1 Edoardo Ricci REVISTA JURÍDICA FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ISSN 0103-3506 R. Jurídica Curitiba n. 19 Temática n. 3 p. 1-201 2006 R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. 2 EXPEDIENTE REVISTA JURÍDICA – Publicação oficial das Faculdades Integradas Curitiba (FIC) Diretor-Geral: Luís Cesar Esmanhotto Diretor Acadêmico: Rainer Czajkowski Comissão Editorial das FIC: Cristina Luiza C. Surek, Marlus Vinicius Forigo, Nilson Cesar Fraga, Benedito Costa Neto Filho, Carlos Luiz Strapazzon, Gisela Maria Bester Benitez, Olga Maria Coutinho Pepece. Editora da Revista Jurídica: Gisela Maria Bester Benitez Coordenador Editorial: Marlus Vinicius Forigo Tradutora do italiano para o português e para o inglês: Marta Marília Tonin Tradutora do português para o espanhol e para o inglês: Gricel Bargueño Machado Revisor: Antonio Carlos Amaral Lincoln Avaliadores do Conselho Científico para este número: Gisela Maria Bester Benitez e Fábio Leandro Tokars Revisão Final: Gisela Maria Bester Benitez Auxiliar nos contatos com os autores para este número: Ana Paula Pavelski, mestranda da Turma 2006 Diagramação: Tatiane Andrade de Oliveira Endereço: Rua Chile, 1.678 – CEP 80220-181 Curitiba – PR – Brasil Fone/fax: (41) 3213-8700 - 0800-418887 Site e endereço eletrônico: www.faculdadescuritiba.br [email protected] Tiragem: 300 exemplares Impressão: Associação de Ensino Novo Ateneu (AENA) Impresso no Brasil Printed in Brazil Inpreso en Brasil Pede-se permuta. We ask for Exchange. On démande l’échange. Pidese permute. Si richiede lo scambio. Austausch wird gebeten. Oni petas intersangam. Qualquer parte dessa publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. Registro no Escritório de Direitos Autorais da Fundação Biblioteca Nacional: 149.508, livro 244, folha 86 Revista Jurídica / Faculdades Integradas Curitiba. – N.1, nov. 1981 . – Curitiba, 1981 v. ; 24 cm. Anual A partir do n.17, 2004 a revista sofreu reformulações quanto à padronização A partir do n.17, 2004 a revista passa a ser temática. ISSN 0103-3506 1. Direito – Periódico. I. Faculdades Integradas Curitiba. CDD 340.05 3 CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL Prof. Dr. Friedrich Müller (Universität Heidelberg) – Alemanha Prof. Dr. Jorge Miranda (Universidade Católica Portuguesa e Universidade de Lisboa) – Portugal Prof. Dr. Pedro Romano Martinez (Faculdade de Direito de Lisboa) – Portugal Prof. Dr. Alejandro Daniel Perotti (Universidad Austral, Buenos Aires) – Argentina Profª Drª Cristina Menichino (Università Statale di Milano) – Itália Profª Drª Elvira Méndez Chang (Pontifícia Universidad Catolica del Peru) – Peru Prof. Dr. Humberto Nogueira Alcalá (Universidad de Talca) – Chile Profª Drª Lydia Guevara Ramírez (Universidad de la Habana) – Cuba Prof. Dr. Edoardo Ricci (Università degli Studi di Milano) – Itália Prof. Dr. Diego Fernandes Arroyo (Universidad Complutense de Madrid) – Espanha Profª Drª Maria Fernanda Palma (Faculdade de Direito de Lisboa) – Portugal CONSELHO EDITORIAL NACIONAL Prof. Dr. Gustavo Tepedino (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS) – Porto Alegre, RS Prof. Dr. Luiz Otávio Pimentel (UFSC e Tribunal Arbitral do Mercosul) – Florianópolis, SC Prof. Dr. Mozart Victor Russomano (ex-Ministro do TST) – Pelotas, RS Prof. Dr. Cezar Saldanha Souza Junior (UFRGS) – Porto Alegre, RS Profª Drª Djanira Maria Radamés de Sá (Uniminas) – Uberlândia, MG Prof. Dr. Wilson Madeira Filho (UFF) – Niterói, RJ Profª Drª Deisy Ventura (UFSM, Fadisma, Universidad de la República, Uruguay e Secretaria Técnica do Mercosul) – Santa Maria, RS Prof. Dr. Oscar Vilhena Vieira (FGV, Conectas e PUC-SP) – São Paulo, SP Prof. Dr. Luiz Flávio Borges D’Urso (Presidência OAB Seccional São Paulo) – São Paulo, SP Profª Drª Loussia Penha Musse Félix (UnB) – Brasília, DF Profª Drª Fernanda Dias Menezes de Almeida (USP) – São Paulo, SP Prof. Dr. Pedro Sérgio dos Santos (UFGO) – Goiânia, GO 4 CONSELHO CIENTÍFICO Prof. Dr. Alexandre Walmott Borges (Unifran, SP e Uniminas) – Uberlândia, MG Prof. Dr. Carlyle Popp (FIC) – Curitiba, PR Prof. Dr. Clayton Reis (FIC) – Curitiba, PR Profª Drª Elizabeth Accioly (FIC) – Curitiba, PR Prof. Dr. Fábio André Guaragni (FIC) – Curitiba, PR Prof. Dr. Fábio Leandro Tokars (FIC) – Curitiba, PR Prof. Dr. Francisco Cardozo Oliveira (FIC) – Curitiba, PR Profª Drª Gisela Maria Bester Benitez (FIC) – Curitiba, PR Profª Drª Graciela Iurk Marins (FIC) – Curitiba, PR Prof. Dr. Jair Lima Gevaerd Filho (FIC) – Curitiba, PR Prof. Dr. João Bosco Lee (FIC) – Curitiba, PR Prof. Dr. José Affonso Dallegrave Neto (FIC) – Curitiba, PR Prof. Dr. José Roberto Vieira (FIC) – Curitiba, PR Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier (FIC) – Curitiba, PR Prof. Dr. Luiz Antônio Câmara (FIC) – Curitiba, PR Prof. Dr. Luiz Eduardo Gunther (FIC) – Curitiba, PR Profª Drª Marta Marília Tonin (FIC) – Curitiba, PR Profª Drª Teresa Celina de Arruda Alvim Wambier (FIC) – Curitiba, PR Prof. Dr. Ricardo Hermany (UNISC) – Santa Cruz do Sul, RS 5 EDITORIAL Você está recebendo o terceiro número de edição temática da Revista Jurídica, das Faculdades Integradas Curitiba, com instigantes assuntos ligados ao Direito Empresarial, ao Direito Comercial, à Mediação e à Arbitragem, além da contribuição em forma de artigo sobre Ensino Jurídico. Apresentamos ao público leitor o nº 19 da Revista Jurídica, no qual trabalhamos com um componente extra de emoção e com o desafio de fazermos, enquanto Editoria, uma homenagem póstuma. Afinal, no findar do primeiro trimestre deste ano, fomos surpreendidos com a irreparável perda de uma das mais vivas, sérias e autênticas intelectuais que conosco conviveu no quadro docente permanente do Programa de Mestrado em Direito, no Conselho Científico deste periódico, nas salas de aula, nas reuniões colegiadas, nas bancas para avaliações de trabalhos científicos, nos corredores, no plano das idéias... Ainda podemos ouvi-la defendendo aguerridamente seus posicionamentos, a ética, a retidão intelectual, transbordando amor pela educação. Pois é, este número é para você, ó Mariulza! E a homenagem a Mariulza Franco (1º/10/1938–31/3/2006) se dá justamente pela presença de um de seus melhores amigos como colaborar neste nº 19: Edoardo Ricci, respeitadíssimo autor italiano, de renome internacional, que abre esta edição com seu texto. A capa deste número é adornada com a tela intitulada Cena do mercado, pintada por Joachim Beuckelaer (1530–1573), do maneirismo flamengo, em 1564 (óleo sobre painel, 128 X 166 cm, Museu Pushkin, Moscou). O tema da obra representa uma cena de troca de mercadorias. Nesse sentido, faz alusão ao antigo Direito Mercantil, que se transmudou ao longo do tempo em Direito Comercial, chegando ao atual Direito Empresarial. A manutenção de uma das grandes novidades da remodelação da Revista Jurídica, concretizada em seu número 17, fez com que a Editoria, concordando com a Comissão Editorial Institucional, dividisse o periódico em dois números sucessivos com a mesma temática, tal foi o número de bons artigos recebidos. Esse fato comprova o acerto da nova diretriz então proposta, qual seja, a de que a Revista Jurídica passasse a ser temática, por se acreditar ser a melhor maneira de conseguir selecionar artigos de qualidade e ofertar ao público um produto de excelência. 6 Mantém-se, entre todas as novidades do histórico número 17, o investimento na qualificação do periódico que resultou na firme regra de a Revista Jurídica só veicular artigos inéditos, para ter mais apelo perante o público leitor e até mesmo maior demanda para publicação. Segue-se levando à risca, tendo em vista o propósito de criar uma cultura de efetivo intercâmbio de idéias, a já estabelecida política de combate à endogenia, seguindo as diretrizes da CAPES no sentido de que seja o menor possível o número de artigos publicados de autoria de professores da própria Instituição. Em paralelo, a Revista Jurídica continua tendo preponderantemente articulistas exógenos, de variados países, Estados da federação brasileira e instituições. Todas as demais inovações em prol da qualificação desta Revista Jurídica são respeitadas em seu nº 19, tendo-se centrado novamente no Direito Empresarial, Direito Comercial, Mediação e Arbitragem, complexo de temáticas de essencial importância à Área de Concentração do Mestrado em Direito das Faculdades Integradas Curitiba, qual seja, Direito Empresarial e Cidadania. Assim, é com muita honra que apresentamos a composição deste periódico que já conta com vinte e seis anos na história da Instituição: cinco artigos de doutrina sobre as áreas de estudo apontadas, um artigo sobre ensino jurídico e uma resenha. Todos os textos têm em comum a visão crítica dos temas abordados, legando, assim, contribuição reflexiva nas referidas temáticas. No primeiro artigo, o professor e advogado italiano Edoardo Ricci discorre com desenvoltura, profundidade e originalidade sobre Il nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale e Internazionale di Milano, tema extremamente atual e ainda pouco abordado até mesmo pela doutrina italiana. O autor conseguiu dar longo “ciclo de vida” a seu texto, na medida em que os princípios de que se utiliza independem da manutenção do substrato normativo. A importância deste artigo é muito elevada, uma vez que trata de temas fundamentais de Direito Societário, tais como a condição dos sócios minoritários e a função social dos atos praticados pelos controladores. Na seqüência, o mesmo artigo é traduzido – Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional e Internacional de Milão –, em atenção à norma editorial nº 16.1, da Revista Jurídica. Depois vem o texto de Ezequias Losso, intitulado “A influência das diretrizes regulatórias e da arbitragem estatal na empresa contemporânea: o exemplo das telecomunicações”. De elevada relevância, o artigo abrange o tema da intervenção do Estado na atividade econômica – base sobre a qual se desenvolve o Direito Econômico. O autor demonstra pleno domínio da matéria ao tratar de tema inovador, que é apresentado de 7 forma clara e linear. Embora a abrangência do público leitor seja restrita, por incluir aspectos práticos das telecomunicações que extrapolam o âmbito usual de atuação dos profissionais do Direito, resulta em uma diferenciada colaboração. Com forte matiz de estudo comparado, segue-se um trabalho de fôlego: “Exceções e limitações aos direitos do autor e observância da regra do teste dos três passos (three step test)”, de Maristela Basso. Em original abordagem comparativa, trata do contrato de franquia, que é um instrumento negocial de grande importância na prática empresarial contemporânea. No quarto artigo, intitulado “Possibilidade da concessão da tutela antecipada no instituto da arbitragem”, os co-autores Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva apresentam, com desenvolvimento de raciocínio claro e linear, tema de elevada relevância, em vista da utilização cada vez maior da arbitragem como forma de solução de litígios, especialmente em lides inter-empresariais. Assim, embora não se trate de tema inédito, tem ampla abrangência junto ao público leitor, na medida em que aborda questão processual aplicável aos mais diversos ramos do Direito. Já no quinto artigo Marlene Fuverki Suguimatsu trata do relevante tema do redimensionamento da ordem econômica brasileira, gerado pela Constituição de 1988, que se refletiu fundamentou a maior tutela das relações trabalhistas (princípio da proteção) com reflexos na configuração do Direito Civil, elevando a promoção da dignidade da pessoa humana e da justiça social como limitadores das atividades econômicas privadas, não olvidando do adequado equilíbrio com o princípio da preservação da empresa. Na seção de Ensino Jurídico, Ubiratan de Mattos, gestor e professor universitário, traz diferenciada contribuição sob o título “Projeto pedagógico no ensino de Direito: aprendizagem baseada em problemas (problem-based learning – PBL), texto extenso e profundo, de grande importância prática e científica, notadamente por dar-nos a conhecer peculiaridades de um método de ensino jurídico superior advindo de um outro país, qual seja, Estados Unidos da América. Sobretudo, sua colaboração enriquece este número da Revista Jurídica por concretizar o diálogo entre os programas de pós-graduação stricto sensu, porquanto é doutorando em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Sob o título “Análise econômica da nova Lei de Falências”, o exemplar reúne ainda a resenha do renomado advogado e professor de Curitiba, Fábio Leandro Tokars, acerca da destacada obra coletiva (recentemente lançada sob a coordenação de Fátima Bayma de Oliveira), e já tida como 8 obra de referência para todos os que se dedicam ao estudo empresarial. E é justamente a este colaborador que dirigimos um agradecimento penhorado. O Professor Fábio Tokars, na qualidade de integrante do Conselho Científico da Revista, pronta e diligentemente atendeu às solicitações desta Editoria, seja para atuar como avaliador de muitos artigos, seja para elaborar a resenha. À Professora Marta Marília Tonin somos imensamente gratos pela destacada colaboração que deu ao êxito desta publicação, ao ter elaborado a tradução do artigo de Edoardo Ricci, do italiano ao português, bem como as traduções do italiano ao inglês. Agradecemos, in memorian, à Professora Mariulza Franco, por ter auxiliado na captação do artigo em italiano, assim como a todos os coordenadores dos cursos de pós-graduação stricto sensu em Direito recomendados e reconhecidos pela CAPES. Igual agradecimento vai às equipes das bibliotecas desses cursos. Agradecimentos especiais são devidos à Professora Cristina Surek, presidente da Comissão Editorial das Faculdades Integradas Curitiba, e ao Professor Marlus Vinicius Forigo, responsável pela operacionalização das publicações institucionais no âmbito da Comissão Editorial. À equipe técnica da gráfica da instituição endereçamos agradecimentos em nome do Professor Antonio Carlos Amaral Lincoln, revisor, e de Richard Marquetti da Cunha, gerente gráfico. Também agradecemos à mestranda Ana Paula Pavelski, por ter auxiliado nos contatos com os autores e nas traduções. Apresentado brevemente este nº 19 da Revista Jurídica e feitos os merecidos agradecimentos, renovamos o convite para que você, leitor, interaja conosco, enviando críticas, sugestões e colaborações. Seja você um parceiro nosso no comprometimento para com a constante qualificação deste periódico. Profª Drª Gisela Maria Bester Benitez EDITORA 9 SUMÁRIO SEÇÃO DE ARTIGOS JURÍDICOS IL NUOVO REGOLAMENTO DELLA CAMERA ARBITRALE NAZIONALE E INTERNAZIONALE DI MILANO Edoardo Ricci ......................................................................................... 13 NOVO REGULAMENTO DA CÂMARA ARBITRAL NACIONAL E INTERNACIONAL DE MILÃO Edoardo Ricci ....................................................................................... 29 INFLUÊNCIA DAS DIRETRIZES REGULATÓRIAS E DA ARBITRAGEM ESTATAL NA EMPRESA CONTEMPORÂNEA: O EXEMPLO DAS TELECOMUNICAÇÕES Ezequias Losso ................................................................................... 45 EXCEÇÕES E LIMITAÇÕES AOS DIREITOS DO AUTOR E OBSERVÂNCIA DA REGRA DO TESTE DOS TRÊS PASSOS (THREE STEP TEST) Maristela Basso .................................................................................. 65 POSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA NO INSTITUTO DA ARBITRAGEM Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva ........................... 83 PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E PROTEÇÃO AO TRABALHO: PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL, À LUZ DA DIRETRIZ DE TUTELA DO SER HUMANO Marlene Fuverki Suguimatsu ............................................................. 103 10 SEÇÃO DE ENSINO JURÍDICO PROJETO PEDAGÓGICO NO ENSINO DE DIREITO – APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS (PROBLEM-BASED LEARNING – PBL) Ubiratan de Mattos ............................................................................ 151 SEÇÃO DE RESENHA ANÁLISE ECONÔMICA DA NOVA LEI DE FALÊNCIAS Fábio Leandro Tokars ......................................................................... 187 NORMAS EDITORIAIS ....................................................................... 191 EDITAL PARA PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS NO Nº 20 ...................................................................... 199 11 SEÇÃO DE ARTIGOS JURÍDICOS 12 13 Edoardo Ricci IL NUOVO REGOLAMENTO DELLA CAMERA ARBITRALE NAZIONALE E INTERNAZIONALE DI MILANO* THE NEW REGULATION OF THE NATIONAL AND INTERNATIONAL MILAN ARBITRATION CHAMBER NOVO REGULAMENTO DA CÂMARA ARBITRAL NACIONAL E INTERNACIONAL DE MILÃO EDOARDO FLAVIO RICCI ___________________________________________________________ Avvocato e professore ordinario presso l’Università degli Studi di Milano (*) Nota da Editoria: artigo inédito no Brasil, especialmente cedido para esta publicação, a pedido da Professora Drª Mariulza Franco, então integrante do Conselho Científico da Revista Jurídica. Texto publicado anteriormente na Itália, na Rivista dell’Arbitrato (Milano, Giuffrè Editore), anno XIII, p. 663-673, 2004. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. 14 Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ... R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. 15 Edoardo Ricci SOMMÀRIO: 1 PREÀMBOLO. 2 DISPOSIZIONI GENERALE. 3 LA FASE INIZIALE DELLA PROCEDURA E LA FORMAZIONE DEL TRIBUNALE ARBITRALE. 4 DEL SUCCESSIVO PROCEDIMENTO E DO LAUDO ARBITRALE. 5 CONCLUSIONE. RIASSUNTO Il 1º gennaio 2004 è entrato in vigore il nuovo regolamento della Camera Arbitrale Nazionale e Internazionale della Camera di Commercio di Milano. L’autore esamina il contenuto di questo nuovo regolamento, mettendone in luce gli aspetti principali (disposizioni di carattere generale, inizio del procedimento, formazione del Tribunale arbitrale, disciplina del successivo procedimento, pronuncia del lodo arbitrale, spese di procedura). Parole chiavi: arbitrato, istituzioni arbitrali, Camera di Commercio di Milano, Camera Arbitrale, regolamento. ABSTRACT On January 1st, 2004, was into effect the new regulation of the National and International Arbitration Chamber of the Chamber of Commerce of Milan. The author examines the content of this new regulation and points out the main aspects (general provisions, procedure’s beginning, constitution of the Arbitration Tribunal, discipline of the successive procedure, announcement of the arbitral judgment, procedure’s expenses). Keywords: arbitration; arbitration institutions, Chamber of Commerce of Mila, Arbitration Chamber, regulation. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. 16 Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ... RESUMO No dia 1º de janeiro de 2004 entrou em vigor o novo regulamento da Câmara Arbitral Nacional e Internacional da Câmara de Comércio de Milão. O autor examina o conteúdo desse novo regulamento, colocando em evidência os aspectos principais (disposições de caráter geral, início do procedimento, formação do Tribunal Arbitral, disciplina do procedimento sucessivo, pronunciamento do laudo arbitral, despesas do processo). Palavras-chave: arbitragem, instituições arbitrais, Câmara de Comércio de Milão, Câmara Arbitral, Regulamento. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. Edoardo Ricci 17 1 PREAMBOLO Il 1º gennaio 2004 è entrato in vigore il nuovo regolamento della Camera Arbitrale Nazionale e Internazionale di Milano (che è – è forse bene ricordarlo – una “azienda speciale” della Camera di Commercio milanese). L’opportunità di sostituire il regolamento previgente con un regolamento nuovo è stata suggerita da una pluralità di considerazioni. L’esperienza passata, ormai più che decennale ed in continuo sviluppo (nel 2003 si è superata la soglia dei novanta nuovi arbitrati all’anno, con un incremento del 10% rispetto al 2002) aveva evidenziato alcune questioni interpretative, degne di essere affrontate e risolte con norme più chiare. Nello stesso tempo, erano emersi anche dei difetti da emendare. Si avvertiva altresì l’esigenza di una semplificazione, soprattutto tramite l’elaborazione di una disciplina unitaria per l’arbitrato “nazionale” e l’arbitrato “internazionale”, con applicazione anche al primo di soluzioni che in passato erano esclusive del secondo. Inoltre, era necessario tener conto di novità legislative (prime tra le quali quella concernente il nuovo arbitrato societario: artt. 34 ss. del d. legisl. n. 5/2003) e della evoluzione della giurisprudenza. Infine, si voleva rendere il testo normativo più completo, anche con l’introduzione di norme capaci di evidenziare in modo espresso quanto potrebbe essere ricavato in via interpretativa dalla legge: giacché non sempre gli arbitri (soprattutto quelli nominati dalle parti), pur essendo talora dei raffinati esperti della materia controversa, sono altrettanto raffinati interpreti delle leggi processuali (e delle norme sull’arbitrato in special modo). Su quest’ultimo punto vale la pena di insistere in modo particolare, anche perché – almeno in astratto – può capitare che il procedimento arbitrale sia disciplinato da una legge diversa da quella italiana; e per di più non sempre – pur nei casi in cui il procedimento è dominato dalla legge italiana – gli arbitri sono italiani: talora si tratta di stranieri, non abituati ad applicare la legge italiana con la stessa disinvoltura, che è propria di chi vive ed opera nel nostro paese. Era dunque necessario sfruttare lo spazio, che in genere le leggi sull’arbitrato lasciano alla volontà delle parti quanto a disciplina del procedimento, per delineare un minicodice con aspirazione a valere in ugual modo per tutti i casi: una guida sufficientemente elastica e precisa, da potersi combinare in modo il più possibile armonioso con una pluralità di testi legislativi. Come è facile intuire in base a queste premesse, il lavoro preparatorio è stato lungo e complesso; e ne è sortito un apparato normativo che in qualche misura differisce dal precedente anche dal punto di vista R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. 