esta ficou expressa na LGT: [...] “Art.
20. [...] Parágrafo único. Fica vedada a realização por terceiros da fiscalização da competência da Agência, ressalvadas as atividades de apoio.”
Não restou, portanto, a nenhum outro agente público o direito/dever do
exercício do papel mencionado, especialmente para o exercício de poder
de polícia e necessária fiscalização. De fato, as faculdades da Anatel
merecem destaque especial. Como as outras agências, e delas trata
Marçal Justen Filho (2002, p. 343), detém:
10
Tradução do autor deste artigo: [...] “‘administrar’ é algo mais que ‘executar’, pois se
executar é cumprir o determinado, administrar é ‘conceber’ e levar logo à prática a
concepção ou disposição, com critério de oportunidade, de eleição de meios, de economia, de maior eficiência etc.”
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[...] poderes de intervenção no domínio econômico (em sentido amplo), o que envolve delegação de poderes regulamentares e atribuição de poderes de polícia para fiscalizar atividades econômicas privadas, inclusive arbitrando litígios entre particulares.
O exercício do poder de polícia, aliás, foi reconhecido em decisão
liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, em 19/12/2000, quando
o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, determinou, em
sede de liminar, que fossem suspensos todos os concursos destinados à
contratação de pessoal nas agências reguladoras do governo federal. De
seu voto constam as seguintes expressões:
Inegavelmente, as agências reguladoras atuam com poder de polícia, fiscalizando, cada qual em sua área, atividades reveladoras de
serviço público, a serem desenvolvidas pela iniciativa privada. [...]
Hão de estar as decisões desses órgãos imunes a aspectos políticos, devendo fazer-se presente, sempre, o contorno técnico. É isso
o exigível não só dos respectivos dirigentes – detentores de mandato –, mas também dos servidores – reguladores, analistas de suporte à regulação, procuradores, técnicos em regulação e técnicos em
suporte à regulação [...] que, juntamente com os primeiros, hão de
corporificar o próprio Estado nesse mister da mais alta importância,
para a efetiva regulação dos serviços. [...]
Está-se diante da atividade na qual o poder de fiscalização e o poder de polícia se fazem com envergadura ímpar, exigindo, por isso
mesmo, que aquele que a desempenhe sinta-se seguro, atue sem
receios outros, e isso pressupõe a ocupação de cargo público, a
estabilidade prevista no artigo 41 da Constituição Federal.11
Enalteça-se, todavia, a Anatel como órgão regulador constitucional. Nesse aspecto, é oportuno o entendimento de Vital Moreira (1997, p.
36) de que: “[...] o conceito de regulação deve abranger todas as medidas
de condicionamento da actividade económica, revistam ou não de forma
normativa.” Cumpre, por conseguinte, à Anatel o exercício constante de
uma ação positiva, determinante, pois para isso foi criada. Deve articularse em uma nova figuração do Estado. Para Diogo Figueiredo Moreira
Neto (2003, p. 74):
11
A ADI em referência foi julgada prejudicada pelo Plenário do STF, em 15/12/2004, tendo
como relator o Ministro Moreira Alves, que apontou: “[...] a perda de objeto do presente
pedido de declaração de inconstitucionalidade, pois a ação direta visa à ‘declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em tese’; logo, o interesse de agir só existirá, se a lei estiver em vigor.”
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Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ...
É nesse contexto que a velha intervenção pesada, pró-Estado, se
transforma numa intervenção leve, pró-sociedade. O papel do Estado muda: de agente monopolista, concorrente ou regulamentador,
torna-se um agente regulador e fomentador. Não se trata de um
movimento para chegar ao Estado mínimo, como se poderia pensar,
mas torná-lo um Estado melhor.
As ações de regulação não devem ser confundidas com meros
papéis de regulamentação. Explicam Vital Moreira e Fernanda Maçãs
(2003, p. 16):
Alguns autores, sob a influência do Direito norte-americano, tendem
a identificar autoridade de regulação com autoridades detentoras de
poderes regulamentares, com vistas a garantir a ordenação de um
dado setor da actividade social. Tal modo de ver as coisas não
corresponde ou não traduz a realidade na medida em que a regulação
não se identifica com a regulamentação. A regulamentação, ou seja,
o estabelecimento de regras de conduta para os regulados, é somente uma das vertentes da regulação, lato sensu, que também
abrange a implementação das regras, a sua supervisão e o
sancionamento das infracções às mesmas.
Não é, contudo, pacífica a doutrina quanto aos poderes da Anatel
para regular e regulamentar. Os que a contestam, buscam na Filosofia do
Direito os pensamentos clássicos, desde Aristóteles a Montesquieu – defensor da tripartição de poderes. Outros, brandindo o princípio constitucional da legalidade, defendem a opinião de que somente a lei pode instituir regramento comportamental, colocando em foco o inciso II do artigo
5º da Constituição de 1988. Diversos tratadistas expõem pontos de vista
favoráveis a uma sensível busca de convergências pontuais. Assim escreveu José Afonso da Silva (1999, p. 113):
Hoje, o princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A
ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário. Tanto que atualmente, se prefere falar em colaboração de
poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do Parlamento (Câmara dos Deputados),
enquanto no presidencialismo, desenvolveram-se as técnicas de
independência orgânica e harmonia dos poderes.
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De fato, a teoria da cooperação entre os entes públicos merece
reflexões de todos os que foram alçados ao poder. Não é admissível alimentação de fugazes vaidades de quem deve defender, acima de tudo, o
bem comum. A coerência no uso do poder é chave para desenvolvimento
na era da informação e serviços. Requer-se, portanto, que o exemplo venha do Estado, pois, como pondera Celso Ribeiro Bastos (1981, p. 135):
Qualquer que seja a forma ou conteúdo dos atos do Estado, eles
são sempre frutos de um mesmo Poder. Daí ser incorreto afirmar-se
a tripartição de ‘Poderes’ estatais, a tomar essa expressão ao pé da
letra. É que o Poder é sempre um só, qualquer que seja a forma por
ele assumida. Todas as manifestações de vontade, emanadas em
nome do Estado reportam-se sempre a um querer único que é próprio das organizações estatais.
Sendo poder do Estado um só e a eficiência um dever da administração, analise-se o papel da Anatel nesse contexto.
5 POSSÍVEIS REFLEXOS DE INDETERMINAÇÕES DO
ÓRGÃO REGULADOR NA EFICIÊNCIA EMPRESARIAL
A eficiência na prestação de serviços de setores da infra-estrutura, em que se encontra o de telecomunicações, incluída a telefonia, foi a
principal razão para que se promovesse a mudança do papel do Estado
provedor para o do Estado regulador.
Constatou-se, já na década de 1970, que a indústria de rede12 da
telefonia passava por um momento de transformação. O Estado do Paraná,
governado por Jaime Canet Junior, ao que se recorda, patrocinou mais
de uma centena de ERBs em sedes e distritos de municípios, vinculandoas à telefonia fixa. A iniciativa permitiu a prosperidade, na medida em que
estabeleceram ramais da estação, o que passou a ser o embrião de sistemas integrados ao circuito nacional e internacional de comunicação.
Apesar da grandiosidade do projeto nacional de investimentos no
setor, as exigências dos usuários, em face das novas tecnologias causaram atropelos econômicos em fins do século passado. Houve a atuação
de empresas concessionárias, geralmente privadas, e a adesão de
permissionárias e autorizatárias com capital de particulares. Como a
12
As indústrias de rede requerem investimentos com retorno incerto, por serem
imprevisíveis a demanda e a obrigação de continuidade.
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regulação e a regulamentação passaram a ser fundamentais para a ordem concorrencial e garantia da eficiência do serviço, a ação da Anatel
revestiu-se de relevância.
Não se pode negar que faltou celeridade em processos decisórios e
certa indiferença do órgão regulador/fiscalizador. Servem como exemplos:
a) a demora no definitivo regulamento sobre a limitação da exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos na faixa
de radiofreqüências entre 9 KHz e 300 GHz, objeto da Resolução 303, de 2/7/2002;
b) a indiferença em marcar presença diante de públicas oposições
locais à aplicação da tecnologia de radiofreqüências, tendo como
vieses a defesa de interesses locais, inclusive a especulação imobiliária.
No tocante à impassividade, registra-se a resposta da Anatel a
Juízo Federal de Brasília-DF. Na informação, apesar da norma constante
da LGT: “Art. 9º A Agência atuará como autoridade administrativa independente, assegurando-se-lhe, nos termos desta Lei, as prerrogativas
necessárias ao exercício adequado de sua competência”, expressou seu
desinteresse de constar, como parte ou assistente em ação para sustar
decisão prefeitoral, de uma cidade de densa população da região metropolitana de Porto Alegre. Esclareça-se que agente político local determinara o desmantelamento da única ERB, essencial para a prestação de
serviço de empresa de telecomunicações – instalada em torre própria,
pois lhe foi negado o compartilhamento em torre de concorrente. Não
considerou a procuradoria da autarquia os direitos de empresa da autorizada e de seus usuários, tampouco que a montagem e o funcionamento
da estação estavam em perfeita sintonia com as diretrizes da Anatel, pois:
a) observadas estavam as normas técnicas e de engenharia pertinentes, bem como as leis federais, estaduais e municipais vigentes:
b) existia autorização para uso de radiofreqüência e emissão das
ondas eletromagnéticas, como ato vinculado a termo específico,
firmado em resultado de licitação;
c) usavam-se equipamentos homologados pela Anatel, na forma da
lei;
d) havia expedição de licença para funcionamento, por competente
seção da agência.
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Em casos como esse – resultantes de interpretação municipal de
ofensa a duvidoso interesse local da coletividade – se concretizada a
ameaça, cabe indagar: quem arcará com os prejuízos empresariais e
patrimoniais das partes envolvidas? Quem, enfim, reparará os danos, inclusive morais dos adquirentes de terminais telefônicos?
Na hipótese de generalizar-se o quadro de instabilidade, por arbitrariedades locais e omissão da agência, a tendência natural é a empresa
se afastar ou não agir com a melhor técnica por justo receio de prejuízos,
comprometendo o interesse da função social das telecomunicações, como
previsto em lei. Portanto, em caso de cerceamento, pode ocorrer a justificável opção pelo afastamento da operadora. Estará notória a falha de
mercado – como conceituada na teoria econômica.
6 CONCLUSÃO
Nesta ligeira análise foram levantados alguns pontos que mostram a complexidade do assunto. Como o Brasil apresenta características peculiares na atual fase da globalização capitalista, enraizadas em
hábitos próprios da sua formação sociológica, não é simples a organização ideal, isenta de jogos de interesse por parte de agentes políticos,
atores empresariais e de oportunistas.
Na mudança do estatismo para o dirigismo, o legislador foi diligente, e até exaustivo, no desenho da nova Política Nacional de Telecomunicações. O presidente da República, tanto o anterior como o atual, produziram textos de decretos apropriados. Entre os atos mais recentes está o
anunciado no mês de agosto de 2006 de criação da Secretaria de Inclusão Digital, do Ministério das Comunicações, como anunciado pelo Ministro Helio Costa, que também noticiou a liberação de recursos do Fundo
de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUSTEL), de até
60 milhões de reais.
Enquanto isso, apesar do sempre necessário aperfeiçoamento da
legislação pertinente, o ferramental disponível à Anatel parece ser legítimo, para que ela exerça, eficazmente, a função reguladora e arbitral, na
solução de conflitos entre agentes econômicos do setor e usuários, ressalvadas as atribuições do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). É possibilitado, também, noticiar a delimitação das competências, quando cientificada de interferências de terceiros (de Estados,
municípios ou entes outros). Nada impede a Anatel de recorrer, com independência, ao Poder Judiciário, em caso de usurpação de autoridade
dela. Para Vital Moreira e Fernanda Maçãs (2003, p. 29-30):
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Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ...
As autoridades reguladoras devem garantir a neutralidade política
da gestão administrativa que desempenham, assegurando que o
setor sobre o qual actuam se desenvolva de acordo com suas próprias regras, as regras e os critérios técnicos do setor em causa.
É de esperar que a Anatel tome medidas para:
a) esclarecer aos agentes públicos e operadores do Direito as delimitações de competências, de modo a evitar empecilhos à instalação e(ou) ao funcionamento de sistemas homologados;
b) mais efetiva assunção da função de arbitramento, em nome do
equilíbrio do sistema, contrapondo-se a medidas anticompetitivas;
c) abertura para maior participação ativa de representes da sociedade, consultando unidades de ensino, especialmente as de terceiro grau e de pós-graduação, assim como de órgãos representativos das comunidades prestadoras e consumidoras de serviços de telecomunicações;
d) aperfeiçoamento de canal de relação direta com as prestadoras
de serviços, de modo a captar eventuais problemas na eficiência
econômica e operacional, dando-lhes respostas céleres e
embasadas.
Assim, com estabilidade, transparência, garantia concorrencial e
com neutralidade – que não deve ser confundida como vacilação ou omissão –, entre outras qualificações mercadológicas, expressas ou implícitas, poderá ser incentivada a expansão dos investimentos necessários e
convenientes à aplicação de novas tecnologias. Por conseguinte, será
bem desenvolvida a função social do serviço de interesse coletivo, como
é definido o serviço de telecomunicações na Lei 9.472/97.
Assevere-se, finalmente, que em telecomunicações – assim como
em outros setores que requerem avanços tecnológicos – qualquer vacilação ou disparidade na condução do processo pode tornar-se um fator de
incerteza e, por decorrência, propiciar um cenário estático, ou de fusões
e incorporações digressivas da estratégia constitucional da livre concorrência, conseqüentemente, dos lesivos monopólios.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006.
63
Ezequias Losso
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Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ...
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R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006.
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Maristela Basso
EXCEÇÕES E LIMITAÇÕES AOS
DIREITOS DO AUTOR E OBSERVÂNCIA
DA REGRA DO TESTE DOS TRÊS
PASSOS (THREE STEP TEST)
THE RULE OF THE THREE STEP TEST:
ENFORCEMENT IN BRAZIL
LA REGLA DEL “THREE STEP TEST”
EN EL BRASIL
MARISTELA BASSO
___________________________________________________________
Livre-docente da Faculdade de Direito da USP
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006.
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Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ...
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006.
Maristela Basso
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SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 RELAÇÃO ENTRE O SISTEMA INTERNACIONAL E O MARCO LEGAL BRASILEIRO DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS AUTORAIS: APLICAÇÃO DA DOUTRINA DA INTERPRETAÇÃO CONSISTENTE. 3 EQUILÍBRIO SISTÊMICO DOS SISTEMAS NACIONAL E INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS: DIREITOS EXCLUSIVOS DOS AUTORES E REGRA DO TESTE
DOS TRÊS PASSOS (THREE-STEP TEST). 4 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO E REGRA DO TESTE DOS TRÊS PASSOS: PADRÃO
PARA AVALIAÇÃO DAS LIMITAÇÕES/EXCEÇÕES AOS DIREITOS DOS
AUTORES. 5 APLICAÇÃO DAS EXCEÇÕES/LIMITAÇÕES AOS DIREITOS DE AUTOR NO ÂMBITO DA INTERNET. 6. CONCLUSÃO.
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Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ...
RESUMO
A Convenção de Berna, concluída em 1886 e revisada em algumas outras ocasiões, fundou o sistema internacional de proteção dos direitos
autorais. O propósito desse sistema é a proteção, de maneira tanto quanto possível, eficaz e uniforme dos direitos dos autores sobre suas respectivas obras literárias e artísticas, promovendo a inovação por intermédio
do bloqueio de atividades de apropriação de obras protegidas. O sistema
de Berna foi profundamente influenciado pela doutrina francesa do droit
d´auteur que, por sua vez, tem como fundamentos básicos a doutrina do
direito natural. A proteção prevista nos instrumentos internacionais visa à
proteção das obras contra atos de apropriação direta e indireta. Historicamente, o cerne da tutela dos interesses dos titulares de direitos autorais é o direito exclusivo de reprodução, mas não se restringe a ele, abrangendo os direitos de tradução, adaptação e modificações gerais, entre
outros. A LDA, em seu título III, capítulo III, reflete a lógica do sistema
internacional de resguardar os interesses econômicos dos titulares de
direitos autorais contra apropriação direta e indireta de suas obras. Nesse capítulo, a LDA regula os direitos patrimoniais dos autores e, conseqüentemente, as prerrogativas investidas nos titulares de direitos autorais em relação às suas obras, possibilitando-lhes extrair benefícios financeiros por seus esforços e divulgação de seus trabalhos ao público.
Palavras-chave: direito de autor; reprodução, cópia.
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Maristela Basso
ABSTRACT
The Convention of Bern, ended in 1886 and revised in some other
occasions, it founded the international system of protection of the
copyrights. The purpose of that system is the protection, in way as much
as possible, effective and uniform of the authors’ rights on their respective
literary and artistic works, promoting the innovation through the blockade
of activities of appropriation of protected works. The System of Bern was
deeply influenced by the french doctrine of droit d´auteur that has as basic
foundations the doctrine of the natural right. The protection foreseen in
the international instruments seeks to the protection of the works against
actions of direct and indirect appropriation. Historically, the duramen of
the protection of the title-holders’ of copyrights interests is the exclusive
right of reproduction, but he/she doesn’t limit to him, also including the
translation rights, adaptation and general modifications, among others.
LDA, in title III, chapter III, reflects the logic of the international system of
protecting the title-holders’ of copyrights economical interests against direct
and indirect appropriation of their works. In that chapter, LDA regulates
the authors’ patrimonial rights and, consequently, the prerogatives invested
in the title-holders of copyrights in relation to their works, making possible
to extract them financial benefits for their efforts and popularization of
their works to the public.
Keywords: copyrights, Berna Convention, TRIPS- WTO.
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Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ...
RESUMEN
La Convención de Berna, concluida en 1886 y revisada en algunas otras
ocasiones, fundo el sistema internacional de protección de los derechos
de autor. El propósito de este sistema es la protección, de manera tanto
cuanto posible, eficaz y uniforme de los derechos de los autores sobre
sus respectivas obras literarias y artísticas, promoviendo la innovación
por intermedio del bloqueo de actividades de apropiación de obras protegidas. El Sistema de Berna fue profundamente influenciado por la doctrina
francesa del droit d´auteur que, a su vez, tiene como fundamentos básicos la doctrina del derecho natural. La protección prevista en los instrumentos internacionales visa la protección de las obras contra actos de
apropiación directa e indirecta. Históricamente, el núcleo de la tutela de
los intereses de los titulares de derechos de autores es el derecho exclusivo de reproducción, pero no se restringe a el, abarcando también los
derechos de traducción, adaptación y modificaciones generales, entre
otros. La LDA, en su título III, capítulo III, reflecte la lógica del sistema
internacional de resguardar los intereses económicos de los titulares de
derechos de autor contra apropiación directa e indirecta de sus obras. En
este capítulo, la LDA regula los derechos patrimoniales de los autores y,
consecuentemente, las prerrogativas investidas en los titulares de derechos
de autores en relación a sus obras, posibilitándoles extraer beneficios
financieros por sus esfuerzos y divulgación de sus trabajos al público.
Palabras clave: derecho de autor, reproducción, ADIPIC-OMC.
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Maristela Basso
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1 INTRODUÇÃO
A natureza das exceções aos direitos de autor deve ser considerada, primeiramente, à luz da Convenção de Berna para a proteção das
obras literárias, artísticas e científicas (1886), cujas regras servem hoje
de base para todas as exceções aos direitos de propriedade intelectual
nos tratados concluídos depois dela e cujos princípios e fundamentos
foram revigorados no Acordo OMC/TRIPS. Da mesma forma, a Convenção de Berna é base dos principais modelos de exceções e limitações
aos direitos autorais contidos nas legislações domésticas.
A norma geral contida na Convenção de Berna, conhecida como a
regra do three-step test, guia os legisladores nacionais (e demais intérpretes do Direito) com relação ao direito de “reprodução” por terceiros.
Esse teste autoriza exceções/limitações ao direito de autor e, por conseguinte, o direito de reprodução por terceiros não autorizados apenas nas
seguintes hipóteses:
a) em certos casos especiais;
b) que não conflitem com a exploração comercial normal da obra;
c) não prejudiquem injustificadamente os legítimos interesses do
autor.
2 RELAÇÃO ENTRE O SISTEMA INTERNACIONAL E MARCO LEGAL
BRASILEIRO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS:
APLICAÇÃO DA DOUTRINA DA INTERPRETAÇÃO CONSISTENTE
A doutrina da interpretação consistente (doctrine of consistent
interpretation) é uma regra de hermenêutica de normas legais nacionais,
cuja gênese seja internacional. Segundo essa doutrina1, quando uma
norma local permitir diferentes interpretações, esta deverá ser interpretada em consonância com as obrigações internacionais pertinentes à ma-
1
PRINSSEN, Jolande M. Domestic legal effects of EU criminal law: a transfer of EC
law doctrines?, p. 7. Artigo apresentado na Conferência “Interface between EU and
National Law”, Universidade de Amsterdã, fev. 2006. Disponível em: <http://
w w w. j u r. u v a . n l / i n t e r f a c e / o b j e c t . c f m / o b j e c t i d = A 2 F 4 A 7 7 9 - E 2 7 8 - 4 F E 3 97EE7C5D1701C657/download=true>.
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Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ...
téria2, possibilitando-se uma relação harmônica do sistema jurídico nacional com o internacional, bem como a realização concreta do princípio do
pacta sunt servada3 que, necessariamente, deve ser observado por todos
os órgãos estatais, inclusive pelo Poder Judiciário4. No campo das relações comerciais internacionais, a aplicação da doutrina da interpretação
consistente ainda traz a vantagem pragmática de minimizar os riscos do
Estado brasileiro vir a ser alvo de litígios internacionais perante o Órgão
de Solução de Controvérsias (OSC), da Organização Mundial do Comércio (OMC), e de retaliações comerciais.
O Brasil, na qualidade de país membro da OMC, assumiu a obrigação de prover (em seu território), aos titulares brasileiros e estrangeiros de direitos autorais, proteção efetiva, de acordo com os patamares
mínimos de proteção estabelecidos no Acordo ADPIC/TRIPS (Acordo sobre
Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights), parte integrante do Acordo Constitutivo da OMC, que se encontra em vigor e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 1.3555. Os patamares de proteção previstos no Acordo TRIPS, no que concerne à proteção dos direitos autorais, foram construídos sobre a estrutura da Conven-
2
3
4
5
A doutrina da interpretação consistente foi introduzida, em 1804, pela Suprema Corte
dos Estados Unidos da América, em decisão proferida no caso Charming Betsy. O Juiz
Marshall frisou que “[...] uma lei aprovada pelo Congresso nunca deve ser interpretada
de forma a violar o direito das gentes, sempre que for possível.” A Corte Européia de
Justiça, no mesmo sentido, dá à legislação comunitária européia (quando esta está
sujeita a mais de uma interpretação), tanto quanto possível, uma interpretação que seja
consistente com os acordos internacionais de que seja parte a Comunidade Européia
(Commission v. Federal Republic of Germany, C-61/94, 1996). A Suprema Corte da
Suíça, em 1968, em Frigero v. EVED, também decidiu que a norma nacional deverá ser
aplicada e interpretada de acordo com as obrigações internacionais pertinentes, sempre que houver dúvidas sobre a interpretação que deva ser dada às normas locais.
(ABBOT, Frederick; COTTIER, Thomas; GURRY, Francis. The international intellectual
property system: commentary and materials – part one. The Hague, Kluwer Law
International, p. 558-560, 1999).
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados determina, em seu artigo 26, o
conteúdo do princípio do pacta sunt servanda: “Todo tratado em vigor obriga as partes
e deve ser cumprido por elas de boa-fé.”
ABBOT, Frederick; COTTIER, Thomas; GURRY, Francis. The international intellectual
property system: commentary and materials – part one. The Hague, Kluwer Law
International, p. 560-561, 1999.
Decreto 1.355, de 30/12/1994, que promulga a ata final que incorpora os resultados da
Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006.
Maristela Basso
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ção de Berna relativa à proteção das obras literárias e artísticas6, conforme o artigo 9º do Acordo TRIPS, da OMC, que dispõe: “Os membros
cumprirão o disposto nos artigos 1º a 21 e no Apêndice da Convenção de
Berna (versão de 1971).” Uma vez aprovados e promulgados, respectivamente, pelo Congresso Nacional e chefe do Poder Executivo, os referidos acordos internacionais passam a integrar o sistema jurídico brasileiro
com o status de lei ordinária, tendo aplicação direta e imediata.
Além do Acordo TRIPS e da Convenção de Berna, o regime jurídico brasileiro de proteção dos direitos autorais é ainda composto da Lei
9.610, de 19/2/1998 (Lei de Direitos Autorais – LDA), a qual regulamenta,
em âmbito doméstico, a Convenção de Berna e a seção I, da parte II, do
Acordo TRIPS e a Constituição Federal (artigo 5º, XXVII).
O regime jurídico brasileiro de proteção dos direitos autorais é
composto de dispositivos legais de gênese internacional, notadamente, a
Convenção de Berna e o Acordo TRIPS, bem como de dispositivos de
origem nacional – a Constituição Federal do Brasil e a LDA. Com o objetivo de que a aplicação da LDA não infrinja os direitos dos titulares de
direitos autorais decorrentes dos tratados internacionais, preservandose, pois, o equilíbrio sistêmico que visa ao estabelecimento de um regime
que proteja, de um lado, os interesses materiais e morais dos titulares
dos direitos autorais (com vistas a fomentar a produção intelectual e científica) e, do outro, os interesses do público de acesso a obras protegidas,
o operador/intérprete do Direito deve, em conformidade com a doutrina
da interpretação consistente, interpretar, observar e aplicar os dispositivos da LDA e da Constituição Federal, em consonância com o estabelecido nos tratados internacionais.
Sob essa ótica, a Convenção de Berna e o Acordo TRIPS são os
cânones de interpretação e aplicação das limitações aos direitos autorais
arroladas no artigo 46 e seguintes da LDA. Ou seja, as limitações previstas na LDA devem se conformar aos patamares mínimos de proteção dos
direitos autorais fixados pela Convenção de Berna e Acordo TRIPS.
6
O Decreto 75.699, de 6/5/1975, promulga a Convenção da União de Berna – versão
revista em Paris (24/6/1971).
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Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ...
3 EQUILÍBRIO SISTÊMICO DOS SISTEMAS NACIONAL E
INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS:
DIREITOS EXCLUSIVOS DOS AUTORES E REGRA DO TESTE
DOS TRÊS PASSOS (THREE-STEP TEST)
A Convenção de Berna, concluída em 1886 e revisada em algumas outras ocasiões7, fundou o sistema internacional de proteção dos
direitos autorais. O propósito desse sistema é a proteção, de maneira
tanto quanto possível, eficaz e uniforme dos direitos dos autores8 sobre
suas respectivas obras literárias e artísticas9, promovendo, pois, a inovação por intermédio do bloqueio de atividades de apropriação de obras
protegidas. O sistema de Berna foi profundamente influenciado pela doutrina francesa do droit d´auteur que, por sua vez, tem como fundamentos
básicos a doutrina do direito natural.
A proteção prevista nos instrumentos internacionais visa à proteção
das obras contra atos de apropriação direta (reprodução textual e literal,
por exemplo, de uma obra literária, comunicação ao público de obra protegida) e indireta10 (adaptação, arranjos e outras transformações da obra
original – artigo 12 da Convenção de Berna). Historicamente, o cerne da
tutela dos interesses dos titulares de direitos autorais é o direito exclusivo
de reprodução, mas não se restringe a ele, abrangendo também os direitos
de tradução, adaptação e modificações gerais, entre outros.
A LDA, em seu título III, capítulo III, reflete a lógica do sistema
internacional de resguardar os interesses econômicos dos titulares de
direitos autorais contra apropriação direta e indireta de suas obras. Nesse capítulo, a LDA regula os direitos patrimoniais dos autores e, conse-
7
A respeito da Convenção de Berna para a proteção das obras literárias e artísticas de
1886, vide BASSO, Maristela. O direito internacional da propriedade intelectual.
Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2000. p. 90 e ss.
8
O artigo 11 da LDA define autor como “[...] a pessoa física criadora de obra literária,
artística ou científica.”
9
Preâmbulo da Convenção de Berna, revisão de Paris (1971).
10
LADAS, Stephen P. The international protection of literary and artístic propert. In:
International copyright and inter-american copyright. New York: The Macmillan
Company, 1938. p. 566-570. v. 1. No mesmo sentido, ver CORNISH, William; LLEWELYN,
David. Intellectual property: patents, copyright, trade marks and allied rights. 5th ed.
London: Sweet & Maxwell. p. 420 e 422.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006.
Maristela Basso
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qüentemente, as prerrogativas investidas nos titulares de direitos autorais em relação às suas obras, possibilitando-lhes extrair benefícios financeiros por seus esforços e divulgação de seus trabalhos ao público.
A fim de aclarar com exemplos legais concretos o que ora se afirma, reproduzem-se alguns dispositivos da LDA, os quais corporificam o
referido princípio geral de proteção contra apropriação direta e indireta de
obras protegidas:
Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da
obra literária, artística ou científica.
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como11:
I - a reprodução parcial12 ou integral13 (a cópia de um ou vários
exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um
fonograma, de qualquer forma tangível), incluindo qualquer
armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido; [...]
VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou
científica; [...]
IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do
gênero;
11
Os poderes investidos pela LDA nos autores são meramente exemplificativos.
Foi acordada, durante as negociações de Estocolmo, a inserção na Convenção de
Berna de um dispositivo que reconhece o direito de reprodução investido nos autores.
Sobre a definição do que cabe dentro do direito de reprodução, o Comitê Negocial
reconheceu que o direito de reprodução abrange tanto a reprodução parcial quanto
integral de obras protegidas. (BERGSTRÖM, Svante. Report on the Work of Main
Committee I (substantive provisions of Berne Convention: articles 1 to 20). Records of
the Intellectual Property Conference of Stockholm, June 11 to July 14, v. 2, p. 291,
1967.
13
Artigo 9.1 da Convenção de Berna, revisão de 1971: “Os autores de obras literárias e
artísticas protegidas pela presente Convenção gozam do direito exclusivo de autorizar
a reprodução destas obras, de qualquer modo ou sob qualquer forma que seja.”
A LDA, já flexibilizada para abarcar situações infratoras aos direitos autorais no âmbito
virtual, define “reprodução” como “[...] a cópia de um ou vários exemplares de uma obra
literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido” (artigo 5º, VI). Logo, reprodução não mais se limita à reprodução tangível de obras protegidas. O armazenamento,
mesmo que permanente, de obras protegidas em meios eletrônicos caracteriza também uma reprodução para fins legais.
12
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Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ...
X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que
venham a ser inventadas14;
Art. 33. Ninguém pode reproduzir obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, sem
permissão do autor (grifo nosso).
Ademais, o sistema internacional de proteção dos direitos autorais visa alcançar um equilíbrio entre os interesses privados (dos autores
e empresas, cujas atividades dependem desses direitos) e públicos de
acesso às obras protegidas. Nesse sentido, a Convenção de Berna e o
Acordo TRIPS autorizam seus Estados partes a “[...] estabelecerem limitações aos direitos patrimoniais dos autores com vistas à promoção de
determinadas políticas públicas.”
A norma geral do teste dos três passos (three-step test), que regula e norteia as limitações aos direitos exclusivos dos autores, foi introduzida
na Convenção de Berna, em 1967, durante a revisão de Estocolmo, estando atualmente prevista no artigo 9.2 da Convenção de Berna (revisão
de Paris) e no artigo 13 do Acordo TRIPS, conforme se lê:
2) Às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de
permitir a reprodução das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal
da obra nem cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor. (artigo 9.2 da Convenção de Berna).
Os membros restringirão as limitações ou exceções aos direitos exclusivos a determinados casos especiais, que não conflitem com
a exploração normal da obra e não prejudiquem
injustificavelmente os interesses legítimos do titular do direito
(artigo 13 do Acordo TRIPS – grifo nosso).
14
Na atualidade do Direito, nacional e internacional, são reservados aos titulares de direitos autorais, com exclusividade, todos os atos de reprodução de um trabalho, tanto
direta quanto indiretamente, de qualquer maneira ou forma, incluindo o armazenamento
digital; qualquer digitalização de uma obra protegida, upload ou download de obras de
um servidor para outro, cópias incidentais criadas no curso do uso de um computador.
Nesse sentido, ver GUIBAULT, Lucie. Discussion paper on the question of exceptions to
and limitations on copyright and neighbouring rights in the digital era. Council of Europe,
Oct. 1998. Disponível em: <http://www.ivir.nl/publications/guibault/finalreport.html#note75>.
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Até a adoção da regra do teste dos três passos, os Estados partes
da Convenção de Berna adotavam um sem-número de limitações aos
direitos autorais que, não raramente, esvaziavam os direitos patrimoniais
dos titulares de direitos autorais. Um dos objetivos das negociações de
Estocolmo foi o de estabelecer uma regra que fosse cumprida por toda e
qualquer limitação aos direitos autorais, ou seja, os Estados partes da
Convenção de Berna manteriam a discricionariedade para estabelecer
exceções aos direitos autorais. Entretanto, estas necessariamente deveriam preencher as condições fixadas pelo artigo 9.2 da Convenção de
Berna. O exame dos anais das negociações de Estocolmo esclarece que
o fundamento do teste dos três passos é o de impedir que as obras
reproduzidas sob os auspícios das limitações aos direitos autorais entrem em competição, direta ou indireta, com a obra introduzida no mercado diretamente ou com o consentimento do titular de direitos autorais.15
A questão que se insurge é: qual seria a razão da transposição/
repetição do teste dos três passos da Convenção de Berna para o Acordo
TRIPS?
No âmbito de Berna, o teste dos três passos é aplicável apenas às
limitações ao direito de reprodução. O Acordo TRIPS, por sua vez, expande o escopo de aplicação do teste dos três passos para todas as
limitações aos direitos exclusivos dos titulares de direitos autorais, ou
seja, mesmo as limitações explicitamente arroladas na Convenção de
Berna – as exceções jure conventionium – deverão ser avaliadas pelo
teste dos três passos, antes de serem observadas no caso concreto.
Conseqüentemente, todas as limitações aos direitos patrimoniais
dos titulares de direitos autorais arrolados no título III, capítulo III da LDA
deverão passar pelo crivo do teste dos três passos antes de sua aplicação; daí porque o Brasil, na condição de signatário tanto da Convenção
de Berna quanto do Acordo TRIPS, deve pautar a aplicação das limitações (exceções) aos direitos autorais previstas na LDA ao teste dos três
passos.
Corroborando tal interpretação, pode-se identificar o conteúdo do
teste dos três passos de modo claro no artigo 46, VIII, da LDA que dispõe:
15
UNCTAD-ICTSD. Resource book on TRIPS and development, USA, Cambridge
University Press. p. 192.
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Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ...
[...] a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de
obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral,
quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não
seja o objetivo principal da obra nova16 e que não prejudique a
exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo
injustificado aos legítimos interesses dos autores. (grifo nosso).
A regra do teste dos três passos reflete a necessidade de se manter
o equilíbrio entre os direitos dos autores e o interesse do grande público, isto
é, interesses relacionados à educação, pesquisa e acesso à informação.17
À luz da doutrina da interpretação consistente, o teste dos três
passos é a diretriz que deve ser empregada pelo operador/intérprete/
aplicador da LDA para a definição do escopo das limitações e sua aplicação, no caso concreto, a fim de não se causar um prejuízo injustificado
aos interesses legítimos dos autores e empresas, cujas atuações sejam
intimamente dependentes dos direitos autorais e, por último, mas não
menos importante, para não se infringir obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, cujo desrespeito pode sujeitá-lo a retaliações comerciais no âmbito do sistema da OMC. Nesse sentido é o entendimento da
OMC, conforme relatório do Painel no caso United States – Section 110(5)
of US Copyright Act (DS 160).
Deve-se deter, ainda que em passos largos, na decisão do Órgão
de Solução de Controvérsias, da OMC.
4 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO E REGRA DO TESTE
DOS TRÊS PASSOS: PADRÃO PARA AVALIAÇÃO DAS
LIMITAÇÕES/EXCEÇÕES AOS DIREITOS DOS AUTORES
Em 26/1/1999, imediatamente após a aprovação pelo Congresso
norte-americano da Lei Fairness in Music Licensing Act, que emenda o
US Copyright Act (lei de direitos autorais dos EUA), a Comunidade Européia18 iniciou o processo de consultas aos EUA, com a finalidade de dis-
16
“A reprodução de pequenos trechos de obras preexistentes, sempre que a reprodução
em si não seja o objetivo principal da obra nova” constitui alegadamente um caso especial, nos termos da Convenção de Berna e Acordo TRIPS.
17
GUIBAULT, Lucie. Discussion paper on the question of exceptions to and limitations on
copyright and neighbouring rights in the digital era. Council of Europe, Oct. 1998. Disponível em: <http://www.ivir.nl/publications/guibault/final-report.html#note75>.
18
Na linguagem da OMC, a União Européia é designada como Comunidade Européia.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006.
Maristela Basso
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cutir a legalidade da referida legislação em face do Acordo TRIPS,
notadamente, em relação ao teste dos três passos (artigo 13).
Pela falta de acordo entre as partes, a Comunidade Européia solicitou à OMC a instauração de Painel especial, cuja função foi a de analisar, especificamente, se as exceções aos direitos exclusivos dos autores,
previstas na seção 110 (5), alíneas A e B, do US Copyright Act, emendada
em 1998, estavam em consonância com o artigo 13 do Acordo TRIPS. As
disposições norte-americanas autorizavam, respectivamente: pequenas
empresas locais a transmitirem publicamente, por meio de aparelhos de
televisão e rádios, programas, vídeos, musicais, músicas, enfim obras de
entretenimento para seus clientes, sem o recolhimento de taxas (homestyle
exception); condução das mesmas atividades por “certas empresas de
pequeno porte” (business exception).
Em junho de 2000, a OMC publicou relatório19 avaliando a demanda proposta pela Comunidade Européia contra os Estados Unidos, baseada na infração do artigo 13 do Acordo TRIPS pela seção 110(5) do US
Copyright Act. O Painel considerou que o teste dos três passos é a norma-padrão para avaliação da legalidade das limitações aos direitos autorais fixadas pelos Estados membros da OMC. Dessa forma, considerou
infração ao artigo 13 do Acordo TRIPS a limitação business exception,
que eximia do pagamento de taxas de licenciamento os atos de transmissão de obras protegidas em um número relevante de estabelecimentos
comerciais. A limitação homestyle exception, por sua vez, ao eximir apenas uma parcela comercialmente insignificante de estabelecimentos comerciais, foi considerada legítima.
Um dos aspectos mais interessantes do relatório do Painel é o reconhecimento de que toda e qualquer exceção/limitação aos direitos autorais, para ser legal, no âmbito do sistema internacional de comércio, deverá sempre passar pelo crivo do teste dos três passos, incluindo-se mesmo
aquelas exceções previstas textualmente na Convenção de Berna.20
Tendo em vista que essa foi a primeira vez que a regra do teste
dos três passos foi avaliada por uma autoridade intergovernamental (OMC),
desde seu estabelecimento em 1967 pela revisão à Convenção de Berna, entende-se que deve ser seguida a interpretação dada pela OMC, no
que concerne às limitações/exceções aos direitos autorais.
19
O relatório do caso DS 160 está disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/
dispu_e/cases_e/ds160_e.htm>.
20
OLIVER, Jo. The panel decision on the three-step test. Columbia Journal of Law & the
Arts, Nova York, Winter 2002. (Copyright in the WTO).
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Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ...
5 APLICAÇÃO DAS EXCEÇÕES/LIMITAÇÕES AOS DIREITOS DE
AUTOR NO ÂMBITO DA INTERNET
O US Digital Millenium Copyrigth Act (1998) introduziu uma camada completamente diferente de direitos: direito de acesso. O que esse
novo direito ocasiona como mudança na aplicação das exceções aos direitos de autor? O que se entende por justo manuseio da obra de outrem
e acesso à obra?
Se for possível, desde já, admitir uma premissa fundamental de
raciocínio, o fair use refletirá um conjunto apropriado de critérios para determinar o equilíbrio entre os direitos dos titulares e as necessidades e
interesses do usuário. O fair use é uma limitação aos direitos do autor, ou
seja, um teste para determinar se o uso do material protegido por tais direitos, enquanto não autorizado pelo titular, constitui ou não ato de violação.
O unfair use ou uso não justificado, portanto, é o que fere os direitos protegidos pelo direito de autor. Implica todo uso que não preenche
as etapas do three-step test, isto é, não se caracteriza como uso especial/excepcional; interfere na exploração comercial normal da obra; causa
prejuízo injustificado aos interesses legítimos do titular do direito. Em outras
palavras, qualquer uso que venha a reduzir, comprovada e consideravelmente, os benefícios financeiros que o titular do direito poderia “razoavelmente” obter sob circunstâncias comerciais normais seria, então, “injusto”, sem autorização.
Certamente, é fundamental verificar o modo pelo qual podem ser
mensuradas a “irrazoabilidade” (considerando-se o “prejuízo injustificado”)
e a “ingerência” sobre a exploração comercial normal da obra. A questão
que se levanta não deve ser apenas se o usuário ganhou “valor” por ter
deixado de remunerar o titular do direito pelo uso feito, mas se o usuário
teria obtido o material desejado por meio de uma transação comercial
qualquer. Não há dúvida de que o autor tem direito sobre qualquer uso
significativo do ponto de vista comercial – uso que normalmente seria
objeto de uma transação comercial.
Em síntese, a abordagem aqui sugerida tem a vantagem de ser
compatível com os tratados internacionais vigentes sobre a matéria de
direitos de autor e com os direitos domésticos que podem ser considerados na vanguarda das questões relacionadas ao direito de autor e ao uso
da obra para fins transformativos.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006.
81
Maristela Basso
Toda vez que um dos steps da regras dos três passos for infringido, não se dirigindo o uso da obra para fins de interesse público21, estaremos diante de violação aos direitos fundamentais dos autores de auferirem
benefícios por meio de seus trabalhos, consoante o disposto no artigo 5º,
incisos XVII22 e XXIX23, da Constituição Federal de 1988.
CONCLUSÃO*
REFERÊNCIAS*
21
Hipóteses que não visam à informação ao consumidor (objetivo político/de interesse
público). “Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: I - a reprodução: a) na
imprensa diária ou periódica, de notícias ou de artigo informativo, publicado em diários
ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinado, e da publicação de onde
foram transcritos [...]”.
22
“Aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de
suas obras [...]”.
23
“A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua
utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade de marcas, aos
nomes de empresas e a outros signos distintivos [...]”.
(*) Nota da Editoria: a autora apresenta seu texto como já sendo conclusivo.
(*) Nota da Editoria: a autora preferiu manter as referências apenas em notas de rodapé.
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Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ...
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POSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DA
TUTELA ANTECIPADA NO INSTITUTO
DA ARBITRAGEM*
POSSIBILITY OF AN ANTICIPATED
COGNIZANCE CONCESSION IN THE
ARBITRATION INSTITUTE
POSIBILIDAD DE LA CONCESIÓN DE LA
TUTELA ADELANTADA EN
EL INSTITUTO DEL ARBITRAJE
ROGÉRIO MONTAI DE LIMA
___________________________________________________________
Mestrando em Direito dos Empreendimentos Econômicos,
Desenvolvimento e Mudança Social (Universidade de Marília),
Especialista em Direito Empresarial pela UEL,
Advogado
MARCELO DE OLIVEIRA SILVA
___________________________________________________________
Acadêmico do 5º ano do Curso de Direito da
Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA),
Estagiário de Direito inscrito (129.758-E) na OAB/SP
(*) Nota da Editoria: artigo inédito na forma impressa (foi publicado em formato eletrônico
no sítio: <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=190&categoria=Arbitragem>).
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Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ...
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1 INTRODUÇÃO. 2 ASPECTO GERAL DA TUTELA ANTECIPADA NA
ARBITRAGEM – JURISDIÇÃO ARBITRAL E JURISDIÇÃO ESTATAL. 3
PODERES DO ÁRBITRO E DO JUIZ TOGADO. 4 CONFLITO ENTRE
DECISÃO ARBITRAL E JUDICIAL. 5 TUTELA ANTECIPADA NA ARBITRAGEM (MEDIDAS COERCITIVAS, CAUTELARES E ANTECIPAÇÃO
DE TUTELA). 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
RESUMO
A Lei 9.307/96, composta de 44 artigos surge como um instrumento viável de pacificação social, aceito no mundo todo, para dirimir os litígios de
maneira rápida, menos onerosa, civilizada e efetiva. As vantagens desse
instituto são inúmeras, e as partes, ao escolher um juiz arbitral para a
solução dos conflitos sociais de forma adequada, não poderão vislumbrar
nenhum demérito que possa advir dessa opção. O árbitro tem total poder
para resolver as necessidades da sociedade e, sobretudo, deferir uma
liminar de tutela antecipada ou outras medidas emergências (cautelares
ou coercitivas). Entretanto, lhe falta competência para executá-las, e isso
cabe ao Poder Estatal. Com efeito, o instituto da antecipação da tutela foi
trazido pela reforma do Código de Processo Civil, com o advento da Lei
8.952/94, que alterou o CPC em seu artigo 273, tendo como objetivo,
primordialmente, acelerar e proporcionar uma maior efetividade à prestação jurisdicional, diante da lentidão do curso normal do processo. A tutela
antecipada, especificamente, no procedimento arbitral, indiscutível e indispensável às soluções dos litígios pelas quais exigem efetividade no
oferecimento da proteção jurisdicional. Entre as várias técnicas de tutela,
a Lei 9.307/96 permite total aplicação da tutela antecipada, entendida
pela doutrina majoritária. Se o árbitro tem a soberania de regular definitivamente sem a participação do Poder Judiciário o mérito do litígio, na
medida em que a convenção o autoriza, não há qualquer razão plausível
para impedir a concessão da tutela de ofício ou a requerimento dos interessados. A tutela antecipada (artigo 273, CPC) na verdade seria um deferimento provisório do pedido inicial, no qual o juiz estatal e, em especial, o juiz privado concede, no todo ou em parte, com força de execução,
se necessário. Dessa forma, com relação à tutela antecipada na arbitragem, este artigo pretende demonstrar a possibilidade da aplicabilidade
da tutela antecipada no procedimento arbitral.
Palavras-chave: arbitragem, tutela antecipada, aplicabilidade, rapidez,
eficácia, possibilidade.
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Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ...
ABSTRACT
The 9.307/96 law composed by forty four articles appears as a viable
instrument of social pacification, accepted in the whole world, to settle the
litigations in a rapid way, fewer onerous, civilized and effective. The
advantages of this institute are countless and the suitors, when they choose
an arbitral judge for the social conflicts solution in an appropriate way,
cannot glimpse any option demerit that could occur. The arbiter has entire
authority to solve the society necessities and, mainly, to grant a anticipated
cognizance preliminary or others emergencies measures (tutelary or
coercive). However, he has no competence to execute them, it belongs to
the State Power. In this manner, the institute of the cognizance anticipation
was brought by the reform of the Civil Process Code, with the 8.952/94
Law arrival, that altered CPC in its 273 article, which has by objective,
essentially, to accelerate and to provide a bigger effectiveness to the
jurisdictional service, in the face of the process normal course slowness.
The anticipated cognizance, specifically, in the arbitration procedure,
unquestionable and indispensable for the lawsuits solutions, by which
request effectiveness in the jurisdictional protection offer. In the midst of
several protection techniques, the 9.307/96 Law allows total application of
the anticipated cognizance, understood by the majority doctrine. If the
arbiter has the sovereignty of regulating definitively, without the participation
of the Judiciary Power, the merit of the litigation in measure in which the
convention authorizes him, there is no plausible reason that impedes to
grant the cognizance by himself or by a solicitation of the interested ones.
The anticipated cognizance (art. 273 CPC), actually, would be a temporary
grant of the initial request in which the state judge and, especially, the
private judge grants, totally or partly, with force execution, if it is necessary.
Thus, with regard to the proposed theme, this article intends to demonstrate
the possibility of the anticipated cognizance applicability in the arbitration
procedure.
Keywords: arbitration, anticipated cognizance, applicability, rapidity,
efficacy, possibility.
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RESUMEN
La ley 9.307/96 compuesta de cuarenta y cuatro artículos, surge como un
instrumento viable de pacificación social, aceptado en todo el mundo para
dirimir los litigios de un modo más rápido, civilizado, efectivo y menos
oneroso. Las ventajas de este instituto son muchas, ya que las partes, al
elegir un juez arbitral para la solución de los conflictos sociales de manera
adecuada, no podrán columbrar ningún demérito que pueda ser ocasionado de ésta opción. El árbitro tiene total poder para resolver los problemas de la sociedad, y sobretodo, deferir una preliminar de tutela adelantada
u otras medidas de emergencias (cautelares o coercitivas). Sin embargo,
le hace falta la competencia para ejecutarlas, pues esto le toca al poder
estatal. Con efecto, el instituto de adelantar la tutela ha surgido con la
reforma del Código de Proceso Civil, con el advenimiento de la Ley 8.952/
94, que ha cambiado el CPC en su artículo 273, que tiene como principal
objetivo acelerar y proporcionar más efectividad a la prestación
jurisdiccional, frente al despacioso curso normal del proceso. La tutela
adelantada, específicamente en el proceso arbitral, es indiscutible e
indispensable a las soluciones de los litigios por los cuales exigen
efectividad en el ofrecimiento de la protección jurisdiccional. Entre las
muchas técnicas de tutela, la ley 9.307/96 permite total aplicación de la
tutela adelantada, entendida por la doctrina mayoritaria. Si al árbitro le
toca la soberanía de regular definitivamente sin la participación del Poder
Judicial el mérito del litigio en la medida que la convención lo autoriza, no
hay ninguna razón plausible para impedir la concesión de la tutela de
oficio o el requerimiento de los interesados. La tutela adelantada (artículo
273 CPC) sería en realidad un deferimiento provisorio del pedido inicial,
en el cual el juez estatal, y en especial el juez privado, concede en todo o
en parte, con fuerza de ejecución si es necesario. De esta manera, con
relación al tema Tutela Adelantada en el Arbitraje, este artículo pretende
demostrar la posibilidad de la aplicabilidad de la tutela adelantada en el
procedimiento arbitral.
Palabras clave: arbitraje, tutela adelantada, aplicabilidad, rapidez, eficacia,
posibilidad
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006.
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Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ...
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006.
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1 INTRODUÇÃO
O presente artigo aspira demonstrar a possibilidade de um juiz
arbitral conceder a tutela antecipada, embora haja autores, em sua minoria, contrários a essa posição, aceitando que apenas ao Estado é permitida tal conduta. Pretende analisar algumas diferenças entre a justiça
arbitral e a justiça estatal, com as principais características da Lei 9.307/
96 e da tutela antecipada.
É claro que o artigo não irá esgotar toda a matéria concernente à
tutela antecipada na arbitragem, preocupando-se em discutir sem chegar
a uma conclusão definitiva. Aliás, a doutrina, ainda que majoritária, não
chegou a um consenso, daí a problemática deste artigo.
Sabe-se que a arbitragem surgiu no Brasil em razão da preocupação do
legislador perante o sistema processual brasileiro, por ser este deficiente
e moroso. Em face disso, a arbitragem é um grande avanço para a solução de conflitos contratuais que dizem respeito aos bens patrimoniais
disponíveis, e o Poder Judiciário na atualidade dificulta as partes receberem uma digna prestação jurisdicional.
Entretanto, ante a falta de conhecimento desse instituto cada vez
mais a arbitragem vem sendo deixada para trás, “entupindo” os órgãos
judiciários com demandas que poderiam ser recepcionadas pela Lei 9.307/
96, propiciando uma solução mais rápida e eficaz de um conflito.
Por esse motivo, serão debatidos alguns aspectos relevantes da tutela
antecipada, demonstrando que o legislador adotou tal procedimento, pois,
além de precisar de uma justiça rápida e barata, é necessária uma justiça
eficaz, que traga de imediato a prestação jurisdicional pleiteada. Daí unirem-se duas formas de solução de litígios rápidos: a arbitragem e a tutela
antecipada.
Podem ocorrer situações em que as partes não podem esperar
por muito tempo, até que seja lhe concedido o direito. Por isso é que a
tutela antecipada e a cautelar surgiram, dando uma maior efetividade a
essa turbulência de demandas que atormentam o Estado.
A principal temática, portanto, está em saber se um árbitro tem ou
não competência para decretar tutela antecipada, inclusive outras medidas de urgência.
É sabido que a doutrina vem discutindo esse enfoque demasiadamente, mas ninguém consegue consolidar o tema. Nesse passo, apesar de
grande parte dos autores, na maioria conservadores, não permitirem que um
árbitro decida a respeito de tutela antecipada, jovens juristas já estão modificando o pensamento daqueles. A aceitação está quase majoritária, embora
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006.
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Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ...
entendam que o árbitro pode apenas decretar cautelares e provimentos
antecipatórios, mas não exercer o poder coercitivo sobre elas.
É claro que neste artigo o que se busca é precisar realmente se o
árbitro pode ou não realizar tal medida, mesmo porque ele tem as mesmas atribuições de um juiz togado, como se verificará.
Quanto a não ter o poder de imperium, não é o caso de discutir,
pois apenas haverá intervenção do Estado, se a parte, depois de deferida
a tutela antecipada, não cumprir, cabendo ao juiz estatal determinar que
se cumpra a prestação jurisdicional.
Assim, esse será o tema discutido neste artigo, ante a possibilidade de um árbitro conceder medidas cautelares, tutelas antecipatórias às
partes, quando houver a necessidade, preenchidos os requisitos legais
do artigo 273 do Código de Processo Civil.
2 ASPECTO GERAL DA TUTELA ANTECIPADA NA ARBITRAGEM –
JURISDIÇÃO ARBITRAL E JURISDIÇÃO ESTATAL
Sabe-se que o árbitro tem a mesma finalidade de um juiz estatal,
a de solucionar conflitos. Isso é verdade que, embora seja uma justiça
particular, privada, tem uma característica pública, haja vista a sentença
proferida por um árbitro ter respaldo do Poder Estatal, garantindo, assim,
sua eficácia como se a decisão fosse do próprio juiz togado. Aliás, segundo consubstancia o autor J. E. Carreira Alvim1, “[...] a sentença arbitral é
idêntica em eficácia à sentença judicial.”
Entretanto, há uma diferença que não se pode deixar de lado, pois a
decisão proferida por um árbitro está sujeita à nulidade, conforme se
depreende do artigo 332 da Lei Arbitral, enquanto a sentença judicial apenas fica limitada a uma ação rescisória, nos termos do artigo 485 do Código
1
2
ALVIM, J. E Carreira. Direito arbitral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 331.
Lei 9.307/96. “Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário
competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta
Lei. § 1º A demanda para a decretação de nulidade da sentença arbitral seguirá o procedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no
prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de
seu aditamento. § 2º A sentença que julgar procedente o pedido: I - decretará a nulidade
da sentença arbitral, nos casos do artigo 32, incisos I, II, VI, VII e VIII; II - determinará
que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo, nas demais hipóteses. § 3º A
decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser argüida mediante ação
de embargos do devedor, conforme o artigo 741 e seguintes do Código de Processo
Civil, se houver execução judicial.”
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Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva
91
de Processo Civil. Mas essa distinção não implica eficácia da sentença
arbitral, pois deve-se levar em consideração, apenas, que o árbitro tem o
poder de conhecer a demanda e julgá-la, e o juízo togado. Além desses
dois elementos, tem o poder de promover a execução da decisão proferida
no caso concreto. Isso não faz com que o árbitro perca sua jurisdição,
porque o juízo togado tão-somente garante a efetivação da decisão proferida por ele, sendo certo que o Estado não pode intervir na arbitragem,
limitar ou regular o comportamento do árbitro. Trata-se de lei especial.
O artigo 323 da Lei 9.307/96 é claro ao estabelecer que a sentença
proferida por um árbitro terá a mesma força.
3 PODERES DO ÁRBITRO E DO JUIZ TOGADO
O árbitro possui as atribuições, como os romanos consideravam,
cognitio e iurisdictio. Significa que lhe falta o poder de império pertencente aos juizes togados.
O que é esse poder de império que apenas os juizes estatais possuem? J. E. Carreira Alvim4 afirma que ao árbitro é permitido apenas conhecer da lide e aplicar a sentença. Entretanto, ao executá-la deverá fazer
um requerimento à autoridade judiciária, para que exerça o poder coercitivo. Como exemplo, utiliza-se a testemunha que se recusa a ir à audiência
designada, devendo o árbitro determinar-lhe a condução coercitiva por meio
de um requerimento dirigido à autoridade judicial, e esta poderá conduzir a
testemunha, assim como no caso de busca e apreensão de coisas ou documentos, exigindo a intervenção do Poder Judiciário.
O mais interessante é que o mesmo autor entende e aceita em
sede arbitral, medidas cautelares, sejam elas preparatórias ou incidentais,
com o intuito de garantir a eficácia da sentença arbitral.
Não é só. Afirma ainda que, mesmo que o árbitro não possa efetivar
uma medida constritiva, nada o impede de decretá-la, para o que basta a
jurisdição, na qual se compreende a cognitio.
3
4
Lei 9.307/96, “Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I - for nulo o compromisso; II emanou de quem não podia ser árbitro; III - não contiver os requisitos do artigo 26 desta
Lei; IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; V - não decidir todo
o litígio submetido à arbitragem; VI - comprovado que foi proferida por prevaricação,
concussão ou corrupção passiva; VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no
artigo 12, inciso III, desta Lei; e VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o
artigo 21, § 2º, desta Lei.”
ALVIM, J. E. Carreira, op. cit., p. 332.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006.
92
Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ...
Da mesma forma, em se tratando de antecipação da tutela disciplinada no artigo 2735 do Código de Processo Civil, que, segundo esse
autor, “[...] tem perfeito cabimento na arbitragem”, sendo aplicadas as
regras processuais, se outras não forem estabelecidas pelas partes ou
fixadas pelo árbitro, com o consentimento deste.
4 CONFLITO ENTRE DECISÃO ARBITRAL E JUDICIAL
O árbitro tem o poder de conhecer do litígio e julgá-lo. Todavia,
quem tem o poder de executar a decisão, isto é, o poder coercitivo, é o
juiz togado. É nesse ponto que surge o conflito entre a decisão arbitral e
a judicial. Ocorre que o árbitro solicita a efetivação de sua decisão ao
juízo togado, seja ela uma medida cautelar, seja ela uma antecipação de
tutela ou uma liminar, e este contraria.
Ora, o Poder Judiciário entende que não é de competência do
árbitro conceder tais medidas. O que fazer nesse caso? É o grande problema hoje enfrentado pelo instituto arbitral.
A lei determina que quem tem o poder coercitivo é o juiz togado e
não o árbitro. Portanto, quem deve efetivar as medidas cautelares, a tutela antecipada ou a liminar é tão-somente o juiz togado. É um absurdo
concordar com tal posição, como J. E. Carreira Alvim e outros autores
consagrados não concordam com esse entendimento, pois acabaria o
Estado, para satisfazer seu imperium, controlando o árbitro.
5
“Art. 273 O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os
efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se
convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação; II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2º Não se concederá a
antecipação da tutela, quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua
natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A. § 4º A tutela
antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até
final julgamento. § 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida, quando um ou
mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7º Se o
autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar
em caráter incidental do processo ajuizado.”
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Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva
93
Há algum método para coibir essa atitude do juiz togado? Não.
Como a lei lhe atribuiu a prerrogativa, nada pode ser feito. Entretanto,
quando ele não aceita a decisão arbitral, somente a parte e não o árbitro
terá legitimidade para interpor o recurso cabível. Não fica descartada a
correição parcial ou a reclamação conforme previsto nos regimentos internos dos tribunais.
Para J. E Carreira Alvim, o mais acertado é o recurso de apelação,
pois a decisão judicial põe fim ao procedimento na fase judicial. Dessa
forma, vale sempre acreditar que a decisão de um árbitro tem força e
que, mesmo um juiz togado entendendo não ser de competência daquele, as partes poderão recorrer.
5 TUTELA ANTECIPADA NA ARBITRAGEM (MEDIDAS COERCITIVAS,
CAUTELARES E ANTECIPAÇÃO DE TUTELA)
Sabe-se que a tutela de urgência reflete a realidade do mundo
contemporâneo, as necessidades, os problemas, as aspirações atuais da
sociedade civil. Os métodos tradicionais são muito demorados e, em se
tratando de uma medida de urgência, surge o dever de criar algo alternativo que possa ser capaz de atender àquelas necessidades com mais
velocidade.
Joel Dias Figueira Junior6 ensina:
As tutelas sumárias (cautelares ou não) servem, em outras palavras, para neutralizar os efeitos do tempo que incidem
impiedosamente sobre os bens litigiosos e reflexamente sobre as
próprias partes litigantes, em razão da duração do processo cognitivo
exauriente ou do processo de execução.
Isso significa dizer que é a própria efetividade do processo por
“remédios” jurídicos mais apropriados e de medidas que atenuem o indesejável fenômeno do retardamento da prestação jurisdicional do Estado.
Ainda o mesmo autor reafirma que:
Mais do que outras técnicas de diferenciação de tutela, a antecipação de seus efeitos é talvez a que melhor se harmoniza com o atual
sistema processual, na medida em que pode ser adotada sem maiores transformações na estrutura.7
6
7
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução, p. 213.
Ibid., p. 217.
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94
Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ...
Desse modo, as tutelas de urgência, sejam cautelares ou
antecipatórias, realizam por meio do Estado-juiz e, sobretudo, pela arbitragem, matéria discutida neste artigo, a abreviação dos conflitos de interesses resistidos ou insatisfeitos, voltando-se à pacificação social.