18 Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ... dello “stile”. Sotto questo profilo, i compilatori si sono prefissi un proposito assai ambizioso. Da un lato, infatti, essi hanno voluto adottare come modello di base, più che la tecnica con la quale si redigono clausole contrattuali, la tecnica con cui si redigono norme di legge. Dall’altro, essi si sono tuttavia resi conto che le norme sull’arbitrato possono talora essere facilmente intese ed applicate soltanto da chi è abituato a misurarsi con la legge processuale; ed hanno avvertito l’esigenza di introdurre delle varianti stilistiche che potremmo definire “didattiche”: ove la stessa disciplina, che potrebbe essere ricavata da una sintetica locuzione di tipo “codicistico”, è sostituita da più distese previsioni con contenuto più analiticamente descrittivo della prassi da adottare. Sono convinto che il lettore avveduto, leggendo le nuove norme, individuerà subito facilmente i punti, nei quali la tecnica normativa di tipo “codicistico” è stata abbandonata per attuare l’intento “didattico” di cui si è detto. 2 DISPOSIZIONI GENERALI Dopo un “preambolo” dedicato alla Camera Arbitrale e ai due organi tecnici con i quali i procedimenti arbitrali sono amministrati (il Consiglio Arbitrale e la Segreteria Generale), il regolamento si apre con un Capo I intitolato “disposizioni generali”. E’ questa una novità rispetto al regolamento previgente, avente la finalità di consentire l’immediata individuazione di alcune regole di particolare importanza. L’art. 1 concerne l’ambito di applicazione del regolamento, che regge il procedimento arbitrale sia quando le parti lo hanno richiamato nella convenzione di arbitrato o in altra convenzione separata, sia in un’ulteriore importante ipotesi, descritta nel comma 2. Tale ipotesi si verifica se una parte propone con la domanda (sottoscritta personalmente) un arbitrato disciplinato dal regolamento e l’altra accetta tale proposta, con dichiarazione sottoscritta personalmente, entro il termine assegnatole dalla Segreteria Generale. In questo modo, si forma tra le parti – tramite la collaborazione della Segreteria Generale – una vera e propria convenzione di arbitrato sull’oggetto della domanda, avente la sostanziale natura del compromesso. Il successivo art. 2 concerne le “norme applicabili al procedimento”, stabilendo nel comma 1 una precisa gerarchia delle fonti: in primo luogo il regolamento, in subordine le regole fissate di comune accordo dalle parti, in ulteriore subordine le regole fissate dal tribunale arbitrale. In questo modo dovrebbero perdere valore tutte le disposizioni della legge processuale in astratto applicabile (quale che essa sia), con l’unica R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. Edoardo Ricci 19 eccezione delle norme inderogabili (che sono fatte espressamente salve nel comma 2, con una disposizione forse non necessaria dal punto di vista strettamente giuridico ma ugualmente opportuna come richiamo per le parti e per gli arbitri). Infine, il comma 3 (altra norma forse non necessaria dal punto di vista strettamente giuridico, ma opportuna come richiamo per le parti e per gli arbitri) è fatto espressamente salvo il principio del contraddittorio e della parità di trattamento delle parti. L’art. 3 si occupa delle norme applicabili al merito della controversia, con quattro previsioni: la decisione secondo diritto, qualora le parti non abbiano espressamente previsto la decisione d’equità; il potere delle parti di scegliere le norme applicabili, con la convenzione di arbitrato o convenzione successiva sino alla costituzione del tribunale arbitrale; il potere-dovere degli arbitri di decidere – in mancanza di una concorde indicazione delle parti – secondo le norme con cui il rapporto è più strettamente collegato; il potere-dovere degli arbitri di tener conto degli usi del commercio. Come è facile comprendere, le ultime due previsioni generalizzano la stessa disciplina, che altrimenti sarebbe propria del solo arbitrato internazionale. La sede dell’arbitrato (oggetto dell’art. 4) è tema di grandissimo rilievo, sia perché il diritto italiano fa dipendere dalla sede la qualificazione dell’arbitrato come “nazionale” o “non nazionale” (o “estero”), sia perché secondo l’opinione pressoché unanime dei giuristi (in Italia e all’estero) dipende dalla sede dell’arbitrato l’individuazione del diritto processuale applicabile. Il regolamento, dopo aver stabilito che la sede fissata dalle parti nella convenzione di arbitrato (comma 1), prevede che in mancanza di tale indicazione la sede sia fissata in Milano (comma 2). Tuttavia “il Consiglio Arbitrale può fissare la sede dell’arbitrato in altro luogo, in Italia o all’estero, tenuto conto delle richieste delle parti e di ogni altra circostanza” (comma 3); ed in ogni caso si concede al tribunale arbitrale il potere di svolgere le udienze e compiere gli atti del procedimento in luogo diverso da quello della sede legale dell’arbitrato (comma 4). Dopo l’art. 5 (che si occupa della lingua dell’arbitrato) e l’art. 6 (che si occupa del deposito e trasmissione degli atti), l’art. 7 disciplina il delicato tema dei termini, con un intento duplice: quello di risolvere il problema relativo alla stessa ammissibilità di termini perentori dell’arbitrato; e quello di ridurre al minimo le possibili questioni sul carattere perentorio o non perentorio dei termini fissati dagli arbitri o dalla Camera. La regola generale è nel senso che i termini (siano essi direttamente posti dal regolamento, o fissati dal Consiglio Arbitrale, o fissati dalla Segreteria Generale, o fissati dagli arbitri) non siano a pena di decadenza, qualora la decadenza non sia espressamente prevista dal regolamento o non sia espressamente R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. 20 Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ... stabilita dal provvedimento che li fissa (comma 1). Inoltre, si stabilisce che il Consiglio Arbitrale, la Segreteria Generale e gli arbitri possono prorogare i termini da essi fissati, prima della loro scadenza (comma 2, prima parte); con l’avvertenza, tuttavia, che i termini fissati a pena di decadenza possono essere prorogato soltanto per gravi motivi o con il consenso di tutte le parti (comma 2, seconda parte). Infine, si stabilisce che nel computo dei termini non si calcoli il giorno iniziale; e che, se il termine scade di sabato o un giorno festivo, esso sia automaticamente prorogato al giorno successivo (comma 3). Infine, dopo l’art. 8 in tema di riservatezza del procedimento, l’art. 9 contiene due importanti regole relative agli “arbitrati regolati dalla legge italiana”. In primo luogo, si stabilisce che, se le parti non hanno espressamente qualificato l’arbitrato come “irrituale” nella convenzione arbitrale, l’arbitrato sia rituale (comma 1). In secondo luogo si stabilisce che, qualora l’arbitrato tragga origine da clausola compromissoria inserita in atto costitutivo o in statuto di società, gli arbitri siano designati dal Consiglio Arbitrale anche in deroga a quanto previsto nella convenzione di arbitrato (comma 2): ed è questa una disposizione molto opportuna, di fronte alla norma di legge, secondo la quale le clausole arbitrali in questione sono nulle se non attribuiscono il potere di nominare gli arbitri ad un soggetto estraneo alla compagine sociale (cfr. l’art. 34, comma 2, d. legisl. n. 5/2003). Mediante il rinvio al regolamento, le parti derogano convenzionalmente a quelle diverse disposizioni contenute nella clausola compromissoria, in virtù delle quali quest’ultima rischierebbe la nullità. 3 LA FASE INIZIALE DELLA PROCEDURA E LA FORMAZIONE DEL TRIBUNALE ARBITRALE I successivi quattro Capi del regolamento (dal II al V) si occupano delle varie fasi nelle quali si articola il corso della procedura: la fase iniziale (Capo II), la fase relativa alla formazione del tribunale arbitrale (Capo III), la fase della trattazione e istruzione davanti agli arbitri (Capo IV, intitolato “il procedimento”), la fase decisoria (Capo V, intitolato “il lodo arbitrale”). La fase iniziale (artt. 10-13) è molto semplice: una domanda scritta (disciplinata dall’art. 10) comunicata alla controparte dalla Segreteria Generale, una memoria di risposta (disciplinata dall’art. 11) trasmessa dalla Segreteria Generale all’attore (con invito al convenuto a proporre in tale memoria anche l’eventuale domanda riconvenzionale: art. 12), per finire con un eventuale provvedimento del Consiglio Arbitrale sulla procedibilità dell’arbitrato (art. 13). R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. Edoardo Ricci 21 Il problema, cui il regolamento si riferisce quando parla di “procedibilità” dell’arbitrato, è unicamente quello relativo alla applicabilità o non applicabilità del regolamento; e su tale problema il Consiglio Arbitrale è chiamato a pronunciarsi, soltanto se una parte contesta l’applicabilità del regolamento stesso prima della costituzione del tribunale arbitrale. In questo caso, il Consiglio Arbitrale esprime la posizione della Camera sul procedimento iniziato, chiarendo se la stessa Camera è disposta ad amministrare l’arbitrato (dichiarazione di procedibilità) o non è disposta a farlo (dichiarazione di improcedibilità). Questo è l’unico significato, che il provvedimento pretende di avere; e va da sé che, ove venga per ipotesi dichiara l’improcedibilità, ciò non implica alcuna valutazione vincolante sulla esistenza e validità della convenzione di arbitrato (la quale, pertanto, può essere la base per un arbitrato ad hoc, ovvero per un arbitrato amministrato da altri organismi). Inoltre, nessun valore vincolante ha il provvedimento del Consiglio Arbitrale per gli arbitri qualora sia dichiarata la procedibilità. Gli arbitri, più in particolare, saranno liberi di valutare al meglio secondo i propri criteri non soltanto l‘esistenza e validità della convenzione di arbitrato (il che è ovvio), ma anche i problemi relativi alla stessa applicabilità del regolamento. Assai ricco di norme è poi il Capo III sul tribunale arbitrale (artt. 1423). Questo Capo, infatti, non riguarda soltanto il meccanismo, tramite il quale il tribunale arbitrale si forma, ma anche la disciplina dell’incompatibilità (art. 17), il procedimento di ricusazione davanti alla Camera Arbitrale (art. 20), la disciplina della sostituzione (art. 21), la disciplina dell’incompetenza del tribunale arbitrale (che deve essere eccepita, [...] a pena di decadenza, nel primo atto o nella prima udienza successiva alla domanda cui l’eccezione si riferisce: art. 22) e la disciplina relativa ad un’ipotesi molto delicata; quella della ‘irregolare formazione del tribunale arbitrale’ (art. 23). Se il tema non fosse disciplinato, la soluzione potrebbe essere soltanto la più radicale: la pronuncia, da parte degli arbitri, di un lodo declinatorio. In questo modo, l’eventuale errore commesso nella formazione del tribunale arbitrale sarebbe pagato a caro prezzo, con la necessità di iniziare un nuovo procedimento; e, ove la pendenza dell’arbitrato fosse accompagnata da collaterali provvedimenti cautelari pronunciati dall’autorità giudiziaria, questi ultimi perderebbero efficacia. Il regolamento corre allora ai ripari, stabilendo che il tribunale arbitrale – ove noti un errore nella propria costituzione – depositi presso la Segreteria Generale un’ordinanza motivata di restituzione degli atti alla Camera, destinata ad avere gli stessi R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. 22 Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ... effetti di una rinuncia all’incarico. Si apre in tal modo la via alla formazione di un nuovo tribunale arbitrale in applicazione delle regole che disciplinano il tema, mediante il meccanismo della sostituzione previsto dall’art. 21. È questa un’importante novità del nuovo regolamento, volta alla conservazione del procedimento arbitrale pendente. Per quanto concerne più in particolare il meccanismo di formazione del tribunale arbitrale, l’art. 14 si occupa del numero degli arbitri, sia favorendo il più possibile (salva diversa volontà espressa dalle parti per la convenzione di arbitrato) la designazione di un arbitro unico in luogo di un collegio, sia stabilendo che (sempre salva diversa volontà delle parti espressa nella convenzione di arbitrato) l’eventuale collegio sia formato da tre membri, sia garantendo che in ogni caso il collegio sia composto da un numero dispari di arbitri. Il successivo art. 15 si occupa poi più da vicino del procedimento di nomina. La regola fondamentale è costituita dall’applicazione delle previsioni inserite dalle parti nella convenzione di arbitrato (comma 1): la Camera interviene con proprie designazioni, insomma, soltanto se la convenzione di arbitrato lo richiede o lo consente. Per tale ragione, l’arbitro unico è nominato dal Consiglio Arbitrale, soltanto “se non è diversamente stabilito nella convenzione arbitrale” (comma 2). Inoltre, il regolamento coinvolge nuovamente le parti nella nomina degli arbitri, quando le parti si sono limitate a richiedere la costituzione di un collegio senza aggiungere altro. Il comma 4, infatti, delinea una disciplina sostanzialmente simile a quella fissata dall’art. 810 CPC, con l’unica differenza che è la Camera (tramite il Consiglio Arbitrale) ad assumere i compiti che il citato art. 810 c.p.c. assegna all’autorità giudiziaria. Infine, va ricordato il comma 5, in virtù del quale [...] se le parti hanno diversa nazionalità o domicilio in stati diversi, il Consiglio Arbitrale nomina quale arbitro unico o quale presidente del tribunale arbitrale una persona di nazionalità terza salva diversa e concorde indicazione delle parti. Se anche la volontà delle parti nella scelta degli arbitri è rispettata, peraltro, la Camera (tramite il Consiglio Arbitrale) rivendica a sé stessa un preliminare sindacato sulla indipendenza degli arbitri stessi. Questi ultimi devono dunque sottoscrivere una dichiarazione di indipendenza, fornendo tutti i chiarimenti espressamente indicati nell’art. 19. Tale dichiarazione viene poi trasmessa alle parti, per eventuali osservazioni; e il Consiglio Arbitrale conferma gli arbitri designati dalle parti o da terzi, soltanto se non emergono elementi capaci di mettere in dubbio l’indipendenza R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. Edoardo Ricci 23 dell’arbitro prescelto. In caso di mancata conferma, si mette in moto il meccanismo di sostituzione disciplinato dall’art. 21. La Camera Arbitrale ritiene suo dovere fare ogni sforzo, affinché anche gli arbitri designati dalle parti siano veramente indipendenti; e non ritiene di essere a disposizione come ente incaricato di amministrare il procedimento arbitrale, se le parti non accettano questo fondamentale orientamento di onestà. Una norma di notevole importanza è infine quella contenuta nell’art. 16, che si riferisce all’arbitrato con pluralità di parti. Tutti ricordano i problemi che sorgono, quando le convenzioni di arbitrato – assegnando a ciascuna parte il potere di designare un arbitro – rischiano di dare vita alla composizione di collegi arbitrali non equilibrati (tali da mettere in dubbio la loro imparzialità per virtù stessa della loro composizione); e tutti ricordano che il modo più sicuro per salvare la convenzione di arbitrato è costituito dalla designazione degli arbitri da parte di un terzo. L’art. 16 prevede allora che [...] anche in deroga a quanto previsto nella convenzione arbitrale, se la domanda è proposta da più parti o contro più parti, il Consiglio Arbitrale nomina tutti i componenti del tribunale arbitrale, designando un arbitro unico qualora lo ritenga opportuno e la convenzione arbitrale non richieda la designazione di un collegio. Tuttavia, se le parti si raggruppano inizialmente in due sole unità, nominando ciascuna unità un arbitro come se la controversia avesse due sole parti ed è accettando che il tribunale arbitrale sia formato da tre membri, il Consiglio Arbitrale nomina il solo presidente. Tale disposizione è animata dal desiderio di salvare il più possibile le convenzioni di arbitrato, con un meccanismo idoneo alla designazione di arbitri ad un tempo equilibrata e idonea a garantire la massima imparzialità. Allo svolgimento del successivo procedimento è dedicato come già detto il Capo IV. Si inizia con una norma (l’art. 24) sulla costituzione del tribunale arbitrale, che ha luogo entro trenta giorni dalla ricezione degli atti trasmessi dalla Segreteria Generale mediante la redazione di un verbale datatati e sottoscritto. Seguono disposizioni sui poteri del tribunale arbitrale (art. 25), sulle ordinanze dello stesso tribunale (art. 26), sulle udienze (art. 27), sull’assunzione delle prove sulla consulenza tecnica (artt. 28 e 29), sulle domande nuove proposte in corso di procedimento (art. 30) sulla precisazione delle conclusioni (art. 31) e sulla rinuncia agli atti (art. 32). Tra queste disposizioni, vale probabilmente la pena di considerare con particolare attenzione gli artt. 25 (poteri del tribunale arbitrale), l’art. 30 (domande nuove) e l’art. 31 (precisazione delle conclusioni). R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. 24 Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ... Quanto ai poteri del tribunale arbitrale, va segnalato che gli arbitri – oltre a poter tentare in ogni momento la conciliazione della controversia (comma 1) – possono pronunciare “tutti i provvedimenti cautelari urgenti e provvisori, anche di contenuto anticipatorio, che non siano vietate da norme inderogabili applicabili al procedimento”: il che non ha molta importanza quando deve essere applicata al procedimento la legge italiana (stante l’art. 818 c.p.c.), ma è invece norma di fondamentale rilievo qualora il procedimento sia retto da altre leggi, più liberali della nostra. Inoltre, se più procedimenti oggettivamente connessi si svolgono davanti agli stesi arbitri, questi possono riunirli (comma 3); e diversamente gli arbitri possono separare tra di loro le diverse controversie inizialmente unificate in un unico procedimento (comma 4). Infine, si riconosce espressamente agli arbitri il potere di prendere “tutti i provvedimenti ritenuti opportuni per regolarizzare o integrare la rappresentanza o l’assistenza delle parti” (comma 5). Per quanto concerne le nuove domande proposte dalle parti nel corso del procedimento, se ne è prevista l’ammissibilità in due ipotesi: quando la parte, contro la quale la domanda nuova è proposta, dichiara di accettare il contraddittorio o non propone eccezioni di inammissibilità preliminarmente ad ogni difesa di merito; e quando “la nuova domanda è oggettivamente connessa con una di quelle pendenti nel procedimento”. Inoltre, si prevede che in ogni caso il tribunale arbitrale consenta alla parte, contro cui la domanda è proposta, di rispondere alla medesima con una memoria scritta. Quanto infine alla precisazione delle conclusioni, tale formalità è stata ritenuta opportuna come strumento indispensabile per consentire alle parti di adeguare le loro domande alle risultanze della istruzione; e si è altresì ritenuto opportuno individuare nell’invito a precisare le conclusioni, che gli arbitri rivolgono alle parti, il momento oltre il quale diviene inammissibile sia la proposizione di nuove domande, sia l’introduzione nel procedimento di nuove istanze istruttorie di qualsiasi tipo. Chi ha esperienza di arbitrato può facilmente apprezzare, credo, la scelta così compiuta dal regolamento, che consente di superare con una disciplina precisa tutte le incertezze (e i disagi), ai quali gli arbitri si trovano di fronte allorché nuove domande o nuove risultanze istruttorie sono introdotte dalle parti in prossimità del lodo o addirittura in sede di discussione finale. Alla luce del regolamento, gli arbitri possono dichiarare inammissibili le nuove domande e le nuove prove, con la protezione di una disciplina previamente accettata dalle parti mediante il richiamo al regolamento stesso. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. Edoardo Ricci 25 È infine da segnalare che la Camera milanese, pur avendo riservato al procedimento arbitrale un complesso di norme piuttosto ricco, non ha ritenuto di inserire nel regolamento un istituto, che invece è molto importante nel regolamento di altre istituzioni specializzate, soprattutto straniere: il così detto terms of reference o acte de mission: atto redatto dagli arbitri e sottoscritto dalle parti, nel quale si definisce l’oggetto della controversia, delineando altresì l’insieme delle questioni da risolvere in funzione preparatoria della decisione finale e fissando le fondamentali regole di procedura. Si è infatti temuto che la preparazione e confezione di tale atto introducesse nel procedimento un ritardo non strettamente necessario; e nello stesso si è temuto che esso potesse pregiudicare l’elasticità della procedura arbitrale, impedendo agli arbitri di regolarla secondo l’opportunità del momento e le circostanze. Dopo ciò, il successivo Capo V si occupa del lodo arbitrale, sia dal punto di vista della deliberazione (ove la conferenza personale è necessaria soltanto se le norme applicabili al procedimento la impongono: art. 33), sia dal punto di vista della forma e del contenuto, sia dal punto di vista del deposito e della comunicazione alle parti: dovendo il lodo essere depositato presso la Segreteria Generale, che ne cura la comunicazione alle parti (art. 35). Apposite norme, inoltre, hanno per oggetto i lodi parziali e i lodi non definitivi (art. 37), nonché la correzione del lodo (che può aver luogo col procedimento presso la Camera “nei casi e nei termini previsti dalle norme applicabili al procedimento” (art. 38). Tra queste norme, di fondamentale rilevanza è quella relativa al termine, che si articola in tre previsioni. La regola generale è nel senso che il lodo debba essere depositato presso la Segreteria Generale entro sei mesi dalla costituzione del tribunale arbitrale (comma 1). Peraltro, il termine può essere prorogato “dal Consiglio Arbitrale o, quando vi si è il consenso delle parti, dalla Segreteria Generale” (comma 2). Inoltre, lo stesso termine “è sospeso dalla Segreteria Generale […] in presenza di […] giustificato motivo” (norma pensata soprattutto per le ipotesi, nelle quali uno o più arbitri siano colpiti da impedimenti improvvisi e temporanei). Nel pronunciare il lodo, gli arbitri devono secondo il regolamento pronunciarsi anche sulle spese, sotto un duplice profilo. Da un lato, infatti, essi devono decidere, se ed entro quali limiti una parte debba rifondere all’altra gli oneri da questa sostenuti per la propria difesa, liquidando il relativo importo; dall’altro devono indicare le spese relative al funzionamento dell’arbitrato (comprensivo dei loro compensi). Ma, mentre sul primo punto gli arbitri devono far riferimento unicamente alla legge applicabile, sul secondo essi devono recepire la liquidazione compiuta R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. 26 Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ... prima del lodo dal Consiglio Arbitrale. In altre parole: l’ammontare delle spese di funzionamento dell’arbitrato è fissato dalla Camera (tramite il Consiglio Arbitrale), e gli arbitri: facendo espressa menzione del provvedimento di liquidazione loro trasmesso – devono soltanto decidere sulla ripartizione tra le parti del relativo onere. Completano il regolamento, il Capo VI sulle spese del procedimento ed un Capo VII contenente disposizioni transitorie. 5 CONCLUSIONE In conclusione, si può dire quanto segue circa il nuovo regolamento della Camera Arbitrale Nazionale e Internazionale di Milano, entrato in vigore il 1° gennaio 2004. Il nuovo regolamento si applica, in linea di principio, se le parti lo hanno stabilito nella convenzione di arbitrato o mediante una convenzione separata. Anche in mancanza di un preventivo accordo tra le parti su questo tema, tuttavia, il regolamento è applicato se l’attore lo propone nella domanda di arbitrato e il convenuto accetta questa proposta. Quanto alle regole del procedimento, il regolamento stabilisce la seguente gerarchia: in primo luogo il regolamento stesso, in subordine le regole fissate dalle parti, in ulteriore subordine le regole fissate dagli arbitri. Naturalmente, devono sempre essere applicate le norme inderogabili della legge processuale che disciplina ogni singolo arbitrato. Quanto al merito della controversia, il regolamento prevede che gli arbitri decidano secondo diritto, qualora le parti non li abbiano autorizzati a pronunciare una decisione d’equità. Le parti, inoltre, hanno il potere di scegliere le norme applicabili al merito della controversia; e in mancanza di tale indicazione gli arbitri devono applicare le norme, con le quali il rapporto è più strettamente collegato, tenendo anche conto degli usi del commercio. La sede dell’arbitrato è fissata dalle parti. In difetto di tale indicazione, la sede è in linea di principio fissata a Milano. La Camera (e tramite il Consiglio Arbitrale) può tuttavia fissare la sede anche in un altro luogo, in Italia o all’estero, tenuto conto delle richieste delle parti e di ogni altra circostanza. II termini del procedimento sono perentori soltanto quando il loro carattere perentorio è fissato dal regolamento o dal provvedimento che fissa i termini stessi (sia che si tratti di termini fissati dagli arbitri, sia che si tratti di termini fissati dalla Camera). Un’apposita disciplina è prevista per la proroga dei termini. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. 27 Edoardo Ricci Il procedimento si inizia con una domanda dell’attore, che la Camera (tramite la Segreteria) trasmette al convenuto. Il convenuto può rispondere con un atto scritto, che la Camera comunica all’attore. Si forma poi il fascicolo, che viene trasmesso al tribunale arbitrale. Il tribunale arbitrale è composto secondo la volontà delle parti, e la Camera Arbitrale designa gli arbitri soltanto se le parti gliene hanno dato il potere o si astengono dal compiere qualsiasi nomina. Esistono tuttavia severe norme di incompatibilità (che tendono ad escludere dalla funzione di arbitro le persone coinvolte nella gestione della Camera e del Consiglio Arbitrale che sorveglia i procedimenti); e la Camera si riserva un penetrante controllo sull’imparzialità e l’indipendenza degli arbitri (i quali sono tenuti a compilare e sottoscrivere apposite dichiarazioni, rivelando eventuali rapporti con le parti e i loro difensori). Il regolamento disciplina poi il successivo procedimento davanti agli arbitri, inclusa l’istruzione probatoria. Va segnalato che il regolamento non richiede la compilazione dell’atto denominato in francese acte de mission e in inglese terms of reference, che invece è richiesto dal regolamento della Corte di Arbitrato della Camera di Commercio Internazionale di Parigi. Il regolamento disciplina infine la pronuncia del lodo, prevedendo un apposito termine (che la Camera Arbitrale può prorogare, in caso di necessità). Per quanto concerne le spese, è la Camera Arbitrale a stabilire le spese del procedimento e il compenso degli arbitri, secondo un apposito tariffario. Spetta invece agli Arbitri stabilire, in qual modo l’onere delle spese debba essere ripartito tra le parti. REFERÊNCIAS* (*) Nota da Editoria: o autor não usou referências bibliográficas fundamentalmente por ter feito análise normativa em seu artigo. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. 28 Il Nuovo Regolamento della Camera Arbitrale Nazionale ... R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 13-27, 2006. 29 Edoardo Ricci NOVO REGULAMENTO DA CÂMARA ARBITRAL NACIONAL E INTERNACIONAL DE MILÃO* THE NEW REGULATION OF THE NATIONAL AND INTERNATIONAL MILAN ARBITRATION CHAMBER IL NUOVO REGOLAMENTO DELLA CAMERA ARBITRALE NAZIONALE E INTERNAZIONALE DI MILANO EDOARDO FLAVIO RICCI ___________________________________________________________ Advogado e “professor ordinário” na Universidade de Milão (*) Nota da Editoria: artigo inédito no Brasil, especialmente cedido para esta publicação, a pedido da Profa. Drª Mariulza Franco, então integrante do Conselho Científico da Revista Jurídica. O texto foi publicado anteriormente na Itália (RIVISTA DELL’ARBITRATO, Milano, Giuffrè, anno XIII, p. 663-673, 2004). Por solicitação da Editoria, foi traduzido pela Professora Drª Marta Marília Tonin, integrante do corpo docente da Graduação e do Mestrado em Direito, das Faculdades Integradas Curitiba, e membro do Conselho Científico da Revista Jurídica. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. 30 Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ... R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. 31 Edoardo Ricci RESUMO No dia 1º de janeiro de 2004 entrou em vigor o novo regulamento da Câmara Arbitral Nacional e Internacional da Câmara de Comércio de Milão. O autor examina o conteúdo desse novo regulamento, colocando em evidência os aspectos principais (disposições de caráter geral, início do procedimento, formação do Tribunal Arbitral, disciplina do procedimento sucessivo, pronunciamento do laudo arbitral, despesas do processo). Palavras-chave: arbitragem, instituições arbitrais, Câmara de Comércio de Milão, Câmara Arbitral, regulamento. ABSTRACT On January 1st, 2004, was into effect the new regulation of the National and International Arbitral Chamber of the Chamber of Commerce of Milan. The author examines the content of this new regulation and points out the main aspects (general provisions, procedure’s beginning, constitution of the Arbitral Tribunal, discipline of the successive procedure, announcement of the arbitral judgment, procedure’s expenses). Keywords: arbitration, arbitral institutions, Chamber of Commerce of Milan, Arbitral Chamber, regulation. RIASSUNTO Il 1º gennaio 2004 è entrato in vigore il nuovo regolamento della Camera Arbitrale Nazionale e Internazionale della Camera di Commercio di Milano. L’autore esamina il contenuto di questo nuovo regolamento, mettendone in luce gli aspetti principali (disposizioni di carattere generale, inizio del procedimento, formazione del Tribunale arbitrale, disciplina del successivo procedimento, pronuncia del lodo arbitrale, spese di procedura). Parole chiavi: arbitrato, istituzioni arbitrali, Camera di Commercio di Milano, Camera Arbitrale, regolamento. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. 32 Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ... R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. Edoardo Ricci 33 1 INTRODUÇÃO Na data de 1º de janeiro de 2004 entrou em vigor o novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional e Internacional de Milão (que é – vale a pena recordar – um “departamento especial” da Câmara de Comércio de Milão). A oportunidade de substituir o regulamento anterior por um novo foi sugerida, levando-se em conta uma série de considerações. A experiência passada, já com mais de uma década e em contínuo desenvolvimento (em 2003, superou-se a marca de 90 novas arbitragens por ano, com um incremento de 10% em relação a 2002), tinha evidenciado algumas questões interpretativas, dignas de serem abordadas e resolvidas com normas mais claras. Ao mesmo tempo, surgiram defeitos a serem corrigidos. Observava-se a necessidade de uma simplificação, sobretudo por meio da elaboração de uma disciplina unitária, tanto para a arbitragem “nacional” quanto para a “internacional”, com aplicação também à primeira de soluções que anteriormente eram exclusivas da segunda. Além disso, era necessário levar em conta as novidades legislativas (entre as quais aquela concernente à nova arbitragem societária: artigo 34 e seguintes do Decreto Legislativo 5/2003) e a evolução do Direito. Enfim, querer-se-ia tornar o texto normativo mais completo, com a introdução de normas capazes de evidenciar, de maneira expressa, o quanto poderia ser extraído pela via interpretativa da lei. Nem sempre os árbitros (sobretudo aqueles nomeados pelas partes), mesmo sendo às vezes grandes conhecedores da matéria controversa, são igualmente grandes intérpretes das leis processuais (e das normas sobre a arbitragem de modo especial). Sobre o último aspecto, vale a pena insistir de modo particular, porque – ao menos em abstrato – pode ocorrer que o procedimento arbitral seja disciplinado por uma lei diferente daquela italiana. Nem sempre – mesmo nos casos em que o procedimento é dominado pela lei italiana – os árbitros são italianos; às vezes se trata de estrangeiros não acostumados a aplicar a lei italiana com a mesma desenvoltura – própria de quem vive e opera em nosso país. Era, portanto, necessário aproveitar o espaço, que em geral as leis sobre a arbitragem deixam à vontade das partes quanto à disciplina do procedimento, para delinear um minicódigo com aspiração de valer igualmente para todos os casos: um guia suficientemente elástico e preciso, para se poder combinar do modo mais harmonioso possível com uma pluralidade de textos legislativos. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. 34 Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ... Como é fácil intuir com base nessas premissas, o trabalho preparatório foi longo e complexo. E surgiu um aparato normativo que de algum modo difere do precedente também do ponto de vista do “estilo”. Sob esse perfil, os compiladores se fixaram num propósito muito ambicioso. De um lado, de fato, eles quiseram adotar, como modelo de base, mais que a técnica com a qual se redigem cláusulas contratuais e a técnica com a qual se redigem normas de lei. De outro, eles se deram conta, todavia, de que as normas sobre a arbitragem podem às vezes ser facilmente entendidas e aplicadas somente por quem é acostumado a operar com a lei processual. Sentiram a exigência de introduzir variantes estilísticas que seriam consideradas “didáticas”: a mesma disciplina que poderia ser extraída de uma sintética locução do tipo “codicístico” é substituída por previsões gerais de conteúdo mais analiticamente descritivo da prática a ser adotada. Estou convencido de que o leitor atento, lendo as novas normas, identificará de imediato os pontos nos quais a técnica normativa do tipo “codicístico” foi abandonada para atuar a intenção “didática” da qual se tratou. 2 DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Após um “preâmbulo” dedicado à Câmara Arbitral e aos dois órgãos técnicos pelos quais os procedimentos arbitrais são administrados (Conselho Arbitral e Secretaria-Geral), o Regulamento inicia-se com um capítulo (I) intitulado “Disposições gerais”. É essa uma novidade em relação ao Regulamento anterior, pois tem a finalidade de consentir a imediata identificação de algumas regras de particular importância. O artigo 1º diz respeito à aplicação do Regulamento, que rege o procedimento arbitral, seja quando as partes o tenham mencionado na convenção da arbitragem ou em outra convenção separada, seja em uma ulterior importante hipótese, descrita no parágrafo 2º. Tal hipótese se verifica se uma parte propõe com a demanda (subscrita pessoalmente) arbitragem disciplinada pelo Regulamento, e a outra aceita tal proposta, com declaração subscrita pessoalmente, dentro do prazo conferido pela Secretaria-Geral. Desse modo, forma-se entre as partes – mediante colaboração da Secretaria-Geral – uma verdadeira convenção de arbitragem sobre o objeto da demanda, que tem a substancial natureza do compromisso. O artigo 2º refere-se às “normas aplicáveis ao procedimento”, estabelecendo no parágrafo 1º uma hierarquia precisa das fontes: em primeiro lugar, o Regulamento; em seguida, as regras fixadas de comum R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. Edoardo Ricci 35 acordo pelas partes; posteriormente, as regras fixadas pelo Tribunal Arbitral. Desse modo, deveriam perder valor todas as disposições da lei processual aplicável em abstrato (qualquer que seja), com a única exceção das normas inderrogáveis (que são expressamente ressalvadas no parágrafo 2º, com uma disposição talvez não necessária do ponto de vista estritamente jurídico, mas igualmente oportuna como disposição para as partes e para os árbitros). Enfim, o parágrafo 3º (outra norma talvez não necessária do ponto de vista estritamente jurídico, mas oportuna como disposição para as partes e para os árbitros) resguarda expressamente o princípio do contraditório e da paridade de tratamento das partes. O artigo 3º trata das normas aplicáveis ao mérito da controvérsia, com quatro previsões: a decisão segundo o Direito, quando as partes não tenham expressamente previsto a decisão de eqüidade; o poder das partes de escolher as normas aplicáveis, com a convenção de arbitragem ou a convenção posterior até a constituição do Tribunal Arbitral; o poderdever dos árbitros de decidir – na falta de concordância das partes –, segundo as normas com as quais a relação é mais estreitamente ligada; o poder-dever dos árbitros de levar em conta os usos do comércio. Como é fácil compreender, as últimas duas previsões generalizam a mesma disciplina que, de outro modo, seria própria somente da arbitragem internacional. A sede da arbitragem (objeto do artigo 4º) é tema de grandíssimo relevo, seja porque o Direito italiano depende da sede para a qualificação da arbitragem como “nacional” ou “não nacional” (ou no “exterior”), seja porque, segundo a opinião quase unânime dos juristas (na Itália e no exterior), depende da sede da arbitragem a identificação do Direito Processual aplicável. O Regulamento, depois de ter estabelecido que a sede fixada pelas partes na convenção de arbitragem (parágrafo 1º), prevê que, na ausência de tal indicação, a sede seja fixada em Milão (parágrafo 2º). Todavia, “[...] o Conselho Arbitral pode fixar a sede da arbitragem em outro lugar, na Itália ou no exterior, levando em conta os pedidos das partes e de qualquer outra circunstância” (parágrafo 3º). E, em todo caso, concede-se ao Tribunal Arbitral o poder de desenvolver as audiências e realizar os atos do procedimento em lugar distinto daquele da sede legal da arbitragem (parágrafo 4º). Depois, o artigo 5º se ocupa da língua usada na arbitragem, e o artigo 6º trata do depósito e transmissão dos atos. O artigo 7º disciplina o delicado tema dos prazos, com uma dupla intenção: a de resolver o problema relativo à admissibilidade dos prazos peremptórios da arbitragem e a de reduzir ao mínimo as possíveis questões sobre o caráter peremptório ou não peremptório dos prazos fixados pelos árbitros ou pela CâmaR. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. 36 Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ... ra. A regra é no sentido de que os prazos (sejam eles diretamente colocados pelo Regulamento, ou fixados pelo Conselho Arbitral, ou fixados pela Secretaria-Geral, ou fixados pelos árbitros) não estejam sujeitos à decadência, quando esta não seja expressamente prevista pelo Regulamento ou não seja expressamente estabelecida pelo provimento que os fixa (parágrafo 1º). Além disso, fica estabelecido que o Conselho Arbitral, a Secretaria-Geral e os árbitros podem prorrogar os prazos por eles fixados, antes dos respectivos términos (parágrafo 2º, primeira parte). Advertese, entretanto, que os prazos fixados sujeitos à decadência podem ser prorrogados somente por graves motivos ou com o consenso de todas as partes (parágrafo 2º, segunda parte). Enfim, estabelece-se que na contagem do prazo não se considere o dia inicial e que, se o prazo termina num sábado ou num feriado, ele seja automaticamente prorrogado para o dia útil seguinte (parágrafo 3º). A seguir, o artigo 8º trata da matéria de sigilo do procedimento. O artigo 9º contém duas importantes regras relativas às “arbitragens reguladas pela lei italiana”. Em primeiro lugar, estabelece-se que, se as partes não qualificaram expressamente a arbitragem como “irritual” na convenção arbitral, a arbitragem seja ritual (parágrafo 1º). Em segundo, determina-se que, quando a arbitragem tem origem na cláusula compromissória a inserida na constituição ou no estatuto da sociedade, os árbitros sejam designados pelo Conselho Arbitral, em derrogação do previsto na convenção de arbitragem (parágrafo 2º). É uma disposição muito oportuna, perante a norma de lei, segundo a qual as cláusulas arbitrais em questão são nulas, se não atribuem o poder de nomear os árbitros a um sujeito estranho ao quadro social (artigo 34, parágrafo 2º, Decreto Legislativo 5/ 2003). Mediante o reenvio ao Regulamento, as partes derrogam convencionalmente as diversas disposições contidas na cláusula compromissória, em conseqüência das quais se arrisca a nulidade. 