A grande polêmica, portanto, está em discutir a possibilidade ou
não de o árbitro ser detentor do poder de decretar medidas cautelares e,
principalmente, a antecipação de tutela. Muitos autores negam essa possibilidade e afirmam que tal poder apenas o detém o juiz togado. Contudo, outros, menos conservadores, acreditam que o juiz arbitral poderá
até decretar uma tutela antecipada ou uma liminar ou uma medida cautelar,
mas não terá o imperium, ou seja, o poder de efetivá-las.
A doutrina procura ainda diferenciar duas situações: antes da instauração do juízo arbitral e após sua efetivação. Se instaurado, preenchidos os requisitos que a lei determina (perigo de dano irreparável ou de
difícil reparação, verossimilhança do direito alegado), quaisquer das partes poderão pleitear ao árbitro ou ao tribunal arbitral a concessão de tutela antecipada.
Caso as partes não tenham ainda adotado a arbitragem, deverão recorrer ao juiz estatal (artigo 22, § 4º, Lei 9.307/96). É o que preleciona
Joel Dias Figueira Junior8:
Desde que instaurado o juízo arbitral, inexiste possibilidade jurídica
de o interessado dirigir qualquer desses requerimentos ao juiz togado
que seria competente, originariamente, se fosse o caso, para conhecer da lide principal.
O Professor J. E. Carreira Alvim9, em brilhante reconhecimento de
medidas cautelares e antecipatórias no instituto arbitral afirma ainda que:
Mas que o árbitro não disponha de poderes para decidir sobre medidas cautelares ou coercitivas (incidentes ou preparatórias) é algo
que ainda não se demonstrou, limitando-se a doutrina ortodoxa a
recitar a uma ‘cartilha’ com velhas lições, que não mais se amoldam
com a moderna Lei de Arbitragem.
Fica claro o entendimento do autor, pois é por causa dos extremados posicionamentos da doutrina ortodoxa ou conservadora que ao árbitro é negado o poder de cautelar lato sensu.
8
9
Ibid., p. 222.
ALVIM, J. E. Carreira, op. cit., p. 334.
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O maior problema é quando a convenção de arbitragem for omissa ou silenciar-se ao prever o poder aos árbitros para decretarem medidas cautelares ou antecipatórias, devendo, nesse caso, submeter-se não
apenas à Lei Arbitral, mas também ao Código de Processo Civil, pois o
objetivo é resguardar ou preservar os interesses e direitos das partes.
Nota-se que o artigo 22 da Lei 9.307/9610, expressamente postula
a medida coercitiva ao juízo arbitral, quanto a colher provas, ouvir testemunhas, determinar perícias, de modo que, após cumprimento dessa exigência, a ele é facultado solicitar sua imposição ao juiz togado. Significa
que ao árbitro é permitido decretar medidas coercitivas ou cautelares,
ainda que tenha que requerer ao Poder Judiciário a imposição delas.
Do mesmo modo, o § 4º do referido dispositivo11 estabelece que,
ressalvado § 2º, em havendo a necessidade de decretar uma tutela antecipada, uma medida cautelar ou coercitiva, o árbitro poderá solicitá-las ao
órgão do Poder Judiciário, sendo aquele competente para julgar a causa.
Quando a lei determina expressamente que o árbitro “poderá”, é possível
entender a possibilidade de ele conhecer tal necessidade e decretá-la,
pois não tem o dever de solicitar ao Estado, mas, tão-somente, poderá,
isto é, torna-se facultativo.
É claro que o poder coercitivo está com o Poder Judiciário que
detém da competência para efetivar a tutela antecipada e a medida cautelar
ou coercitiva, caso se façam necessários atos materiais de coerção. Dessa forma, deve-se distinguir a concessão e a efetivação da medida, uma
vez que cabe ao órgão arbitral conceder ou decretar, mas precisará do
Judiciário para a efetivação.
Nesse sentido, o árbitro terá a iniciativa de determinar quaisquer
medidas coercitivas relacionadas com a instrução do processo, só que se
valendo do órgão do Poder Judiciário, se houver resistência ao cumprimento delas. Os autores Sérgio Bermudas12 e Pedro Antônio Batista Martins13
10
Poderá o árbitro ou o Tribunal Arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias,
mediante requerimento das partes ou de ofício.
11
“Art. 22 [...] § 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas
coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário
que seria, originariamente, competente para julgar a causa.”
12
BERMUDAS, Sergio. A nova lei de arbitragem no Brasil. Seminário Internacional sobre Arbitragem Comercial. Comitê Brasileiro da CCI – Câmara de Comercio Internacional e Confederação Nacional do Comércio, 26 maio 1997.
13
MARTINS, Pedro Antônio Batista. Seminário Internacional sobre Arbitragem Comercial. Comitê Brasileiro da CCI – Câmara de Comercio Internacional e Confederação
Nacional do Comércio, 26 maio 1997.
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Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ...
também são a favor de o árbitro decretar medidas cautelares e antecipação de tutela, se houver a necessidade. Nada impede as partes requererem tais medidas ao próprio juízo arbitral, nem que ele as conceda, pois
elas não poderão, segundo a visão desses autores, se dirigir ao Poder
Judiciário, sem antes ter obtido a determinação do juízo arbitral.
O interessante é que, mesmo não instituída a arbitragem, a doutrina tem admitido o recurso ao juiz estatal, a fim de que, dado o caráter de
urgência, conceda a medida cautelar ou a tutela antecipada.
Há ainda uma minoria de autores que alegam que, se a convenção de arbitragem nada dispuser a esse respeito, havendo necessidade
de concessão de medida acautelatória ou antecipatória, esta poderá ser
pleiteada, mesmo não tendo sido instituído o juízo arbitral.
É brilhante o que argumenta J. E Carreira Alvim14 sobre a necessidade do juízo arbitral decretar a medida cautelar ou a tutela antecipada.
Observe-se:
Vincular o juízo arbitral ao juízo togado, na eventualidade da necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, além de nada acrescentar em termos de proteção aos direitos constitucionais, presta-se
a restringir os poderes jurisdicionais do árbitro, pondo toda a arbitragem na dependência de uma justiça sabiamente lenta, e que não
tem condições de dar respostas satisfatórias às necessidades imediatas das partes interessadas.
E mais:
O árbitro dispõe de poderes para resolver o próprio mérito do litígio,
nos quais foi investido por um ato de confiança das partes, por que
não teria para conceder um simples provimento antecipatório, que
não passa de antecipação dos efeitos da decisão de mérito?
Isso é verdade, pois, embora o árbitro não tenha o poder de efetivar ou executar o provimento antecipatório, tem o poder cognitivo. Significa que a ele é outorgado o poder de proferir ou decretar uma decisão,
portanto uma medida cautelar ou uma tutela antecipada.
Este artigo pretende não debater se o árbitro também possui o
poder de executar a sentença, embora ele tenha permissão para providenciar tal medida, requerendo depois a imposição ao juiz togado, mas,
tão-somente, se pode ou não decretar tais medidas de urgência.
14
ALVIM, J. E. Carreira, op. cit., p. 335-336.
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A finalidade do juízo arbitral é a de conhecer o conflito e julgá-lo.
Caso seja concedida a tutela antecipada, porém a parte condenada não a
cumpre, ao árbitro caberá solicitar ao órgão do Poder Judiciário a execução dela. Se este recusar-se, é cabível medida de segurança ao Tribunal
Superior.
Em contrapartida, o Código de Processo Civil Italiano declara que
ao árbitro não cabe conceder seqüestros, nem outros provimentos
cautelares, o que o oposto à Lei de Arbitragem brasileira. Quando a lei
italiana determina expressamente ao árbitro não “conceder”, é diferente
da Lei Arbitral brasileira que estabelece que é facultado ao árbitro “solicitar” ao órgão do Poder Judiciário. O árbitro só irá pedir ao juiz estatal a
execução da tutela antecipada ou da medida cautelar, caso a parte não
cumpra a decisão proferida por aquele. Mas, se o árbitro concede a cautelar
ou a tutela antecipada, e a parte cumpre voluntariamente a obrigação,
não há por que a autoridade judicial intervir.
Percebe-se que ao árbitro são atribuídas duas formas, a da necessidade de intervenção do Estado e da não intervenção pelo cumprimento da medida pela parte, ou seja, ele pode conceder pelo iurisdictio,
mas não pode efetivar por não ter o poder de imperium. Na verdade, essa
possibilidade que a Lei de Arbitragem confere ao árbitro de solicitar ao
Poder Judiciário a execução da decisão, seja ela medida cautelar, seja
ela tutela antecipada, é como se fosse um apoio. Esse apoio somente
terá força, se não comprometer o desenvolvimento da arbitragem, limitando ou controlando o próprio comportamento do árbitro.
Ressalte-se que ao árbitro é atribuído o poder de conceder a medida cautelar sem a anuência das partes, isto é, de oficio, mas em uma
única hipótese disciplinada nos artigos 79715 e 79816 do Código de Processo Civil. Seria um absurdo o árbitro não poder conceder a medida
provisória, a pedido das partes, sabendo-se que, se demorar muito, causará ao direito dela lesão grave e de difícil reparação. Ora, a lei permite
que o árbitro, pela vontade das partes, decida o mérito do litígio, sem que
haja intervenção estatal mediante recursos ou homologação da decisão.
15
16
“Art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o
juiz medidas cautelares sem a audiência das partes.”
“Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no
Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide,
cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”
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Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ...
Dessa forma, tendo o árbitro os mesmos poderes de um juiz togado,
exceto o poder coercitivo, estará autorizado pela convenção arbitral a
decretar tutela antecipada ou medida cautelar ou provisória. É claro que a
convenção arbitral deve regular expressamente quais os poderes que o
árbitro terá, principalmente, quanto ao pronunciamento de medidas
cautelares. Em não havendo autorização pelas partes na convenção
arbitral, elas poderão solicitar à justiça comum tal procedimento ou, ainda, o próprio árbitro de ofício requerer ao Estado, a fim de garantir a
efetividade da arbitragem, ciente de que o poder dela iudicium continua
existindo.
O autor Humberto Theodoro Júnior17 entende ao contrário do que
já foi argumentado, pois a lei não confere ao árbitro ou ao Tribunal Arbitral
poder de tomar medidas coercitivas ou medidas cautelares em caráter
preparatório ou incidental. Para ele, o árbitro deverá solicitar ao órgão
judiciário que conceda e execute, se necessário, tal medida.
Diferentemente, Ernane Fidélis dos Santos18 entende que as medidas cautelares e coercitivas no juízo arbitral só são decretáveis por solicitação do árbitro, não competindo às partes requerê-las diretamente ao
juiz estatal. Deve-se levar em consideração sempre a vontade das partes, pois, se elas na convenção arbitral deixarem expressamente a condição de que ao árbitro não é permitido decretar ou conceder medidas
cautelares ou coercitivas ou tutela antecipada, o poder deste ficará circunscrito apenas à lide principal.
Mais uma vez, J. E. Carreira Alvim19 demonstrou profundo conhecimento da matéria:
As decisões arbitrais sobre provimentos antecipatórios não se sujeitam, de imediato, à ação anulatória, que só alcança as sentenças
arbitrais, como se vê do disposto no art. 3320 da Lei de Arbitragem.
Por fim, o árbitro, em nenhuma hipótese, pode ‘solicitar’ medidas
cautelares ao juiz togado, cabendo-lhe decretá-las, fundado no seu
iudicium, e, só depois, solicitar a colaboração do juiz togado para
efetivá-las, se não forem cumpridas voluntariamente.
17
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 17. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1998. p. 368. v. 3.
18
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 1996. p. 145. v. 3.
19
ALVIM, J. E. Carreira, op. cit., p. 341.
20
“Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a
decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei.”
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É com esse entendimento que a doutrina vem cada vez mais se
pautando na possibilidade de o árbitro decretar a tutela antecipada. Ora,
as partes renunciam à justiça comum e elegem a justiça privada, a fim de
que esta solucione todos os conflitos advindos de um contrato. Dessa
maneira, as partes estarão confiando a um árbitro julgar aquela causa.
Portanto, qual seria o problema de o juízo arbitral, autorizado pelas partes para dirimir todas as necessidades delas, conceder a tutela antecipada? A resposta é: nenhum. Basta verificar o artigo 273 do Código de Processo Civil que permite, sempre quando a parte requerer, ao juiz decretar
tutela antecipada:
O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório do réu.
O árbitro é eleito pelas partes por mera confiança, não havendo,
nesse caso, qualquer motivo que o impeça de decretar a tutela antecipada. Se eleito livremente pelas partes, portanto está preparado para analisar o caso. Se optar por conceder a tutela antecipada ou a medida cautelar,
poderá fazê-lo sem a intervenção do Poder Judiciário. Por essas razões é
que o árbitro poderá decretar a medida cautelar ou a antecipação de
tutela.
Conclui o Professor Pedro Antônio Batista Martins21:
Não há porque negar ao árbitro a possibilidade de antecipar a tutela
seja por conta da aplicação à arbitragem – por escolha das partes –
das regras processuais nacionais (e, se aplicável ao procedimento
comum, a antecipação de tutela vem à baila), seja por conta de expressa adoção desta técnica de potencialização da eficácia da tutela jurisdicional no procedimento criado ou escolhido pelas partes
para solucionar seu litígio. E considerando que a antecipação da
tutela nada mais é do que a técnica que permite ao julgador desde
lodo conceder à parte um, alguns ou todos os efeitos que a decisão
final haverá de produzir (no momento oportuno) é evidente que caberá ao árbitro – e não ao juiz togado – tomar decisão a respeito,
devendo a parte interessada na obtenção do provimento dirigir-se
ao juiz privado (e não ao estatal). Decidida pelo árbitro a antecipação de tutela, resta saber se haverá ou não necessidade de concurso de força para sua implementação. Se houver, o auxilio do juiz
togado será requisitado nos mesmos moldes relatados anteriormente.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006.
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Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ...
Enfim, o que o professor quis destacar foi que o árbitro sendo
escolhido pela vontade das partes, além de decidir questão relativa à
tutela antecipada, poderá decidir sobre medidas cautelares e coercitivas.
É claro que a exceção se dará quando não houver o cumprimento de uma
das partes da decisão arbitral, devendo-se solicitar auxilio ao poder estatal para o efetivo acatamento.
Outro autor que procura explicar essa idéia é o jurista Joel Dias
Figueira Junior22:
Após o deferimento da tutela de urgência e verificado o não cumprimento espontâneo da medida, o árbitro ou o presidente do tribunal
arbitral oficiará o órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa, solicitando que dê efetividade
à medida já concedida. O requerimento será necessariamente instruído com a prova da existência da convenção arbitral, sendo dispensável qualquer outra formalidade ou demonstração (artigo 22,
parágrafo 4º). Neste caso, ao Estado-Juiz não é conferido pelo sistema qualquer poder para rever ou modificar a decisão concessiva
da tutela emergencial proferida em juízo arbitral, nem mesmo indagar quanto à necessidade e utilidade da prova testemunhal, nas hipóteses em que a testemunha faltosa deva ser conduzida (artigo 22,
parágrafo 2º, in fine).
Diante de todos esses argumentos, é certo que o árbitro poderá,
se houver necessidade, atender ao pedido das partes, conceder ou decretar a tutela antecipada e ainda medidas cautelares e coercitivas.
Ao Estado-juiz não é conferido pelo sistema qualquer poder para
rever ou modificar a decisão concessiva de tutela emergencial proferida
em juízo arbitral. Ressalte-se que ao Poder Judiciário caberá, apenas,
em caso de não-cumprimento de uma das partes da decisão arbitral, exercer o imperium, isto é, dar efetividade àquela sentença que concedeu o
provimento antecipatório.
21
22
MARTINS, Pedro Antônio Batista. Da ausência de poderes coercitivos e cautelares do
árbitro. In: PUCCI, Adriana Noemi (Coord.). Aspectos atuais da lei de arbitragem.
Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 364.
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. p. 222.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006.
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101
6 CONCLUSÃO
No presente artigo restou demonstrado que, apesar de o Brasil
estar em um processo lento de aperfeiçoamento e aceitação do instituto
arbitral, não há dúvidas de que o sistema cada vez mais ganha espaço
entre os juristas como método de solução de litígios mais rápido e menos oneroso.
Se não bastasse, há autores que entendem que somente o juiz
estatal poderia decretar tutela antecipada ou medida cautelar e reconhecer o procedimento arbitral ou mesmo declarar nula a sentença arbitral.
Então, o árbitro poderia, tendo ele os mesmos quesitos, competência
para decretar tais medidas emergenciais? Essa é a questão debatida neste
artigo com o intuito de divulgar não só a arbitragem como meio alternativo de pacificação social, sequer se aprofundar em relação à tutela antecipada, mas também a importância que tornaria, se ao árbitro fosse permitida a medida.
É claro que esse entendimento não predomina, e a doutrina acredita na possibilidade de o árbitro conceder tutelas antecipadas e até providenciar sua execução, mas sempre ressalvando que, em caso de
descumprimento, deverá pedir auxilio ao juiz togado. Além de ser rápida
e eficaz, a lei arbitral não diz expressamente que lhe é proibido. Pelo
contrário, no artigo 22, § 4º faz referência a essa possibilidade. Inclusive,
diz ser facultado (poderá) o auxilio do juiz togado, apenas pelo
descumprimento da decisão arbitral que concedeu a tutela antecipada.
No mais, a solução adotada no Brasil é, sobretudo, lógica, pois, se
o árbitro está autorizado a regular definitivamente o conflito, não seria
razoável impedi-lo de conceder incidentalmente medidas de urgência de
oficio ou por requerimento dos interessados, desde que a hipótese vertente justifique a tomada dessa providencia emergencial.
Nesse sentido, Carlos Alberto Carmona23 entende que se repeliu a
possibilidade de o árbitro servir de interlocutor perante o juiz togado para
tornar concreta uma decisão cautelar:
Isto levaria a situações francamente insustentáveis, tornando-se árbitro um mero substituto processual da parte que apenas instaria o
árbitro a requerer (em nome próprio) a tutela de um pretenso direito
do litigante.
23
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. p. 215.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006.
102
Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ...
Além disso, a doutrina ou admite de modo absoluto ao árbitro conceder tutela antecipada, medidas coercitivas ou cautelares, providenciando a execução delas, ou, caso não lhe seja permitido, o § 4º do artigo
22 será letra morta.
Enfim, mesmo que não contasse expresso na Lei de Arbitragem, a
concessão de medida cautelar ou coercitiva seria poder implícito à função desempenhada pelo árbitro, já que a ele cabe julgar a questão posta
e buscar viabilizar o resultado final pretendido.
REFERÊNCIAS
ALVIM, J. E. Carreira. Direito arbitral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004.
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução. São
Paulo: RT, 1999.
BERMUDAS, Sergio. A nova lei de arbitragem no Brasil. Seminário Internacional sobre Arbitragem Comercial. Comitê Brasileiro da CCI –
Câmara de Comercio Internacional e Confederação Nacional do Comércio, 26 maio 1997.
MARTINS, Pedro Antônio Batista. A nova lei de arbitragem no Brasil. Seminário Internacional sobre Arbitragem Comercial. Comitê Brasileiro
da CCI – Câmara de Comercio Internacional e Confederação Nacional do
Comércio, 26 maio 1997.
______. Da ausência de poderes coercitivos e cautelares do árbitro. In:
PUCCI, Adriana Noemi (Coord.). Aspectos atuais da lei de arbitragem.
Rio de Janeiro: Forense, 2001.
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 1996, v. 3, p. 145.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil.
17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 3.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006.
Marlene Fuverki Suguimatsu
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PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E
PROTEÇÃO AO TRABALHO: PERSPECTIVA
CONSTITUCIONAL, À LUZ DA DIRETRIZ DE
TUTELA DO SER HUMANO
ENTERPRISE’S MAINTENANCE AND LABOR
PROTECTION: A CONSTITUTIONAL
PERSPECTIVE TOWARDS THE HUMAN BEING
RIGHTS PROTECTION
PRESERVACIÓN DE LA EMPRESA Y LA
PROTECCIÓN DEL TRABAJO: PERSPECTIVA
CONSTITUCIONAL, BAJO LA LUZ DE LA
DIRECTIZ DE TUTELA DEL SER HUMANO
MARLENE FUVERKI SUGUIMATSU
___________________________________________________________
Mestre e doutoranda em Direito Econômico e Social pela PUCPR,
Professora das Faculdades Integradas Curitiba,
Professora de pós-graduação da PUCPR,
Desembargadora Federal do Trabalho, no TRT 9ª Região
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006.
104
Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006.
105
Marlene Fuverki Suguimatsu
Sumário: 1 Introdução. 2 Empresa: fenômeno socioeconômico e base
da sociedade contemporânea. 3 Preservação da atividade empresarial
como princípio estruturante do Direito de Empresa no Código Civil. 4
Princípio da preservação da empresa e princípio da continuidade dos
contratos de trabalho: possível equilíbrio. 5 Conclusão. Referências.
RESUMO
A atuação da empresa ultrapassa fronteiras internas e o aspecto puramente econômico. Dimensões jurídicas, políticas, sociais e ambientais
aparecem, o que implica valorizar a conservação da atividade empresarial, agora traduzida no “princípio da preservação da empresa”. É no espaço da produção que, em geral, materializam-se as relações de trabalho, e
o Direito do Trabalho ocupa-se do estudo da empresa para priorizar a
tutela dos indivíduos que ali se inserem como partícipes do processo produtivo, em regime de subordinação ao empresário. Tutela-se, o quanto
possível, o direito de acesso a um posto de trabalho e a garantia de permanência nele. Com a Constituição Federal de 1988 instaurou-se, no
Brasil, nova ordem econômica, guiada pelo anseio de evitar que a iniciativa econômica privada se desenvolva em prejuízo à promoção da dignidade humana e à justiça social, fundamento da República e princípio da
ordem econômica. Preservação da empresa e preservação dos empregos têm fundamento comum na Constituição; os dois princípios se interrelacionam e se completam. O Direito Civil brasileiro, com o Código de
2002, passou a tutelar a atividade empresarial. Aplicar adequadamente a
nova tutela exige, porém, que se rompa com conceitos clássicos civilistas,
de inspiração patrimonialista e individualista que permearam o Código de
1916. Pensar a empresa, hoje, significa delimitar seu papel e suas funções na sociedade e reconhecer que a Constituição não só assegurou a
livre iniciativa, mas também a valorização do trabalho humano; garantiu o
direito de propriedade, mas lhe impôs como norte o desempenho de função social; elegeu o princípio da livre concorrência, mas cuidou da expectativa de pleno emprego. Essa compreensão é fundamental para alcançar o sentido da mudança e identificar suas possíveis dimensões, o que
implica ponderar entre o princípio da preservação da empresa e o da
continuidade da relação de emprego. Esta tem conotação não apenas
patrimonial; as obrigações e os direitos que dela decorrem não se esgotam na prestação de serviços e no pagamento dos salários contratados.
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106
Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
Continuidade e eventual perpetuidade dos contratos produzem, a muitos
trabalhadores, ao empregador e à empresa, relações de diversas ordens
e representam importante perfil do princípio da proteção, do qual decorre
a tutela dos trabalhadores e de seus direitos subjetivos. Neste estudo,
busca-se refletir sobre a compatibilidade entre os dois princípios no atual
contexto de sociedade capitalista, de economia globalizada e de crescente degradação das relações de trabalho. Ler o princípio da preservação
da empresa, afinado com os novos valores exige considerar o Direito
Empresarial indissociavelmente ligado ao Direito do Trabalho e à proteção do emprego, pois ambos se movem pela diretriz constitucional de
tutela do ser humano.
Palavras-chave: atividade empresarial, preservação, relação de trabalho, tutela constitucional, direitos humanos.
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107
Marlene Fuverki Suguimatsu
ABSTRACT
The performance of an enterprise transcends its internal borders and its
purely economic aspect. Juridical, political, social and environmental
dimensions show up, translated on the ‘principle of enterprise’s
maintenance’. Work relationships are materialized on the production’s
space; therefore the Labor Law studies the enterprise phenomenon, in
order to prioritize the protection of workers, as participants of the productive
process, in subordination to the employer. As much as possible, it is tried
to protect the right to get an occupation and keep it. Since the Federal
Constitution of 1988, Brazil has a new economic order, destined to avoid
that the private economic initiative harms the development of Human Dignity
– ground idea of the Republic – and Social Justice, which is a principle of
the economic order. Enterprise’s maintenance and Employment
maintenance have the same substrate on the Constitution, are
interconnected and complete each other. Brazilian Civil Law, with 2002
Code, began to regulate the enterprise’s activity. Though, the concrete
application of this new protection demands a break with traditional concepts
from Civil Law, which were found on 1916’s Code. To think the enterprise
today means to define clearly its role and functions on the society, and
accept that the Constitution granted freedom of initiative, but also the human
labor valorization; as well, it granted right of property, but imposed a social
function; elected the principle of freedom of competition, but took care of
the expectance of a good work place for all. This comprehension is fundamental to understand the meaning of the change and identify its possible
dimensions, which implies pondering between the principle of company’s
maintenance and work relationship continuation. The latter should not only
be seen through patrimonial aspect: the related obligations and rights are
not limited to labor and payment. The continuation of a working contract
produces relations of many kinds both to employees and employers, and
means an important aspect of the principle of protection, from which comes the defense of workers and their subjective rights. On this study, it is
tried to think about the compatibility between those two principles on the
context of a capitalist society, of global economy and worsening of working
conditions. To think the principle of enterprise’s maintenance, tuned with
these new values, demands to consider the enterprise’s law connected to
labor law and protection of employment, because both are guided by the
constitutional protection of the human being.
Keywords: enterprise, society, maintenance, labor relationship,
constitutional protection, human rights.
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Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
RESUMEN
La acción de la empresa trasciende fronteras internas y el aspecto
únicamente económico. Dimensiones jurídicas, políticas, sociales y
ambientales aparecen, así que se hace necesario valorizar la conservación
de la actividad empresarial, ahora traducida en el “principio de la
preservación de la empresa”. Es en el espacio de la producción que, en
general, se materializan las relaciones de trabajo y por eso el Derecho del
Trabajo se ocupa del estudio de la empresa para priorizar la tutela de los
individuos que allí participan en el proceso productivo, en régimen de
subordinación al empresario. Se tutela, siempre que posible, el derecho
de acceso a un puesto de trabajo y la garantía de permanencia en él. Con
la Constitución Federal de 1988 se instauró, en Brasil, una nueva orden
económica, motivada por el deseo de evitar que la iniciativa económica
privada se desarrollara de forma perjudicial a la promoción de la dignidad
humana y a la justicia social, fundamento de la República y principio de la
orden económica. La preservación de la empresa y la preservación de los
empleos tienen fundamento común en la Constitución; ambos los principios
se encuentran interrelacionados y se completan. El Derecho Civil brasileño,
por medio del Código de 2002, empezó a tutelar la actividad empresarial.
Aplicar adecuadamente la nueva tutela exige, sin embargo, la ruptura con
conceptos clásicos civilistas, de inspiración patrimonialista y individualista que se encuentran a menudo en el Código de 1916. Pensar la empresa, hoy día, significa delimitar su papel y sus funciones en la sociedad y
reconocer que la Constitución, en la Orden Económica, aseguró la libreiniciativa, pero también la valorización del trabajo humano; garantió el
derecho de propiedad, pero le ha impuesto como norte el ejercicio de
función social; elegió el principio de la libre competencia, pero ha cuidado
de la expectativa de pleno empleo. Esta comprensión es fundamental
para alcanzar el sentido del cambio y identificar sus posibles dimensiones,
lo que hace necesario ponderar entre el principio de la preservación de la
empresa y el de la relación de empleo. El sentido de esta última no es
solamente patrimonial: las obligaciones y los derechos que de ella se
originan no se reducen a la prestación de servicios y al pagamiento de los
sueldos contratados. La continuidad y eventual perpetuidad de los contratos producen, para muchos trabajadores, para el empresario y para la
empresa, relaciones de diversas órdenes y representan importante perfil
del principio de la protección, y en consecuencia, la tutela de los
trabajadores y de sus derechos subjetivos. En esto estudio, se busca
refletir sobre la compatibilidad entre los dos principios en el actual cenarlo
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de sociedad capitalista, de economía globalizada y de creciente
degradación de las relaciones de trabajo. Leer el principio de la
preservación de la empresa, paralelamente a los nuevos valores, exige
considerar el Derecho Empresarial de forma inseparable del Derecho del
Trabajo y de la protección del empleo, ya que ambos se mueven por la
directriz constitucional de la tutela del ser humano.
Palabras clave: actividad empresarial, preservación, relación de trabajo,
tutela constitucional, derechos humanos.
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Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
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1 INTRODUÇÃO
O papel da empresa, na sociedade atual, transcende as fronteiras
internas e o aspecto puramente econômico. Liga-se às várias manifestações do direito de propriedade e ao estabelecimento de relações jurídicas, no que se incluem os consumidores e os trabalhadores, além de
suas interações políticas, sociais e relativas ao meio ambiente.
A empresa surge da condição de proprietário, do empreendedor, e
da disposição deste em assumir riscos, bem como de sua natural propensão ao lucro. É o espaço, por excelência, em que se materializam as
relações de trabalho. Por essa razão, o Direito do Trabalho ocupa-se de
seu estudo, com a observação de que, para fins de Direito Laboral, o
objeto de tutela não é diretamente o conjunto de bens da empresa e suas
relações, mas os indivíduos que nela se inserem para participar do processo produtivo em regime de subordinação ao empresário.
A Constituição Federal de 1988 instaurou no País uma nova ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, observando-se a função social da propriedade e a busca do
pleno emprego. Nessa ordem, procura-se evitar que a iniciativa econômica privada se desenvolva em prejuízo à promoção da dignidade humana
e à justiça social, o que leva à ponderação os princípios da “preservação
da empresa” e da “preservação dos empregos”. Ambos têm fundamento
comum na Constituição; daí se sustentar que se inter-relacionam e se
completam. O Direito Empresarial está indissociavelmente vinculado ao
Direito do Trabalho e ambos se movem pela diretriz constitucional de
tutelar o ser humano.
O presente estudo propõe analisar em que medida o desejável
equilíbrio entre a garantia do direito ao trabalho e à segurança do trabalhador no emprego e a garantia de pleno desenvolvimento econômico da
empresa são possíveis, no contexto da atual sociedade, de economia
capitalista e globalizada e de intensa competitividade.
2 EMPRESA: FENÔMENO SOCIOECONÔMICO E BASE DA
SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Um dos fenômenos mais significativos, no campo da produção foi
o surgimento da empresa. Esta, como expressão do modelo produtivo
industrial e capitalista da era moderna, propôs-se agregar, em um só espaço, os meios de produção e os produtores. Pode ser considerada, a um
só tempo, sujeito de direito proprietário e propriedade, com a caracterísR. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006.
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Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
tica de só se concretizar pela ação, com a atividade empreendedora, como
observa Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa (2006, p. 1).
A formação histórica da empresa encontra em estudos de Evaristo
de Moraes Filho (1993, p. 19) um possível momento, a partir do qual se
teriam manifestado os primeiros germes dos futuros empreendimentos
empresariais. Seria a fase final da Idade Média, em que as condições
técnicas eram quase exclusivamente rurais, com o uso mínimo de atividade industrial. Trabalhadores ambulantes, que eram agricultores, também executavam alguns serviços especializados e teriam constituído o
embrião de uma nova classe: os artesãos. Teriam abandonado a agricultura e os campos e instalado oficinas próprias, em que trabalhavam auxiliados por membros da família, alguns aprendizes e poucos companheiros. Ali, recebiam encomendas de particulares por parte de outro novo
personagem histórico: os clientes. As oficinas ou explorações, que eram
individuais, comunicavam-se apenas para troca dos serviços.
A mercadoria, como hoje concebida, surgiu, e a produção passou,
então, a ter finalidade precípua de venda. Produzia-se para vender à clientela, mediante pagamento em moeda. A empresa, como unidade de
produção, teria marcado aí seu nascimento. A narrativa de Moraes Filho,
a partir de Schmoller (1993, p. 22), elucida esse fenômeno:
[...] quando um certo número de indivíduos, famílias ou personalidades coletivas começam, de modo contínuo e conforme a certos usos
e certas regras de direito, o empreendimento de fornecer regulamente para o mercado certas prestações ou fazer certas entregas
de mercadorias, para delas retirar, pela venda e pela compra, um
lucro que lhe permita viver, ou pelo menos compensá-lo em seus
gastos, pode-se então falar em empresa.
Essa seria, porém, apenas a forma rudimentar, a manifestação
primitiva da empresa, já que apenas a partir do século XVIII foi possível
construir, com o desenvolvimento da atividade empreendedora, os contornos econômicos, políticos e jurídicos que viriam delimitar, ainda que de
forma imprecisa, as várias dimensões desse fenômeno, assim como institutos e conceitos a ele ligados, como a figura do empresário, a noção de
pessoa jurídica e a idéia de estabelecimento. Na expressão de Karl Polanyi
(2000, p. 93), foi com o auxílio do conceito de mercadoria que “[...] o
mecanismo do mercado se engrena aos vários elementos da vida industrial, entre eles o trabalho, a terra e o dinheiro.”
Aponta-se o comércio em larga escala como o grande propulsor
do surgimento e do desenvolvimento da empresa. E, ao se separar a
produção industrial em vários ofícios, delineou-se a divisão social do tra-
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113
balho, considerada semente dos modernos ramos da indústria. Nessa
fase, quando os contornos da empresa moderna já estavam bem delineados, surgiu um novo elemento, a contabilidade, com o fim de auxiliar na
construção do tipo conceitual da empresa. Com a proposta de permitir ao
comerciante saber sua margem de lucros e perdas, avaliar negócios e
obter visão de conjunto de seu patrimônio, a contabilidade permitiu ao
empresário desenvolver de forma racional e estratégica o empreendimento. Como conseqüência, surgiu a noção jurídica de firma ou negócio e, ao
lado de unidades naturais como família, tribo, aldeia e corporação, delineou-se uma unidade abstrata, o estabelecimento, que liberou as relações econômicas de qualquer elemento pessoal; estas adquiriram vida
própria.
Desse enfoque evolutivo extraem-se alguns momentos da origem
e evolução da empresa moderna que se consideram significativos: a rudimentar indústria em domicílio evolui para a manufatura, caracterizada
por grandes concentrações de produtores dispostos num mesmo local de
trabalho, controlados e orientados pelo empresário, capitalista mercantil,
que se transformou em capitalista industrial, organizador e financiador do
sistema de produção em larga escala; a divisão social do trabalho transformou-se em divisão técnica do trabalho no interior de cada organismo
produtivo, o que resultou em grande economia de esforço e maior rendimento, realidade que atraiu a atenção de pensadores econômicos, como
Adam Smith e Jean Baptiste Say, e propiciou tratamento teórico do fenômeno no plano da ciência econômica.1 (MORAES FILHO,1993, p.26-27).
A doutrina costuma considerar tormentoso construir uma definição de empresa, o que se atribui à costumeira expectativa de obter um
conceito unitário que seja suficiente para aliar aspectos econômicos e
jurídicos. Evaristo de Moraes Filho (1960, p. 327-328) já registrava essa
dificuldade ao noticiar que vários estudiosos, dedicados à compreensão
da teoria, da noção, dos delineamentos jurídicos da empresa, renderamse às queixas quanto aos empecilhos, referindo-se especialmente à doutrina italiana de L. Barassi, Carnelutti, Rocco e Rotondi.2
1
2
Coube a Jean Baptiste Say distinguir entre capitalista e empresário e mostrar que a
doutrina os confundia. O empresário era o organizador da unidade econômica do regime capitalista e a ele cabia combinar os fatores da produção sob sua responsabilidade
e risco.
“Para L. Barassi, o conceito jurídico de empresa é um ‘tormento da doutrina’; para
Carnelutti, ‘escabrosíssimo problema’; para Rocco ‘serve mais para confundir do que
para esclarecer as idéias’; para Rotondi, enseja ‘tantas definições quanto são os pontos
de vista diferentes nos quais podemos nos colocar a estudá-los.”
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Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
Alberto Asquini, citado por Requião (1991), vinculou as dificuldades na elaboração de um conceito de empresa à complexidade do fenômeno que impede a obtenção de conceito unitário; daí vislumbrar a empresa como um fenômeno poliédrico, que contempla os seguintes perfis:
subjetivo, na figura do empresário; funcional, enquanto atividade empreendedora exercida com fim lucrativo; objetivo ou patrimonial, como estabelecimento, complexo de bens organizados, coordenados e dirigidos pelo
empresário; corporativo, como instituição formada pelo empresário e
prestadores de trabalho (apud REQUIÃO, 1991, p. 52).
Parece necessário, no entanto, um ponto de partida seguro, o que
aconselha considerar empresa, antes de tudo, como um fato social. Tomase aqui o fato social como concebido por Émile Durkheim, em As regras
do método sociológico (2003). Como um dos primeiros grandes teóricos
da Sociologia, definiu com clareza o objeto dessa ciência e o vinculou aos
fatos sociais. O fato social, de acordo com Maria Cristina Castilho Costa
(2005, p. 81-83) seria experimentado pelo indivíduo como uma realidade
independente e preexistente e possuiria três características básicas: a
“coerção social”, considerada a força que os fatos exercem sobre os indivíduos, independente de sua vontade e escolha; a circunstância de serem “exteriores aos indivíduos”, ou seja, eles existem e atuam sobre os
indivíduos independentes da vontade destes ou de sua adesão consciente; a “generalidade”, sendo social todo fato que é geral, que se repete em
pelo menos na maioria dos indivíduos e que ocorre em distintas sociedades em um determinado momento ou ao longo do tempo. Assim compreendida a empresa, torna-se mais fácil vislumbrar o passo seguinte da
análise, pois como ocorre com todo fenômeno social, seu estudo comporta diferentes perfis. Resulta, então, que só se poderá obter alguma
precisão no alcance do vocábulo “empresa” se forem consideradas as
várias acepções ou os vários substratos que concorrem para a formação
de sua idéia central.
Para os fins deste estudo e sem receio de transparecer alguma
limitação na abordagem, considera-se suficiente versar os indissociáveis
aspectos econômicos e jurídicos, além dos sociológicos, estes pelo extenso campo de investigação da Sociologia sobre os processos sociais
que ocorrem no âmbito da empresa, seus efeitos na vida do ambiente
maior3 e suas relações com a divisão do trabalho social. Pela última perspectiva, colhe-se de Evaristo de Moraes Filho (1960, p. 235) a idéia de
empresa como um exemplo típico de grupo social organizado, com a observação de que há vários conceitos de grupo social, que, em regra, reúnem as características comuns de pluralidade de pessoas, interação e
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direcionamento para a realização de objetivos comuns, além do senso de
solidariedade, o sentimento do “nós”.
No sentido sociológico, a empresa constitui uma forma especial de
unidade social, com um meio interno próprio, relativamente autônomo que
mantém relações com a comunidade que a cerca. Distingue-se das demais unidades pelo seu fim, que é a satisfação das necessidades humanas, e conta diretamente com a hierarquia e a disciplina. Nesse ambiente,
realizam-se todos os processos sociais de interação, como ocorre num
âmbito social mais amplo: há competição interna e externa, há conflito,
acomodação, assimilação e, por fim, mesmo sem solução definitiva dos
conflitos, sempre certa cooperação entre todos, para obter o fim almejado.
Pode-se afirmar, também, que, como organização, a empresa acaba sendo o campo em que conflitos próprios da convivência humana, numa estrutura de fortes desigualdades sociais, muitas vezes se acentuam.
Numa perspectiva econômica, encontram-se as mesmas dificuldades apontadas pela doutrina jurídica. Afirma-se em economia política
que haverá tantos conceitos de empresa quantos forem os tratados ou
cursos voltados ao assunto. Alguns serão excessivamente amplos; outros, acentuadamente técnicos; outros, ainda, mais estreitos do que em
regra se adotam entre os economistas. O conceito econômico procura
considerar especialmente o fato de a empresa constituir uma unidade de
pessoas, de coisas e de bens, com um giro financeiro autônomo e próprio.4 (MORAES FILHO, 1993, p. 30-34)
José Xavier Carvalho de Mendonça ocupou-se em delimitar a concepção de empresa a partir de seus aspectos econômicos, o que revela
sua percepção, que é comum a outros juristas, de que a perspectiva econômica é que, em última análise, influencia o respectivo conceito jurídico.
Entende a empresa (1953, p. 492) como
3
4
Entende-se por “ambiente maior” a concentração de populações, migrações, relações
domésticas.
TRUCHY assim define: “Chamamos empresa toda organização, cujo objeto é produzir,
trocar ou fazer circular os bens ou serviços. A empresa é a unidade econômica na
qual se agrupam e coordenam os elementos humanos e materiais da atividade
econômica”. Para Joseph SCHUMPETER, pode-se denominar empresa a execução
de novas combinações e igualmente suas realizações nos estabelecimentos, etc. e
empresários os agentes econômicos, cuja função é executar novas combinações e
que são elementos ativos. A critica que se dirige à limitação de seu conceito é a de
que não engloba todos os agentes econômicos independentes, trabalhando por conta
própria.
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Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
[...] a organização técnico-econômica que se propõe a produzir,
mediante a combinação de diversos elementos – natureza, trabalho
e capital – bens ou serviços destinados à troca (venda), com a esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos
sob a sua responsabilidade.
Um abrangente conceito econômico de empresa exige que sejam
considerados alguns elementos essenciais, como propõe Evaristo de
Moraes Filho (1993, p. 34): uma sociedade suficientemente desenvolvida, sob regime de troca de serviços por meio da moeda; um mercado
amplo, anônimo, permanente, que dê consumo aos bens que lhe são
proporcionados; coordenação, pelo agente da produção, dos fatores indispensáveis (natureza, trabalho e capital); irrelevância de que o agente
seja, ele próprio, o detentor e fornecedor de capitais ou tenha que se
valer de fornecedores estranhos a seu negócio; necessidade de separação entre função diretiva e executiva, em que o organizador se vale de
trabalho alheio; espírito de lucro, avaliável em dinheiro e assunção do
risco pelo empresário.
O Direito ocupa-se, de longa data, em delimitar a idéia de empresa. Coube à doutrina do Direito Comercial elaborar alguns conceitos, não
sem polêmicas e sem tormentos. Rubens Requião havia observado, também, que o conceito jurídico de empresa se assenta no conceito econômico. O insucesso na construção de um conceito jurídico próprio revelou
certo constrangimento e frustração na doutrina5 (BULGARELLI, 1980, p.
111-124) o que levou o autor a comentar: “[...] como se fosse desdouro
para a ciência jurídica transpor para o campo jurídico um bem elaborado
conceito econômico.” (1991, p. 48).
As dificuldades conceituais, como observa Luiz Antonio Soares
Hentz (2002, p. 34-35), não impediram que a legislação complementar
aos Códigos Civil e Comercial brasileiros adotasse a figura da empresa
“[...] sempre que a oportunidade se fez presente, notadamente após 1964,
embora não tenha havido qualquer preocupação em se definir claramente a empresa por intermédio de dispositivo de lei.”
5
Pela dificuldade de encontrar um lugar determinado para a empresa, no Direito, num
primeiro momento, doutrinadores chegaram a desprezá-la como entidade cientificamente relevante. Waldemar Ferreira sustentou que a empresa não tinha enquadramento
possível no Direito, e Waldirio Bulgarelli que o ponto principal do problema seria a
subjetivação da empresa.
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Essa tendência persistiu, inclusive, no novo Código Civil, que veio
consagrar o Direito de Empresa, porém sem fixar-lhe um conceito técnico-legislativo. Ao tratar da teoria da empresa6, o novo código ratificou o
entendimento doutrinário e jurisprudencial que se vinha adotando com a
aplicação de leis esparsas. Ainda, ao revogar a primeira parte do Código
Comercial de 1850, unificou o tratamento legal da disciplina da atividade
econômica no País e tornou de pequena importância a noção de “atos de
comércio” ali regulados.
Ainda que o novo código não apresente um conceito de empresa,
as considerações do projeto e alguns pronunciamentos de Miguel Reale,
que presidiu a comissão de elaboração do texto, revelam que se adotou a
acepção dominante na doutrina, qual seja, a empresa como “unidade
econômica de produção” ou a “atividade econômica unitariamente
estruturada para a produção ou a circulação de bens e serviços”, como
se observa em O projeto de Código Civil: situação atual e seus problemas
fundamentais (1986, p. 98).
O Direito de Empresa, inspirado no Direito italiano, como observa
Luiz Antonio Soares Hentz (2002, pp. 39-41) é hoje tratado pelo Código
Civil Brasileiro, no Livro II, que disciplina a figura jurídica do empresário
individual, das sociedades, do estabelecimento e institutos complementares e indispensáveis à regulamentação da atividade empresarial contemporânea.
Marcelo Marcos Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro (2006, p.
50) observam que cada vez mais se sedimenta a idéia de que a empresa
é a “atividade” desenvolvida pelo empresário, sujeito de direito. Na esteira do que propõem esses autores, pode-se compreender que o novo
Código Civil, ao adotar um conceito legal de empresário – aquele que
“exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”7 – possibilita extrair, por via
transversa, o entendimento do que seja empresa. O Código Comercial de
1850 dispunha de um sistema com base na figura do comerciante, o su-
6
7
O Direito de Empresa, por muito tempo, mostrou-se fragmentário. O que se convencionou
denominar “teoria da empresa”, num sentido mais amplo do que o de simples organização de coisas para produção, iniciou-se no campo do Direito com dois ramos relativamente novos: o fiscal, que, para efeito de cobrança de tributos e taxação de lucros,
considerou a empresa não uma unidade de produção, mas um todo capaz de ser ativo
e passivo; e o do trabalho, com a preocupação central de obter a paz social e maior
entrosamento de classes sociais, tendo em vista o bem coletivo e a produção nacional.
Artigo 966.
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118
Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
jeito que praticava atos de comércio. O empresário de hoje é a face moderna daquele comerciante e constitui o objeto do Direito Empresarial,
inserindo-se num espectro mais abrangente de atividades e que compreende, para os autores, “[...] a existência de uma organização que combina os elementos natureza, trabalho e capital, com o fito de produzir ou
trocar bens ou serviços.” (2006, p. 52).
Ainda no aspecto jurídico, a empresa pode ser vista, como considerou Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa (2006, p. 101), como um
[...] núcleo de múltiplas manifestações do direito de propriedade:
produz bens, gera riqueza, estabelece – por meio dos negócios jurídicos – relações de aquisição e alienação de propriedade, tecendo
um intrincado conjunto de obrigações jurídicas e interagindo com o
meio político, com os consumidores, com os trabalhadores, com as
populações vizinhas, com a natureza.
A empresa, na realidade, origina-se da disposição do empreendedor para assumir riscos, associado à sua condição de proprietário. Assim,
“propriedade e mérito individual sustentam a criação da empresa” e esta
visa obter lucro a seus proprietários, com a garantia de uso dos meios
necessários e permitidos.
Admite-se que o “ato de empreender” depende necessariamente
do uso de recursos naturais, implica “livre disposição de ‘recursos’ humanos”, ou seja, de pessoas, e “produz bens e serviços de consumo geral”
(Bessa, 2006, p. 127), além de produzir outros resultados materiais, com
potencial geração de danos a direitos alheios, individuais e coletivos.
A sociedade conviveu com a tendência, até certo ponto natural, de
ver a empresa genericamente como criação do capital, objeto sobre o
qual recai o direito de propriedade do empreendedor capitalista. Todavia,
quando se considera a participação do elemento humano nesse complexo atuar da atividade empresarial, o tema adquire conotação especial,
porque, considerada como um fenômeno econômico-social, é também o
6
7
O Direito de Empresa, por muito tempo, mostrou-se fragmentário. O que se convencionou
denominar “teoria da empresa”, num sentido mais amplo do que o de simples organização de coisas para produção, iniciou-se no campo do Direito com dois ramos relativamente novos: o fiscal, que, para efeito de cobrança de tributos e taxação de lucros,
considerou a empresa não uma unidade de produção, mas um todo capaz de ser ativo
e passivo; e o do trabalho, com a preocupação central de obter a paz social e maior
entrosamento de classes sociais, tendo em vista o bem coletivo e a produção nacional.
Artigo 966.
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espaço onde se concentra e se organiza a força produtiva – o trabalho
humano –, onde se manifesta a economia de força de trabalho e onde se
travam relações jurídicas.
Nesse sentido, a empresa é o espaço, por excelência, em que se
materializam as relações de trabalho, onde o contrato de trabalho encontra a sua concretude nas práticas funcionais dos trabalhadores e na apropriação dos resultados desse trabalho pelo empresário. É por essa razão
que o Direito do Trabalho se ocupa com a empresa e com a observação
de que o seu objeto de tutela não é diretamente o conjunto de bens, mas
os indivíduos que nela se inserem para participar do processo produtivo
em regime de subordinação ao empresário. A empresa constitui o sustentáculo sobre o qual gravitam as regras de Direito do Trabalho, embora
não se possa afirmar que todo contrato de trabalho pressupõe a existência de uma empresa.
A proteção do Direito do Trabalho, portanto, dirige-se ao elemento
humano, trabalhador, considerado primordial, partícipe do processo de
criação da riqueza social. Essa é a razão da tendência de esse ramo do
Direito ampliar o conceito de empresa. Passa-se a entender esta como a
organização do trabalho alheio, sob o regime de subordinação hierárquica, dirigida à produção de determinado bem econômico, reconhecendose aí o espírito de lucro e a assunção do risco, na síntese de Evaristo de
Moraes Filho.8 (1993, p. 180)
Empresa e empresário, obviamente, exercem papéis que não se
limitam às relações de produção organizadas internamente. Da mesma
forma, não se limitam à produção de bens e serviços, embora as relações
jurídicas que o Direito disciplina, no campo do Direito Empresarial, situem-se no âmbito preponderantemente patrimonial. O papel da empresa,
na sociedade atual, transcende as fronteiras internas e o aspecto puramente econômico.
Muitos são os desdobramentos da atividade empresarial. Fabiane
Lopes Bueno Netto Bessa (2006, p. 154) pontua que a “[...] empresa evoca atividade, lucro, propriedade, produção: gente, trabalho, consumo, natureza, riqueza. Liberdade-poder de empreender.” Ainda, como observa
Aldacy Rachid Coutinho (1999, p. 74), “[...] a empresa está
indissociavelmente ligada à ascensão da organização como fonte de po-
8
Conceito elaborado com base no artigo 2º da CLT: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite,
assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços.”
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Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
der”, e pelos meandros do poder na empresa circula a estrutura
organizacional horizontal e hierárquica.
Essa amplitude de aspectos traz a inafastável conclusão de que a
empresa constitui um dos mais poderosos agentes sociais da atualidade.
Tal análise se vem destacando pelo enfoque de sua função e responsabilidade social. Por sua “[...] importância econômica e por seu significado
humano, ascendeu a um significado político e social” (LAMY FILHO, 1992,
p. 58) e tornou-se o centro de discussões e debates entre sociólogos,
economistas, políticos e juristas. Sua relevância extrapola o aspecto da
estrutura interna para gerar influência sobre a comunidade, o próprio Estado e além das fronteiras deste.
A natureza e a função social que se reconhecem nas sociedades
empresariais, assim como o valor econômico de organização que representam, têm justificado a defesa de sua conservação no Direito contemporâneo. O princípio da conservação da empresa está na base de uma
série de interesses individuais e sociais a ela vinculados, dela dependentes e a ela direcionados. Esse será o aspecto central da análise que segue, ao qual se vincula diretamente o princípio da continuidade dos contatos de trabalho, considerando-se que a empresa, sob um aspecto, é o
espaço onde se concentra e se organiza a força humana produtiva.
A Constituição Federal de 1988 instaurou no País nova ordem
econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, observada a função social da propriedade e a busca do pleno emprego (artigo 170). Gustavo Tepedino destaca a preocupação do legislador
constituinte em instituir a nova ordem, de forma a evitar que a iniciativa
econômica privada se desenvolva em prejuízo à promoção da dignidade
humana e à justiça social, que são fundamento da República9 e princípio
da ordem econômica. A Constituição, acentua o doutrinador (2003, p.
118), “[...] rejeita, igualmente, que os espaços privados, como a família, a
empresa e a propriedade possam representar uma espécie de zona franca para a violação do projeto constitucional”, que se volta à garantia de
livre iniciativa econômica, de valorização do trabalho humano e de dignidade da pessoa. Preservação da empresa e preservação dos empregos
têm fundamento comum na Constituição; daí se sustentar que esses dois
princípios se inter-relacionam e se completam.
9
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, artigos 1º, III, e 3º.
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121
3 PRESERVAÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL COMO PRINCIPIO
ESTRUTURANTE DO DIREITO DE EMPRESA, NO CÓDIGO CIVIL
A atividade empresarial produz resultados sociais, econômicos, políticos, jurídicos, ambientais e tantos outros que transcendem os interesses
individuais do empresário ou dos titulares de uma sociedade empresarial.
Já se observou que a empresa concentra múltiplas manifestações
do direito de propriedade e tece um complexo conjunto de obrigações
jurídicas ao interagir com o meio político, com os consumidores, os trabalhadores, a população e a própria natureza. Daí porque, na expressão de
Fábio Ulhoa Coelho (2004, p. 13) “[...] no princípio da preservação da
empresa, construído pelo moderno Direito Comercial, o valor básico
prestigiado é o da conservação da atividade”, esclarecendo-se que, na
realidade, não se propugna preservar exatamente o empresário, o estabelecimento ou uma sociedade. Esse princípio inspira ações no sentido
de preservar, em concreto, interesses de empregados quanto a seus postos de trabalho, consumidores em relação aos bens ou serviços de que
necessitam, o Estado, pela arrecadação de tributos, e a própria sociedade, pela expectativa de redução de desigualdades.
O aspecto funcional da empresa ganha relevo, quando analisado
a partir de sua perspectiva social. Alberto Asquini vislumbrou o perfil funcional da empresa ao concebê-la como atividade empreendedora exercida
com fim lucrativo, conceito pelo qual Marçal Justen Filho (1998, p. 113)
destaca: a empresa é a “[...] atividade economicamente organizada para
a produção ou circulação de bens ou serviços.”
Do ponto de vista da função, que Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa
(2006, p. 102) toma como vetor interpretativo inafastável no Direito
Societário, a autora, valendo-se de estudos de Jair Lima Gevaerd, propõe
funções que a empresa deve seguir no desempenho de suas atividades: a
adequada e lícita organização dos fatores de produção; o abastecimento
da coletividade e do próprio mercado, a promoção e preservação; o crédito, com pontualidade e justa expressão; as práticas de interdependência
entre os agentes econômicos; as condições de concorrência; a natural
lucratividade; a proporcional distribuição de ônus e bônus.
Somam-se outras funções que a autora aponta com base no mesmo estudo e que se classificam pelos planos interno e externo. No plano
interno, como elucida, as atividades visam atender a três funções primordiais: a sobrevivência, a continuidade e a reprodução da empresa. As
funções se relacionam com o principio da preservação da empresa e dizem respeito às relações entre a “empresa, seus proprietários e seus
colaboradores diretos”. Tornam-se concretas sob a orientação de alguns
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Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
princípios, como os da eficiência, da funcionalidade, da organização e do
risco. No plano externo, estariam a organização da produção, abastecimento e a manutenção da concorrência (2006, p. 103) relacionadas de
algum modo com a idéia da função social da empresa.
É preciso notar que essas funções, pela dinâmica da atividade empresarial, desenvolvem-se dentro de um complexo sistema que está em
constante transformação. Velocidade e inovação são inerentes a essa dinâmica, na atualidade, de forma que não há como negar a constante necessidade de impor formas de conciliação das funções internas (sobrevivência, continuidade) e externas (organização da produção, abastecimento), para o que o Direito já contempla uma série de instrumentos de tutela,
a exemplo da orientação interpretativa dos contratos, seja no campo do
Direito Comercial ou no Direito Civil, inclusive, no Direito do Trabalho.
Os estudos acadêmicos em torno do Direito Empresarial e a atenção que se tem destinado à atuação legislativa e judiciária nessa área,
têm fortes motivações na própria realidade social, que sofre transformações profundas e velozes e que, em certa medida, já foram captadas pelo
sistema jurídico do País. Algumas criações legislativas, fruto de inspiração humanista e solidarista, são hoje verdadeiros vetores constitucionais
de proteção ao ser humano, as quais se procura aproximar da análise do
Direito Econômico e Empresarial. Para restringir a abordagem aos objetivos deste trabalho, no aspecto legislativo, basta analisar as modificações
introduzidas pela Constituição de 1988 e, em sua esteira, pelo Código
Civil de 2002, e, no aspecto social, as transformações que acompanham
o fenômeno da globalização, todas ligadas diretamente ao tema da preservação da atividade empresarial.
A Constituição de 1988 instituiu no País uma realidade jurídica
nova, a iniciar pelos fundamentos e objetivos que definiu já nos artigos 1º
e 3º de seu texto. No ponto em que tratou da ordem econômica, no artigo
17010, considerou-a fundada tanto na dignidade da pessoa, como na livre
iniciativa e na valorização do trabalho humano. Essa tomada de postura
legislativa repercutiu, de forma direta, na maneira de interpretar e tornar
concreta a legislação infraconstitucional, especialmente no que se refere
ao Código Civil.
10
Artigo 170. “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios: [...].”
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123
O novo Código Civil brasileiro, promulgado em janeiro de 2002,
teve o intuito de promover a superação das concepções eminentemente
patrimonialista e individualista que norteavam o Código de 1916, por sua
vez calcado na racionalidade que caracterizou a era moderna. O novo
Código, como fez a Constituição, enfatizou a necessidade de priorizar a
dignidade do sujeito, com base em três premissas: operabilidade, eticidade
e socialidade. Nessa esteira dedicou o Livro II ao Direito de Empresa.
Ao deslocar a atenção primordial do Direito, do patrimônio para o
sujeito, a Constituição e o Código Civil revelaram nítida opção pela causa
dos direitos humanos e fundamentais, o que passou a direcionar toda a
atividade interpretativa e aplicativa do Direito, no que se inclui o Direito de
Empresa.
Neste ponto, é necessário abordar alguns dos aspectos sociais
relevantes, que se relacionam com o surgimento dessa nova ordem, entre eles, a mundialização da economia. O fenômeno da globalização é
inconteste. Mais intenso e de repercussões cada vez mais graves, desde
o final do século XX, provoca abalos e rupturas na sociedade e em seus
valores, a ponto de comprometer algumas conquistas históricas no campo dos direitos humanos. Eros Roberto Grau (2003, p. 40) faz essa advertência ao apontar como ameaças do novo sistema: a) a globalização
está associada a novos tipos de exclusão social; b) instala uma contínua
e crescente competição entre os indivíduos; c) conduz à destruição do
serviço público. Enfim, a globalização, “[...] na fusão de competição global e de desintegração social, compromete a liberdade.”
A globalização da economia é uma realidade visível, palpável, sentida e temida e, por isso, mais do que nunca debatida. Há quem a apresente como fábula e preconize seus benefícios: encurtamento de distâncias, difusão instantânea de informações, mercado global, uniformidade,
facilidade de acesso a bens de consumo, entre outros. Há quem afirme,
porém, como fez Milton Santos (2000, p. 19-20), que na realidade funciona como uma máquina ideológica que pretende, apenas, a continuidade
do sistema e que, longe de ser considerada uma fábula, a globalização
seria, na verdade, “um mecanismo de manifestação de perversidades”.
Há razões plausíveis em ambas as posições, análise que não está entre
os objetivos deste estudo.
A liberdade de iniciativa e o direito de propriedade asseguram ao
empreendedor o poder de selecionar e ordenar os meios necessários
para exercer a atividade econômica que elegeu. Ocorre que, no processo
de globalização da economia, quando a opção se resume a atuar basicamente pelas leis de mercado e priorizar a obtenção de lucro, há o risco de
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Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
se reduzir o próprio ser humano a instrumento para alcançar esse fim, o
que exige extrema atenção dos que operam com o Direito. É necessário
desenvolver um sistema de atuação jurídica – de interpretação e de aplicação – capaz de assegurar que a atividade econômica “[...] auxilie na
proteção e concretização dos direitos fundamentais, ao invés de reduzir o
indivíduo a simples sujeito proprietário, sem identidade e direcionado exclusivamente ao consumo”, como pontuou Carlos Alberto Farracha de
Castro (2007, p. 14). Trata-se, na realidade, de um processo de “[...]
reumanização da atividade empresarial, que perpassa pelo instituto da
preservação da empresa.”
Miguel Reale (2005, p. 46), em face do tratamento que se destinou à ordem econômica na Constituição, propõe afastar da expressão
livre iniciativa
[...] uma significação estritamente econômica, pois ela se reporta
sempre à liberdade do homem enquanto indivíduo, ou melhor, enquanto pessoa. A livre empresa não é senão um corolário ou projeção dessa liberdade fundamental.
A ordem econômica e financeira na Constituição, portanto, deve
ser compreendida de maneira sistemática, porque é indissociável dos
fundamentos e princípios fundamentais da República e do Estado Democrático de Direito. Na lição de Raul Machado Horta (1995, p. 301), sendo
instrumento para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a
ordem econômica “[...] é a fonte das normas e decisões que permitirão à
República garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, a
marginalização, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de
todos”.
Nesse panorama, sustenta Carlos Alberto Farracha de Castro
(2007,* p. 64) que
[...] eventual conflito ou mesmo incompatibilidade, ainda que transitória entre o lucro (compatível com a livre iniciativa da atividade
empresarial) e a concretização dos direitos sociais, a solução jurídica adequada para dirimi-lo deverá privilegiar, ao final, os objetivos
sociais.
(*) Nota da Editoria: embora a Revista refira-se ao ano de 2006, tendo tido sua revisão
finalizada em 2007, a autora aproveitou para atualizar seu texto com esta obra que lhe
foi decisiva para melhor tratar o tema do artigo.