3 DO INÍCIO DO PROCEDIMENTO E DA FORMAÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL Os sucessivos quatro capítulos do Regulamento (II ao V) ocupamse das várias fases nas quais se articula o curso do processo: a fase inicial (capítulo II), a fase relativa à formação do Tribunal Arbitral (capítulo III), a fase da tratativa e instrução perante os árbitros (capítulo IV, intitulado “O procedimento”), a fase decisória (capítulo V, intitulado “Laudo arbitral”). A fase inicial (artigos 10-13) é muito simples: um pedido escrito (disciplinado pelo artigo 10) comunicado à parte contrária pela SecretaR. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. Edoardo Ricci 37 ria-Geral; uma memória de resposta (disciplinada pelo artigo 11) transmitida pela Secretaria-Geral ao autor (com convite ao réu para propor em tal resposta também o eventual pedido de reconvenção: artigo 12), finalizando com uma eventual providência do Conselho Arbitral sobre o procedimento da arbitragem (artigo 13). O problema, ao qual o Regulamento se refere, quando aborda o “procedimento” da arbitragem, é unicamente aquele relativo à aplicabilidade ou não-aplicabilidade do Regulamento. Sobre esse problema, o Conselho Arbitral é chamado a pronunciar-se somente se uma parte contesta a aplicabilidade do próprio Regulamento antes da constituição do Tribunal Arbitral. Nesse caso, o Conselho Arbitral exprime a posição da Câmara sobre o procedimento iniciado, esclarecendo se a mesma Câmara está disposta a administrar a arbitragem (declaração de procedência) ou não está disposta a fazê-lo (declaração de improcedência). Esse é o único significado que o provimento pretende ter. Quando é por hipótese declarada a improcedência, isso não implica nenhuma avaliação vinculante sobre a existência e validade da convenção de arbitragem que pode ser a base para uma arbitragem ad hoc ou para uma arbitragem administrada por outros organismos. Além disso, nenhum valor vinculante tem a providência do Conselho Arbitral para os árbitros, quando é declarado o procedimento. Os árbitros, mais em particular, estarão livres para avaliar, da melhor maneira segundo os próprios critérios, não somente a existência e validade da convenção de arbitragem (o que é óbvio), mas também os problemas relativos à própria aplicabilidade do Regulamento. Muito rico de normas é então o capítulo III sobre o Tribunal Arbitral (artigos 14-23). Esse capítulo, de fato, não concerne somente ao mecanismo, pelo qual o Tribunal Arbitral se forma, como ainda trata da disciplina da incompatibilidade (artigo 17), do procedimento de recusa diante da Câmara Arbitral (artigo 20), da disciplina da substituição (artigo 21) e da disciplina da incompetência do Tribunal Arbitral (que deve ser levantada), [...] sob pena de decadência, no primeiro ato ou na primeira audiência sucessiva ao pleito ao qual a objeção se refere: artigo 22; e a disciplina relativa a uma hipótese muito delicada: aquela da ‘irregular formação do Tribunal Arbitral’ (artigo 23). Se o tema não fosse disciplinado, a solução poderia ser somente a mais radical: o pronunciamento, por parte dos árbitros, de um laudo declinatório. Desse modo, o eventual erro cometido na formação do Tribunal Arbitral seria pago em um alto preço, com a necessidade de iniciar R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. 38 Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ... um novo procedimento. Quando a pendência da arbitragem fosse acompanhada por provimentos cautelares colaterais, pronunciados pela autoridade judiciária, esses perderiam a eficácia. O Regulamento busca, então, reparar isso, estabelecendo que o Tribunal Arbitral – quando perceber um erro na própria constituição – depositará na Secretaria-Geral uma decisão motivada de restituição dos atos à Câmara, destinada a ter os mesmos efeitos de uma renúncia ao encargo. Abre-se, de tal modo, o caminho à formação de um novo Tribunal Arbitral em aplicação das regras que disciplinam o tema, mediante o mecanismo da substituição prevista pelo artigo 21. É essa uma importante novidade do novo Regulamento, destinada à conservação do procedimento arbitral pendente. A respeito, mais diretamente, do mecanismo de formação do Tribunal Arbitral, o artigo 14 trata do número de árbitros, seja favorecendo quanto possível (salvo vontade diversa expressa pelas partes para a convenção de arbitragem) a designação de um árbitro único em lugar de um colegiado, seja estabelecendo que (sempre salvo vontade diversa expressa pelas partes na convenção de arbitragem) o eventual colegiado seja formado por três membros, seja garantindo que, em todo caso, o colegiado seja composto de um número ímpar de árbitros. O artigo 15 trata, então, mais propriamente, do procedimento de nomeação. A regra fundamental é constituída pela aplicação das previsões inseridas pelas partes na convenção de arbitragem (parágrafo 1º): a Câmara intervirá com designações próprias, somente se a convenção de arbitragem o requerer ou o consentir. Por tal razão, o árbitro único é nomeado pelo Conselho Arbitral, apenas “[...] se não é diversamente estabelecido na convenção arbitral” (parágrafo 2º). Além disso, o Regulamento envolve novamente as partes na nomeação dos árbitros (quando elas se limitaram a requerer a constituição de um colegiado sem acrescentar outro). O parágrafo 4º, de fato, delineia uma disciplina substancialmente similar àquela fixada pelo artigo 810 CPC, com a única diferença de que é a Câmara (por intermédio do Conselho Arbitral) que assume as obrigações que o artigo 810 CPC confere à autoridade judiciária. Enfim, recorda-se o parágrafo 5º, pelo qual [...] se as partes têm diferente nacionalidade ou domicílio em estados diversos, o Conselho Arbitral nomeia como árbitro único ou como presidente do Tribunal Arbitral uma pessoa de terceira nacionalidade, salvo indicação diversa e de concordância das partes. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. Edoardo Ricci 39 Se também a vontade das partes na escolha dos árbitros é respeitada, por outro lado, a Câmara (por meio do Conselho Arbitral) reivindica para si mesma uma preliminar sindicância sobre a independência dos próprios árbitros. Eles devem, portanto, subscrever uma declaração de independência, fornecendo todos os esclarecimentos expressamente previstos no artigo 19. Tal declaração é depois transmitida às partes, para eventuais observações. O Conselho Arbitral confirmará os árbitros designados pelas partes ou por terceiros, somente se não surgirem elementos capazes de colocar em dúvida a independência do árbitro previamente escolhido. No caso de falta de confirmação, colocase em prática o mecanismo de substituição disciplinado pelo artigo 21. A Câmara Arbitral entende seu dever de fazer todo o esforço, a fim de que os árbitros designados pelas partes sejam realmente independentes. E não se julga estar à disposição como órgão encarregado de administrar o procedimento arbitral, se as partes não aceitam essa fundamental orientação de honestidade. Uma norma de notável importância é, enfim, a contida no artigo 16, que se refere à arbitragem com pluralidade de partes. Todos recordam os problemas que surgem, quando as convenções de arbitragem – conferindo a cada uma das partes o poder de designar um árbitro – arriscam dar vida à composição de colegiados arbitrais não equilibrados (de modo a colocar em dúvida sua imparcialidade, em razão de sua própria composição). Todos admitem que o modo mais seguro para salvar a convenção de arbitragem é constituído pela designação dos árbitros por parte de um terceiro. O artigo 16 prevê, então, que [...] também em derrogação ao previsto na convenção arbitral, se o pleito é proposto por várias partes ou contra várias partes, o Conselho Arbitral nomeia todos os componentes do Tribunal Arbitral, designando um único árbitro quando julga oportuno e a convenção arbitral não requeira a designação de um colegiado. Todavia, se as partes se agruparem inicialmente em duas unidades somente, nomeando cada uma um árbitro como se a controvérsia tivesse somente duas partes e aceitando que o tribunal arbitral seja formado por três membros, o Conselho Arbitral nomeia somente o presidente. Tal disposição é decorrente do desejo de salvar, o quanto possível, as convenções de arbitragem, com um mecanismo idôneo à designação de árbitros, ao mesmo tempo equilibrada e idônea para garantir a máxima imparcialidade. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. 40 Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ... 4 DO PROCEDIMENTO SUCESSIVO E DO LAUDO ARBITRAL Para o desenvolvimento do procedimento sucessivo é dedicado o capítulo IV. Inicia-se com uma norma (artigo 24) sobre a constituição do Tribunal Arbitral, que ocorre dentro de 30 dias, a partir do recebimento dos atos transmitidos pela Secretaria-Geral, mediante a redação de uma ata datada e subscrita. Seguem disposições sobre os poderes do Tribunal Arbitral (artigo 25), sobre as decisões do próprio Tribunal (artigo 26), sobre as audiências (artigo 27), sobre o acolhimento das provas acerca da consultoria técnica (artigos 28 e 29), sobre as novas demandas propostas no curso do procedimento (artigo 30), sobre a precisão das conclusões (artigo 31) e sobre a renúncia dos atos (artigo 32). Entre essas disposições, vale provavelmente a pena considerar com particular atenção os artigos 25 (poderes do Tribunal Arbitral), o artigo 30 (novas demandas) e o artigo 31 (precisão das conclusões). Quanto aos poderes do Tribunal Arbitral, observa-se que os árbitros – além de poderem tentar, em qualquer momento, a conciliação da controvérsia (parágrafo 1º) – podem declarar “[...] todas as providências cautelares urgentes e provisórias, também de conteúdo antecipatório, que não sejam vedadas por normas inderrogáveis aplicáveis ao procedimento.” Isso não tem muita importância, quando deve ser aplicada ao procedimento a lei italiana (artigo 818 CPC), mas, ao contrário, é norma de fundamental relevo, quando o procedimento é regido por outras leis, mais liberais do que a nossa. Além disso, se vários procedimentos objetivamente conexos se desenvolvem diante dos mesmos árbitros, estes podem reuni-los (parágrafo 3º). Diversamente, os árbitros podem separar entre eles as diversas controvérsias inicialmente unificadas em um único procedimento (parágrafo 4º). Enfim, reconhece-se expressamente aos árbitros o poder de tomar “[...] todas as providências julgadas oportunas para regularizar ou integrar a representação ou a assistência das partes” (parágrafo 5º). Acerca das novas demandas propostas pelas partes no curso do procedimento, a admissibilidade delas está prevista em duas hipóteses: quando a parte, contra a qual a nova demanda é proposta, declara aceitar o contraditório ou não propõe exceções de inadmissibilidade preliminarmente a cada defesa de mérito; quando “[...] a nova demanda é objetivamente ligada a uma daquelas pendentes no procedimento.” Ainda se prevê que, em todo caso, o Tribunal Arbitral consinta à parte, contra quem a demanda é proposta, responder com uma defesa escrita. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. Edoardo Ricci 41 Em relação à precisão das conclusões, tal formalidade foi julgada oportuna como instrumento indispensável para consentir às partes adequar suas demandas aos resultados da instrução. Julgou-se oportuno especificar, na indicação das conclusões, que os árbitros digam às partes o momento além do qual se torna inadmissível tanto a proposição de novas demandas quanto a introdução, no procedimento, de novas instâncias instrutórias de qualquer tipo. Quem tem experiência de arbitragem pode facilmente apreciar, acredito, a escolha assim realizada pelo Regulamento, que consente superar com uma disciplina precisa todas as incertezas (e as dificuldades) com as quais os árbitros se defrontam, quando novas demandas ou novos resultados instrutórios são introduzidos pelas partes na proximidade do laudo ou até mesmo em sede de discussão final. À luz do Regulamento, os árbitros podem declarar inadmissíveis as novas demandas e as novas provas, com a proteção de uma disciplina previamente aceita pelas partes, de acordo com o próprio Regulamento. Enfim, deve-se assinalar que a Câmara de Milão, mesmo tendo reservado ao procedimento arbitral um conjunto de normas, um tanto quanto rico, não entendeu de inserir no Regulamento um instituto, que, ao contrário, é muito importante no regulamento de outras instituições especializadas, sobretudo estrangeiras: terms of reference ou acte de mission. É o ato redigido pelos árbitros e subscrito pelas partes, no qual se define o objeto da controvérsia, delineando o conjunto das questões a serem resolvidas em função preparatória da decisão final e fixando as regras do processo. Temeu-se, de fato, que a preparação e a confecção de tal ato introduzissem no procedimento um atraso não estritamente necessário. No mesmo procedimento temeu-se que ele (o ato) pudesse prejudicar a elasticidade do processo arbitral, impedindo aos árbitros de regulá-lo, segundo a oportunidade do momento e as circunstâncias. Depois disso, o capítulo V trata do laudo arbitral, seja do ponto de vista da deliberação (quando a conferência pessoal é necessária, somente se as normas aplicáveis ao procedimento a imponham: artigo 33), seja do ponto de vista da forma e do conteúdo, seja do ponto de vista do depósito e da comunicação às partes. Deve o laudo ser depositado na SecretariaGeral, que se encarrega da comunicação às partes (artigo 35). Normas apropriadas têm por objeto os laudos parciais e os laudos não definitivos (artigo 37), bem como a correção do laudo que pode ocorrer com o procedimento perante a Câmara “[...] nos casos e nos termos previstos pelas normas aplicáveis ao procedimento” (artigo 38). R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. 42 Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ... Entre essas normas, de fundamental relevância, está a relativa ao prazo, que se articula em três previsões. A regra é no sentido de que o laudo deva ser depositado na Secretaria-Geral dentro de seis meses, a partir da constituição do Tribunal Arbitral (parágrafo 1º). Por outro lado, o prazo pode ser prorrogado “[...] pelo Conselho Arbitral ou, quando existe o consenso das partes, pela Secretaria-Geral” (parágrafo 2º). Além disso, o mesmo prazo “[...] é suspenso pela Secretaria-Geral […] na presença de […] justificado motivo” (norma pensada, sobretudo, para as hipóteses, nas quais um ou mais árbitros sejam atingidos por impedimentos imprevistos e temporários). Ao proferir o laudo, os árbitros devem, segundo o Regulamento, manifestar-se sobre as despesas, sob um duplo perfil. Por um lado, de fato, eles devem decidir se e dentro de quais limites uma parte deve reembolsar à outra os ônus por esta efetuados para sua própria defesa, liquidando a relativa importância. Por outro lado, devem indicar as custas relativas ao funcionamento da arbitragem (inclusive de seus honorários). Mas, enquanto sobre o primeiro ponto, os árbitros devem fazer referência unicamente à lei aplicável, sobre o segundo eles devem considerar a liquidação realizada antes do laudo do Conselho Arbitral. Em outras palavras: o montante das despesas do funcionamento da arbitragem é fixado pela Câmara (por meio do Conselho Arbitral), e os árbitros – fazendo expressa menção da providência de liquidação a si transmitida – devem somente decidir sobre a divisão entre as partes do relativo ônus. Completam o Regulamento o capítulo VI, que trata das despesas do procedimento, e o capítulo VII, que contém disposições transitórias. 5 CONCLUSÃO Concluindo, pode-se afirmar o que segue sobre o novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional e Internacional de Milão, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2004. O novo Regulamento se aplica, via de regra, se as partes o estabeleceram na convenção de arbitragem ou mediante uma convenção separada. Na falta de um acordo prévio entre as partes sobre esse tema, todavia, o Regulamento é aplicado, se o autor o propõe no pedido de arbitragem, e o réu aceita essa proposta. Quanto às regras do procedimento, o Regulamento estabelece a seguinte hierarquia: em primeiro lugar o próprio Regulamento, em seguida as regras fixadas pelas partes e, por último, as regras fixadas pelos árbitros. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. Edoardo Ricci 43 Naturalmente, devem sempre ser aplicadas as normas inderrogáveis da lei processual que disciplina individualmente cada arbitragem. Quanto ao mérito da controvérsia, o Regulamento prevê que os árbitros decidam segundo o Direito, quando as partes não os tenham autorizado a pronunciar uma decisão de eqüidade. As partes têm o poder de escolher as normas aplicáveis ao mérito da controvérsia e, na falta de tal indicação, os árbitros devem aplicar as normas com as quais a relação seja mais estreitamente ligada, levando em conta os usos do comércio. A sede da arbitragem é fixada pelas partes. Na falta dessa indicação, a sede é, normalmente, fixada em Milão. A Câmara (por meio do Conselho Arbitral) pode, entretanto, fixar a sede em um outro lugar, na Itália ou no exterior, considerando os pedidos das partes e de qualquer outra circunstância. Os prazos do procedimento são peremptórios, somente quando seu caráter resoluto é fixado pelo Regulamento ou pelo provimento que fixa os próprios prazos (tratando-se de prazos fixados pelos árbitros ou pela Câmara). Uma disciplina apropriada é prevista para a prorrogação dos prazos. O procedimento se inicia com um pedido do autor, e a Câmara (pela Secretaria-Geral) envia a citação ao réu. Este pode responder com uma peça escrita, e a Câmara informa ao autor. Formam-se, então, os autos que são enviados ao Tribunal Arbitral. O Tribunal Arbitral é composto segundo a vontade das partes, e a Câmara Arbitral designará os árbitros, se as partes lhes derem o poder ou se abstiverem de realizar qualquer nomeação. Existem, contudo, severas normas de incompatibilidade (que tendem a excluir da função de árbitro as pessoas envolvidas na gestão da Câmara e do Conselho Arbitral que se ocupam dos procedimentos). A Câmara se reserva um profundo controle sobre a imparcialidade e a independência dos árbitros (os quais têm a incumbência de compilar e subscrever declarações adequadas, revelando eventuais relações com as partes e os respectivos defensores). O Regulamento disciplina, pois, o procedimento sucessivo diante dos árbitros, incluída a instrução probatória. Observa-se que o Regulamento não requer a compilação do ato denominado, em francês, acte de mission e, em inglês, terms of reference, que, ao contrário, é requerido pelo Regulamento da Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional de Paris. O Regulamento disciplina, enfim, o pronunciamento do laudo, prevendo um prazo adequado (que a Câmara Arbitral pode prorrogar, em caso de necessidade). R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. 44 Novo Regulamento da Câmara Arbitral Nacional ... No tocante às despesas, é a Câmara Arbitral que estabelece as custas do procedimento e o pagamento dos árbitros, segundo uma tabela apropriada. Cabe, por outro lado, aos árbitros estabelecer de que modo o ônus das despesas deva ser repartido entre as partes. REFERÊNCIAS* (*) Nota da Editoria: o autor não usou referências bibliográficas fundamentalmente por ter feito análise normativa em seu artigo. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 29-44, 2006. Ezequias Losso 45 INFLUÊNCIA DAS DIRETRIZES REGULATÓRIAS E DA ARBITRAGEM ESTATAL NA EMPRESA CONTEMPORÂNEA: O EXEMPLO DAS TELECOMUNICAÇÕES* THE INFLUENCE OF THE REGULATORY GUIDELINES AND THE STATE ARBITRATION IN THE CONTEMPORARY COMPANY: THE EXAMPLE OF TELECOMMUNICATIONS L’INFLUENZA DELLE DIRETTIVE REGOLAMENTARI E DI ARBITRATO STATALE NELL’IMPRESA CONTEMPORANEA: L’ESEMPIO DELLE TELECOMUNICAZIONI EZEQUIAS LOSSO ___________________________________________________________ Professor e Mestrando em Direito das Faculdades Integradas Curitiba, Advogado (*) Nota da Editoria: artigo inédito, elaborado especialmente para ser submetido à avaliação do Conselho Científico desta Revista. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 46 Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ... R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 47 Ezequias Losso SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A TRANSIÇÃO DO ESTATISMO AO DIRIGISMO, NO FINAL DO SÉCULO XX. 3 ASPECTOS DA AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL) COMO ÓRGÃO REGULADOR. 