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O pensamento jurídico sobre o alcance humanístico da Constituição e do Código Civil de 2002, é, na realidade, fruto do desenvolvimento
do Direito Constitucional e do Civil, o que se verificou em vários países
desde a metade do século XX, notadamente no Brasil. Assume-se o profundo descompasso entre a regulação do Código de 1916, fruto do
Positivismo e das doutrinas individualistas que embasaram o sistema de
codificação no século XIX e a realidade emergente da vida contemporânea, social e econômica. O modelo civil clássico, que se voltava à tutela
da propriedade, tornou-se frágil pela necessidade de tutela do sujeito. O
Direito Civil, assim, passou a ser visto à luz dos princípios e valores que
norteiam Constituição, disseminando-se a idéia de “constitucionalização
do direito civil”. Propôs-se sua leitura como um “sistema aberto” – e não
uma construção jurídica acabada – que deveria permanecer atento aos
princípios constitucionais voltados à proteção dos direitos fundamentais.
Esse contexto permitiu vislumbrar que o Direito Civil não poderia
mais ser um instrumento de proteção preponderante da propriedade e
das garantias patrimoniais do proprietário, afetas a um determinado segmento social naturalmente favorecido. Essa é a idéia da
despatrimonialização do Direito Civil, que caminha no sentido de priorizar
a tutela do sujeito e dos direitos e garantias fundamentais que o texto
constitucional consagra.
A compreensão desse ponto é fundamental para alcançar o sentido da mudança promovida pelo Código Civil, ao regular o Direito de Empresa. O Direito Civil passou a tutelar a atividade organizada – a empresa
–, porém a adequada aplicação dessa tutela exige o rompimento com os
conceitos clássicos civilistas e a busca de novos modelos de atuação,
para que se concretize o objetivo de atingir os anseios da sociedade contemporânea. Nesse contexto, pensar a empresa significa delimitar seu
papel e suas funções na vida em sociedade. Significa reconhecer que a
Constituição, na ordem econômica, assegurou a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano; garantiu o direito de propriedade, mas lhe
impôs como norte o desempenho de função social; elegeu o princípio da
livre concorrência, mas sem negligenciar a expectativa de busca do pleno
emprego. O princípio da preservação da empresa integra essa opção
constitucional.
O que se faz necessário, agora, é identificar suas possíveis dimensões. Carlos Alberto Farracha de Castro (2007, p. 43) dedicou amplo
estudo ao tema e entre outras vinculações observa que “[...] não se pode
falar em busca do pleno emprego, sem propiciar a preservação da empresa.” Esta, por sua vez, como observa Luis Edson Fachin (2001, p.
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Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
199), “[...] interessa ao Direito e à economia, pela proteção que oferece à
continuidade dos negócios sociais.”
A busca do pleno emprego depende, em substancial medida, da
atividade empresarial, e mesmo a valorização do trabalho dela depende,
já que a empresa move o mercado e a economia de forma predominante
na atualidade e, em conseqüência, é a grande garantidora de empregos
e postos de trabalho de qualquer natureza.
A preservação da empresa é defendida por Carlos Alberto Farracha
de Castro como um princípio constitucional implícito, não escrito, a exemplo dos princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica que podem ser extraídos de uma série de dispositivos da Constituição. Esclarece que a preservação da empresa como principio constitucional (2007, p.
43) não deriva exclusivamente do principio da busca do pleno emprego,
[...] mas também do fato de que a Constituição Federal, entre os
princípios gerais da atividade econômica, estabelece a função social da propriedade, o que não tolera a extinção de empresas produtivas, sob pena de não atender aos interesses coletivos, mas, tãosomente, aos individuais e patrimoniais de seus titulares.
Pode-se vislumbrar esse princípio, também, pela
“desmaterialização da riqueza”, que é conseqüência da função social da
propriedade, valendo-se o autor, nesse ponto, de lições de Orlando Gomes e Enzo Roppo (2007, p. 44-45) que vislumbram a empresa e o contrato como a noção contemporânea de propriedade. Se a empresa representa a noção contemporânea da propriedade, por força do princípio constitucional ela deve atender a uma função social, que tem dimensões bastante claras, de “[...] gerar benefícios não só aos seus titulares, mas também a terceiros, como trabalhadores, fornecedores, consumidores e ao
próprio Estado.” A preservação da empresa, então, deve ser uma exigência da interpretação adequada da ordem econômica. Nessa esteira, já se
vêm pronunciando alguns órgãos judiciários do País.
Estudar a ordem econômica na Constituição significa considerar,
também, o principio da preservação da empresa, já que ele pode propiciar a concretização dos direitos fundamentais, como defendido por Cristina
M. M. Queiroz11, (CASTRO, 2007, p. 46), entendidos no sentido de abranger “tanto direitos, liberdades, garantias, como direitos econômicos, sociais e culturais”. A esse propósito, cumpre anotar que o princípio gravado
11
Referencia à obra de QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais: teoria geral.
Coimbra: Coimbra, 2002.
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pelo legislador constituinte no artigo 170, IX12, inspira a interpretação do
artigo 72 da Lei de Recuperação e Falências13, especialmente quando
trata do direito de objeção por parte dos credores, ao pedido de recuperação judicial. Com efeito, supor que tal objeção prescindisse de fundamentos criaria inegável contradição no sistema, pois no mesmo passo
em que o princípio constitucional assegura tratamento favorecido, a norma
infraconstitucional tornaria difícil ou impossível o favorecimento. Assim,
impõe-se a necessidade de apreciação da objeção pelo juiz que, para promover autêntica integração da norma ao sistema constitucional, só deverá
decidir favoravelmente ao credor – e negar o favor legal ao pequeno empresário –, em face de relevante razão econômica ou de direito.
O exercício da empresa implica, naturalmente, aceitar riscos.
Rachel Sztajn (2005, p. 41) aponta como um desses riscos “[...] a nãomanutenção da atividade se não atender a padrões de eficiência e
economicidade.” Sustenta que não se faz necessário ampliar esse risco
mediante a redação de normas de direito positivo, “vagas, vazias de conteúdo”. Pode-se contrapor a esse pensamento, evidentemente pessimista quanto à opção do novo Código Civil por cláusulas abertas e pelo seu
uso em relação às práticas da empresa e dos mercados, que a idéia do
risco empresarial pode também não estar vinculada, necessariamente, à
“não-manutenção da empresa”, quando desatende aos padrões de eficiência e economicidade, como defende. Ao contrário, parece mais razoável que se vincule à quase obrigatoriedade de sua manutenção até as
últimas possibilidades e, por conseqüência, à obrigação de se ajustar aos
padrões de qualidade e economia hoje exigidos, já que a atividade empresarial, embora nasça de um ato de disposição do empresário, uma
vez criada, passa a gerar efeitos para muito além deste e de seus interesses individuais. Esses efeitos, por óbvio, não desaparecem, nem serão
como se nunca houvessem existido, só pela vontade do empresário. Essa
forma de pensar, evidentemente, não afasta a necessidade de retirar do
mercado a empresa absolutamente ineficiente que pode estar se valendo, inclusive, de subsídios públicos ou agindo em fraude e em prejuízo
irreparável ou de difícil reparação a terceiros ou à própria sociedade. Tam-
12
Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
13
Artigo 72. “Caso o devedor de que trata o art. 70 desta Lei opte pelo pedido de recuperação judicial com base no plano especial disciplinado nesta Seção, não será convocada
assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano, e o juiz concederá a recuperação judicial se atendidas as demais exigências desta Lei.
Parágrafo único. O juiz também julgará improcedente o pedido de recuperação judicial
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Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
bém não afasta a necessidade de retirar o empresário inescrupuloso ou
incompetente. Essas medidas, aliás, são juridicamente possíveis e estão
autorizadas no ordenamento pátrio. O que se defende é a preservação
da empresa como princípio, e somente em situações extremas e
irreversíveis sua retirada do mercado estaria autorizada.
Mauro R. Penteado (2005, p. 71), nessa linha de raciocínio, lembra que está perfeitamente consolidada a noção de que a empresa exerce função social, até por determinação constitucional, e aponta, como
marco desse salto valorativo na visão da atividade empresarial, a introdução, na Lei 6.404/1976, do artigo 116, parágrafo único:
O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objetivo e cumprir a sua função social, e tem
deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da
empresa, os que nela trabalham e para a comunidade em que atua,
cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. (grifos
no original).
Por ser a unidade produtiva geradora de riquezas, a empresa, na
expressão do mesmo autor (2005, p. 71-72), não está mais autorizada a
“[...] pautar-se por interesses exclusivamente egoísticos e na procura obsessiva e predatória de lucros”, já que lhe cabe atender, por força da
Constituição, aos direitos dos consumidores, ao regime da livre concorrência, à preservação do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural do País, entre outros. Enfatiza que
[...] em razão dessa função de grande relevo é que a nova lei [referência à Lei de Recuperação de Empresas e Falência] estrutura
mecanismos que conduzem à sua preservação, superando as naturais crises econômicas e financeiras pelas quais venha a passar o
devedor empresário.
Calixto Salomão Filho (2002, p. 40-42), ao analisar os fundamentos do Direito Societário e a função das sociedades, considera a empresa
e o interesse social na perspectiva econômica do Direito, em abordagem
que remonta os clássicos ensinamentos contratualista e institucionalista
para demonstrar as bases de uma nova concepção, a de sociedade empresarial como organização. Essa concepção deriva da teoria organizativa,
considerada a mais apta “[...] a garantir a lucratividade dos sócios, tão
almejada pelos contratualistas”, com a capacidade de transformar a sociedade “naquela célula social propulsora do desenvolvimento tão almejada pelos institucionalistas”. Como conseqüência, conclui:
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129
O interesse da empresa não pode ser mais identificado, como no
contratualismo, ao interesse dos sócios nem tampouco, como na
fase institucionalista mais extremada, à autopreservação. Deve, isso
sim, ser relacionado à criação de uma organização capaz de
estruturar de forma mais eficiente – e aqui a eficiência é a distributiva
e não a alocativa – as relações jurídicas que envolvem a sociedade.
Nos comentários sobre a Lei de Recuperação de Empresas e Falência, Calixto Salomão Filho (2005, p. 41-52) retoma o aspecto do interesse social nas sociedades empresariais para evidenciar a clara opção,
que considera de matiz institucionalista, pela preservação da empresa no
texto dessa Lei, quando pontua que “[...] não é possível pensar em preservação da empresa apenas no período de crise da empresa, mas também durante a sua vida.” Assim, defende que a aplicação da nova Lei de
Falência, “[...] de forma coerente com o principio da preservação da empresa pode ajudar a dar aplicação a princípios institucionalistas societários”,
como considera ser o do artigo 116 dessa lei.
Os princípios do Código Civil e o Direito de Empresa estão atrelados entre si. Estudos de Wilges Bruscato (2005, p. 50-75), nesse sentido,
bem demonstram esse indissociável vínculo. Na atualidade, a atividade
econômica é desenvolvida basicamente por meio da empresa mercantil,
que é abrangente de toda forma de atividade econômica, já que o vocábulo tem o sentido de organização destinada à produção ou à venda de
mercadorias ou à prestação de serviços, tendo o objetivo de lucro. A própria sociedade contemporânea pode ser identificada por meio da empresa, como menciona(2005, p. 64), ao lembrar Fábio Konder Comparato:
“É dela que depende, diretamente, a subsistência da maior parte da população ativa deste País, pela organização do trabalho assalariado.” É
das empresas, também, que provém “a grande maioria dos bens e serviços consumidos pelo povo, é delas que o Estado retira a parcela maior de
suas receitas fiscais.” Ainda, é em torno delas “que gravitam vários agentes econômicos não assalariados, como os investidores de capital, os
fornecedores, os prestadores de serviços.”
Antonio José Avelãs Nunes (2001, p. 49), em dedicado estudo
ao direito de exclusão de sócios nas sociedades comerciais, pontua
que “[...] a idéia de protecção da empresa social é de capital importância na análise do problema da exclusão de sócios nas sociedades comerciais.” Defende que na fase de desenvolvimento econômico do mundo
atual “o interesse na conservação das empresas sociais reveste um
carácter de interesse público”, que pensa ser coincidente com o interesse dos sócios, sendo o último aspecto, na realidade, não pacificado na
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doutrina. De qualquer forma, demonstra que a exclusão de sócios é
manifestação do princípio da proteção da empresa, que envolve “a garantia de sua continuidade, a defesa dela contra tudo o que possa destruir o seu valor de organização.”
Há, portanto, inúmeros valores sociais agregados à atividade empresarial, que motivam sua preservação. A geração de postos de trabalho, a participação nas receitas do Estado, o avanço tecnológico e os
investimentos em pesquisas, o desenvolvimento das regiões e
microrregiões onde a atividade empresarial se instala, a facilidade de
acesso a bens e serviços, enfim, somam-se a outros mencionados e servem para justificar, do ponto de vista social, econômico e jurídico, a defesa do princípio da preservação da empresa, especialmente pelo padrão
de vida atual, calcado no modelo econômico do consumo.
As razões econômicas que impõe a necessidade de evitar a
extinção dos organismos produtivos, na visão do autor, devem inspirar os
meios jurídicos capazes de expurgar os elementos perturbadores. Adverte que seu desaparecimento pode causar dificuldades na vida dos negócios, já que as empresas comerciais representam um valor econômico de
organização “[...] que é necessário conservar, para salvaguarda do esforço organizador dos empresários, dos direitos dos empregados ao trabalho, dos direitos dos sócios a ver frutificar o seu capital.” Não olvida, porém, que a natureza e a função social das sociedades comerciais é que
faz delas fatores de grande interesse social que transcende o âmbito dos
interesses particulares.
O ordenamento jurídico, efetivamente, deve permanecer atento
às razões de ordem social e econômica que determinam a necessidade
de se preservar a atividade produtiva. E, nesse passo, como demonstra
Carlos Alberto Farracha de Castro, o Direito de Empresa no Código Civil
“[...] está respaldado no princípio da preservação da empresa.” Assim
conclui ao demonstrar que o princípio decorre da estrutura da ordem econômica no texto da Constituição, que dá a diretriz interpretativa e aplicativa
ao novo Código14 (2007, p. 108). O princípio da preservação da empresa
parece ser o fio condutor e a ligação entre todos os títulos que compõem
o Direito de Empresa no novo Código.
14
Carlos Alberto Farracha de Castro adverte que, embora o Código Civil trate do Direito
de Empresa, não houve a unificação total do Direito Civil com o Direito Comercial, exceto
no que diz respeito ao direito das obrigações. O Direito Comercial continuará como um
ramo do Direito Privado coexistindo com o Direito Civil, porque possuem intenso relacionamento.
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Ao tratar da figura do empresário o Código já indica a importância
em proporcionar meios para a preservação e a continuidade da atividade
por ele exercida. Toma-se como exemplo a norma constante no artigo
97415, que trata da pessoa do incapaz e que vem autorizada pelo Código
a continuar o exercício da atividade empresarial (por ele administrada,
enquanto capaz), desde que devidamente assistido por representante,
mesmo que sob autorização judicial, o que era tratado de modo diverso
no artigo 336 do Código Comercial. O acerto ou eventual deslize da medida, questionado na doutrina, não será abordado, por transbordar os
limites deste trabalho.
O artigo 103316 do Código Civil autoriza a dissolução da sociedade quando ocorrer “[...] a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída
no prazo de cento e oitenta dias.” Com essa medida, afastou-se em definitivo a possibilidade de extinção da sociedade composta de apenas dois
sócios, na hipótese de afastamento de um deles. Nesse aspecto, positivouse o entendimento jurisprudencial que já era predominante e que, como
observa Carlos Alberto Farracha de Castro, “[...] realça o pilar da preservação da empresa.” (2007, p. 115).
Parece evidente a preocupação do legislador em manter a empresa quando se analisa o artigo 1.01517, parágrafo único, I, II e III, do Código. Nessa hipótese, a preocupação preponderante é conservar a empre-
15
Artigo 974: “Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido,
continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo
autor de herança.”
16
Artigo 1.033: “Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio,
não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo
indeterminado;
II - o consenso unânime dos sócios;
III - a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado;
IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias;
V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.”
17
Artigo 1.015: “No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos
pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a
venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a
terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;
II - provando-se que era conhecida do terceiro;
III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.”
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Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ...
sa em detrimento de interesses meramente patrimoniais do sócio e daí a
previsão das hipóteses que possibilitam a absolvição da sociedade, com
a responsabilidade direta dos administradores perante terceiros. Outro
exemplo, extraído do estudo de Carlos Alberto Farracha de Castro, que
enfatiza o principio da continuidade e preservação da empresa, é o artigo
1.08518 do Código Civil, que permite a exclusão do sócio que está pondo
em risco a continuidade da empresa, ainda que observado previamente o
exercício do direito de defesa perante a assembléia. O próprio artigo 1.02919
do Código viria em reforço a essa interpretação, à medida que faculta a
qualquer sócio retirar-se da sociedade, sem prejuízo da continuidade desta.
É plausível sustentar, como fez o autor, que o princípio da preservação da
empresa, como vetor do Código no campo do Direito de Empresa, exerceu forte influência sobre a atividade legislativa que culminou com a Lei
11.101/2005, de Recuperação de Empresas e Falência, haja vista que
esta utiliza como referencial as noções extraídas do novo Código. Esses
exemplos não esgotam a conclusão de que a preservação da empresa
constitui a linha mestra no Código Civil. Deve-se acentuar, nesse aspecto, que o texto da lei não pode mais ser interpretado de modo rígido, nem
é possível compreender que a efetividade da preservação dependesse,
necessariamente, de um texto de lei expresso. De qualquer sorte, o Código Civil a contempla expressamente em alguns dos dispositivos mencionados. E o princípio, em nível constitucional, embora não expresso, pode
ser extraído com a indispensável interpretação sistemática que a Constituição requer, com base no tratamento dispensado à ordem econômica e
aos dispositivos iniciais do texto que definem os fundamentos e princípios da Republica e do Estado Democrático de Direito.
18
19
Artigo 1.085: “Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão
pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade,
poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.”
Artigo 1.029: “Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode
retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais
sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.”
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133
4 PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E PRINCÍPIO
DA CONTINUIDADE DOS CONTRATOS DE TRABALHO:
POSSÍVEL EQUILÍBRIO
Já se fez referência ao fato de que a Constituição Federal de
1988 instaurou no Brasil, com o artigo 170, nova ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, observados, entre outros princípios, a função social da propriedade e a busca
do pleno emprego. Essa construção jurídica revelou a preocupação em
evitar que a iniciativa econômica privada se desenvolva em prejuízo à
promoção da dignidade humana e à justiça social. Tratou-se de postura
legislativa que repercutiu, de forma direta, na maneira de interpretar e
tornar concreta a legislação infraconstitucional, especialmente disposições do Código Civil.
O novo Código Civil, promulgado em janeiro de 2002, pautou-se
no ideal de promover a superação das concepções eminentemente
patrimonialista e individualista que norteavam o Código de 1916, naturalmente calcado na racionalidade característica dos textos que lhe serviram de inspiração, frutos do pensamento moderno. O Código, como a
Constituição, priorizou a dignidade do sujeito em lugar do patrimônio, o
que se entende como opção clara pela causa dos direitos humanos e
fundamentais. Com essa tomada de posição, toda a atividade interpretativa
e aplicativa do Direito, no que se inclui o Direito de Empresa, tratado no
Livro II do novo Código, move-se pelo mesmo vetor.
Abordou-se, também, o aspecto de que a natureza e a função
social que se reconhece às sociedades empresariais e o valor econômico
de organização que representam tem justificado a defesa de sua conservação, de sua continuidade. O Direito atualmente convive com o princípio
da conservação da empresa, identificado em uma série de interesses
individuais e sociais a ela vinculados e que dela dependem. Esse princípio guarda relação imediata com outro princípio que decorre da ordem
constitucional, o da criação e da preservação dos empregos, fortemente
ligado ao principio da continuidade dos contatos de trabalho.
A empresa, em seu perfil corporativo, é o espaço em que se concentra e se organiza a força humana produtiva. Nesse sentido, é o espaço, por excelência, em que se materializam as relações de trabalho pelo
mecanismo jurídico do contrato de trabalho. Preservação da empresa e
preservação dos empregos têm fundamento comum na Constituição; daí
se sustentar que os dois princípios se inter-relacionam e se completam, o
que realça a importância de identificar seus pontos de conciliação. A em-
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presa é, sem dúvida, um dos mais poderosos agentes sociais da atualidade, pelos vários aspectos analisados neste texto, sejam econômicos,
políticos, sociais e especialmente humanos, o que justifica o acentuado
interesse por seu estudo em vários campos do conhecimento, em especial pelo Direito.
O Direito do Trabalho, quando se ocupa da análise da empresa, o
faz tendo vista seu objeto de tutela específico, que são os indivíduos inseridos nesse espaço produtivo, que participam da geração de riqueza
social em regime de subordinação ao empresário. Em torno da atividade
empresarial gravitam as regras de Direito do Trabalho, e esse ramo do
Direito também se ocupou em delimitar o conceito de empresa, o que fez
com evidente conotação ampliativa.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 2º, especifica os elementos que considera próprios da empresa, para os fins de sua
tutela específica: ser de propriedade ou titularidade de uma pessoa individual ou coletiva; assumir os riscos da atividade econômica; a quem
cabe admitir, dirigir e remunerar a atividade econômica. Na noção de riscos, toma como relevante o espírito de lucro e não considera imprescindível que se componha de um complexo organismo econômico, pois lhe
basta que ocorra “[...] o recrutamento do trabalho alheio, de maneira contínua e sob o estado de subordinação.”(MORAES FILHO, 1993, p. 180)
O contrato pelo qual se materializam as relações de trabalho é,
como padrão, de trato sucessivo, modalidade que remonta à construção
e diferenciação que já se observava no Direito Romano, em relação aos
contratos denominados instantâneos. Nesses, as prestações existem somente por um momento e não chegam a durar no tempo; em regra a
prestação coincide com a própria extinção ou total desaparecimento da
obrigação. Nas prestações contínuas, é de sua essência preencher o
espaço de tempo nela implicado, que pode ser limitado ou ilimitado, caso
em que pode assumir uma duração indefinida ou mesmo vitalícia. A distinção tem relevância pelos efeitos e conseqüências que se podem extrair em uma ou outra modalidade, observando-se que os contatos de trabalho aparecem, normalmente, pelo tipo de execução continuada (MORAES
FILHO, 1993, p. 220). Esse tipo contratual, é preciso esclarecer, não se
confunde com o principio da continuidade dos contratos de emprego,
embora seja um dos aspectos determinantes da existência deste.
O Direito do Trabalho é composto de um complexo conjunto de
regras, princípios e institutos jurídicos destinados a regular as relações
de emprego. No âmbito do Direito Individual do Trabalho vigora uma série
de princípios, com ampla tipologia construída pela doutrina e que exerce
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papel decisivo em sua construção, interpretação e aplicação, dado o caráter essencialmente teleológico, finalístico que possui. Ao lado de princípios gerais, que constituem o núcleo basilar de toda construção
principiológica no Direito, em todos os seus ramos, como os da dignidade
humana, eqüidade, justiça social, proporcionalidade, situam-se os princípios especiais de Direito do Trabalho.
No rol dos princípios especiais de Direito do Trabalho, também
como núcleo basilar, estão, exemplificativamente, o princípio da proteção, da inalterabilidade contratual lesiva, da intangibilidade salarial, da
primazia da realidade sobre a forma, e, em especial, o principio da continuidade da relação de emprego. O princípio da continuidade da relação
de emprego tem na base a compreensão de que o contrato de trabalho é
de trato sucessivo. Américo Plá Rodriguez (2004, p. 239-240) elucida que,
durante certo tempo, acreditou-se que essa modalidade contratual apresentaria o risco de reaparecimento sorrateiro de certas formas de escravidão, ou, no mínimo, servidão. Os ideais de liberdade que inspiravam o
momento histórico justificam perfeitamente a lógica do Código de Napoleão
ao impedir, no artigo 1.780, a locação de serviços por toda a vida (MORAES
FILHO, 1993, p. 228), dispositivo que se reproduziu em praticamente todos os códigos inspirados em tal modelo.20
Manuel Alonso Olea (1997, p. 58) bem destaca prescrição no artigo 1.583 do Código Civil espanhol, sobre obrigação permanente de trabalhar – “o arrendamento [de serviços] feito por toda vida é nulo” – o que
demonstra a influência dos ideais de liberdade sobre o pacto de prestação de trabalho para outro que, se fosse “para toda a vida”, poderia envolver “uma negação radical da liberdade de quem assim compromete
seus serviços.” Hegel já havia defendido a idéia de que, ao se concordar
em ceder os serviços a outro, em caráter perpétuo, essa pessoa estaria
fazendo do outro proprietário da substância do seu ser (1968, p. 86-88),
estando a falar em “alienação de si próprio”. Nessa linha de raciocínio, a
temporariedade é vista como essencial ao trabalho livre por conta alheia.
Considerar que “a liberdade quanto ao tempo” pertence à essência do contrato de trabalho, no sentido de que não podem ser admitidos
pactos para vigorar por toda a vida, no entanto, como pontua Manuel
Alonso Olea, “[...] não significa dizer que, presente tal condição, não possa existir por parte do trabalhador uma preferência pela segurança”, ou
20
CÓDIGO URUGUAIO, artigo 1.836: “Ninguém pode contratar seus serviços pessoais,
salvo temporariamente ou por obra determinada.”
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seja, preferência pela “duração indefinida da relação”, já que “dela derivam a continuidade e o aumento progressivo das retribuições e as oportunidades de carreira e, claro, a segurança de suas rendas de trabalho.”
(1997, p. 80).
Observa Américo Plá Rodriguez (2004, p. 239) que a realidade
social e o decurso do tempo foram determinantes para se concluir que
“[...] o perigo real era o inverso: a instabilidade, que é sinônimo de insegurança.” Em várias citações doutrinárias faz referência a opiniões no sentido de se identificar “receio maior do trabalhador em perder o emprego,
do que o de se tornar escravo”, como estaria ocorrendo no Brasil; referese, também, à afirmação de que “ao trabalhador interessa seu presente e
seu futuro” e que “o desejo de segurança é um dos traços mais típicos do
homem contemporâneo, do que decorre a própria idéia da segurança
social.”
Evaristo de Moraes Filho (1993, p. 229) bem esclarece o paradoxo que a vida criou ao longo do tempo, relativamente à limitação do tempo contratual:
Se a ninguém é lícito obrigar-se por toda a vida, num compromisso
prévio, de antemão querido e celebrado, não resta a menor dúvida
que toda a legislação do trabalho atual exercita exatamente no sentido de tornar permanente e, tanto quanto possível, vitalícia, a prestação de serviços, fazendo com que o contrato de trabalho dure por
toda a vida de ambos os contratantes, e mesmo além da própria
existência do empregador, se alguém lhe continua a empresa.
Abstraído o fato de que a interpretação judicial e doutrinária mais
atual, sobre a legislação que trata da garantia de permanência dos contratos, vem sendo predominantemente restritiva de direitos, a observação do autor permanece atual naquilo que indica verdadeiro anseio do
trabalhador – a segurança – que não se alterou, porque as normas e a
interpretação a elas mudaram. Nesse particular, remanescem pontos
que ainda não mereceram a atenção esperada e que aguardam postura
corajosa da comunidade jurídica, como forma de opção pela garantia do
direito ao trabalho, consagrado como um dos direitos humanos.
As relações que se formam entre as partes contratantes, no âmbito do trabalho, não são puramente patrimoniais, já que não se esgotam
na simples prestação de serviços e no pagamento dos salários contratados. A continuidade e, muitas vezes, a perpetuidade do contrato na vida
de muitos trabalhadores ou do empregador e da empresa fazem com que
se estabeleçam relações de diversas ordens, como as de cunho pessoal
e moral, que muito se aproximam das relações de índole familiar.
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A continuidade da relação de emprego remete à idéia de estabilidade e até mesmo de fonte de algumas vantagens ao trabalhador por
conquistas ao longo do tempo. A tutela da permanência no emprego, como
menciona Américo Plá Rodriguez (2004, p. 242) em referência a Eduardo
Alvarez,
[...] aparece como uma das máximas realizações do princípio de
proteção, porque deu origem à tutela dos trabalhadores, permitiu a
acabada vigência de seus direitos subjetivos e atuou como real compensação das desigualdades.
O mesmo autor aponta, no intuito de afastar imprecisões inerentes à amplitude do enunciado desse princípio, algumas projeções possíveis de formar o seu conteúdo:
a) preferência pelos contratos de duração indefinida;
b) amplitude para a admissão das transformações do contrato;
c) facilidade para manter o contrato, apesar dos descumprimentos
ou nulidades em que se haja incorrido;
d) resistência em admitir a rescisão unilateral do contrato por vontade patronal;
e) interpretação das interrupções dos contratos como simples suspensões;
f) manutenção do contrato nos casos de substituição do empregador.
Em outras palavras, “a continuidade se sobrepõe à fraude, à variação,
à infração, à arbitrariedade, à interrupção e à substituição.”(2004, p. 247)
Das projeções mencionadas, uma das mais importantes é a resistência em admitir a rescisão do contrato exclusivamente pela vontade patronal. Talvez seja a principal projeção do principio da continuidade. Por ela, predomina a tendência de que o contrato de trabalho perdure enquanto se conserve o trabalho, por ser cada vez mais firme e ampla a convicção de que a relação de emprego só pode ser dissolvida, de
forma válida, quando exista algum motivo justificado. Afirma-se que na
relação de trabalho (2004, p. 264) “a despedida constitui uma anomalia
jurídica”, porque a tendência natural da atividade profissional é precisamente sua continuidade e permanência, até os limites da própria capacidade profissional.
A preocupação jurídica com a ruptura unilateral do contrato já resultou em alguns mecanismos de tutela que encontraram maior ou me-
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nor efetividade, conforme o momento jurídico-político do País. Em geral,
esses mecanismos serviram e vêm servindo para dificultar o ato nos aspectos jurídico e econômico e não propriamente para impedi-lo. Nesse
sentido, as estabilidades no emprego que no sistema atual são todas em
caráter provisório – ao menos as previstas em lei – dependem de situações tópicas e delimitadas no tempo, as quais podem assegurar tanto o
direito à reintegração ao emprego como à indenização dos salários do
período de afastamento indevido. Às estabilidades somam-se, como medidas restritivas ao direito patronal de despedir, o aviso prévio, as indenizações legais ou contratuais pelo ato considerado ilegal de despedir, as
indenizações por danos e prejuízos por despedida abusiva, entre outras.
Esses mecanismos são absolutamente necessários, do ponto de vista do
Direito do Trabalho, para que se concretize, ainda que em parte, o direito
fundamental ao trabalho assegurado no artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos do Homem21 e no texto da Constituição Federal brasileira
de 1988, no artigo 6º22.
Américo Plá Rodriguez (2004, p. 240) observa, nessa esteira, que
tudo o que vise dar segurança ao trabalhador constitui não apenas um
benefício a ele, por transmitir a sensação de tranqüilidade, “[...] mas também redunda em benefício da própria empresa e, através dela, da sociedade, na medida em que contribui para aumentar o lucro e melhorar o
clima social das relações entre as partes.”
Maurício Godinho Delgado (2001, p. 61-62) considera, quanto a
esse princípio, que é do interesse do Direito do Trabalho a permanência
do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e
dinâmica da empresa e que só com tal permanência e integração é que a
ordem jurídica trabalhista poderia cumprir seu papel de assegurar melhores condições de contratação e gerenciamento da força de trabalho, em
determinada sociedade, sob a ótica do trabalhador.
O autor destaca três repercussões favoráveis ao trabalhador envolvido, decorrentes da permanência da relação de emprego. A primeira
relaciona-se com a “tendencial elevação dos direitos trabalhistas”, seja
pelo avanço da legislação ou da negociação coletiva, seja pelas conquistas que o trabalhador vai angariando no decorrer do contrato, como promoções e vantagens que a ele se agregam. A segunda, reside no “investimento educacional e profissional que se inclina o empregador a realizar
21
Artigo 23: “I - Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a
condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.”
22
Artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia [...]”
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nos trabalhadores vinculados a longos contratos”. Tal investimento, ao
tempo em que pode ser considerado como uma fórmula para elevar a
produtividade e compensar o custo trabalhista experimentado, é também
uma maneira de cumprir “a fundamental faceta do papel social da propriedade e da função educativa dos vínculos de labor, potenciando, individual e socialmente, o ser humano que trabalha”. A terceira repercussão
favorável, por fim, situa-se “na afirmação social do indivíduo favorecido
por esse longo contrato”. Para os que vivem apenas de seu trabalho e da
renda que dele decorre, aí encontram um “decisivo instrumento” de afirmação social. É que os contratos precários, provisórios, de curta duração
retiram o lastro econômico e jurídico necessários para se impor diante
das demais relações econômicas que se travam na vida em sociedade.
A Constituição Federal de 1967, com a emenda constitucional de
1969, já enunciava esse princípio nuclear do Direito do Trabalho23, ao
assegurar aos trabalhadores o direito de “integração na vida e no desenvolvimento da empresa”. Ocorre que a mesma Carta se incumbiu de retirar a eficácia de sua aplicação prática ao absorver a idéia da ruptura
unilateral do contrato de trabalho, sem justa causa, pelo empregador,
com a instituição do regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS) pela Lei 5.107/1966. Pode-se encontrar no artigo 165, XIII, da
Constituição, após a emenda de 1969, referência à “estabilidade, com
indenização ao trabalhador despedido ou fundo de garantia equivalente”.
A Constituição de 1988 parece ter inserido o princípio da continuidade da relação de emprego em grau de relevância jurídica porque passou a assegurar, no artigo 7º, I, “relação de emprego protegida contra
despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, entre outros direitos.” Ao
mesmo tempo, estendeu o direito ao fundo de garantia por tempo de
serviço a todos os empregados, além de assegurar “aviso prévio proporcional ao tempo de serviço”, nos termos da lei. A vedação à prática da
despedida sem justa causa, ou despedida arbitrária, portanto, encontra
previsão no ordenamento jurídico desde a promulgação da Carta Constitucional de 1988, não obstante os embates doutrinários e jurisprudenciais
que culminaram com a posição predominante de negar eficácia imediata
ao preceito do artigo 7º, I.
De qualquer modo, o principio da continuidade da relação de emprego guarda, ainda, substancial importância, porque implica uma série
de conseqüências sobre o contrato de trabalho, a exemplo de certas pre-
23
Emenda constitucional de 1969, artigo 165, IV.
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sunções favoráveis ao empregado, da imposição, como regra, a que os
contratos ocorram por tempo indeterminado e do suporte teórico que confere ao reconhecimento da sucessão de empregadores.
O que se procura, na atualidade, é encontrar solução a questões
intrigantes relacionadas com a garantia de trabalho e segurança ao trabalhador no emprego e, ao mesmo tempo, permitir o pleno desenvolvimento empresarial. O processo de globalização da economia se faz acompanhar de crescente degradação das relações de trabalho, com grave
risco à estabilidade social. Será possível, nesse contexto, assegurar proteção ao trabalhador, sem restringir as possibilidades de progresso econômico das empresas?
No âmbito do Direito Internacional do Trabalho, que tem como
principais fontes as convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), além de sua Constituição, localiza-se um
inspirador modelo de regulação de direitos fundamentais, especificamente voltado ao trabalho humano em nível mundial. Essa atuação tem por
escopo internacionalizar, o quanto possível, os direitos do trabalhador
para conferir a este proteção eficaz diante dos detentores do capital, que
naturalmente já se encontra fortalecido.
Pode-se identificar na política social contemporânea da OIT orientação no sentido de proteger o trabalhador e, especialmente, a relação
de emprego, diante das ameaças constantes de precarização das condições de trabalho e avanço do desemprego, que se torna estrutural. Por
considerar que a rescisão contratual de iniciativa do empregador, como
regra, constitui a ele apenas um contratempo, ao passo que para o trabalhador e sua família pode significar instabilidade e miséria, a OIT vem, há
algum tempo, desenvolvendo estudos, pesquisas e debates, que têm
culminado em deliberações importantes nesse campo.
Entre essas deliberações, tomadas em conferências internacionais do trabalho, destaca-se a que resultou, em 1982, na adoção da Convenção 158, que trata do término da relação de emprego por iniciativa do
empregador, sem justa causa, entre outros aspectos ligados à proteção
do emprego. A Convenção instituiu, como ponto relevante, a obrigação
de o empregador fundamentar o término da relação de trabalho. Em outras palavras, o término do contrato de emprego só se legitimará se fundamentado em uma causa justificada, dada pelo empregador. O artigo 4º
dessa Convenção considerará justo o motivo da rescisão apenas, se este
estiver relacionado com a capacidade ou conduta do trabalhador, ou basear-se nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento
ou serviço. A necessidade de funcionamento da empresa, por sua vez,
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para justificar a despedida, pode ser de natureza econômica, tecnológica,
estrutural ou análoga, porém sempre justificada e demonstrada. Na hipótese de despedida calcada na conduta do trabalhador ou em seu desempenho, é necessário que haja prévia oportunidade de defesa. Essas e
outras medidas, inclusive indenizações previstas, são efetivamente capazes de restringir a possibilidade de rompimento do contrato por motivos outros que não encontrem fundamentação legítima.
A Convenção 158 da OIT entrou em vigor no plano internacional
em novembro de 1985, foi ratificada pelo governo brasileiro em janeiro de
1995 e promulgada pelo presidente da República com o Decreto 1.855,
de 10/4/1996, passando a vigorar em janeiro de 1996. Contudo, pelas
fortes reações que provocou no âmbito do Direito e da política internos, já
que atinge interesses econômicos, que se sobrepuseram aos interesses
sociais, foi denunciada em 20/11/1996, com efeitos a partir de 20/11/1997.
Pode-se reconhecer nessa deliberação internacional a conotação
de um contraponto ao processo de globalização da economia, fazendose acompanhar de efeitos cruéis no mundo do trabalho e de forma predominante a um dos participantes do processo produtivo, justamente o trabalhador, que em regra é hipossuficiente. Uma vez denunciada pelo País,
é necessário encontrar outros mecanismos no Direito interno para controlar o processo de degradação. Nessa perspectiva, resta voltar ao texto
da Constituição para dali extrair a normatividade que é inerente a todo
texto constitucional. Ainda, com base em interpretação mais humanizada
de suas disposições, reconhece-se que o objetivo maior da justiça social
está em preservar “[…] os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, necessários para que se estabeleça um razoável equilíbrio entre os fatores da produção.” (SOARES FILHO, 2002, p. 234). É nesse
sentido a interpretação que se faz do artigo 7º, I, e de vários outros dispositivos constitucionais, sistematicamente analisados, para concluir que
há respaldo na ordem jurídica à plena aplicação do principio da continuidade do emprego.
Ao erigir a livre iniciativa em fundamento da República, no artigo
1º, IV24, o legislador constituinte cuidou de mencionar, com prioridade, o
valor social do trabalho, o que já evidencia que o primado do segundo
valor depende do prestígio assegurado ao primeiro. Interpretação siste-
24
Artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos: […]
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”
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mática que alie o conteúdo do dispositivo ao 170, também da Constituição Federal25 permite concluir que o trabalho, na ótica do legislador constituinte, merece proteção não meramente filantrópica, mas politicamente
racional, como observa Eros Roberto Grau (2003, p. 178), e que deve ser
operante e efetiva ao longo da execução do contrato de trabalho.
É nesse contexto que se deve interpretar também a função social
da empresa e da propriedade como princípios constitucionais, pois, de
acordo com o disposto no caput do artigo 170, a ordem econômica, “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa”, tem por fim
assegurar a todos existência digna. A propósito da ordem em que foram
relacionados os princípios, no artigo 170, Eros Grau menciona o relato
feito por Miguel Reale Júnior sobre a reação, no Plenário da Constituinte,
à proposta alternativa apresentada pelo “Centrão” para a redação do artigo 199 (atual artigo 170). A intenção desse grupo de parlamentares era
fazer com que a livre iniciativa antecedesse a valorização do trabalho
humano. A rejeição da proposta foi interpretada por Miguel Reale Júnior
como mais uma prova da precedência do valor do trabalho sobre a livre
iniciativa. Para Eros Grau, a ordem de alusão, no texto, é irrelevante, pois
o que conta, a seu ver, é a circunstância de nele estar consagrada a
valorização do trabalho humano e não a valorização a ambos ou apenas
da livre iniciativa.
Não devem pairar dúvidas, portanto, sobre o que seja prioritário,
quando se contrapõem a liberdade empresarial e o direito do trabalhador
ao emprego que, além de prover sua subsistência, deve lhe conferir existência digna. Dito de outra forma, não se concebe, no regime da Carta de
1988, ordem econômica em que a livre iniciativa sobrepuje o valor social
do trabalho, sob pena de violação direta ao princípio da dignidade humana, duplamente contemplado na Constituição: como fundamento da República (artigo 1º, III) e como fim da ordem econômica (artigo 170, caput).
A liberdade de iniciativa, portanto, não equivale a alguma espécie de salvo-conduto para qualquer espécie de prática arbitrária e abusiva. Antes,
deve ser compreendida como base da ordem econômica e social, em
25
Artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos: […]
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”
Artigo: 170. “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...].”
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que os indivíduos são livres para desenvolver atividade socialmente útil,
sem desprezar, jamais, o objetivo precípuo de busca da justiça social.
A proposta constitucional inserida no título dos Direitos e Garantias Fundamentais, capítulo dos Direitos Sociais, de assegurar o direito ao
trabalho (artigo 6º), a proteção da relação emprego contra a despedida
arbitrária e sem justa causa (artigo 7º, I) e, no título da Ordem Econômica
e Financeira, a valorização do trabalho humano e a busca do pleno emprego torna imprescindível que, na leitura do principio da preservação da
empresa, se considere o Direito Empresarial indissociavelmente vinculado ao Direito do Trabalho e que ambos se movam pela diretriz constitucional de tutelar o ser humano.
Assim, como não se pode entender a preservação do pleno emprego sem propiciar a preservação da empresa, a continuidade desta
movida por fins exclusivamente patrimoniais também não atende à função socializante que lhe atribuiu a Constituição.
5 CONCLUSÃO
A amplitude de aspectos e desdobramentos da atividade empresarial, que transcende as fronteiras internas e o aspecto puramente econômico, para atingir significados jurídicos, políticos e sociais de várias
ordens, torna a empresa um dos mais poderosos agentes sociais da atualidade. A natureza e a função social que lhe são reconhecidas, além do
relevante valor econômico, têm justificado a defesa de sua conservação
no Direito contemporâneo.
O princípio da preservação da empresa está na base de uma série
de interesses individuais e sociais a ela vinculados, que dela dependem e
que a ela se direcionam.
A nova ordem econômica que se instaurou no Brasil com a Constituição de 1988, fundou-se na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, observada a função social da propriedade e a busca do pleno
emprego. O projeto constitucional volta-se à garantia de livre iniciativa
econômica, contudo também valoriza o trabalho humano e a dignidade
da pessoa. Dessa forma, preservação da empresa e preservação dos
empregos, têm, ambos, fundamento comum na Constituição, o que justifica que os dois princípios se inter-relacionem e se completem.
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Procura-se, hoje, solução a questões relativas à garantia de trabalho e à segurança ao trabalhador no emprego e, ao mesmo tempo,
permitir o pleno desenvolvimento empresarial. O processo de globalização
da economia se faz acompanhar de crescente degradação das relações
de trabalho, com efeitos perversos especialmente ao trabalhador, que é a
parte mais frágil na relação contratual, com grave risco à estabilidade
social. A indagação que se coloca é se há possibilidade, em tal contexto,
de assegurar proteção ao trabalhador, sem restringir as possibilidades de
progresso econômico das empresas.
A introdução, no título dos Direitos e Garantias Fundamentais da
Carta de 1988, da garantia do direito ao trabalho e da proteção da relação
emprego contra a despedida arbitraria e sem justa causa e, no título da
Ordem Econômica e Financeira, a valorização do trabalho humano e a
busca do pleno emprego, além da função social da propriedade, torna
imprescindível que o Direito Empresarial seja analisado à luz dos valores
que inspiram a Constituição e o novo Código Civil, que, na leitura do
princípio da preservação da empresa, se considere o Direito Empresarial
indissociavelmente vinculado ao Direito do Trabalho e que ambos se
movam pela diretriz constitucional de tutelar o ser humano.
Não é possível compreender a preservação do pleno emprego sem
propiciar a preservação da empresa. Da mesma forma, a continuidade
desta, movida por fins exclusivamente patrimoniais, também não atende
à função socializante que lhe atribuiu a Constituição, tampouco a diretriz
que permeia todo o texto da Carta, de tutela do ser humano.
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SEÇÃO DE ENSINO JURÍDICO
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Ubiratan de Mattos
PROJETO PEDAGÓGICO NO
ENSINO DE DIREITO: APRENDIZAGEM
BASEADA EM PROBLEMAS
(PROBLEM-BASED LEARNING – PBL)
PEDAGOGIC PROJECT IN THE TEACHING OF
LAW: PROBLEM-BASED LEARNING – PBL
PROYECTO PEDAGOGICO EN LA
ENSEÑANZA DEL DERECHO:
APRENDIZAJE CON BASE EN PROBLEMAS
(PROBLEM-BASED LEARNING – PBL)
UBIRATAN DE MATTOS
___________________________________________________________
Doutorando em Direito (UFSC),
Mestre em Letras pela PUCPR,
Advogado, consultor educacional,
Ex-diretor-geral das Faculdades Integradas Curitiba,
Ex-diretor-acadêmico da FAMEC.
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Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
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Ubiratan de Mattos
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO: INSERÇÃO TEÓRICA DO MODELO PBL.
2 UM POUCO DA ORIGEM E UM DESTAQUE PRÉVIO NA DISCUSSÃO. 2.1 DIDATIZANDO COMPETÊNCIAS E HABILIDADES. 3 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS (PROBLEM-BASED LEARNING).
3.1 UMA DESCRIÇÃO FUNCIONAL. 3.2 ORIGENS. 3.3 CONCEITOS.
3.4 COMPARAÇÃO COM OUTRAS ESTRATÉGIAS DE ENSINO. 3.5
PERGUNTAS DE PESQUISA SOBRE O PBL. 3.6 PROCESSO PBL: UM
CERTO CUIDADO. 3.7 PROCESSO PBL: MAPEAMENTO DO CURRÍCULO. 3.8 PROCESSO PBL: MAPEAMENTO DO CURSO. 3.9 PROCESSO PBL: ELABORAÇÃO DO PROBLEMA. 3.9.1 AVALIAÇÃO DO PROBLEMA. 3.9.2 APROXIMAÇÃO AO PROBLEMA. 3.9.3 ENCONTRAR E
TRABALHAR COM O PROBLEMA. 3.9.4 ETAPAS DE
COMPLEMENTAÇÃO DO TRABALHO COM O PROBLEMA. 3.10 PROCESSO PBL: O GRUPO. 3.11 PROCESSO PBL: PAPÉIS E RESPONSABILIDADES. 3.11.1 PAPEL DO FACILITADOR. 3.11.2 PAPEL DO ALUNO. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
RESUMO
O objeto do presente artigo é a análise de uma das abordagens modernas de projeto pedagógico para o ensino de Direito e sua decorrente
estruturação curricular, o problem-based learning (aprendizagem baseada em problemas) ou simplesmente PBL, como é freqüentemente conhecido e referido esse método. Resulta em uma visualização teórica com
sobreposição crítica referente ao PBL nesse contexto. Pretende-se contribuir com uma resposta metodológica para as lacunas existentes e para
as necessidades não atendidas na metodologia do ensino de Direito, tal
qual se desenvolve no Brasil.
Palavras-chave: ensino de Direito, problem-based learning (aprendizagem baseada em problemas).
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Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
ABSTRACT
The object of the present article is the analysis of one modern approach to
the Pedagogic Project in the teaching of Law as well as its correspondent
curriculum structure, which is the “Problem-based Learning” (PBL). It results
a theoretical visualization with critical conclusions regarding PBL in the
context under analysis. The aim is to support an answer to the non-satisfied
necessities in the teaching of Law methodology, as it has been growing in
Brazil.
Keywords: teaching of law, problem-based learning.
RESUMEN
El objeto del artículo presente es el análisis de un acercamiento moderno
al Proyecto Pedagógico en la enseñanza de Ley así como su estructura
del plan de estudios correspondiente que es el “Aprendizaje Problemabasado” (PBL). Produce una visualización teórica y las conclusiones críticas con respecto a PBL en el contexto bajo el análisis. El objetivo es
apoyar una respuesta a las necesidades non-satisfechas en la enseñanza
de metodología de la Ley, como él ha estado creciendo en Brasil.
Palabras clave: enseñanza de ley, el aprendizaje problema-basado.
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Ubiratan de Mattos
1 INTRODUÇÃO: INSERÇÃO TEÓRICA DO MODELO PBL
A questão do PBL se insere dentro de um amplo conjunto de reflexões e contribuições para um possível e desejado aperfeiçoamento dos
modelos de estruturação curricular no ensino superior. Por mais que não
apareça assim descrito (pelo menos não se vê em nenhuma fonte
pesquisada), é preciso situar o problem-based learning – aprendizagem
baseada em problemas (PBL) como um modelo de organização curricular
baseado em competências. Vale dizer que é necessário, antes de tudo,
apontar certa historicidade do percurso dos modelos curriculares, para,
então, compreendendo o conceito-base “competência”, aprofundar-se a
análise do PBL enquanto modelo. Essa adesão teórica e conceitual do
PBL à família da “competência” faz parte das conclusões a que se chega
nesta jornada compreensiva sobre o tema. É interessante notar que, não
obstante sua evidência e visibilidade, o modelo teórico “salta” por sobre
essa constatação, deixando de salientar um suporte característico que
poderia (como pode) ajudar na compreensão, desde o início, do edifício
macroconceitual posto em jogo.
Não resta dúvida de que se está tratando de toda uma revolução
na forma de estruturar e desenvolver o currículo, com profundas conseqüências nas atividades implícitas e decorrentes. Pode-se afirmar que se
está diante de uma quebra de paradigma, uma vez que o modelo proposto difere em essência, parte de fundamentos diversos, lança mão de métodos e técnicas bastante distintos e estabelece uma ruptura com as formas anteriores de ação didático-pedagógica. Trata-se de bem mais do
que uma alteração na forma de estruturar currículos, pois a escola ou
instituição como um todo se altera profunda e obrigatoriamente, uma vez
que tenha decidido partir para a experiência do PBL.
2 UM POUCO DA ORIGEM E UM DESTAQUE PRÉVIO NA DISCUSSÃO
No caso presente, quando se aborda a discussão sobre estrutura
curricular, sem dúvida está-se pensando e falando em termos de estudos
universitários ou ensino superior. Isso leva a um dos rumos possíveis na
busca das origens das preocupações: a universidade e uma série de demandas psicossociais que afloram no contexto de sua trajetória histórica
– tudo que ela representa (ou deve representar) enquanto instituição; o
que se pode e(ou) se deve esperar dela enquanto unidade social-produtiva; como se estabelece e se garante (ou se rompe e se perde) o diálogo
entre a universidade e os horizontes modernos e contemporâneos da
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
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Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
formação profissional (além das outras formações esperadas – educacional, moral, cidadã, cultural-erudita, nacional, humana, etc.). Mas por que,
então (e de propósito), o destaque na formação profissional? Esse é um
dos pontos centrais com o qual se pode entrar responsavelmente no tema.
Nas sociedades ditas modernas e contemporâneas, percebam-se aqui
aquelas do final do século XX e início deste século, foi estabelecendo-se
uma progressiva concentração de ênfase nas exigências da “formação
profissional”, a ponto de elevar tais exigências ao plano de expectativas
inderrogáveis da formação educacional superior. Razões disso foram, de
um lado, as frustrações, sucessivamente acumuladas na forma de
insucesso técnico-profissional dos egressos do ensino superior perante
os campos de trabalho e suas demandas operacionais concretas; de outro, as nostálgicas lembranças de um tempo e de um lugar tidos como
inerentes e inalienáveis a toda uma mística da universidade como pináculo do saber. Deu-se um cotidiano questionamento, a princípio silencioso e um pouco envergonhado, desse pináculo do saber, em face de uma
lacuna persistente e incomodativa.
A partir da década de 1980 do século XX, foi intensificando-se
uma tendência já iniciada dez anos antes. Trata-se da desmistificação da
universidade. Esse processo não se limita à faceta da formação profissional, pois se insere num panorama bem mais amplo, de natureza
psicossocial, qual seja a dessacralização da cultura, com ênfase na
psicossociologia dos costumes, que chega a atingir, por decorrência, praticamente todas as instituições sociais, em todos os aspectos delas.
No que toca aos núcleos sociais de formação universitária para o
exercício profissional, foi tornando-se sempre mais perceptível à denúncia, com base no mundo corporativo-laboral, principalmente, na defasagem dos programas e atividades “curriculares” em relação ao perfil humano necessário e exigido pela prática das profissões em geral.
Simultaneamente e, de certo modo às avessas desse movimento,
desenvolvia-se, muito mais do que antes, uma progressivamente maior
definição técnica em todas as profissões. Dois resultados não tardaram a
se mostrar: primeiro, um contraste evidente entre esses dois perfis humanos – o técnico-profissional (que se adensava, aprimorava e
aprofundava) e aquele da formação universitária (que permanecia o de
sempre); em segundo lugar, um desencanto em relação aos cursos superiores em geral, por conta exatamente de uma antes não vista carência
de respostas, nesse nível educacional superior, diante das demandas ditas profissionalizantes. Nesse mesmo movimento, nada simples,
multifacetado, o “mercado de trabalho” passou a assumir, cada vez mais,
uma proximidade semântica com o “mercado” como tal, economicamenR. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
Ubiratan de Mattos
157
te dimensionado e descrito, no sentido neoliberal do termo. O mercado
no qual se vai exercer uma profissão pertence ao quadro imenso do mercado, enquanto campo de forças econômicas que faz a parametrização
da economia de uma sociedade. Diga-se, em tempo, que tal
parametrização é de natureza essencialmente dinâmica, mas obedece,
não obstante, a leis gerais de regulação, que conferem “ordem ao caos”,
realizando certo espectro de previsibilidade dentro da temporalidade das
coisas econômicas.
O que importa aqui, para os fins e para o foco desta reflexão, é
apontar que a oferta de ensino, e mais especificamente de ensino superior, passou a configurar-se como um mercado a atrair empreendimentos
e empresas, acolhendo profissionais da educação e oferecendo-lhes campo de atuação, ou seja, mercado de trabalho propriamente dito. Na verdade, fundou-se uma tendência quantitativa importante que iria assumir
características tais que 80% dos egressos sejam, no ensino superior brasileiro, oriundos de instituições particulares. O crescimento da ala privada
no setor educacional possibilita visibilidade maior do que nunca a alguns
aspectos marcantes da diferença entre o ensino superior público e o particular. Dentre esses aspectos, vale ressaltar a pronta disposição e maior
preparo da escola particular para adotar padrões de formação profissional adequados às demandas contemporâneas corporificadas nos “perfis”
das mais variadas profissões existentes. Tome-se, para ilustração, uma
instituição de ensino superior particular qualquer, recém-instalada, de porte
econômico considerável. De um lado, é mais fácil para essa escola partir,
desde a origem, para um perfil “profissionalizante” moderno, por ser ela
(escola particular nascente) tão “nova” quanto a modernidade das exigências laborais mais recentes, e, exatamente por essa “novidade”, não
possuir acúmulos de certos ranços históricos presentes na universidade
pública tradicional.
Entretanto, é fundamental lembrar que possuir características que
apontam para certo fazer não garante que se faça. Evidentemente surge,
nesse ponto, a tentação de adensar o debate sobre a qualidade de ensino nas instituições públicas e privadas de ensino superior. Não é o caso,
o tema central é outro. Diga-se, todavia e tão-somente a título de ilustração, que a supremacia de um ou de outro segmento de oferta da educação atual depende, além de outras variáveis, do conceito que se adotar
de qualidade. Pode-se chegar a conclusões opostas do raciocínio, envolvendo, inclusive, a explicitação (não pacífica) sobre as funções (papel
social, razões de ser) da universidade e das demais instituições de ensino superior não universitárias.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
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Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
Interessa, sim, reafirmar que o mundo do trabalho mudou, no sentido de exigências mais amplas, mais intensas e mais extensas quanto à
formação do profissional trabalhador, e a universidade tradicional, mercê
exatamente dessa “tradição”, não deu conta desse salto qualitativo, com
honrosas exceções. A formação universitária “desde sempre” considerada adequada e suficiente deixou flagrantemente de sê-lo, na maioria das
áreas profissionais.
A universidade tem, em verdade, um compromisso com o conhecimento, no sentido mais amplo e radical do termo, o que significa, inclusive, estar apta a promover e ser o lugar por excelência de uma crítica do
mercado, como fenômeno e dado socioeconômico. Essa crítica está inscrita, por sua vez, dentro de uma outra, maior ainda, a crítica do modelo
neoliberal predominante que confere tal preeminência ao mercado. Deve
a universidade deixar-se levar a reboque pelo mercado? São as leis e
ordens do mercado as balizas melhores para a estruturação de currículos
e programas universitários? Parece claro que não, pelo menos não integralmente, nem exclusivamente; caso contrário, estar-se-ia aceitando, implicitamente, que a universidade é menor que o mercado.
Não bastasse o que se afirmou, a complexidade do assunto se
avulta bem mais diante da lembrança de que vivemos, no Brasil, dentro
dos prolongamentos (ou estertores?) pós-modernos de uma cultura
“bacharelista”, à qual encanta a formação retórico-erudita e os adornos
ritualísticos da formação “superior” européia oitocentista, tão bem
aclimatada em nossos trópicos e que tanto marcou e marca a identidade
cultural brasileira, longe e bem diversa da formação de competências e
habilidades estritamente “focais”. Ainda mais: as instituições particulares,
tão aptas a formar “bacharéis” quanto as públicas, são, elas mesmas,
empresas e têm clientes a satisfazer, pela mais estrita lógica de mercado.
A que clientes e com que serviços vai ela satisfazer? Não há resposta
simples, até mesmo porque as duas perspectivas em tela não são, necessariamente, interexcludentes, mas essa pergunta norteia, ou deveria
nortear toda e qualquer posição filosófica sobre estruturação curricular,
missão e finalidade de uma IES.
2.1 DIDATIZANDO COMPETÊNCIAS E HABILIDADES
De toda forma, há o fato notório de que, numa perspectiva passado-presente, o bacharelismo ainda assombra a universidade; mas, na
óptica presente-futuro, parece inevitável a incorporação do paradigma
das habilidades e competências. Importa verificar como isso tem ocorrido
em nosso meio.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
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Não resta dúvida, ao observador mais atento, de que a virada
conceitual que volta as costas ao acúmulo conteudista de conhecimentos
e avança para o domínio de habilidades e competências deu-se no âmbito dos operadores da educação profissional, e com eles ainda se encontram os resultados de ponta mais significativos.
Do ponto de vista normativo, a LDB vigente, Lei 9.394/961, determina que a educação escolar seja vinculada ao trabalho e à prática social
do educando (artigo 1º, § 2º). A Resolução nº 3/2002-CNE/CP2 , a norma
reguladora das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para os cursos
superiores de tecnologia, com a LDB, permite considerar que a educação
profissional técnica e tecnológica, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, objetiva garantir aos cidadãos o direito ao desenvolvimento de competências profissionais que os
tornem aptos para a inserção em setores profissionais nos quais haja
utilização de tecnologias (artigos 39 e 40 da LDB e artigo 1º da Resolução 3/2002-CNE/CP). Entende-se por competência profissional a capacidade pessoal de mobilizar, articular e colocar em ação conhecimentos,
habilidades, atitudes e valores necessários para o desempenho eficiente
e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho e pelo desenvolvimento tecnológico (artigo 7º da Resolução 3/2002-CNE/CP).
Competências pressupõem saberes e, simultaneamente, mobilizam saberes. Tal afirmativa permite inscrever, definitivamente, a questão
no universo profissional, dos desempenhos requeridos nas inúmeras e
diversas atividades das profissões, sem, igualmente, excluí-las (as competências) da vida cotidiana. Quem autoriza essa concepção-conclusão
é Philippe Perrenoud, um dos teóricos mais conceituados e dedicados ao
tema. No mesmo contexto em que rejeita a diferença entre habilidades e
competências, ele também recusa “o amálgama entre competências e
tarefas práticas” (PERRENOUD, 2005).
Falando da Universidade de Genebra, em 1999, Perrenoud destacava:
Inúmeros países orientam-se para a redação de ‘bases de competências’ associadas às principais etapas da escolaridade. No decorrer dos anos noventa, a noção de competência inspirou uma
reescritura mais ou menos radical dos programas no Québec [Canadá], na França e na Bélgica. Na Suíça, a questão começa a ser
1
2
Lei n.o 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http:/
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R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
160
Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
debatida, porque a revisão dos planos de estudos coordenados está
na ordem do dia e, simultaneamente, porque a evolução para os
ciclos de aprendizagem exige a definição de objetivos-núcleos ou
de objetivos de final de ciclo, freqüentemente concebidos em termos de competências. (Idem, ibidem, p. 1)
A objeção clássica levantada contra a adesão da escola às competências é a de que isso ocorreria em detrimento dos saberes, do conhecimento em si, cuja transmissão constitui a missão estrita da escola,
ficando, então, a prática educativa mais central e importante reduzida a
um mínimo, ou seja, em grau importante, para ensinar competências, a
escola deixa de ministrar saberes, deixa de transmitir conhecimento. É
interessante a resposta de Perrenoud a esse posicionamento. Ele alega
que tal assertiva está correta e, simultaneamente, é errada. Está correta,
porque focalizar o desenvolvimento de competências na escola implica
direta limitação do tempo destinado à transmissão-assimilação de saberes, bem como direto abalo da organização escolar em torno de disciplinas “fechadas”. O erro da afirmação está em que desenvolver competências não significa “voltar as costas aos saberes”, ao contrário, uma vez
que “a maioria das competências mobiliza certos saberes”. Acrescenta
que o debate produtivo é outro e deveria focalizar as finalidades prioritárias
da escola e o equilíbrio “na redação e na operacionalização dos programas” (Idem, ibidem, p. 1).