4 QUESTIONAMENTOS DAS FUNÇÕES REGULADORAS E ARBITRAIS DA AGÊNCIA. 5 POSSÍVEIS REFLEXOS DE INDETERMINAÇÕES DO ÓRGÃO REGULADOR NA EFICIÊNCIA EMPRESARIAL. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. RESUMO O progressivo esgotamento do capital público para novos investimentos em telecomunicações levou o Brasil, a exemplo de outras nações, ao processo de privatização. Contudo, deixando de ser o Estado provedor dos serviços, entendeu o legislador constituinte, assim como o governo, ser necessária a configuração do Estado regulador, criando para tanto um órgão regulador. Esse órgão foi instituído com a denominação de Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), com atribuições executivas e, com certa inspiração no modelo dos Estados Unidos da América, funções observadas como quase legislativas e quase judiciárias. Tais apontamentos geraram controvérsias que ainda não foram bem resolvidas, refletindo no desempenho da agência e, por decorrência, na vida empresarial e social. Assim, pretende-se nesta exposição apresentar uma breve análise da problemática e, finalmente, levantar alguns pontos para reflexão dos estudiosos. Palavras-chave: empresa de telefonia, órgão regulador, Anatel, arbitragem estatal. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 48 Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ... ABSTRACT The progressive expenditure of the public capital for new investments in telecommunications led Brazil, to the example of other nations, to enter the process of privatization. However, once the State no longer is the render of services, the constituent legislator, as well as the government, understood to be necessary the configuration of the regulator State, by creating a regulator organ. This organ was instituted with the denomination of National Agency of Telecommunication (Anatel), helding executive attributions and, with certain inspiration in the United States system, presenting functions observed as almost legislative and almost judiciary. Such attributions generated controversies that were not yet resolved, and which reflects in the agency’s acting and, consequently in social and business life. Therefore, the intention of this exhibition is to present a brief analysis of this problematic situation, and, finally, to indicate some points for the specialists to reflect on. Keywords: telephone company, regulator organ, Anatel, state arbitration. RIASSUNTO La progressiva riduzione dell’afflusso di capitale pubblico per nuovi investimenti in telecomunicazioni ha portato il Brasile, sull’esempio di altri paesi, al processo di privatizzazione. Con ciò, appurato che lo Stato ha smesso di essere fornitore di servizi, il legislatore costituente, così come il governo, hanno capito la necessità della configurazione dello Stato regolatore, creando a tal fine un organo regolatore. Tale organo fu istituito con la denominazione di Agenzia Nazionale di Telecomunicazioni (Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel), con compiti esecutivi e con una certa ispirazione al modello degli Stati Uniti d’America, con funzioni osservate come fossero quasi legislative o giudiziarie. Tali incarichi generarono controversie che tuttora non sono state risolte, riflettendo il disimpegno dell’agenzia e, per il decorrere del tempo, si riflettono anche sulla vita delle imprese e della società. Pertanto, in questa trattazione ci si propone di presentare una breve analisi della problematica e infine di indicare alcuni punti per le riflessioni degli studiosi. Parole chiavi: impresa di telefonia, organo regolatore, Anatel, arbitrato statale. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 49 Ezequias Losso 1 INTRODUÇÃO No texto se desenvolve, inicialmente, uma breve revisão das evoluções estruturais, ocorridas no Brasil, desde a década de 70 (séculoXX), notadamente na redefinição da oferta de serviços tipicamente empresariais, do Estado ao particular. Na seqüência, de acordo com a nova Lei Geral das Telecomunicações (Lei 9.472/97), insere-se a abertura do mercado com a privatização, em 29/7/1998, do Sistema Telebrás, até então liderado pela holding Telecomunicações Brasileiras S.A., e da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), em promoção da novel Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) . No item seguinte, faz-se uma análise crítica diante de certas indefinições do papel da agência reguladora e as incertezas decorrentes. Finalmente, em coerência com os pontos da doutrina consultada e com a experiência profissional do autor em ações judiciais, são levantadas algumas sugestões aos estudiosos, para aprofundamento analítico. 2 TRANSIÇÃO DO ESTATISMO AO DIRIGISMO, NO FINAL DO SÉCULO XX As sucessivas crises econômicas no século recém-findo geraram variações cambiais que se refletiram na dificuldade de captação de recursos externos para investimentos produtivos no Brasil. Concomitantemente, continuava comprimida e mal gerenciada a poupança pública, e mais se reduziu a capacidade contributiva dos brasileiros em geral, com aumento da carga tributária. Não houve maiores preocupações com o constante aumento desordenado de gastos públicos correntes. Diante de galopante inflação, foram impostos mecanismos rígidos para seu controle, sendo um deles o dos reajustes tarifários inferiores aos índices de inflação passada, provocadores de progressivos déficits nas estatais prestadoras de serviços1. Por outro lado, a generosidade de agentes políticos e do constituinte na abertura de caminhos assistencialistas, sem anterior contribuição previdenciária ou fonte de receita rotativa, como a da geração de novos empregos e renda, agravou – continua agravando – a situação. É certo que o desequilíbrio econômico internacional contaminou profundamente o modelo do Estado do Bem-Estar e gerou pessimismo 1 O déficit se acentuou, enquanto a depreciação do capital fixo não foi sistematicamente considerada. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 50 Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ... internacional. Contudo, os países da América Latina e, particularmente, o Brasil padeceram de crônica fraqueza estrutural por falta de eixos dinâmicos forjados em sérios planejamentos. O medíocre desempenho econômico brasileiro dos anos 80, conseqüência de más experiências de planos econômicos, desacreditados pelo próprio governante, apressou o surgimento de arautos da privatização das atividades que não se caracterizassem como serviços públicos propriamente ditos. Foi proposta a mudança do estatismo, intervenção direta do Estado como único responsável por atividades em áreas vistas como tipicamente econômicas, para o dirigismo, intervenção indireta, via regulação e regulamentação de atividades econômicas desenvolvidas pelo Estado e (ou) particulares.2 É verdade que muitos integrantes da Assembléia Nacional Constituinte de 1988 observaram a tendência mundial ao modelo neoliberal de Estado mínimo – já em curso a globalização – e indicaram a livre iniciativa como um dos fundamentos principais da nova ordem econômica, em consonância com a receita em manipulação por autoridades internacionais, consagradas no Consenso de Washington3. Instituíram, claramente, a vocação econômica da iniciativa privada, no texto do caput do artigo 173 da Carta Magna, consignando o princípio da legalidade4: 2 No dirigismo se considera que os serviços de utilidade pública, tais como o transporte coletivo, fornecimento de energia elétrica e telecomunicações, podem ser prestados diretamente pelo Estado ou delegadas. 3 Consenso de Washington é uma expressão informal atribuída ao economista inglês John Williamson. Corresponde a conclusões de economistas e representes de diversos países, inclusive do Brasil, sobre um conjunto de reformas para a superação da crise econômica e retomo ao crescimento, tendo por sede o International Institute for Economy. Dentre os pontos tratados ressalta-se o da redução da intervenção do Estado na economia e a privatização das empresas estatais. 4 O princípio da legalidade, expresso no artigo 5, II, da Constituição, proporciona ao particular a garantia de livre ação, desde que não proibida por lei, pois, enfim, como raciocina Marta Marília Tonin (2004, p. 307): “Não se pode restringir o direito das pessoas a ponto de não exercerem plenamente sua cidadania.” Por sua vez, em vista do apontamento do princípio da legalidade no artigo 37 da Constituição, é limitada a ação do poder público, como ensina Hely Lopes Meirelles (1995, p. 356): “A legalidade, como princípio de administração (CF, 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.” A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei. Na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim” (GASPARINI, 2000, p. 342). R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. Ezequias Losso 51 Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado, só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definida em lei. Quanto ao dirigismo, também condicionado à lei, insculpiu-se, entre os preceitos, o do artigo 174: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Na década seguinte, a de 90, o Legislativo federal discutiu e aprovou, entre outros, o projeto que deu origem à Lei 8.987, de 13/2/1995, com a ementa: “[...] dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços público previsto no artigo 175 da Constituição Federal, e dá outras providências.” Firmou-se, então, por marco legal o Programa Nacional de Privatização. Do texto da referida Lei 8.987/95 colhem-se conceitos que se relacionam como dever de o Estado garantir ao indivíduo “serviço adequado”, como a seguir se transcreve: Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. § 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço. Deduz-se, daí, que, se não for possível ao Estado prestar, diretamente, um serviço público adequado, não deverá se omitir em outorgá-lo a quem possa oferecê-lo, desde que autorizado em lei. Especificamente quanto ao sistema brasileiro de telecomunicações era reclamada urgentíssima adequabilidade5. Conclamado a providências cabíveis, o constituinte derivado produziu a Emenda Constitucional nº 8, 5 O direito de uso de uma linha telefônica – independentemente de ações – chegou a ser considerado um bem patrimonial, inclusive como tal declarado à Receita Federal. Era comum a negociação por valores exorbitantes em mercado paralelo, pois o institucional, na maior parte do País, estava cerrado. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 52 Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ... de 15/8/1995. Por ela, deu-se nova redação ao inciso XI do artigo 21, da Constituição, prevendo-se a edição de uma lei sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais. Foi apontada a União como responsável pela exploração dos serviços, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão. Por decorrência, foram revisadas e alteradas as normas do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei 4.117, de 27/8/1962, e da regulamentação da década de 706. Surgiu, daí, a Lei 9.472, de 16/7/1997, conhecida como Lei Geral das Telecomunicações (LGT), que assinalou: Art. 1º Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofreqüências. Certamente a LGT teve por escopo principal a ampliação e modernização dos serviços de comunicação a distância, especialmente a partir da telefonia, porquanto não abrangeu a concessão de radiofonia e canais de televisão. Para a atração de capital estrangeiro, acenou com expressões implícitas ou expressas de incentivo, estabilidade e transparência do modelo, como se verificará a seguir. 3 ASPECTOS DA AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL) COMO ÓRGÃO REGULADOR A LGT é das mais auto-explicativas. Sem vaguezas ou dubiedades, define, no artigo 2º, os deveres do Poder Público 6 Na regulamentação do Código Brasileiro de Telecomunicações, o Ministério das Comunicações, criado pelo regime militar em 1967, estabeleceu um sistema nacional de telecomunicações, sob o monopólio das empresas estaduais (estatizadas) e federais. Estas, em 1972 passaram seus acervos e controle acionário para a Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás), que, nos termos da Lei 5.792, de 11/7/1972, se constituiu em empresa de economia mista, operando como holding, com empresa-pólo em cada Estado, com a competência de planejar, instalar e operar o Sistema Nacional de Telecomunicações. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. Ezequias Losso 53 [...] de garantir a toda população o acesso às comunicações, estimular a expansão, adotar medidas para a competição, fortalecer o papel regulador estatal, criar oportunidades de investimentos e estimular o desenvolvimento tecnológico e harmônico o desenvolvimento social do País. Depois de arrolar, no artigo 3º, os direitos do usuário, aplicáveis em todo o território nacional, trata da criação do órgão regulador das telecomunicações, com a denominação de Agência Nacional de Telecomunicações7, que foi concebida com status de “[...] entidade integrante da Administração Pública Federal indireta e submetida a regime autárquico especial” (artigo 8º), tendo como órgão máximo o Conselho Diretor (artigo 8º, § 1º). Ficou “[...] caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira” (artigo 8º, § 2º). Para completar foi, ainda, prevista para “[...] atuação como autoridade administrativa independente, assegurando-se-lhe nos termos desta lei, as prerrogativas necessárias ao exercício da sua competência” (artigo 9º). Além disso, ficou assentado, no artigo 19, que: À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade, publicidade. Do mesmo artigo da lei consta, em 31 incisos, um roteiro amplo de estruturação da política nacional de telecomunicações. A lei criadora da Anatel foi proposta por longa exposição de motivos quanto às competências inovadoras, inclusive o de administrar o espectro de radiofreqüências, declarado, pela mesma lei, como “bem público”, portanto incluído entre os bens da União, na forma do artigo 20, “I” da Constituição. Quando sancionada, a LGT foi solenemente apresentada 7 Diógenes Gasparini (2000, p. 342) assim se manifesta: “Com a implementação da política que transfere para o setor particular a execução dos serviços públicos e reserva para a Administração Pública a regulamentação, o controle e a fiscalização da prestação desses serviços aos usuários e a ela própria, o Governo Federal, dito por ele mesmo, teve a necessidade de criar entidades para promover, com eficiência, essa regulamentação, controle e fiscalização, pois não dispunha de condições para enfrentar a atuação dessas parcerias. Tais entidades, criadas com essa finalidade e poder, são as agências reguladoras. São criadas por lei como autarquia de regime especial recebendo os privilégios que a lei lhes outorga, indispensáveis ao atingimento de seus fins. São entidades, portanto, que integram a Administração Pública Indireta.” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 54 Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ... com bafejos políticos à independência decisória e de ação efetiva, não sujeita às pressões irrazoáveis, populistas ou indecorosas, tão comuns na história brasileira. Consultando doutrinadores dedicados ao Direito Comparado, verifica-se que o legislador brasileiro se inspirou, em parte pelo menos, no modelo norte-americano, em que a empresa privada é regulada pelo Estado, que defende a concorrência. Um ponto relevante, acentuado por diversos tratadistas, é o da abertura de atuação quase legislativa e quase judiciária da agência. Assim, efetivada a inserção da Anatel como órgão autônomo da administração pública e vinculada ao Ministério das Comunicações, na forma do Decreto 2.338, de 7/10/1997, cumpriu com as tarefas iniciais, entre as quais a de fracionar em lotes o Sistema Telebrás e promover a privatização deste, com a Embratel, outra estatal criada para conexões entre longas distâncias, chamando à licitação os interessados nas concessões, em regime público. Assume a concessionária obrigação de universalização dos serviços e obediência à estatal fixação tarifária. Do mesmo processo fez parte a divisão do território nacional em regiões, para operação de empresas em regime privado.8 Contudo, registraram-se veementes protestos quanto à privatização das estatais. Uma das principais motivações foi o noticiado financiamento governamental a empresas nacionais e estrangeiras – geralmente reunidas em consórcios – que, aportando pouco capital próprio, assumiram o controle das estatais montadas com dotações de orçamentos públicos. A propósito, observou Gisela Maria Bester Benitez (2004, p. 148): Um inventário do que já foi feito indica que no plano federal já se privatizaram empresas dos setores petroquímico, siderúrgico, metalúrgico, de fertilizantes e de telecomunicações. E o que é pior: geralmente as privatizações se dão com o auxilio do próprio Estado, que financia a compra de empresas estatais por empresas privadas, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), isto é, com o próprio dinheiro público e a juros módicos, 8 O território nacional foi inicialmente dividido em 3 regiões para as empresas-espelho da telefonia fixa comutada, em 10 regiões para telefonia celular e prevista a amplitude nacional pela telefonia de longa distância. Atualmente, as empresas contam com a possibilidade de ação diversa da inicial, inclusive com a de acesso a todos os cidadãos à rede mundial de computadores (internet), conforme objetivo-garantia discriminado no inciso II do artigo 4º, do Decreto 4.733, de 10/6/2003, que dispõe sobre políticas relativas aos serviços de telecomunicações. Isso se encontra no inciso VII do mesmo artigo: “[...] a organização do serviço de telecomunicações visando à inclusão social”; também é tratado no artigo 3º do mesmo decreto como objetivo geral das políticas para as telecomunicações. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 55 Ezequias Losso bem menores inclusive do que aquele de 12% ao ano até recentemente previsto no art. 192 da CF/88 e nunca respeitado pelo sistema financeiro nacional em relação ao restante da população. É certo que tal liberalidade não alcançou todas as empresas de telefonia organizadas por investidores da iniciativa privada que aderiram ao Plano Nacional de Telecomunicações, na condição de autorizatárias9. Estas, correndo riscos próprios, notadamente as empresas-espelho da telefonia fixa comutada, foram estratégicas para evitar o monopólio das privatizadas, pela promoção da concorrência. 4 QUESTIONAMENTOS DAS FUNÇÕES REGULADORAS E ARBITRAIS DA AGÊNCIA Seguindo na linha de análise, a possibilidade de êxito empresarial na era da informação, garantidas a segurança jurídica e a transparência institucional, constitui fator de credibilidade ao empresário e ao próprio usuário. Essa condição seria mais firme se inserida fosse na Constituição, peça fundamental para as garantias pessoais ante o poder do Estado. A propósito, Paulo Márcio Cruz (2004, p. 121-122) considerou que: Desde o surgimento do Estado Constitucional, os objetivos fundamentais dos textos constitucionais têm sido a regulação do poder político e a garantia da liberdade do cidadão frente a este poder. Não foi, portanto, até época relativamente recente, a finalidade expressa das constituições prever a intervenção do Estado, com detalhes, na ordem econômica estabelecida para a sociedade. A intervenção do Estado na ordem econômica deve ser vista, portanto, com ressalvas. A manutenção de um bom nível de capital e o atendimento ao usuário, com a certeza de continuidade e da modernização constante do serviço contratado, devem balizar-se por critérios técnicos e visíveis. Deve ser objeto de constante reflexão o significado de “serviço adequado”, prevendo-se, no caso da prestação em regime público, a fi- 9 Sabe-se que, pelo menos uma delas, a Global Village Telecom Ltda. (GVT), sediada no Paraná, foi instalada com vultosos recursos aportados por investidores privados. O capital correspondeu à moderna aparelhagem e a equipamentos de infra-estrutura e numerário para o pagamento de mão-de-obra e para o funcionamento de seu sistema na região 2. Essa área corresponde a uma das três regiões em que foi dividido o território nacional para operação de empresas-espelho da telefonia fixa comutada. Acrescentese que, para efeitos da telefonia celular, o País foi dividido, inicialmente, em 10 regiões e prevista a amplitude nacional pela telefonia de longa distância. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 56 Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ... xação de tarifas e preços razoáveis – ou modicidade em sua composição, como constou de decreto – ou ainda de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional. A última expressão do parágrafo anterior, aliás, é a primeira que consta do rol dos notáveis direitos do usuário, formulado no artigo 3º da LGT. Por óbvio, a Anatel, diante da competência (que significa obrigação) que lhe foi atribuída, deve colocar-se a postos para mediar conflitos que possam ameaçar a qualidade dos serviços que fiscaliza, sem esperar que a Justiça seja acionada. Entre as questões, estão as geradas por obstinadas decisões regionais ou municipais que condicionam, ao arrepio da legislação federal e a pretexto de interesse local, a instalação ou funcionamento de estações rádio-base (ERB) de telecomunicações. A primeira visão que se tem da lei e dos decretos que se referem à agência reguladora é que a atividade econômica deve ser tratada com equilíbrio, atendendo simultaneamente aos interesses da União, responsável pelas telecomunicações em todo o território nacional, dos agentes econômicos prestadores de serviços e dos usuários. Por conseguinte, terá legitimidade nas funções apontadas para cuidar da contratação e das relações decorrentes da aplicação de dispositivos legais e contratuais. Digna de apreço é o caráter administrativo da agência. De modo peculiar, assim se manifesta Rafael Bielsa (1964, p. 6. v. 2): […] ‘administrar’ es algo más que ‘ejecutar’, pues si ejecutar es cumplir lo ordenado, administrar es ‘concebir’ y llevar luego a la práctica la concepción o disposición, con criterio de oportunidad, de elección de medios, de economía, de mayor eficiencia etc.10 Relevante, também, foi a nomeação da Anatel como agente de fiscalização das telecomunicações. Esta ficou expressa na LGT: [...] “Art. 20. [...] Parágrafo único. Fica vedada a realização por terceiros da fiscalização da competência da Agência, ressalvadas as atividades de apoio.” Não restou, portanto, a nenhum outro agente público o direito/dever do exercício do papel mencionado, especialmente para o exercício de poder de polícia e necessária fiscalização. De fato, as faculdades da Anatel merecem destaque especial. Como as outras agências, e delas trata Marçal Justen Filho (2002, p. 343), detém: 10 Tradução do autor deste artigo: [...] “‘administrar’ é algo mais que ‘executar’, pois se executar é cumprir o determinado, administrar é ‘conceber’ e levar logo à prática a concepção ou disposição, com critério de oportunidade, de eleição de meios, de economia, de maior eficiência etc.” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. Ezequias Losso 57 [...] poderes de intervenção no domínio econômico (em sentido amplo), o que envolve delegação de poderes regulamentares e atribuição de poderes de polícia para fiscalizar atividades econômicas privadas, inclusive arbitrando litígios entre particulares. O exercício do poder de polícia, aliás, foi reconhecido em decisão liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, em 19/12/2000, quando o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, determinou, em sede de liminar, que fossem suspensos todos os concursos destinados à contratação de pessoal nas agências reguladoras do governo federal. De seu voto constam as seguintes expressões: Inegavelmente, as agências reguladoras atuam com poder de polícia, fiscalizando, cada qual em sua área, atividades reveladoras de serviço público, a serem desenvolvidas pela iniciativa privada. [...] Hão de estar as decisões desses órgãos imunes a aspectos políticos, devendo fazer-se presente, sempre, o contorno técnico. É isso o exigível não só dos respectivos dirigentes – detentores de mandato –, mas também dos servidores – reguladores, analistas de suporte à regulação, procuradores, técnicos em regulação e técnicos em suporte à regulação [...] que, juntamente com os primeiros, hão de corporificar o próprio Estado nesse mister da mais alta importância, para a efetiva regulação dos serviços. [...] Está-se diante da atividade na qual o poder de fiscalização e o poder de polícia se fazem com envergadura ímpar, exigindo, por isso mesmo, que aquele que a desempenhe sinta-se seguro, atue sem receios outros, e isso pressupõe a ocupação de cargo público, a estabilidade prevista no artigo 41 da Constituição Federal.11 Enalteça-se, todavia, a Anatel como órgão regulador constitucional. Nesse aspecto, é oportuno o entendimento de Vital Moreira (1997, p. 36) de que: “[...] o conceito de regulação deve abranger todas as medidas de condicionamento da actividade económica, revistam ou não de forma normativa.” Cumpre, por conseguinte, à Anatel o exercício constante de uma ação positiva, determinante, pois para isso foi criada. Deve articularse em uma nova figuração do Estado. Para Diogo Figueiredo Moreira Neto (2003, p. 74): 11 A ADI em referência foi julgada prejudicada pelo Plenário do STF, em 15/12/2004, tendo como relator o Ministro Moreira Alves, que apontou: “[...] a perda de objeto do presente pedido de declaração de inconstitucionalidade, pois a ação direta visa à ‘declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em tese’; logo, o interesse de agir só existirá, se a lei estiver em vigor.” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 58 Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ... É nesse contexto que a velha intervenção pesada, pró-Estado, se transforma numa intervenção leve, pró-sociedade. O papel do Estado muda: de agente monopolista, concorrente ou regulamentador, torna-se um agente regulador e fomentador. Não se trata de um movimento para chegar ao Estado mínimo, como se poderia pensar, mas torná-lo um Estado melhor. As ações de regulação não devem ser confundidas com meros papéis de regulamentação. Explicam Vital Moreira e Fernanda Maçãs (2003, p. 16): Alguns autores, sob a influência do Direito norte-americano, tendem a identificar autoridade de regulação com autoridades detentoras de poderes regulamentares, com vistas a garantir a ordenação de um dado setor da actividade social. Tal modo de ver as coisas não corresponde ou não traduz a realidade na medida em que a regulação não se identifica com a regulamentação. A regulamentação, ou seja, o estabelecimento de regras de conduta para os regulados, é somente uma das vertentes da regulação, lato sensu, que também abrange a implementação das regras, a sua supervisão e o sancionamento das infracções às mesmas. Não é, contudo, pacífica a doutrina quanto aos poderes da Anatel para regular e regulamentar. Os que a contestam, buscam na Filosofia do Direito os pensamentos clássicos, desde Aristóteles a Montesquieu – defensor da tripartição de poderes. Outros, brandindo o princípio constitucional da legalidade, defendem a opinião de que somente a lei pode instituir regramento comportamental, colocando em foco o inciso II do artigo 5º da Constituição de 1988. Diversos tratadistas expõem pontos de vista favoráveis a uma sensível busca de convergências pontuais. Assim escreveu José Afonso da Silva (1999, p. 113): Hoje, o princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário. Tanto que atualmente, se prefere falar em colaboração de poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do Parlamento (Câmara dos Deputados), enquanto no presidencialismo, desenvolveram-se as técnicas de independência orgânica e harmonia dos poderes. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 59 Ezequias Losso De fato, a teoria da cooperação entre os entes públicos merece reflexões de todos os que foram alçados ao poder. Não é admissível alimentação de fugazes vaidades de quem deve defender, acima de tudo, o bem comum. A coerência no uso do poder é chave para desenvolvimento na era da informação e serviços. Requer-se, portanto, que o exemplo venha do Estado, pois, como pondera Celso Ribeiro Bastos (1981, p. 135): Qualquer que seja a forma ou conteúdo dos atos do Estado, eles são sempre frutos de um mesmo Poder. Daí ser incorreto afirmar-se a tripartição de ‘Poderes’ estatais, a tomar essa expressão ao pé da letra. É que o Poder é sempre um só, qualquer que seja a forma por ele assumida. Todas as manifestações de vontade, emanadas em nome do Estado reportam-se sempre a um querer único que é próprio das organizações estatais. Sendo poder do Estado um só e a eficiência um dever da administração, analise-se o papel da Anatel nesse contexto. 5 POSSÍVEIS REFLEXOS DE INDETERMINAÇÕES DO ÓRGÃO REGULADOR NA EFICIÊNCIA EMPRESARIAL A eficiência na prestação de serviços de setores da infra-estrutura, em que se encontra o de telecomunicações, incluída a telefonia, foi a principal razão para que se promovesse a mudança do papel do Estado provedor para o do Estado regulador. Constatou-se, já na década de 1970, que a indústria de rede12 da telefonia passava por um momento de transformação. O Estado do Paraná, governado por Jaime Canet Junior, ao que se recorda, patrocinou mais de uma centena de ERBs em sedes e distritos de municípios, vinculandoas à telefonia fixa. A iniciativa permitiu a prosperidade, na medida em que estabeleceram ramais da estação, o que passou a ser o embrião de sistemas integrados ao circuito nacional e internacional de comunicação. Apesar da grandiosidade do projeto nacional de investimentos no setor, as exigências dos usuários, em face das novas tecnologias causaram atropelos econômicos em fins do século passado. Houve a atuação de empresas concessionárias, geralmente privadas, e a adesão de permissionárias e autorizatárias com capital de particulares. Como a 12 As indústrias de rede requerem investimentos com retorno incerto, por serem imprevisíveis a demanda e a obrigação de continuidade. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 60 Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ... regulação e a regulamentação passaram a ser fundamentais para a ordem concorrencial e garantia da eficiência do serviço, a ação da Anatel revestiu-se de relevância. Não se pode negar que faltou celeridade em processos decisórios e certa indiferença do órgão regulador/fiscalizador. Servem como exemplos: a) a demora no definitivo regulamento sobre a limitação da exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos na faixa de radiofreqüências entre 9 KHz e 300 GHz, objeto da Resolução 303, de 2/7/2002; b) a indiferença em marcar presença diante de públicas oposições locais à aplicação da tecnologia de radiofreqüências, tendo como vieses a defesa de interesses locais, inclusive a especulação imobiliária. No tocante à impassividade, registra-se a resposta da Anatel a Juízo Federal de Brasília-DF. Na informação, apesar da norma constante da LGT: “Art. 9º A Agência atuará como autoridade administrativa independente, assegurando-se-lhe, nos termos desta Lei, as prerrogativas necessárias ao exercício adequado de sua competência”, expressou seu desinteresse de constar, como parte ou assistente em ação para sustar decisão prefeitoral, de uma cidade de densa população da região metropolitana de Porto Alegre. Esclareça-se que agente político local determinara o desmantelamento da única ERB, essencial para a prestação de serviço de empresa de telecomunicações – instalada em torre própria, pois lhe foi negado o compartilhamento em torre de concorrente. Não considerou a procuradoria da autarquia os direitos de empresa da autorizada e de seus usuários, tampouco que a montagem e o funcionamento da estação estavam em perfeita sintonia com as diretrizes da Anatel, pois: a) observadas estavam as normas técnicas e de engenharia pertinentes, bem como as leis federais, estaduais e municipais vigentes: b) existia autorização para uso de radiofreqüência e emissão das ondas eletromagnéticas, como ato vinculado a termo específico, firmado em resultado de licitação; c) usavam-se equipamentos homologados pela Anatel, na forma da lei; d) havia expedição de licença para funcionamento, por competente seção da agência. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. Ezequias Losso 61 Em casos como esse – resultantes de interpretação municipal de ofensa a duvidoso interesse local da coletividade – se concretizada a ameaça, cabe indagar: quem arcará com os prejuízos empresariais e patrimoniais das partes envolvidas? Quem, enfim, reparará os danos, inclusive morais dos adquirentes de terminais telefônicos? Na hipótese de generalizar-se o quadro de instabilidade, por arbitrariedades locais e omissão da agência, a tendência natural é a empresa se afastar ou não agir com a melhor técnica por justo receio de prejuízos, comprometendo o interesse da função social das telecomunicações, como previsto em lei. Portanto, em caso de cerceamento, pode ocorrer a justificável opção pelo afastamento da operadora. Estará notória a falha de mercado – como conceituada na teoria econômica. 6 CONCLUSÃO Nesta ligeira análise foram levantados alguns pontos que mostram a complexidade do assunto. Como o Brasil apresenta características peculiares na atual fase da globalização capitalista, enraizadas em hábitos próprios da sua formação sociológica, não é simples a organização ideal, isenta de jogos de interesse por parte de agentes políticos, atores empresariais e de oportunistas. Na mudança do estatismo para o dirigismo, o legislador foi diligente, e até exaustivo, no desenho da nova Política Nacional de Telecomunicações. O presidente da República, tanto o anterior como o atual, produziram textos de decretos apropriados. Entre os atos mais recentes está o anunciado no mês de agosto de 2006 de criação da Secretaria de Inclusão Digital, do Ministério das Comunicações, como anunciado pelo Ministro Helio Costa, que também noticiou a liberação de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUSTEL), de até 60 milhões de reais. Enquanto isso, apesar do sempre necessário aperfeiçoamento da legislação pertinente, o ferramental disponível à Anatel parece ser legítimo, para que ela exerça, eficazmente, a função reguladora e arbitral, na solução de conflitos entre agentes econômicos do setor e usuários, ressalvadas as atribuições do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). É possibilitado, também, noticiar a delimitação das competências, quando cientificada de interferências de terceiros (de Estados, municípios ou entes outros). Nada impede a Anatel de recorrer, com independência, ao Poder Judiciário, em caso de usurpação de autoridade dela. Para Vital Moreira e Fernanda Maçãs (2003, p. 29-30): R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 62 Influência das Diretrizes Regulatórias e da Arbitragem Estatal ... As autoridades reguladoras devem garantir a neutralidade política da gestão administrativa que desempenham, assegurando que o setor sobre o qual actuam se desenvolva de acordo com suas próprias regras, as regras e os critérios técnicos do setor em causa. É de esperar que a Anatel tome medidas para: a) esclarecer aos agentes públicos e operadores do Direito as delimitações de competências, de modo a evitar empecilhos à instalação e(ou) ao funcionamento de sistemas homologados; b) mais efetiva assunção da função de arbitramento, em nome do equilíbrio do sistema, contrapondo-se a medidas anticompetitivas; c) abertura para maior participação ativa de representes da sociedade, consultando unidades de ensino, especialmente as de terceiro grau e de pós-graduação, assim como de órgãos representativos das comunidades prestadoras e consumidoras de serviços de telecomunicações; d) aperfeiçoamento de canal de relação direta com as prestadoras de serviços, de modo a captar eventuais problemas na eficiência econômica e operacional, dando-lhes respostas céleres e embasadas. Assim, com estabilidade, transparência, garantia concorrencial e com neutralidade – que não deve ser confundida como vacilação ou omissão –, entre outras qualificações mercadológicas, expressas ou implícitas, poderá ser incentivada a expansão dos investimentos necessários e convenientes à aplicação de novas tecnologias. Por conseguinte, será bem desenvolvida a função social do serviço de interesse coletivo, como é definido o serviço de telecomunicações na Lei 9.472/97. Assevere-se, finalmente, que em telecomunicações – assim como em outros setores que requerem avanços tecnológicos – qualquer vacilação ou disparidade na condução do processo pode tornar-se um fator de incerteza e, por decorrência, propiciar um cenário estático, ou de fusões e incorporações digressivas da estratégia constitucional da livre concorrência, conseqüentemente, dos lesivos monopólios. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 63 Ezequias Losso REFERÊNCIAS BENITEZ, Gisela Maria Bester. 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Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 45-64, 2006. 65 Maristela Basso EXCEÇÕES E LIMITAÇÕES AOS DIREITOS DO AUTOR E OBSERVÂNCIA DA REGRA DO TESTE DOS TRÊS PASSOS (THREE STEP TEST) THE RULE OF THE THREE STEP TEST: ENFORCEMENT IN BRAZIL LA REGLA DEL “THREE STEP TEST” EN EL BRASIL MARISTELA BASSO ___________________________________________________________ Livre-docente da Faculdade de Direito da USP R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. 66 Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ... R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. Maristela Basso 67 SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 RELAÇÃO ENTRE O SISTEMA INTERNACIONAL E O MARCO LEGAL BRASILEIRO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS: APLICAÇÃO DA DOUTRINA DA INTERPRETAÇÃO CONSISTENTE. 3 EQUILÍBRIO SISTÊMICO DOS SISTEMAS NACIONAL E INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS: DIREITOS EXCLUSIVOS DOS AUTORES E REGRA DO TESTE DOS TRÊS PASSOS (THREE-STEP TEST). 4 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO E REGRA DO TESTE DOS TRÊS PASSOS: PADRÃO PARA AVALIAÇÃO DAS LIMITAÇÕES/EXCEÇÕES AOS DIREITOS DOS AUTORES. 5 APLICAÇÃO DAS EXCEÇÕES/LIMITAÇÕES AOS DIREITOS DE AUTOR NO ÂMBITO DA INTERNET. 6. CONCLUSÃO. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. 68 Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ... RESUMO A Convenção de Berna, concluída em 1886 e revisada em algumas outras ocasiões, fundou o sistema internacional de proteção dos direitos autorais. O propósito desse sistema é a proteção, de maneira tanto quanto possível, eficaz e uniforme dos direitos dos autores sobre suas respectivas obras literárias e artísticas, promovendo a inovação por intermédio do bloqueio de atividades de apropriação de obras protegidas. O sistema de Berna foi profundamente influenciado pela doutrina francesa do droit d´auteur que, por sua vez, tem como fundamentos básicos a doutrina do direito natural. A proteção prevista nos instrumentos internacionais visa à proteção das obras contra atos de apropriação direta e indireta. Historicamente, o cerne da tutela dos interesses dos titulares de direitos autorais é o direito exclusivo de reprodução, mas não se restringe a ele, abrangendo os direitos de tradução, adaptação e modificações gerais, entre outros. A LDA, em seu título III, capítulo III, reflete a lógica do sistema internacional de resguardar os interesses econômicos dos titulares de direitos autorais contra apropriação direta e indireta de suas obras. Nesse capítulo, a LDA regula os direitos patrimoniais dos autores e, conseqüentemente, as prerrogativas investidas nos titulares de direitos autorais em relação às suas obras, possibilitando-lhes extrair benefícios financeiros por seus esforços e divulgação de seus trabalhos ao público. Palavras-chave: direito de autor; reprodução, cópia. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. 69 Maristela Basso ABSTRACT The Convention of Bern, ended in 1886 and revised in some other occasions, it founded the international system of protection of the copyrights. The purpose of that system is the protection, in way as much as possible, effective and uniform of the authors’ rights on their respective literary and artistic works, promoting the innovation through the blockade of activities of appropriation of protected works. The System of Bern was deeply influenced by the french doctrine of droit d´auteur that has as basic foundations the doctrine of the natural right. The protection foreseen in the international instruments seeks to the protection of the works against actions of direct and indirect appropriation. Historically, the duramen of the protection of the title-holders’ of copyrights interests is the exclusive right of reproduction, but he/she doesn’t limit to him, also including the translation rights, adaptation and general modifications, among others. LDA, in title III, chapter III, reflects the logic of the international system of protecting the title-holders’ of copyrights economical interests against direct and indirect appropriation of their works. In that chapter, LDA regulates the authors’ patrimonial rights and, consequently, the prerogatives invested in the title-holders of copyrights in relation to their works, making possible to extract them financial benefits for their efforts and popularization of their works to the public. Keywords: copyrights, Berna Convention, TRIPS- WTO. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. 70 Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ... RESUMEN La Convención de Berna, concluida en 1886 y revisada en algunas otras ocasiones, fundo el sistema internacional de protección de los derechos de autor. El propósito de este sistema es la protección, de manera tanto cuanto posible, eficaz y uniforme de los derechos de los autores sobre sus respectivas obras literarias y artísticas, promoviendo la innovación por intermedio del bloqueo de actividades de apropiación de obras protegidas. El Sistema de Berna fue profundamente influenciado por la doctrina francesa del droit d´auteur que, a su vez, tiene como fundamentos básicos la doctrina del derecho natural. La protección prevista en los instrumentos internacionales visa la protección de las obras contra actos de apropiación directa e indirecta. Históricamente, el núcleo de la tutela de los intereses de los titulares de derechos de autores es el derecho exclusivo de reproducción, pero no se restringe a el, abarcando también los derechos de traducción, adaptación y modificaciones generales, entre otros. La LDA, en su título III, capítulo III, reflecte la lógica del sistema internacional de resguardar los intereses económicos de los titulares de derechos de autor contra apropiación directa e indirecta de sus obras. En este capítulo, la LDA regula los derechos patrimoniales de los autores y, consecuentemente, las prerrogativas investidas en los titulares de derechos de autores en relación a sus obras, posibilitándoles extraer beneficios financieros por sus esfuerzos y divulgación de sus trabajos al público. Palabras clave: derecho de autor, reproducción, ADIPIC-OMC. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. Maristela Basso 71 1 INTRODUÇÃO A natureza das exceções aos direitos de autor deve ser considerada, primeiramente, à luz da Convenção de Berna para a proteção das obras literárias, artísticas e científicas (1886), cujas regras servem hoje de base para todas as exceções aos direitos de propriedade intelectual nos tratados concluídos depois dela e cujos princípios e fundamentos foram revigorados no Acordo OMC/TRIPS. Da mesma forma, a Convenção de Berna é base dos principais modelos de exceções e limitações aos direitos autorais contidos nas legislações domésticas. A norma geral contida na Convenção de Berna, conhecida como a regra do three-step test, guia os legisladores nacionais (e demais intérpretes do Direito) com relação ao direito de “reprodução” por terceiros. Esse teste autoriza exceções/limitações ao direito de autor e, por conseguinte, o direito de reprodução por terceiros não autorizados apenas nas seguintes hipóteses: a) em certos casos especiais; b) que não conflitem com a exploração comercial normal da obra; c) não prejudiquem injustificadamente os legítimos interesses do autor. 2 RELAÇÃO ENTRE O SISTEMA INTERNACIONAL E MARCO LEGAL BRASILEIRO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS: APLICAÇÃO DA DOUTRINA DA INTERPRETAÇÃO CONSISTENTE A doutrina da interpretação consistente (doctrine of consistent interpretation) é uma regra de hermenêutica de normas legais nacionais, cuja gênese seja internacional. Segundo essa doutrina1, quando uma norma local permitir diferentes interpretações, esta deverá ser interpretada em consonância com as obrigações internacionais pertinentes à ma- 1 PRINSSEN, Jolande M. Domestic legal effects of EU criminal law: a transfer of EC law doctrines?, p. 7. Artigo apresentado na Conferência “Interface between EU and National Law”, Universidade de Amsterdã, fev. 2006. Disponível em: <http:// w w w. j u r. u v a . n l / i n t e r f a c e / o b j e c t . c f m / o b j e c t i d = A 2 F 4 A 7 7 9 - E 2 7 8 - 4 F E 3 97EE7C5D1701C657/download=true>. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. 72 Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ... téria2, possibilitando-se uma relação harmônica do sistema jurídico nacional com o internacional, bem como a realização concreta do princípio do pacta sunt servada3 que, necessariamente, deve ser observado por todos os órgãos estatais, inclusive pelo Poder Judiciário4. No campo das relações comerciais internacionais, a aplicação da doutrina da interpretação consistente ainda traz a vantagem pragmática de minimizar os riscos do Estado brasileiro vir a ser alvo de litígios internacionais perante o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), da Organização Mundial do Comércio (OMC), e de retaliações comerciais. O Brasil, na qualidade de país membro da OMC, assumiu a obrigação de prover (em seu território), aos titulares brasileiros e estrangeiros de direitos autorais, proteção efetiva, de acordo com os patamares mínimos de proteção estabelecidos no Acordo ADPIC/TRIPS (Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights), parte integrante do Acordo Constitutivo da OMC, que se encontra em vigor e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 1.3555. Os patamares de proteção previstos no Acordo TRIPS, no que concerne à proteção dos direitos autorais, foram construídos sobre a estrutura da Conven- 2 3 4 5 A doutrina da interpretação consistente foi introduzida, em 1804, pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em decisão proferida no caso Charming Betsy. O Juiz Marshall frisou que “[...] uma lei aprovada pelo Congresso nunca deve ser interpretada de forma a violar o direito das gentes, sempre que for possível.” A Corte Européia de Justiça, no mesmo sentido, dá à legislação comunitária européia (quando esta está sujeita a mais de uma interpretação), tanto quanto possível, uma interpretação que seja consistente com os acordos internacionais de que seja parte a Comunidade Européia (Commission v. Federal Republic of Germany, C-61/94, 1996). A Suprema Corte da Suíça, em 1968, em Frigero v. EVED, também decidiu que a norma nacional deverá ser aplicada e interpretada de acordo com as obrigações internacionais pertinentes, sempre que houver dúvidas sobre a interpretação que deva ser dada às normas locais. (ABBOT, Frederick; COTTIER, Thomas; GURRY, Francis. The international intellectual property system: commentary and materials – part one. The Hague, Kluwer Law International, p. 558-560, 1999). A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados determina, em seu artigo 26, o conteúdo do princípio do pacta sunt servanda: “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé.” ABBOT, Frederick; COTTIER, Thomas; GURRY, Francis. The international intellectual property system: commentary and materials – part one. The Hague, Kluwer Law International, p. 560-561, 1999. Decreto 1.355, de 30/12/1994, que promulga a ata final que incorpora os resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. Maristela Basso 73 ção de Berna relativa à proteção das obras literárias e artísticas6, conforme o artigo 9º do Acordo TRIPS, da OMC, que dispõe: “Os membros cumprirão o disposto nos artigos 1º a 21 e no Apêndice da Convenção de Berna (versão de 1971).” Uma vez aprovados e promulgados, respectivamente, pelo Congresso Nacional e chefe do Poder Executivo, os referidos acordos internacionais passam a integrar o sistema jurídico brasileiro com o status de lei ordinária, tendo aplicação direta e imediata. Além do Acordo TRIPS e da Convenção de Berna, o regime jurídico brasileiro de proteção dos direitos autorais é ainda composto da Lei 9.610, de 19/2/1998 (Lei de Direitos Autorais – LDA), a qual regulamenta, em âmbito doméstico, a Convenção de Berna e a seção I, da parte II, do Acordo TRIPS e a Constituição Federal (artigo 5º, XXVII). O regime jurídico brasileiro de proteção dos direitos autorais é composto de dispositivos legais de gênese internacional, notadamente, a Convenção de Berna e o Acordo TRIPS, bem como de dispositivos de origem nacional – a Constituição Federal do Brasil e a LDA. Com o objetivo de que a aplicação da LDA não infrinja os direitos dos titulares de direitos autorais decorrentes dos tratados internacionais, preservandose, pois, o equilíbrio sistêmico que visa ao estabelecimento de um regime que proteja, de um lado, os interesses materiais e morais dos titulares dos direitos autorais (com vistas a fomentar a produção intelectual e científica) e, do outro, os interesses do público de acesso a obras protegidas, o operador/intérprete do Direito deve, em conformidade com a doutrina da interpretação consistente, interpretar, observar e aplicar os dispositivos da LDA e da Constituição Federal, em consonância com o estabelecido nos tratados internacionais. Sob essa ótica, a Convenção de Berna e o Acordo TRIPS são os cânones de interpretação e aplicação das limitações aos direitos autorais arroladas no artigo 46 e seguintes da LDA. Ou seja, as limitações previstas na LDA devem se conformar aos patamares mínimos de proteção dos direitos autorais fixados pela Convenção de Berna e Acordo TRIPS. 6 O Decreto 75.699, de 6/5/1975, promulga a Convenção da União de Berna – versão revista em Paris (24/6/1971). R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. 74 Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ... 3 EQUILÍBRIO SISTÊMICO DOS SISTEMAS NACIONAL E INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS: DIREITOS EXCLUSIVOS DOS AUTORES E REGRA DO TESTE DOS TRÊS PASSOS (THREE-STEP TEST) A Convenção de Berna, concluída em 1886 e revisada em algumas outras ocasiões7, fundou o sistema internacional de proteção dos direitos autorais. O propósito desse sistema é a proteção, de maneira tanto quanto possível, eficaz e uniforme dos direitos dos autores8 sobre suas respectivas obras literárias e artísticas9, promovendo, pois, a inovação por intermédio do bloqueio de atividades de apropriação de obras protegidas. O sistema de Berna foi profundamente influenciado pela doutrina francesa do droit d´auteur que, por sua vez, tem como fundamentos básicos a doutrina do direito natural. A proteção prevista nos instrumentos internacionais visa à proteção das obras contra atos de apropriação direta (reprodução textual e literal, por exemplo, de uma obra literária, comunicação ao público de obra protegida) e indireta10 (adaptação, arranjos e outras transformações da obra original – artigo 12 da Convenção de Berna). Historicamente, o cerne da tutela dos interesses dos titulares de direitos autorais é o direito exclusivo de reprodução, mas não se restringe a ele, abrangendo também os direitos de tradução, adaptação e modificações gerais, entre outros. A LDA, em seu título III, capítulo III, reflete a lógica do sistema internacional de resguardar os interesses econômicos dos titulares de direitos autorais contra apropriação direta e indireta de suas obras. Nesse capítulo, a LDA regula os direitos patrimoniais dos autores e, conse- 7 A respeito da Convenção de Berna para a proteção das obras literárias e artísticas de 1886, vide BASSO, Maristela. O direito internacional da propriedade intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2000. p. 90 e ss. 8 O artigo 11 da LDA define autor como “[...] a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.” 9 Preâmbulo da Convenção de Berna, revisão de Paris (1971). 10 LADAS, Stephen P. The international protection of literary and artístic propert. In: International copyright and inter-american copyright. New York: The Macmillan Company, 1938. p. 566-570. v. 1. No mesmo sentido, ver CORNISH, William; LLEWELYN, David. Intellectual property: patents, copyright, trade marks and allied rights. 5th ed. London: Sweet & Maxwell. p. 420 e 422. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. Maristela Basso 75 qüentemente, as prerrogativas investidas nos titulares de direitos autorais em relação às suas obras, possibilitando-lhes extrair benefícios financeiros por seus esforços e divulgação de seus trabalhos ao público. A fim de aclarar com exemplos legais concretos o que ora se afirma, reproduzem-se alguns dispositivos da LDA, os quais corporificam o referido princípio geral de proteção contra apropriação direta e indireta de obras protegidas: Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica. Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como11: I - a reprodução parcial12 ou integral13 (a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível), incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido; [...] VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica; [...] IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero; 11 Os poderes investidos pela LDA nos autores são meramente exemplificativos. Foi acordada, durante as negociações de Estocolmo, a inserção na Convenção de Berna de um dispositivo que reconhece o direito de reprodução investido nos autores. Sobre a definição do que cabe dentro do direito de reprodução, o Comitê Negocial reconheceu que o direito de reprodução abrange tanto a reprodução parcial quanto integral de obras protegidas. (BERGSTRÖM, Svante. Report on the Work of Main Committee I (substantive provisions of Berne Convention: articles 1 to 20). Records of the Intellectual Property Conference of Stockholm, June 11 to July 14, v. 2, p. 291, 1967. 13 Artigo 9.1 da Convenção de Berna, revisão de 1971: “Os autores de obras literárias e artísticas protegidas pela presente Convenção gozam do direito exclusivo de autorizar a reprodução destas obras, de qualquer modo ou sob qualquer forma que seja.” A LDA, já flexibilizada para abarcar situações infratoras aos direitos autorais no âmbito virtual, define “reprodução” como “[...] a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido” (artigo 5º, VI). Logo, reprodução não mais se limita à reprodução tangível de obras protegidas. O armazenamento, mesmo que permanente, de obras protegidas em meios eletrônicos caracteriza também uma reprodução para fins legais. 12 R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. 76 Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ... X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas14; Art. 33. Ninguém pode reproduzir obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, sem permissão do autor (grifo nosso). Ademais, o sistema internacional de proteção dos direitos autorais visa alcançar um equilíbrio entre os interesses privados (dos autores e empresas, cujas atividades dependem desses direitos) e públicos de acesso às obras protegidas. Nesse sentido, a Convenção de Berna e o Acordo TRIPS autorizam seus Estados partes a “[...] estabelecerem limitações aos direitos patrimoniais dos autores com vistas à promoção de determinadas políticas públicas.” A norma geral do teste dos três passos (three-step test), que regula e norteia as limitações aos direitos exclusivos dos autores, foi introduzida na Convenção de Berna, em 1967, durante a revisão de Estocolmo, estando atualmente prevista no artigo 9.2 da Convenção de Berna (revisão de Paris) e no artigo 13 do Acordo TRIPS, conforme se lê: 2) Às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor. (artigo 9.2 da Convenção de Berna). Os membros restringirão as limitações ou exceções aos direitos exclusivos a determinados casos especiais, que não conflitem com a exploração normal da obra e não prejudiquem injustificavelmente os interesses legítimos do titular do direito (artigo 13 do Acordo TRIPS – grifo nosso). 14 Na atualidade do Direito, nacional e internacional, são reservados aos titulares de direitos autorais, com exclusividade, todos os atos de reprodução de um trabalho, tanto direta quanto indiretamente, de qualquer maneira ou forma, incluindo o armazenamento digital; qualquer digitalização de uma obra protegida, upload ou download de obras de um servidor para outro, cópias incidentais criadas no curso do uso de um computador. Nesse sentido, ver GUIBAULT, Lucie. Discussion paper on the question of exceptions to and limitations on copyright and neighbouring rights in the digital era. Council of Europe, Oct. 1998. Disponível em: <http://www.ivir.nl/publications/guibault/finalreport.html#note75>. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. Maristela Basso 77 Até a adoção da regra do teste dos três passos, os Estados partes da Convenção de Berna adotavam um sem-número de limitações aos direitos autorais que, não raramente, esvaziavam os direitos patrimoniais dos titulares de direitos autorais. Um dos objetivos das negociações de Estocolmo foi o de estabelecer uma regra que fosse cumprida por toda e qualquer limitação aos direitos autorais, ou seja, os Estados partes da Convenção de Berna manteriam a discricionariedade para estabelecer exceções aos direitos autorais. Entretanto, estas necessariamente deveriam preencher as condições fixadas pelo artigo 9.2 da Convenção de Berna. O exame dos anais das negociações de Estocolmo esclarece que o fundamento do teste dos três passos é o de impedir que as obras reproduzidas sob os auspícios das limitações aos direitos autorais entrem em competição, direta ou indireta, com a obra introduzida no mercado diretamente ou com o consentimento do titular de direitos autorais.15 A questão que se insurge é: qual seria a razão da transposição/ repetição do teste dos três passos da Convenção de Berna para o Acordo TRIPS? No âmbito de Berna, o teste dos três passos é aplicável apenas às limitações ao direito de reprodução. O Acordo TRIPS, por sua vez, expande o escopo de aplicação do teste dos três passos para todas as limitações aos direitos exclusivos dos titulares de direitos autorais, ou seja, mesmo as limitações explicitamente arroladas na Convenção de Berna – as exceções jure conventionium – deverão ser avaliadas pelo teste dos três passos, antes de serem observadas no caso concreto. Conseqüentemente, todas as limitações aos direitos patrimoniais dos titulares de direitos autorais arrolados no título III, capítulo III da LDA deverão passar pelo crivo do teste dos três passos antes de sua aplicação; daí porque o Brasil, na condição de signatário tanto da Convenção de Berna quanto do Acordo TRIPS, deve pautar a aplicação das limitações (exceções) aos direitos autorais previstas na LDA ao teste dos três passos. Corroborando tal interpretação, pode-se identificar o conteúdo do teste dos três passos de modo claro no artigo 46, VIII, da LDA que dispõe: 15 UNCTAD-ICTSD. Resource book on TRIPS and development, USA, Cambridge University Press. p. 192. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. 78 Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ... [...] a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova16 e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores. (grifo nosso). A regra do teste dos três passos reflete a necessidade de se manter o equilíbrio entre os direitos dos autores e o interesse do grande público, isto é, interesses relacionados à educação, pesquisa e acesso à informação.17 À luz da doutrina da interpretação consistente, o teste dos três passos é a diretriz que deve ser empregada pelo operador/intérprete/ aplicador da LDA para a definição do escopo das limitações e sua aplicação, no caso concreto, a fim de não se causar um prejuízo injustificado aos interesses legítimos dos autores e empresas, cujas atuações sejam intimamente dependentes dos direitos autorais e, por último, mas não menos importante, para não se infringir obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, cujo desrespeito pode sujeitá-lo a retaliações comerciais no âmbito do sistema da OMC. Nesse sentido é o entendimento da OMC, conforme relatório do Painel no caso United States – Section 110(5) of US Copyright Act (DS 160). Deve-se deter, ainda que em passos largos, na decisão do Órgão de Solução de Controvérsias, da OMC. 4 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO E REGRA DO TESTE DOS TRÊS PASSOS: PADRÃO PARA AVALIAÇÃO DAS LIMITAÇÕES/EXCEÇÕES AOS DIREITOS DOS AUTORES Em 26/1/1999, imediatamente após a aprovação pelo Congresso norte-americano da Lei Fairness in Music Licensing Act, que emenda o US Copyright Act (lei de direitos autorais dos EUA), a Comunidade Européia18 iniciou o processo de consultas aos EUA, com a finalidade de dis- 16 “A reprodução de pequenos trechos de obras preexistentes, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova” constitui alegadamente um caso especial, nos termos da Convenção de Berna e Acordo TRIPS. 17 GUIBAULT, Lucie. Discussion paper on the question of exceptions to and limitations on copyright and neighbouring rights in the digital era. Council of Europe, Oct. 1998. Disponível em: <http://www.ivir.nl/publications/guibault/final-report.html#note75>. 