Ainda nessa linha de debate, lembra Perrenoud que há quem avance para outra diferença-discordância, alegando que as competências dizem respeito à vida cotidiana, portanto põem em jogo saberes do senso
comum, ligados à experiência, diversos dos saberes disciplinares, que
cabe à escola transmitir. Tal opinião leva à ironia de afirmar que
[...] não se vai à escola para aprender a fazer um anúncio classificado, escolher um roteiro de férias, diagnosticar uma rubéola, preencher o formulário do imposto de renda, compreender um contrato,
redigir uma carta, fazer palavras cruzadas ou calcular um orçamento
familiar. Ou então para obter informações por telefone, encontrar o
caminho numa cidade, repintar a cozinha, consertar uma bicicleta ou
descobrir como utilizar uma moeda estrangeira.(Idem, ibidem, p. 2)
Perrenoud dirá, a seguir, que essas são competências exigidas na
vida cotidiana e, como tais, nada desprezíveis, pois adultos bem formados na escolaridade tradicional continuam, muitos deles, despreparados
e perplexos diante de desafios: como entender um contrato de seguro ou
uma bula de medicamento. Ao mesmo tempo em que toma o cuidado de
não cair na pura redução do papel da escola a ensinamentos tão triviais,
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
Ubiratan de Mattos
161
ele questiona uma formação escolar de 10 ou 15 anos que deságua em
tamanho despreparo. De que valeu tal escolarização?
Antes de seguir a trilha conceitual da competência e sua relação
com a escola, vale adicionar a intercorrência, no discurso do autor, da
discussão semântica dos termos “habilidade” e “competência”. Ao levantar a problemática que se descreveu, Perrenoud observa que alguns insistem em denominar habilidades o conjunto de exemplos mencionados,
o que, para ele, não se sustenta nem teoricamente nem do ponto de vista
de uma função prática dessa distinção. Veja-se:
Pode-se responder que se trata aqui de habilidades comuns que
devem ser distinguidas das verdadeiras competências. Essa argumentação não seria muito sólida: não se pode reservar as habilidades ao cotidiano e as competências às tarefas nobres. O uso habitua-nos certamente a falar de habilidades para designar habilidades
concretas, ao passo que a noção de competência parece mais ampla e mais ‘intelectual’. Na realidade, refere-se ao domínio prático
de um tipo de tarefas e de situações. Não tentemos reabilitar a noção de competência reservando-a às tarefas mais nobres. (Idem,
ibidem, p. 2)
As competências elementares evocadas (“habilidades”) têm, sim,
relação com os saberes disciplinares, portanto com os programas escolares. Perrenoud descarta, então, uma suposta contradição:
[...] elas [as competências] exigem noções e conhecimentos de
matemática, geografia, biologia, física, economia, psicologia; supõem
um domínio da língua e das operações matemáticas básicas; apelam para uma forma de cultura geral que também se adquire na
escola. Mesmo quando a escolaridade não é organizada para desenvolver tais competências, ela permite a apropriação de alguns
dos conhecimentos necessários. Uma parte das competências que
se desenvolve fora da escola apela para saberes escolares básicos
(a noção de mapa, de moeda, de ângulo, de juro, de jornal, de roteiro, etc.) e para as habilidades fundamentais (ler, escrever, contar).
Não há, portanto, contradição obrigatória entre os programas escolares e as competências mais simples. (Idem, ibidem, p. 2)
Um destaque a mais desse momento no discurso do autor é a
afirmação de que as competências humanas, tanto essas, simples, quanto
as tantas outras, mais complexas, possuem uma referência central: remetem a uma ou mais situações, nas quais há uma necessidade premente: “tomar decisões e resolver problemas” (Idem, ibidem, p. 2). Decisões
e problemas não se situam nem se limitam quer à prática de uma profissão, quer à vida cotidiana. O ser humano precisa lançar mão das compeR. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
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Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
tências nas mais variadas ordens de vivência, ao ter que traduzir um texto, dar conta de um sistema de equações, “verificar o princípio de
Arquimedes, cultivar uma bactéria, identificar as premissas de uma revolução ou calcular a data do próximo eclipse solar” (Idem, ibidem, p. 3).
Certa competência, não importa se concreta ou abstrata, mais especializada ou não, permite ao indivíduo enfrentar uma situação ou uma tarefa. Nesse processo e nesse ato, a competência mobiliza, apela para “noções, conhecimentos, informações, procedimentos, métodos, técnicas ou
ainda a outras competências, mais específicas” (Idem, ibidem, p. 3). A
tradução obrigatória da competência em ação é abordada por Perrenoud
evocando um texto de Le Boterf, que vale acrescentar:
Possuir conhecimentos ou capacidades não significa ser competente. Pode-se conhecer técnicas ou regras de gestão contábil e não
saber aplicá-las no momento oportuno. Pode-se conhecer o direito
comercial e redigir contratos mal escritos.
Todos os dias, a experiência mostra que pessoas que possuem conhecimentos ou capacidades não sabem mobilizá-los de modo pertinente e no momento oportuno, em uma situação de trabalho. A
atualização daquilo que se sabe em um contexto singular (marcado
por relações de trabalho, por uma cultura institucional, por eventualidades, imposições temporais, recursos…) é reveladora da ‘passagem‘ à competência. Esta realiza-se na ação. (LE BOTERF, 1994,
apud PERRENOUD, 2005, p. 3)
Há decorrências imediatas, assumidas por Perrenoud, no sentido
de que a competência pressupõe saberes (recursos) e precisa mobilizálos; logo, se faltarem os saberes ou se, mesmo existindo, não forem eles
mobilizados (a tempo e conscientemente), a competência não existirá, e,
do ponto de vista prático, é como se os saberes não existissem.
Portanto, quando se aborda a necessidade de tratar as competências dentro da escola e a partir dela, não se advoga recusar ou limitar
saberes. Longe disso e ao contrário, trata-se de dirigir esforços para a
relação constante entre os saberes e sua necessária operacionalização
em situações complexas, cuja realidade alcançará não só cada disciplina, em si, mas também e principalmente sua inter-relação. Essa compreensão expõe a céu aberto uma deficiência essencial da escola tradicional: alunos bem-sucedidos em exames, supostamente donos dos saberes transmitidos, mostram-se incapazes de utilizá-los na prática. A razão
é que nunca foram ensinados a fazer tal transposição. Pode-se até mesmo questionar a existência do conhecimento, pois saberes isolados e
instalados ainda não são conhecimento. Este não se transmite automaticamente. São necessários exercícios e práticas reflexivas, dentro de situ-
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163
ações “que possibilitam mobilizar saberes, transpô-los, combiná-los, inventar uma estratégia original com base em recursos que não a contêm e
não a ditam”. Perceba-se, com Perrenoud: competência pressupõe e
mobiliza saberes, mas não se reduz a eles, já que sua abstração
apriorística não dá conta dos fazeres, das decisões e resoluções de problemas. A competência é algo mais que a prática reflexiva e operativa vai
instalar, a partir dos saberes e com eles, mas por meio do estabelecimento imediato de relações inusitadas e insuspeitadas até aquele momento.
Isso demanda exposição do aluno, treino, reflexão situacional,
enfrentamento simulado de problemas com vistas a uma ou mais soluções. A escola, tradicionalmente, trabalhou sempre de forma diferente,
com suportes e aportes estanques, rígidos, investindo numa transmissão
por disciplina e supondo-a bem-sucedida, quando a avaliação teórica se
mostrava satisfatória. Vale dizer, está-se falando de aprendizado e seus
níveis, restando o questionamento de o que é aprender e quando se pode
afirmar que o aprendizado ocorreu. A competência demonstrada seria,
nessa óptica, um indicador do aprendizado e, mais além, um fator que
põe em xeque o modelo escolar, a linha pedagógica e a estrutura curricular
tradicionais. Observe-se:
A mobilização exerce-se em situações complexas, que obrigam a
estabelecer o problema antes de resolvê-lo, a determinar os conhecimentos pertinentes, a reorganizá-los em função da situação, a
extrapolar ou preencher as lacunas. Entre conhecer a noção de juros e compreender a evolução da taxa hipotecária, há uma grande
diferença. Os exercícios escolares clássicos permitem a consolidação da noção e dos algoritmos de cálculo. Eles não trabalham a
transferência. Para ir nesse sentido, seria necessário colocar-se em
situações complexas como obrigações, hipotecas, empréstimo,
leasing. Não adianta colocar essas palavras nos dados de um problema de matemática para que essas noções sejam compreendidas, ainda menos para que a mobilização dos conhecimentos seja
exercida. Entre saber o que é um vírus e proteger-se conscientemente das doenças virais, a diferença não é menor. Do mesmo modo
que entre conhecer as leis da física e construir uma barca, fazer um
modelo reduzido voar, isolar uma casa ou instalar corretamente um
interruptor. (PERRENOUD, 2005, p. 4)
Freqüentemente há falta dos saberes básicos, o que é mais comum no campo do Direito e da Economia. Esses saberes foram estudados, porém descontextualizados, o que é praticamente o mesmo que se
não existissem.
Um dos problemas envolvidos é que essa compreensão da formação das competências não é evidente. Há uma falsa pressuposição de
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Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
que a escolaridade deve funcionar baseada numa espécie de divisão do
trabalho, segundo a qual a escola se incumbe de fornecer saberes e habilidades. Às habilitações profissionais, ou à própria vida, cabe desenvolver competências. Perrenoud aponta essa ficção que encobre a evidência das faltas e das fraturas educacionais. A escola, sabe-se, sempre
acalentou o desejo e a intenção de ensinar noções úteis, mas essa ambição global é facilmente perdida de vista, e o que arrasta as práticas de
ensino é a “lógica da adição de saberes” que traz, mais conscientemente
ou menos, a crença de que eles (os saberes adicionados) ao final servirão a algum propósito. Tentando levantar esse véu de sobre os olhos, o
autor declara: “Desenvolver competências desde a escola não é uma moda
nova, mas um retorno às origens, às razões de ser da instituição
escolar.”(Idem, ibidem, p. 5) É uma questão de atualizar a antiga trilogia
de competências que fundou a escola do século XIX — ler, escrever e
contar, uma vez que elas não bastam para a época de hoje.
3 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS
(PROBLEM-BASED LEARNING)
O entendimento prévio acerca das habilidades e competências,
sobre sua natureza, suas características e inserção no ambiente escolar,
esclarece as premissas que antecedem e orientam a abordagem de um
método, entre outros, de ensino-aprendizagem, cuja sustentação principal está exatamente no desenvolvimento de habilidades e competências.
Trata-se do problem-based learning (PBL) – aprendizagem baseada em
problemas.
A partir deste ponto, vai-se apresentar, descritiva e
operacionalmente, o PBL e sua história, entrelaçada com um pouco da história das escolas que o adotaram (corajosamente, diga-se de passagem).
3.1 UMA DESCRIÇÃO FUNCIONAL
Um dos primeiros e principais teóricos do PBL3 é Howard Barrows
(2005), autor que pode servir de guia inicial para a compreensão da PBL.
3
No presente trabalho, PBL é tratado, lingüisticamente, como substantivo masculino,
sob o fundamento de que o que releva e o de que se trata é o método, não obstante a
tradução da expressão de língua inglesa seja, necessariamente, no feminino (aprendizagem baseada em problemas), puxada pelo substantivo feminino, em português, “aprendizagem”.
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165
No PBL, considerado como um método centrado no aluno, este
assume progressivamente mais e mais responsabilidade pela sua aprendizagem e torna-se independentes do professor para a realização dessa
aprendizagem que poderá prosseguir ao longo de sua vida e na carreira
profissional escolhida. A responsabilidade do professor é prover material e
orientação para facilitar a aprendizagem (BARROWS, 2005, p. 1). A base
são problemas múltiplos e complexos encontrados no mundo real, utilizados como estímulo para a aprendizagem e como um meio de integrar e
organizar a informação disponível sobre a matéria, de forma a torná-la disponível para acesso e uso em futuros problemas. Os problemas, no PBL,
são desenhados para desafiar o aluno a desenvolver efetivas habilidades
de resolução de problemas e de pensamento crítico. (Idem, ibidem, p. 1)
Nesse processo, os alunos se defrontam com o problema e tentam
resolvê-lo com base nas informações que já possuem, o que lhes permite
avaliar o conhecimento de que já dispõem sobre o assunto, assim como
identificar o que precisam aprender para compreender melhor o problema
e saber como resolvê-lo. Tendo trabalhado com o problema o suficiente
para saber o que precisam aprender, passam a um estudo autodirigido de
pesquisa da informação necessária, buscando e usando uma variedade de
fontes (livros, jornais, reportagens, internet, peritos e especialistas na área).
Isso faz que a aprendizagem seja personalizada e adaptada ao estilo individual de cada aluno. Retornam, então, ao problema e aplicam-lhe o que
aprenderam, a fim de compreendê-lo melhor e resolvê-lo. Depois de terminado seu trabalho com o problema, os alunos avaliam-se a si próprios e um
ao outro, dois a dois, para desenvolver habilidades de auto-avaliação e
avaliação construtiva de estudos. (Idem, ibidem, p. 1)
O currículo, no PBL, é constituído pela série de problemas enfrentados pelos alunos. Esses problemas são dispostos em um grupo, para
estimular a aprendizagem de conteúdos apropriados ao momento. É característica do PBL que os alunos aprendam mais e avancem em outras
áreas, relevantes para as necessidades pessoais. (Idem, ibidem, p. 2)
O professor, no PBL, assume o principal papel de facilitador (ou “tutor”,
como é denominado no jargão do método), orientando os alunos no processo de aprendizagem. Quanto mais proficientes se vão tornando os alunos,
menos ativo vai ficando o tutor. Essa é uma nova habilidade para muitos
docentes, e torna-se necessário treinamento específico. (Idem, ibidem, p. 2)
O ideal é que se formem pequenos grupos de 5 a 7 alunos. Ao
trabalharem juntos com vistas à solução do problema, os participantes do
grupo adquirem habilidades colaborativas ou de trabalho em equipe. Há
casos, como no Ensino Médio, em que os grupos inicialmente podem ser
maiores (de 15 a 35 membros). Entretanto, devem ser utilizadas técnicas
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
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Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
especiais para compensar as desvantagens de grupos tão grandes. (Idem,
ibidem, p. 2)
O PBL mostra-se um método motivador, na medida em que a aprendizagem é ativa. Os alunos trabalham com problemas reais, e aquilo que
devem aprender em seu estudo é claramente visto como importante para
suas próprias vidas.
O objetivo do PBL é produzir aprendizes que irão:
a) enfrentar os problemas da sua vida e da sua carreira com iniciativa e entusiasmo;
b) solucionar problemas utilizando uma base de conhecimento efetivamente integrada, flexível e aplicável;
c) aplicar a solução de problemas em novas e futuras situações;
d) desenvolver pensamento crítico e criativo;
e) adotar abordagem holística de problemas e situações;
f) apreciar diversos pontos de vista;
g) identificar pontos fracos e fortes na aprendizagem;
h) desenvolver habilidades de comunicação e liderança;
i) incrementar sua base de conhecimento;
j) empregar habilidades de aprendizagem autodirigida para continuar a aprender como hábito de vida;
l) monitorar e avaliar continuamente a adequação do seu conhecimento, de suas habilidades de aprendizagem autodirigida e de
solução de problemas;
m) prestar efetiva colaboração como membro de um grupo. (Idem,
ibidem, p. 2-3)
Outra fonte interessante sobre PBL é a Samford University,4 situada em Birmingham, Alabama, nos Estados Unidos, cujo material
disponibilizado permite uma visão mais detalhada e aprofundada do método educacional PBL. É com base nesse material que se desenvolveram
os itens que seguem, mediante a tradução e a organização temática feitas pelo autor deste trabalho.
3.2 ORIGENS
O PBL, enquanto estratégia de ensino e desenho curricular teve
seu nascimento mais ou menos há 30 anos, na McMaster University, no
4
Disponível em: http://www.samford.edu/pbl/history.html. Acesso em: 16 out. 2005.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
Ubiratan de Mattos
167
Canadá. Havia um acúmulo histórico de frustrações institucionais e estudantis em relação às aulas expositivas e conferências. Foi então que se
decidiu utilizar problemas com base em casos clínicos reais como pontos
focais em um programa acadêmico de Medicina. A inspiração inicial foi o
processo tutorial desenvolvido por Barrows e Tamblyn (1980), a partir do
qual o currículo médico mudou seu foco da abordagem centrada na escola para um novo processo, centrado no aluno e interdisciplinar.
A abordagem PBL passou a ser utilizada, de forma híbrida, por
inúmeras instituições. A Harvard Medical School derivou seu uso do PBL
de trabalhos anteriores realizados na Case Western Reserve University.
Nesta, a Faculdade de Medicina instalou um laboratório interdisciplinar e
uma variedade de estratégias didáticas. Harvard expandiu ações a partir
disso, integrando os problemas do PBL com sessões didáticas de discussão e experimentais.
A contínua adesão ao PBL prossegue na exata medida do reconhecimento de que os alunos retêm um mínimo de informações dentro do
modelo de ensino tradicional e têm dificuldade em transferir o conhecimento adquirido para novas experiências. De acordo com Schmidt (1983),
o PBL provê um ambiente pedagógico no qual os estudantes podem trabalhar sobre conhecimento previamente adquirido, aprender com o contexto do mundo real e reforçar o conhecimento por meio de trabalho em
grupo e independente.5
3.3 CONCEITOS
Há inúmeros conceitos e interpretações do PBL. Algumas instituições se atêm ao conceito original, que é: PBL é tanto um currículo quanto um
processo. O currículo consiste em selecionar cuidadosamente e designar
problemas que exijam do aprendiz aquisição de conhecimento crítico, proficiência da resolução de problemas, estratégias de aprendizagem
autodirigida e habilidades de participação em grupos. O processo reproduz
a comumente usada abordagem sistêmica de resolução de problemas ou
de enfrentamento de desafios encontráveis na vida ou na carreira.
Muitas outras definições existem. Um ponto-chave para designar,
estruturar e avaliar os resultados produzidos pelo aluno, atingível pelo
PBL, é determinar qual é o conceito que melhor combina com sua filoso-
5
Disponível em: http://www.samford.edu/pbl/history.html. Acesso em: 16 out. 2005.
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168
Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
fia didática e com a missão de sua escola. Como mostram Boud, Feletti
et al. (1993), aspectos geralmente presentes nas definições do PBL são
os relacionados a seguir:
• PBL é uma estruturação curricular que envolve o confronto dos alunos com problemas práticos que fornecem estímulo à aprendizagem.
• PBL é um método didático que desafia os alunos a aprenderem a
aprender, trabalhando cooperativamente em grupos para buscar
soluções para problemas do mundo real. Tais problemas são usados para atrair a curiosidade dos alunos e iniciar a aprendizagem
sobre o assunto. PBL prepara o aluno para pensar crítica e analiticamente e para utilizar apropriadamente fontes de pesquisa.
• PBL é uma abordagem de ensino e desenvolvimento construída
em torno de um problema desalinhado (“mal-estruturado”), caótico e complexo por natureza, que requer indagação, reunião de
informações e reflexão; é mutável e instigante e não possui nenhuma solução “certa”, nenhuma fórmula fixa ou simples de resolução.
• PBL é uma estratégia instrucional que promove aprendizagem
ativa. Pode ser a base pedagógica para módulos, cursos, programas ou currículos.
3.4 COMPARAÇÃO COM OUTRAS ESTRATÉGIAS DE ENSINO
A Academia de Matemática e Ciência de Illinois comparou currículos prescritivos e experienciais. PBL pode ser colocado entre os últimos,
ainda que essa classificação possa variar, na dependência da interpretação e do uso que se adote do PBL. O resultado da comparação é
elucidativo e se resume no quadro6 abaixo:
6
CURRÍCULO PRESCRITIVO
CURRÍCULO EXPERIENCIAL
centrado no professor
linear e racional
organização da parte para o todo
ensino como transmissão
aprendizagem como recepção
ambiente estruturado
centrado no aluno
coerente e relevante
organização do todo para a parte
ensino como facilitação
aprendizagem como construção
ambiente flexível
Disponível em: http://www.samford.edu/pbl/history.html. Acesso em: 16 out. 2005. Tradução do autor deste trabalho.
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Ubiratan de Mattos
Savin Baden (2000) estudou as diferenças entre o PBL e outras
estratégias de ensino. Partindo do trabalho de Barrows, delineou as bases associadas a cada uma das estratégias descritas a seguir:
ESTRATÉGIA DE ENSINO
DESCRIÇÃO
aula expositiva (conferência)
Informação apresentada e discutida pelo
professor.
estudo de caso
Histórias de caso, escritas fornecidas antes
da aula e seguidas de discussão em sala
sobre conteúdos e conceitos.
método de caso
Histórias de caso, escritas fornecidas antes
da aula, estudadas e então discutidas em
aula, tipicamente em pequenos grupos.
método de caso modificado
Informação escrita incompleta, fornecida
e estudada antes da aula.
Em grupos, determina-se a informação
adicional necessária. Por vezes, informação
adicional é fornecida na aula.
foco no problema
Os alunos recebem um cenário de
problema simulado.
PBL
Informação escrita e incompleta é fornecida
e estudada antes da aula.
O foco é sobre a identificação de assuntos a
serem aprendidos, aplicáveis à resolução do
problema. Conteúdos e conceitos relevantes
para aprender um componente chave.
As diferenças entre estudo de caso e PBL são difíceis de averiguar. Hay e Katsikitis (2001), num estudo que examinou tutores especialistas e não especialistas, concluíram que os dois métodos são similares.
A peculiaridade de cada um é apenas na apresentação do problema. No
estudo de caso, o problema é acompanhado de fontes de materiais-fonte
e perguntas; no PBL, somente o problema é fornecido. No PBL, o foco é
mais no que o aluno faz do que no que a escola faz.
3.5 PERGUNTAS DE PESQUISA SOBRE O PBL
Existem muitos assuntos e preocupações relacionados ao PBL.
As publicações especializadas e os sites apresentam algumas perguntas
genéricas, com vistas a uma exploração posterior. Uma seleção desses
assuntos levantados inclui as questões a seguir:
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Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
• Por que utilizar o PBL?
• Quais são os efeitos do PBL nas atitudes do aluno?
• Que diferença faz o PBL na aprendizagem do aluno?
• Como se pode medir o impacto do PBL nos resultados do aluno,
antes e depois de um curso ou programa?
• Quais são os resultados inesperados do PBL?
• Quais os efeitos do PBL na adaptação e no funcionamento do
aluno no local de trabalho?
• Quais princípios de estrutura e organização curricular devem ser
mantidos para sustentar uma representação adequada do PBL?
• A que assuntos nos propósitos curriculares o PBL não respondeu?
• Que estilos de aprendizagem combinam mais com o PBL?
• Que infra-estrutura acadêmica é requerida para dar suporte ao
PBL?
3.6 PROCESSO PBL: UM CERTO CUIDADO
Em muitos cursos em que a problematização é o centro pedagógico, os alunos são bombardeados com enorme quantidade de materiais
para leitura, a partir de que devem mostrar a devida compreensão completando problemas relatados. Tais problemas requerem tipicamente uma
resposta clara e direta. Esse método não prepara os estudantes para a
resolução profissional de problemas. Já o PBL se inicia com os alunos
trabalhando em pequenos grupos, “escavando”, determinando assuntoschave e, então, resolvendo um problema do mundo real, sob a orientação
de um facilitador. Focalizando um problema real, os alunos desenvolvem
uma perspectiva mais profunda e variada, bem como conhecimento da
área em questão. Esse processo não é novo, pois tem raízes no antigo
modelo de aprendizagem denominado “aprender fazendo”.
PBL altera o ensino tradicional e os padrões de aprendizagem. A
forma costumeira de apresentar um tópico, parte por parte, até que os
alunos assimilem as várias etapas do conhecimento e supostamente estejam aptos a aplicar tal saber aos problemas pessoais e profissionais já
demonstrou exaustivamente sua ineficácia.
3.7 PROCESSO PBL: MAPEAMENTO DO CURRÍCULO
Currículo é um plano acadêmico ou uma estratégia escolar no(a)
qual o plano total de ação é esboçado. Nesse plano, há os objetivos gerais e os específicos, metas e resultados declarados. O processo como
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171
Ubiratan de Mattos
alcançar e avaliar esses objetivos também foram descritos. A principal
finalidade de se formular um currículo é fomentar o desenvolvimento pessoal e acadêmico de certo grupo de alunos.
PBL pode ser uma parte do processo de instrução curricular, seu
inteiro foco ou apenas restrito a um curso, unidade ou módulo.
Freqüentemente, as necessidades de pessoal, de investimento financeiro
e de instalações restringem a amplitude e a profundidade do uso do PBL.
Iniciar a adoção do PBL dentro de um currículo pode gerar ansiedade nos administradores, nas faculdades e nos próprios alunos. Causas
disso são a mudança em si e a incerteza quanto à eficácia do PBL. Uma
forma de neutralizar essa ansiedade consiste em:
a) explanar tudo que concerne ao uso do PBL a todos os principais
envolvidos com o currículo;
b) providenciar o necessário para o desenvolvimento da faculdade;
c) orientar os estudantes.
Pontos essenciais para o sucesso na adoção do PBL são:
a) centralizar a gestão de currículo;
b) determinar quem detém o poder e a autoridade para estruturar e
avaliar o PBL;
c) explorar o conteúdo essencial; como não haverá tempo suficiente para cobrir todo o conteúdo, fixar-se no que é absolutamente
necessário saber.
O site de Samford apresenta uma folha-modelo que ilustra o roteiro a servir de guia na adoção do método, a partir de sua essência básica:
a elaboração do problema. Observe-se:
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Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
Universidade de Samford
Centro de Ensino, Aprendizagem e Bolsas de Estudo
Folha de Desenvolvimento de Problemas em PBL 7
Curso:
Autores do Problema:
Data:
1 Conteúdo
1.1 Qual é o nível escolar envolvido?
1.2 Qual é a fase curricular?
1.3 Qual é a base lógica?
2 Assuntos de Aprendizagem
2.1 Identificar os assuntos primários de aprendizagem e os objetivos educacionais a serem
consignados no problema.
2.2 Delinear subtópicos relacionados aos citados assuntos primários de aprendizagem.
2.3 Esboçar o cenário ou problema introdutório.
2.4 Identificar e avaliar esforços diagnósticos.
2.5 Delinear esforços de planejamento e intervenção.
2.6 Determinar, se possível ou necessário, a resolução do cenário ou problema.
3 Guia ou manual tutorial: com as informações anteriores, produzir um guia tutorial escrito.
Um exemplo de guia como esse é o Guia Tutorial Ubuyacar, de Maricopa.8
4 Guia ou manual do aluno: produzir um manual do aluno escrito. Se o tempo permitir,
estabelecer um piloto do problema e então refinar o manual do aluno. Ver também o exemplo:
Manual do Aluno Ubuyacar, de Maricopa.9
O empenho em usar o PBL como guia curricular merece um esclarecimento e um cuidado, no sentido de que o método pode exigir mais
tempo do que as estratégias pedagógicas tradicionais, como, por exemplo, as aulas expositivas, também denominadas aulas magistrais. Estudantes novatos requerem mais estrutura e mais tempo para abordar e
resolver problemas. Os problemas, como o PBL defende e promove, são
complexos e “abertos” (sem solução antecipada, previsível, “fechada”);
7
8
9
A folha-modelo foi adaptada por: BALDWIN, M. S.; ALEXANDER, J. A.; MCDANIEL, G.
S. (2000), de HENDRICSON’S, W. D. PBL case writing workbook. Mississippi State
University’s College of Medicine; Developing a problem-based learning case: a “Howto-Guide”; DUCH’S, B. Problems: a key factor in PBL.
Disponível em: http://www.mcli.dist.maricopa.edu/pbl/ubuytutor/ubuyacar_tutor.pdf. Acesso em: 10 set. 2005.
Cfr. http://www.mcli.dist.maricopa.edu/pbl/ubuystudent/ubuyacar_student.pdf. Disponível em: Southern Illinois School of Medicine http://www.siu.edu/departments/biochem/
som_pbl/PBL.html. Acesso em: 10 out. 2005.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
173
Ubiratan de Mattos
isso acarreta, obrigatoriamente, mais tempo de processamento pelos alunos. Além disso, é preciso examinar os recursos e suas fontes, assegurar-se de que os estudantes tenham efetivo acesso aos recursos pessoais e materiais de que irão precisar. E, por último e não menos importante, é fundamental determinar a metodologia de avaliação, naturalmente
diversa daquela dos enfoques tradicionais de ensino.
O site de Samford refere outros sites, mencionados para se buscarem exemplos de aplicação curricular do PBL10.
Diga-se que a escola precisa, antes de tudo, decidir se o PBL é
um método que se mostra alinhado com sua filosofia de ensino-aprendizagem. Uma vez tomada a decisão de aderir ao PBL, é necessário assegurar-se de que todos os componentes implicados estarão presentes e
disponíveis, porque não são poucas as dificuldades na estruturação do
método.
3.8 PROCESSO PBL: MAPEAMENTO DO CURSO
Existem diversas maneiras de incorporar o PBL a um curso. A tabela a seguir apresenta as principais:
10
Conway, J. & Little, P. (2001). From practice to theory: Reconceptualizing curriculum
development for PBL. http://www.tp.edu.sg/pblconference/full/JaneConwayPennyLittle.pdf
Wood, D. F. (2003). A. B. C.’s of learning and teaching in medicine: Problem based
learning. British Medical Journal, 326. http://bmj.com/cgi/reprint/326/7384/328.pdf.
Boud, D. & Feletti, G. (Ed.) (2001). The challenge of problem-based learning (2nd ed.).
London: Kogan Page. opportunities for students and teachers. Journal for the Education
of the Gifted, 20 (4), 363-379.
Boyce, L. N., VanTassel-Baska, J., Burruss, J. D., Sher, B. T. & Johnson, D. T. (1997). A
problem-based curriculum: Parallel learning.
Duch, B. J., Groh, S. E., & Allen, D. E. (Eds.) (2001). The power of problem-based
learning. Sterling, VA: Stylus Publications.
Hmelo, C. E. & Ferrari, M. (1997). The problem-based learning tutorial: Cultivating higher
order thinking skills. Journal for the Education of the Gifted, 20 (4), 401-422.
Oon Seng, T., Little, P., Hee, S. Y., & Conway, J. (2000). Problem-based learning:
Educational innovation across disciplines. Hong Kong: Temasek Centre for ProblemBased Learning.
Savin-Baden, M. (2000). Problem-based learning in higher education: Untold stories.
Buckingham: Open University Press.
Stepien, W. J., & Pyke, S. L. (1997). Designing problem-based learning units. Journal
for the Education of the Gifted, 20 (4), 380-400.
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Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
problema,
problema,
problema
Em tal situação, PBL é usado de começo a fim do curso.
Os objetivos educacionais centram-se na descoberta de
conhecimento e habilidades.
Os alunos, nesse tipo de curso, são continuamente
desafiados a descobrir conhecimentos novos e a seguir
sua “necessidade” de saber.
problema específico,
problema específico,
problema compreensivo
Como acima, PBL abrange o curso todo.
Os objetivos educacionais focalizam a integração, pelos
alunos, entre conhecimento e habilidades.
O problema compreensivo final somente pode ser
resolvido com base na construção sobre os problemas
específicos prévios.
Problema, conferência,
problema, conferência
Aqui os objetivos se voltam para a descoberta de
conhecimentos específicos. Um problema que necessita
conhecimento específico é seguido de uma ou mais de
uma conferência.
estudo de caso,
problema
Tal formato de PBL pode ser usado para o caso de
alunos que necessitam de assistência extra para
determinar e encontrar recursos apropriados para
desenvolver conhecimento e habilidades.
Um estudo de caso sobre tomada de decisão envolvendo
exemplos desse tipo de busca é dado de início.
Na seqüência do curso, os alunos receberão, então, para
enfrentamento, os problemas com esse desafio.
A adequada seleção de problemas determina o sucesso do curso.
São inúmeras as fontes que podem ser usadas para compor os problemas:
artigos de revistas e jornais, filmes, novelas, assuntos comunitários, histórias de caso etc. O conteúdo do problema é único para cada disciplina, mas
o processo de redação do problema pode ser genericamente o mesmo.
Deve-se dar, ao grupo responsável, tempo para desenvolver e julgar os
problemas. Bárbara Dutch, da Universidade de Delaware recomenda o
seguinte processo, para elaborar, implementar e avaliar um problema:
a) identificar uma idéia central, conceito ou princípio, comumente
incorporado ao curso;
b) delinear resultados de aprendizagem para o problema;
c) realizar um brainstorming e então compor um problema complexo, desalinhado (“mal-estruturado”);
d) dividir o problema em etapas, para permitir progressiva revelação;
e) desenvolver um guia tutorial;
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
175
Ubiratan de Mattos
f) auxiliar os alunos a identificar recursos.
A Universidade de Monash (http://www.monash.edu.au/) utiliza uma
abordagem em três fases, a qual favorece a compreensão, pelos alunos,
do processo dos problemas. Observe-se:
Compreendendo
os problemas.
O que eu sei a respeito disto?
Em que consiste este problema?
Como é possível modelá-lo?
Que soluções são possíveis?
Quais são os critérios de avaliação?
Aprendendo.
O que precisamos saber?
Quem vai coletar as informações?
Onde posso encontrar as informações?
A informação é útil e confiável?
Como posso ensinar a meu grupo?
O que eles (o grupo) podem me ensinar?
Resolvendo.
Como aplicar meu novo conhecimento?
Que documentação é necessária?
Quais problemas similares eu posso resolver?
3.9 PROCESSO PBL: ELABORAÇÃO DO PROBLEMA
Um bom problema possui as características a seguir:
• É engajado e orientado para o mundo real.
• Produz múltiplas hipóteses.
• Requer esforço de equipe.
• É consistente com relação aos resultados desejados de aprendizagem.
• Constrói sobre experiências de conhecimento anteriores.
• Promove o desenvolvimento de uma ordem mais elevada de habilidades cognitivas. (BLOOM, 1956)
Ao definir o título do problema e a informação introdutória, devese considerar se o problema é:
interdisciplinar
original
atual
orientado para metas e resultados
aberto
investigativo
complexo
relevante
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Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
Comparar e contrastar as estruturas possíveis dos problemas são
fundamentais para compreender e aplicar a essência do PBL. Um
pareamento do tipo que segue pode ajudar.
PROBLEMA ALINHADO OU
DE ESTRUTURA DEFINIDA
PROBLEMA DESALINHADO
OU “MAL-ESTRUTURADO”
Qual o papel de uma enfermeira
no cuidado crítico?
Eutanásia: permitir a dignidade ou
cometer um pecado?
Quais os custos iniciais para fundar
uma creche?
Como supervisor, você notou
significativo número de ausências entre
as mulheres que trabalham em seu
departamento.
3.9.1 Avaliação do Problema
A Universidade de Delaware, em 2001, produziu a seguinte formulação para dar conta de uma avaliação voltada ao problema:
AVALIAÇÃO DO PROBLEMA
critério
excelente
bom
necessita de
aperfeiçoamento
não aceitável
formulação
e extensão
do
problema
Claro, bem
elaborado,
extensão bem
definida.
Formulação
clara, porém a
extensão não
está bem
definida.
Formulação
pouco clara,
não foi bem
elaborada.
O problema
não foi
formulado
de forma clara.
significação
O problema
representa um
desafio atual,
de amplo
potencial de
mercado.
O problema
representa um
desafio atual,
mas de
mercado
pequeno,
vagamente
definido.
O problema
não é um
desafio atual –
mercado
pequeno ou
não claramente
definido.
O problema
não é um
desafio atual –
nenhuma
análise de
mercado.
3.9.2 Aproximação ao Problema
Com base num processo desenvolvido pelo Departamento de Educação Médica da Southern Illinois University School of Medicine, pode-se
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
177
Ubiratan de Mattos
preconizar uma aproximação ao problema do PBL e sua resolução, que
envolve:
I - introduzir o conceito e a razão de ser do uso do problema PBL
dentro do curso, módulo ou unidade;
II - ajustar o estágio a:
a) papéis e responsabilidades dos vários membros do grupo (recomendável de 4 a 6 alunos);
b) cada aluno assume, em rodízio, os papéis de líder, motivador,
cético, apresentador e redator;
c) regras de confiança – o exemplo que segue, de tais regras, foi
produzido por Amos and White (1998).
Universidade de Samford
Nome do curso
semestre/ano
Regras de Confiança
7
Instruções
1 Discutir e redigir as regras de confiança do grupo. Exemplo: “ser pontual” ou
“vir preparado com cópias de material para todos os colegas do grupo”.
2 Definir as conseqüências possíveis no caso de serem quebradas as regras.
O professor responsável (ou instrutor) reserva-se o direito de revisar e aprovar
as regras e conseqüências estabelecidas e declaradas.
3 Uma vez completada a redação desta folha, todos do grupo devem assiná-la,
o que significa concordância com as regras.
4 Por fim, determinar a pessoa para contato com o grupo.
Anotar seu nome e e-mail em espaço adequado.
8
Regras e conseqüências:
1
2
3
4
5
9
Componentes do grupo:
1
2
3
4
5
Pessoa para contato:
Nome: _________________________________ – E-mail: ___________________
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178
Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
3.9.3 Encontrar e Trabalhar com o Problema
A experiência institucional de Samford fornece mais uma tabela
para a abordagem do momento em que se vai gerar o problema a ser
utilizado:
HIPÓTESES
brainstorming
INFORMAÇÕES
ASSUNTOS A
APRENDER
PLANOS
DE AÇÃO
AVALIAÇÃO
De que dados
você dispõe?
Lista do que é
necessário
para adquirir
dados
adicionais e
completar
o problema.
Atividades
necessárias
para
completar o
problema.
O problema
está resolvido?
O processo
precisa ser
repetido?
3.9.4 Etapas de Complementação do Trabalho com o Problema
As etapas listadas a seguir são auto-explicativas e funcionam mais
como uma lembrança (checklist) do caminho a ser trilhado do que como
itens a serem conceitualizados. São elas:
a) estudo autodirigido;
b) continuidade na resolução do problema;
c) identificação e avaliação dos recursos;
d) sumário do problema;
e) reavaliação do problema;
f) avaliação do grupo;
g) abstração e sumário do conhecimento (definições, conceitos, abstrações e princípios esboçados; diagramas, listas, mapas
conceituais, fluxogramas produzidos);
h) auto-avaliação e avaliação entre pares;
i) avaliação do facilitador.
3.10 PROCESSO PBL: O GRUPO
Há suficiente evidência na literatura de que a maioria dos alunos
aprende melhor colaborando, provendo e recebendo informações, apoiando e encorajando, resolvendo conflitos e comunicando-se com outros.
O trabalho em grupo, portanto, melhora a aprendizagem. Não obstante,
não basta colocar os alunos em grupos e esperar que a natureza siga seu
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
179
Ubiratan de Mattos
caminho. Os componentes precisam aprender a trabalhar em grupo, pois
há conhecimentos e habilidades específicas em jogo.
Sem tais cuidados, ocorrem situações que Gibbs (1995) descreveu exemplarmente nesta historinha:
Era uma vez um grupo de quatro alunos, chamados, respectivamente,
Todo Mundo, Alguém, Qualquer Um e Ninguém. Havia um trabalho
importante a fazer. Todo Mundo estava certo de que Alguém o faria.
Qualquer Um poderia tê-lo feito, mas Ninguém o fez. Alguém ficou
furioso, porque o trabalho era de Todo Mundo. Todo Mundo pensou
que Qualquer Um poderia fazê-lo, mas Ninguém fez nada. Todo
Mundo deixou de fazer.
A história termina com Todo Mundo culpando Alguém por Ninguém
ter feito o que Qualquer Um poderia ter feito.
Para ser bem-sucedida, uma atividade de estudos em grupo deve:
a) permitir um senso de interdependência entre os membros do grupo;
b) encorajar a responsabilidade do aluno perante o colega de grupo
e o instrutor;
c) prover freqüente interação frente a frente para promoção das
metas do grupo;
d) permitir o desenvolvimento de habilidades sociais necessárias
para a colaboração;
e) completar o ciclo com análise crítica sobre o processo do grupo.
3.11 O PROCESSO PBL: PAPÉIS E RESPONSABILIDADES
3.11.1 Papel do Facilitador
O papel do facilitador é, em síntese, ser um(a):
a) pessoa-fonte ou pessoa-recurso para questões de conteúdos e
procedimentos;
b) facilitador de todos os processos dos grupos;
c) guia para recursos adicionais;
d) “caixa de ressonância” para o grupo;
e) aprendiz, também.
A adesão ao PBL precisa priorizar atenções ao tempo necessário
para preparo do material do curso, desenvolvimento dos problemas, treinamento de facilitadores e determinação do processo de avaliação do
trabalho dos alunos. Outro aspecto fundamental é o “papel reverso” – ao
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
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Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ...
em vez de ser o “ator falador” (sage on the stage), o professor será o
“guia que espia” (guide on the side). Deixa as conferências e adentra
métodos de resolução de problemas, por vezes denominados método do
aprendizado cognitivo (BROWN; COLLINS; NEWMAN, 1989, p. 453-494).
A orientação para solução de um problema trará, muitas vezes, questões
metacognitivas, do tipo: “Como você sabe disto?”; “Que suposições você
deveria estar fazendo?”; “O que mais você precisa saber?”
3.11.2 Papel do Aluno
Os alunos, notadamente os dos primeiros anos, têm dificuldades
com o conceito e o uso da aprendizagem autodirigida (SCHMIDT; HENNY;
DE VRIES, 1992, p. 193-198). Não é raro que haja reação dos alunos, do
tipo choque, negação, raiva, resistência, aceitação e, afinal, confiança.
Os alunos devem, também, assumir a responsabilidade por seu
aprendizado. PBL os encoraja a identificarem necessidades e determinarem quais os recursos para realizarem a aprendizagem.
A aprendizagem independente traz consigo a colaboração com os
colegas e com a escola. Isso facilita a compreensão do problema e a
aplicação do conhecimento em situações futuras. Colaboração é fator
central, pois os alunos trabalham mais como membros de um time, em
seus respectivos lugares de atuação.
Duas tarefas consideradas difíceis no PBL, para os alunos, são a
reflexão (auto-avaliação) e a avaliação entre pares. A auto-avaliação permite que o estudante complete o círculo de aprendizagem. O que eu aprendi? O que mais preciso saber? Como poderei abordar este problema no
futuro? Ele deve ser proficiente não só em avaliar seu próprio progresso,
mas também o de seus pares. Monitorar a própria aprendizagem bem
como fornecer feedback confiável à dos colegas é uma importante habilidade pessoal e profissional.
Orientar os alunos para o PBL é um imperativo. Para tanto, uma
abordagem poderia ser a introdução do conceito e a razão de ser do uso
do PBL no curso ou no currículo. Outra, seria levar os alunos a trabalharem sobre um problema-modelo, seguido de uma sessão de perguntas.
4 CONCLUSÃO
Algumas observações podem ser feitas, a partir deste estudo
introdutório ao PBL, que aqui servem de conclusão (sempre provisória)
ao presente artigo.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006.
181
Ubiratan de Mattos
O PBL representa um significativo avanço em termos
metodológicos para o processo ensino-aprendizagem, já que desloca,
eficientemente, o eixo pedagógico do tradicional “centro no professor”,
para um meticuloso “centro no aluno”, sem que signifique “soltar” o aluno,
simplesmente, ao sabor de seus “improvisos orientados”. Ao contrário, o
PBL trabalha com balizamento técnico intenso e rígido, a dar suporte para
seus resultados.
O método apresenta variações, inclusive em termos de complexidade, podendo ser parcial ou integralmente adotado.
As inúmeras experiências já realizadas no mundo produziram farta bibliografia de pesquisa teórica e de apoio operacional.
A imensa maioria conhecida de aplicações universitárias do PBL
deu-se no curso de Medicina ou na área paramédica, o que deixa campo
aberto para experimentações no ensino-aprendizagem das outras áreas
do conhecimento.
Pode parecer, a alguns, paradoxal a liberdade que o aluno conquista, ao lado dos meticulosos passos técnicos que orientam essa liberdade. Este é o ganho principal do método: substitui a suposta segurança
do conferencista, que só cria dependência pela autonomia da aprendizagem autodirigida, que aponta para maturidade e responsabilidade, componentes intrínsecos da liberdade.
O curso, pelos apontamentos curriculares do PBL, pode mapear o
perfil profissiográfico do egresso e persegui-lo passo a passo, com maior
segurança de atingi-lo, uma vez que o método se focaliza em minuciosa
construção de habilidades e competências, lastreadas pelos conhecimentos e avaliadas rotineiramente pelos próprios alunos e pela escola.
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184
185
SEÇÃO DE RESENHA
186
187
Fábio Leandro Tokars
ANÁLISE ECONÔMICA DA
NOVA LEI DE FALÊNCIAS
FÁBIO TOKARS
___________________________________________________________
Mestre e doutor em Direito pela UFPR,
Professor das Faculdades Integradas Curitiba,
Professor da PUCPR,
Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 187-190, 2006.
188
Análise Econômica da Nova Lei de Falências
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 187-190, 2006.
Fábio Leandro Tokars
189
Dentre as muitas obras que foram publicadas a respeito da nova
Lei de Falências (Lei 11.101/2005), uma merece destaque inversamente
proporcional à sua dimensão física. Recuperação de empresas: uma
múltipla visão da nova lei (São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006) é uma
obra curta (130 páginas), mas a quantidade e a relevância das informações nela contidas, somadas à metodologia que se emprega, tornam o
livro uma referência essencial na área do Direito Empresarial.
Trata-se de uma obra coletiva (composta de 21 artigos), fruto de
iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas e da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, que recebeu ainda o apoio de diversas outras conceituadas instituições. Os trabalhos foram coordenados
por Fátima Bayma de Oliveira.
O principal diferencial dessa obra é a superação da barreira que
infelizmente separa as ciências do Direito e da Economia. Ainda prepondera no Brasil uma lógica de estudo e de aplicação do Direito em que não
são considerados os efeitos econômicos das decisões judiciais, bem como
a funcionalidade econômica dos instrumentos jurídicos. Mas o livro, fruto
de trabalho de grandes doutrinadores do Direito Empresarial, ao lado de
administradores e economistas de escol, garantiu essa aproximação, e
nos fez perceber, com base em dados objetivos, que a nova Lei de Falências apresenta relevantes méritos do ponto de vista de sua finalidade
declarada de preservação da empresa em dificuldades econômicas, embora esteja muito distante da realização concreta dessa finalidade.
Para que fosse garantida a integração entre os diversos trabalhos
reunidos, os textos foram divididos em cinco capítulos.
O primeiro, intitulado “Construindo um referencial”, aponta a função econômica da nova lei, reunindo artigos de juristas (Newton de Lucca,
Jorge Lobo e Adalberto Simão Filho) e de um administrador com grande
experiência na área de recuperação de empresas (Jorge Queiroz). Vai-se
além dos simples comentários quanto à importância da preservação das
empresas, abordando-se os princípios de gestão que deveriam orientar a
prevenção e a superação das crises econômicas das estruturas empresariais, com destaque aos comentários quanto à função estratégica dos
administradores.
O segundo capítulo inicia a construção de uma análise crítica quanto à viabilidade dos objetivos econômicos da lei em face de suas normas.
Nessa parte do trabalho, dois artigos merecem destaque. Aloísio Pessoa
de Araújo e Bruno Funchal, ambos administradores, escreveram sobre o
impacto econômico da nova legislação falimentar, com base em vasta
pesquisa quantitativa. Analisaram dados concretos a respeito do tempo
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 187-190, 2006.
190
Análise Econômica da Nova Lei de Falências
consumido para a liquidação de empresas, o nível de proteção ao credor
e o nível de sucesso na execução judicial de créditos, sob a luz de pesquisas referentes à qualidade dos trabalhos do Poder Judiciário, não só
no Brasil. As conclusões vêm no sentido da ausência de proteção razoável ao crédito em nossa economia, fato que gera a elevação dos riscos
dos credores e, como conseqüência, um aumento nas taxas médias de
juros, com todos os efeitos danosos à economia daí resultantes. Outro
artigo que merece especial destaque nessa segunda parte do livro tem o
título auto-explicativo de “O papel do Poder Judiciário na aplicação da Lei
11.101/05”, e foi escrito pelo jurista Carlos Henrique Abrão.
O terceiro capítulo tem por objeto a questão tributária (problema
central para a aplicação da nova lei), sendo formado por dois estudos
relativos à Lei Complementar 118/05. Os trabalhos têm um claro viés
prático e foram redigidos pelos advogados tributaristas Osmar Simões e
Condorcet Rezende.
O quarto capítulo é o mais longo do livro, contando com sete artigos. Intitulado “Abordagens estratégicas”, esse capítulo reúne estudos
sobre aspectos gerenciais específicos, envolvendo desde a forma de
gestão de crises nas micro e pequenas empresas (André Silva Spíndola,
Fátima Bayma de Oliveira e Francisco Marcelo Barone) até a forma de
relacionamento entre os fundos de investimento e as empresas em recuperação (Luiz Leonardo Cantidiano), passando ainda pelas questões trabalhistas (Luciano Viveiros).
Encerram a obra um artigo referente ao paradigmático caso
Parmalat (escrito por Joel Luís Thomaz Bastos) e outro em que se constrói uma análise comparativa entre e nova lei brasileira e aquelas aplicadas em outros países (trabalho de Gordon W. Johnson).
Enfim, cuida-se de trabalho que ganhou relevância especialmente
pela naturalidade com que aproximou os estudos de economistas, administradores e juristas, com notável coincidência em relação tanto aos objetivos pretendidos quanto aos problemas instrumentais de aplicação da
nova lei. É leitura obrigatória não só para aqueles que atuam no Direito
Falimentar, como também para todos os que cobram uma postura dos
estudiosos da ciência jurídica, a fim de que esta revele mais consciência
quanto aos efeitos socioeconômicos dessa área do conhecimento.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 187-190, 2006.
191
Conselho Editorial
NORMAS EDITORIAIS
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Conselho Editorial
Revista Jurídica é publicação oficial das Faculdades Integradas
Curitiba (FIC), de circulação nacional e internacional, com periodicidade
anual, destinando-se à veiculação de artigos científicos e resenhas, frutos das atividades de pesquisas, leituras e discussões acadêmicas na
área do Direito, sob enfoque interdisciplinar, concentrando-se em uma
nova temática a cada número.
Sua principal vocação é agregar valor científico ao debate jurídico, trazendo a contribuição de trabalhos escritos em vários idiomas, vinculados a cursos de graduação e, preferentemente, a programas de pósgraduação do Brasil e do exterior.
Visando à qualificação dos debates jurídicos e tendo em vista o
projeto de inserção da Revista Jurídica no sistema Qualis, da CAPES
(órgão oficial do Ministério da Educação brasileiro), rege-se a publicação
pelas seguintes normas editoriais para a elaboração, a apresentação e
a análise de textos, propostas pela Editoria da Revista e aprovadas pela
Comissão Editorial das FIC, em reunião de 26/11/2004.
1 Só veicula artigos inéditos, os quais deverão estar de acordo
com a temática anunciada para cada número em edital próprio e ser enviados à Editoria da Revista Jurídica, em meio eletrônico (arquivos para
os seguintes endereços: [email protected]; [email protected]),
conforme datas a serem estipuladas anualmente nas chamadas de artigos para a publicação.
2 Todos os artigos devem apresentar a seguinte estrutura:
a) como elementos pré-textuais – título (em fonte tamanho 14, em
negrito e centralizado, com versões em inglês e em algum outro
idioma de caráter internacional) seguido, à direita, da identificação da autoria e das credenciais desta (nomes completos de autores e co-autores, titulações, vínculos institucionais e atividades
profissionais atuais), menção às subvenções recebidas, apoios e
financiamentos, sumário (contendo os tópicos em que se divide
o artigo, logo abaixo do título e dos nomes dos articulistas), resumo e palavras-chave em língua vernácula, resumo e palavraschave em inglês e resumo e palavras-chave em outra língua estrangeira;
b) como elementos textuais – introdução, desenvolvimento e conclusão;
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Normas Editoriais
c) como elementos pós-textuais – lista de referências (somente as
obras efetivamente citadas no texto deverão aparecer nas referências).
3 Os trabalhos para a seção “Artigos Científicos” deverão ter entre
10 e 25 páginas e ser digitados em Word 7.0 ou versão mais atualizada,
formato do papel A4, fonte arial tamanho 12 e com espacejamento 1,5
entre as linhas, para o texto normal, e, para as citações diretas de mais de
três linhas, notas de rodapé, paginação e legendas de ilustrações e tabelas, o tamanho da fonte passa a ser o 10, e o espacejamento, simples.
4 As páginas devem apresentar margem esquerda e superior de 3
cm, direita e inferior de 2 cm, e as citações diretas de mais de três linhas
devem ser destacadas em parágrafo próprio com recuo de 4 cm da margem esquerda e sem aspas.
5 No texto, as citações devem ser indicadas pelo sistema de chamada autor-data (exemplo: WARAT, 1985, p. 30), o qual admite somente
notas de rodapé explicativas.
6 As referências bibliográficas devem vir em lista única ao final do
trabalho, ordenadas pelo sistema alfabético, digitadas em espaço simples, separadas entre si por espaço duplo.
7 As locuções em língua estrangeira e destaques deverão ser redigidos em itálico.
8 Todos os textos devem seguir as demais normas da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) sobre citações e notas de rodapé,
referências em documentos e outras especificidades (ver, notadamente,
a NBR 14724, a NBR 10520 e a NBR 6023, todas de agosto de 2002).
9 Os artigos para a seção “Ensino Jurídico” poderão discutir a
temática tanto no que se refere à graduação quanto à pós-graduação em
Direito, devendo observar-se o mesmo tamanho e as mesmas normas
técnicas dos demais artigos.
10 Os artigos de ambas as seções deverão ter suas introduções
antecedidas por resumos em português e correspondentes em inglês
(abstract) e em mais um idioma de divulgação internacional que não o do
próprio texto (résumé, resumen, riassunto, resumo etc.) de até 500 palaR. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006.
Conselho Editorial
195
vras, bem como de 3 a 6 palavras-chave também com as correspondentes em inglês (keywords) e em mais um idioma de caráter internacional
que não o do próprio texto (mots clés, palabras clave, parole chiavi, palavras-chave etc.), para fins de adequada indexação.
11 As colaborações para a seção “Resenha” deverão conter de 2
a 5 páginas, enquadrar-se na temática do número da Revista Jurídica e
versar sobre obra clássica, ainda não publicada no Brasil ou muito recente, desde que tenha impacto na respectiva temática, nada obstando que
a obra reúna mais de uma dessas características.
12 Artigos científicos e resenhas não poderão ser assinados por
meio de pseudônimos. A identificação da autoria das resenhas segue os
mesmos requisitos da dos artigos.
13 Os artigos assinados serão de responsabilidade exclusiva de
seus autores, não refletindo, necessariamente, a opinião das FIC.
14 Tanto no caso de artigos quanto no de resenhas, os autores ou
co-autores deverão encaminhar seus trabalhos com ofício datado, contendo a declaração de ineditismo do texto, além dos seguintes dados:
título do trabalho, nomes completos, endereços completos (inclusive os
eletrônicos) e telefones. Deverão ainda veicular a autorização para a publicação e a cedência formal dos direitos de publicação, pelo preenchimento e anexação da ficha de Autorização para Publicação de Obra Intelectual, disponível em www.faculdadescuritiba.br, link Núcleo de Pesquisa ’ Publicações ’ Revista Jurídica.
15 A permissão para o uso de ilustrações, imagens, tabelas etc.,
extraídas de outras publicações, bem como quaisquer outras licenças ou
aprovações perante entidades detentoras de direitos autorais, é de plena
responsabilidade dos autores dos artigos e das resenhas.
16 Os artigos ou resenhas internacionais redigidos em espanhol
deverão ser encaminhados e serão publicados em seu idioma original,
caso em que, além dos resúmenes e palabras clave traduzidos em inglês, poderão também ter esses correspondentes em língua portuguesa.
16.1 Artigos ou resenhas internacionais redigidos em outros
idiomas, que não o espanhol, deverão ser encaminhados nos idiomas
originais e terão tradução para o vernáculo (publicação bilíngüe).
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196
Normas Editoriais
17 Artigos ou resenhas escritos por acadêmicos somente serão
recebidos para análise se apresentados em co-autoria com professores
orientadores de projetos de pesquisa, de extensão, de trabalhos de
conclusão de cursos de graduação ou de pós-graduação (especializações,
mestrados, doutorados e pós-doutorados).
18 A publicação das colaborações recebidas estará condicionada
à avaliação do Conselho Científico da Revista Jurídica e de eventuais
avaliadores ad hoc, que poderão aprová-las na íntegra, sugerir alterações
ou recusá-las definitivamente.
19 A Editoria da Revista Jurídica enviará correspondência eletrônica
confirmando o recebimento dos trabalhos, bem como a lista daqueles
que forem selecionados para a respectiva publicação.
20 A Editoria da Revista Jurídica poderá executar, com ou sem
recomendação do Conselho Científico e dos avaliadores ad hoc, pequenas
alterações de caráter meramente formal nos textos recebidos, de modo a
adequá-los aos padrões da ABNT, não sendo admitidas modificações de
estrutura, conteúdo ou estilo, sem o prévio consentimento dos autores.
21 Os autores de artigos e resenhas aprovados para publicação
com sugestões de alterações (língua portuguesa, adequações à ABNT
etc.) por parte dos avaliadores ou da Editoria da Revista Jurídica serão
contatados pela Instituição para realizá-las e, a partir disso, emitir nova
autorização de publicação. A Editoria pode recusar a publicação dos artigos
ou das resenhas em relação aos quais foram feitas ressalvas pelos
avaliadores, caso essas não tenham sido consideradas pelos respectivos
autores.
22 O Conselho Editorial – dividido em Conselho Editorial
Internacional e Conselho Editorial Nacional e integrado por membros
dotados de maturidade científica e senioridade em pesquisa,
representantes de mais de um Estado da Federação brasileira, de alguns
países e de várias subáreas do Direito – auxilia a Editoria na definição do
projeto editorial (temática) de cada número da Revista e na resolução de
dúvidas a ele pertinentes.
23 O Conselho Científico – composto de todos os professores
doutores integrantes do projeto de Mestrado em Direito das Faculdades
Integradas Curitiba e de alguns convidados externos – auxilia a Editoria
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006.
Conselho Editorial
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da Revista Jurídica na revisão dos artigos recebidos (a partir da Ficha de
Avaliação de Artigos), na indicação de avaliadores ad hoc (internos ou
externos à Instituição), quando necessário, e na captação de artigos
conforme as temáticas da Revista Jurídica. Na avaliação dos artigos serão
mantidas em sigilo suas autorias.
24 A Revista Jurídica adota uma política de combate à endogenia,
seguindo as diretrizes da CAPES no sentido de que seja o menor possível
o número de artigos publicados de autoria de professores da própria
Instituição.
25 A publicação não implica nenhuma espécie de remuneração,
somente cabendo aos autores de artigos e resenhas o encaminhamento,
gratuito, de 3 (três) exemplares do número da Revista Jurídica em que tiver
sido veiculada sua colaboração, havendo também o encaminhamento de 1
(um) exemplar para cada membro dos conselhos e aos revisores ad hoc.
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006.
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Conselho Editorial
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EDITAL PARA PUBLICAÇÃO
DE TRABALHOS
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R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006.
Normas Editoriais
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Conselho Editorial
EDITAL PARA PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS NO Nº 20,
ANO DE 2007
A Comissão Editorial das Faculdades Integradas Curitiba e a
Editoria da Revista Jurídica
CONVOCAM todas as pessoas interessadas, especialmente professores e estudantes de pós-graduação em Direito das instituições de
ensino superior do Brasil e do exterior, para a apresentação de artigos
científicos sobre ao eixo temático Direitos Humanos e Cidadania, artigos científicos sobre ensino jurídico (de graduação e de pós-graduação) e resenhas tendo por objeto obras científicas ligadas às temáticas
dos Direitos Humanos e da Cidadania, a serem publicados no nº 20.
Com o intuito de fomentar o exercício da reflexão crítica, serão
admitidos trabalhos resultantes de diálogo trans e interdisciplinar, tendo
por base as temáticas eleitas para o nº 20 da Revista Jurídica, devendo
os artigos ser enviados até 26 de novembro de 2007, aos seguintes
endereços eletrônicos: [email protected], [email protected] e
[email protected].
A publicação dos trabalhos recebidos fica condicionada à prévia
verificação da adequação temática e aos objetivos da Revista Jurídica,
bem como dos requisitos formais e metodológicos constantes nas Normas Editoriais veiculadas no nº 19 e disponíveis aos interessados em
www.faculdadescuritiba.br, link Núcleo de Pesquisa, Revista Jurídica.
O encaminhamento dos trabalhos na forma prevista nas referidas
Normas Editoriais implica concordância com as disposições nelas consignadas.
Curitiba, dezembro de 2006.
COMISSÃO EDITORIAL E
EDITORIA DA REVISTA JURÍDICA
R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006.
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