18 Na linguagem da OMC, a União Européia é designada como Comunidade Européia. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. Maristela Basso 79 cutir a legalidade da referida legislação em face do Acordo TRIPS, notadamente, em relação ao teste dos três passos (artigo 13). Pela falta de acordo entre as partes, a Comunidade Européia solicitou à OMC a instauração de Painel especial, cuja função foi a de analisar, especificamente, se as exceções aos direitos exclusivos dos autores, previstas na seção 110 (5), alíneas A e B, do US Copyright Act, emendada em 1998, estavam em consonância com o artigo 13 do Acordo TRIPS. As disposições norte-americanas autorizavam, respectivamente: pequenas empresas locais a transmitirem publicamente, por meio de aparelhos de televisão e rádios, programas, vídeos, musicais, músicas, enfim obras de entretenimento para seus clientes, sem o recolhimento de taxas (homestyle exception); condução das mesmas atividades por “certas empresas de pequeno porte” (business exception). Em junho de 2000, a OMC publicou relatório19 avaliando a demanda proposta pela Comunidade Européia contra os Estados Unidos, baseada na infração do artigo 13 do Acordo TRIPS pela seção 110(5) do US Copyright Act. O Painel considerou que o teste dos três passos é a norma-padrão para avaliação da legalidade das limitações aos direitos autorais fixadas pelos Estados membros da OMC. Dessa forma, considerou infração ao artigo 13 do Acordo TRIPS a limitação business exception, que eximia do pagamento de taxas de licenciamento os atos de transmissão de obras protegidas em um número relevante de estabelecimentos comerciais. A limitação homestyle exception, por sua vez, ao eximir apenas uma parcela comercialmente insignificante de estabelecimentos comerciais, foi considerada legítima. Um dos aspectos mais interessantes do relatório do Painel é o reconhecimento de que toda e qualquer exceção/limitação aos direitos autorais, para ser legal, no âmbito do sistema internacional de comércio, deverá sempre passar pelo crivo do teste dos três passos, incluindo-se mesmo aquelas exceções previstas textualmente na Convenção de Berna.20 Tendo em vista que essa foi a primeira vez que a regra do teste dos três passos foi avaliada por uma autoridade intergovernamental (OMC), desde seu estabelecimento em 1967 pela revisão à Convenção de Berna, entende-se que deve ser seguida a interpretação dada pela OMC, no que concerne às limitações/exceções aos direitos autorais. 19 O relatório do caso DS 160 está disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/ dispu_e/cases_e/ds160_e.htm>. 20 OLIVER, Jo. The panel decision on the three-step test. Columbia Journal of Law & the Arts, Nova York, Winter 2002. (Copyright in the WTO). R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. 80 Exceções e Limitações aos Direitos do Autor e Observância ... 5 APLICAÇÃO DAS EXCEÇÕES/LIMITAÇÕES AOS DIREITOS DE AUTOR NO ÂMBITO DA INTERNET O US Digital Millenium Copyrigth Act (1998) introduziu uma camada completamente diferente de direitos: direito de acesso. O que esse novo direito ocasiona como mudança na aplicação das exceções aos direitos de autor? O que se entende por justo manuseio da obra de outrem e acesso à obra? Se for possível, desde já, admitir uma premissa fundamental de raciocínio, o fair use refletirá um conjunto apropriado de critérios para determinar o equilíbrio entre os direitos dos titulares e as necessidades e interesses do usuário. O fair use é uma limitação aos direitos do autor, ou seja, um teste para determinar se o uso do material protegido por tais direitos, enquanto não autorizado pelo titular, constitui ou não ato de violação. O unfair use ou uso não justificado, portanto, é o que fere os direitos protegidos pelo direito de autor. Implica todo uso que não preenche as etapas do three-step test, isto é, não se caracteriza como uso especial/excepcional; interfere na exploração comercial normal da obra; causa prejuízo injustificado aos interesses legítimos do titular do direito. Em outras palavras, qualquer uso que venha a reduzir, comprovada e consideravelmente, os benefícios financeiros que o titular do direito poderia “razoavelmente” obter sob circunstâncias comerciais normais seria, então, “injusto”, sem autorização. Certamente, é fundamental verificar o modo pelo qual podem ser mensuradas a “irrazoabilidade” (considerando-se o “prejuízo injustificado”) e a “ingerência” sobre a exploração comercial normal da obra. A questão que se levanta não deve ser apenas se o usuário ganhou “valor” por ter deixado de remunerar o titular do direito pelo uso feito, mas se o usuário teria obtido o material desejado por meio de uma transação comercial qualquer. Não há dúvida de que o autor tem direito sobre qualquer uso significativo do ponto de vista comercial – uso que normalmente seria objeto de uma transação comercial. Em síntese, a abordagem aqui sugerida tem a vantagem de ser compatível com os tratados internacionais vigentes sobre a matéria de direitos de autor e com os direitos domésticos que podem ser considerados na vanguarda das questões relacionadas ao direito de autor e ao uso da obra para fins transformativos. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. 81 Maristela Basso Toda vez que um dos steps da regras dos três passos for infringido, não se dirigindo o uso da obra para fins de interesse público21, estaremos diante de violação aos direitos fundamentais dos autores de auferirem benefícios por meio de seus trabalhos, consoante o disposto no artigo 5º, incisos XVII22 e XXIX23, da Constituição Federal de 1988. CONCLUSÃO* REFERÊNCIAS* 21 Hipóteses que não visam à informação ao consumidor (objetivo político/de interesse público). “Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: I - a reprodução: a) na imprensa diária ou periódica, de notícias ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinado, e da publicação de onde foram transcritos [...]”. 22 “Aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras [...]”. 23 “A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade de marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos [...]”. (*) Nota da Editoria: a autora apresenta seu texto como já sendo conclusivo. (*) Nota da Editoria: a autora preferiu manter as referências apenas em notas de rodapé. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 65-81, 2006. 82 Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ... R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva 83 POSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA NO INSTITUTO DA ARBITRAGEM* POSSIBILITY OF AN ANTICIPATED COGNIZANCE CONCESSION IN THE ARBITRATION INSTITUTE POSIBILIDAD DE LA CONCESIÓN DE LA TUTELA ADELANTADA EN EL INSTITUTO DEL ARBITRAJE ROGÉRIO MONTAI DE LIMA ___________________________________________________________ Mestrando em Direito dos Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social (Universidade de Marília), Especialista em Direito Empresarial pela UEL, Advogado MARCELO DE OLIVEIRA SILVA ___________________________________________________________ Acadêmico do 5º ano do Curso de Direito da Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA), Estagiário de Direito inscrito (129.758-E) na OAB/SP (*) Nota da Editoria: artigo inédito na forma impressa (foi publicado em formato eletrônico no sítio: <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=190&categoria=Arbitragem>). R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. 84 Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ... R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva 85 1 INTRODUÇÃO. 2 ASPECTO GERAL DA TUTELA ANTECIPADA NA ARBITRAGEM – JURISDIÇÃO ARBITRAL E JURISDIÇÃO ESTATAL. 3 PODERES DO ÁRBITRO E DO JUIZ TOGADO. 4 CONFLITO ENTRE DECISÃO ARBITRAL E JUDICIAL. 5 TUTELA ANTECIPADA NA ARBITRAGEM (MEDIDAS COERCITIVAS, CAUTELARES E ANTECIPAÇÃO DE TUTELA). 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. RESUMO A Lei 9.307/96, composta de 44 artigos surge como um instrumento viável de pacificação social, aceito no mundo todo, para dirimir os litígios de maneira rápida, menos onerosa, civilizada e efetiva. As vantagens desse instituto são inúmeras, e as partes, ao escolher um juiz arbitral para a solução dos conflitos sociais de forma adequada, não poderão vislumbrar nenhum demérito que possa advir dessa opção. O árbitro tem total poder para resolver as necessidades da sociedade e, sobretudo, deferir uma liminar de tutela antecipada ou outras medidas emergências (cautelares ou coercitivas). Entretanto, lhe falta competência para executá-las, e isso cabe ao Poder Estatal. Com efeito, o instituto da antecipação da tutela foi trazido pela reforma do Código de Processo Civil, com o advento da Lei 8.952/94, que alterou o CPC em seu artigo 273, tendo como objetivo, primordialmente, acelerar e proporcionar uma maior efetividade à prestação jurisdicional, diante da lentidão do curso normal do processo. A tutela antecipada, especificamente, no procedimento arbitral, indiscutível e indispensável às soluções dos litígios pelas quais exigem efetividade no oferecimento da proteção jurisdicional. Entre as várias técnicas de tutela, a Lei 9.307/96 permite total aplicação da tutela antecipada, entendida pela doutrina majoritária. Se o árbitro tem a soberania de regular definitivamente sem a participação do Poder Judiciário o mérito do litígio, na medida em que a convenção o autoriza, não há qualquer razão plausível para impedir a concessão da tutela de ofício ou a requerimento dos interessados. A tutela antecipada (artigo 273, CPC) na verdade seria um deferimento provisório do pedido inicial, no qual o juiz estatal e, em especial, o juiz privado concede, no todo ou em parte, com força de execução, se necessário. Dessa forma, com relação à tutela antecipada na arbitragem, este artigo pretende demonstrar a possibilidade da aplicabilidade da tutela antecipada no procedimento arbitral. Palavras-chave: arbitragem, tutela antecipada, aplicabilidade, rapidez, eficácia, possibilidade. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. 86 Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ... ABSTRACT The 9.307/96 law composed by forty four articles appears as a viable instrument of social pacification, accepted in the whole world, to settle the litigations in a rapid way, fewer onerous, civilized and effective. The advantages of this institute are countless and the suitors, when they choose an arbitral judge for the social conflicts solution in an appropriate way, cannot glimpse any option demerit that could occur. The arbiter has entire authority to solve the society necessities and, mainly, to grant a anticipated cognizance preliminary or others emergencies measures (tutelary or coercive). However, he has no competence to execute them, it belongs to the State Power. In this manner, the institute of the cognizance anticipation was brought by the reform of the Civil Process Code, with the 8.952/94 Law arrival, that altered CPC in its 273 article, which has by objective, essentially, to accelerate and to provide a bigger effectiveness to the jurisdictional service, in the face of the process normal course slowness. The anticipated cognizance, specifically, in the arbitration procedure, unquestionable and indispensable for the lawsuits solutions, by which request effectiveness in the jurisdictional protection offer. In the midst of several protection techniques, the 9.307/96 Law allows total application of the anticipated cognizance, understood by the majority doctrine. If the arbiter has the sovereignty of regulating definitively, without the participation of the Judiciary Power, the merit of the litigation in measure in which the convention authorizes him, there is no plausible reason that impedes to grant the cognizance by himself or by a solicitation of the interested ones. The anticipated cognizance (art. 273 CPC), actually, would be a temporary grant of the initial request in which the state judge and, especially, the private judge grants, totally or partly, with force execution, if it is necessary. Thus, with regard to the proposed theme, this article intends to demonstrate the possibility of the anticipated cognizance applicability in the arbitration procedure. Keywords: arbitration, anticipated cognizance, applicability, rapidity, efficacy, possibility. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva 87 RESUMEN La ley 9.307/96 compuesta de cuarenta y cuatro artículos, surge como un instrumento viable de pacificación social, aceptado en todo el mundo para dirimir los litigios de un modo más rápido, civilizado, efectivo y menos oneroso. Las ventajas de este instituto son muchas, ya que las partes, al elegir un juez arbitral para la solución de los conflictos sociales de manera adecuada, no podrán columbrar ningún demérito que pueda ser ocasionado de ésta opción. El árbitro tiene total poder para resolver los problemas de la sociedad, y sobretodo, deferir una preliminar de tutela adelantada u otras medidas de emergencias (cautelares o coercitivas). Sin embargo, le hace falta la competencia para ejecutarlas, pues esto le toca al poder estatal. Con efecto, el instituto de adelantar la tutela ha surgido con la reforma del Código de Proceso Civil, con el advenimiento de la Ley 8.952/ 94, que ha cambiado el CPC en su artículo 273, que tiene como principal objetivo acelerar y proporcionar más efectividad a la prestación jurisdiccional, frente al despacioso curso normal del proceso. La tutela adelantada, específicamente en el proceso arbitral, es indiscutible e indispensable a las soluciones de los litigios por los cuales exigen efectividad en el ofrecimiento de la protección jurisdiccional. Entre las muchas técnicas de tutela, la ley 9.307/96 permite total aplicación de la tutela adelantada, entendida por la doctrina mayoritaria. Si al árbitro le toca la soberanía de regular definitivamente sin la participación del Poder Judicial el mérito del litigio en la medida que la convención lo autoriza, no hay ninguna razón plausible para impedir la concesión de la tutela de oficio o el requerimiento de los interesados. La tutela adelantada (artículo 273 CPC) sería en realidad un deferimiento provisorio del pedido inicial, en el cual el juez estatal, y en especial el juez privado, concede en todo o en parte, con fuerza de ejecución si es necesario. De esta manera, con relación al tema Tutela Adelantada en el Arbitraje, este artículo pretende demostrar la posibilidad de la aplicabilidad de la tutela adelantada en el procedimiento arbitral. Palabras clave: arbitraje, tutela adelantada, aplicabilidad, rapidez, eficacia, posibilidad R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. 88 Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ... R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva 89 1 INTRODUÇÃO O presente artigo aspira demonstrar a possibilidade de um juiz arbitral conceder a tutela antecipada, embora haja autores, em sua minoria, contrários a essa posição, aceitando que apenas ao Estado é permitida tal conduta. Pretende analisar algumas diferenças entre a justiça arbitral e a justiça estatal, com as principais características da Lei 9.307/ 96 e da tutela antecipada. É claro que o artigo não irá esgotar toda a matéria concernente à tutela antecipada na arbitragem, preocupando-se em discutir sem chegar a uma conclusão definitiva. Aliás, a doutrina, ainda que majoritária, não chegou a um consenso, daí a problemática deste artigo. Sabe-se que a arbitragem surgiu no Brasil em razão da preocupação do legislador perante o sistema processual brasileiro, por ser este deficiente e moroso. Em face disso, a arbitragem é um grande avanço para a solução de conflitos contratuais que dizem respeito aos bens patrimoniais disponíveis, e o Poder Judiciário na atualidade dificulta as partes receberem uma digna prestação jurisdicional. Entretanto, ante a falta de conhecimento desse instituto cada vez mais a arbitragem vem sendo deixada para trás, “entupindo” os órgãos judiciários com demandas que poderiam ser recepcionadas pela Lei 9.307/ 96, propiciando uma solução mais rápida e eficaz de um conflito. Por esse motivo, serão debatidos alguns aspectos relevantes da tutela antecipada, demonstrando que o legislador adotou tal procedimento, pois, além de precisar de uma justiça rápida e barata, é necessária uma justiça eficaz, que traga de imediato a prestação jurisdicional pleiteada. Daí unirem-se duas formas de solução de litígios rápidos: a arbitragem e a tutela antecipada. Podem ocorrer situações em que as partes não podem esperar por muito tempo, até que seja lhe concedido o direito. Por isso é que a tutela antecipada e a cautelar surgiram, dando uma maior efetividade a essa turbulência de demandas que atormentam o Estado. A principal temática, portanto, está em saber se um árbitro tem ou não competência para decretar tutela antecipada, inclusive outras medidas de urgência. É sabido que a doutrina vem discutindo esse enfoque demasiadamente, mas ninguém consegue consolidar o tema. Nesse passo, apesar de grande parte dos autores, na maioria conservadores, não permitirem que um árbitro decida a respeito de tutela antecipada, jovens juristas já estão modificando o pensamento daqueles. A aceitação está quase majoritária, embora R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. 90 Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ... entendam que o árbitro pode apenas decretar cautelares e provimentos antecipatórios, mas não exercer o poder coercitivo sobre elas. É claro que neste artigo o que se busca é precisar realmente se o árbitro pode ou não realizar tal medida, mesmo porque ele tem as mesmas atribuições de um juiz togado, como se verificará. Quanto a não ter o poder de imperium, não é o caso de discutir, pois apenas haverá intervenção do Estado, se a parte, depois de deferida a tutela antecipada, não cumprir, cabendo ao juiz estatal determinar que se cumpra a prestação jurisdicional. Assim, esse será o tema discutido neste artigo, ante a possibilidade de um árbitro conceder medidas cautelares, tutelas antecipatórias às partes, quando houver a necessidade, preenchidos os requisitos legais do artigo 273 do Código de Processo Civil. 2 ASPECTO GERAL DA TUTELA ANTECIPADA NA ARBITRAGEM – JURISDIÇÃO ARBITRAL E JURISDIÇÃO ESTATAL Sabe-se que o árbitro tem a mesma finalidade de um juiz estatal, a de solucionar conflitos. Isso é verdade que, embora seja uma justiça particular, privada, tem uma característica pública, haja vista a sentença proferida por um árbitro ter respaldo do Poder Estatal, garantindo, assim, sua eficácia como se a decisão fosse do próprio juiz togado. Aliás, segundo consubstancia o autor J. E. Carreira Alvim1, “[...] a sentença arbitral é idêntica em eficácia à sentença judicial.” Entretanto, há uma diferença que não se pode deixar de lado, pois a decisão proferida por um árbitro está sujeita à nulidade, conforme se depreende do artigo 332 da Lei Arbitral, enquanto a sentença judicial apenas fica limitada a uma ação rescisória, nos termos do artigo 485 do Código 1 2 ALVIM, J. E Carreira. Direito arbitral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 331. Lei 9.307/96. “Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei. § 1º A demanda para a decretação de nulidade da sentença arbitral seguirá o procedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento. § 2º A sentença que julgar procedente o pedido: I - decretará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do artigo 32, incisos I, II, VI, VII e VIII; II - determinará que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo, nas demais hipóteses. § 3º A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser argüida mediante ação de embargos do devedor, conforme o artigo 741 e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial.” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva 91 de Processo Civil. Mas essa distinção não implica eficácia da sentença arbitral, pois deve-se levar em consideração, apenas, que o árbitro tem o poder de conhecer a demanda e julgá-la, e o juízo togado. Além desses dois elementos, tem o poder de promover a execução da decisão proferida no caso concreto. Isso não faz com que o árbitro perca sua jurisdição, porque o juízo togado tão-somente garante a efetivação da decisão proferida por ele, sendo certo que o Estado não pode intervir na arbitragem, limitar ou regular o comportamento do árbitro. Trata-se de lei especial. O artigo 323 da Lei 9.307/96 é claro ao estabelecer que a sentença proferida por um árbitro terá a mesma força. 3 PODERES DO ÁRBITRO E DO JUIZ TOGADO O árbitro possui as atribuições, como os romanos consideravam, cognitio e iurisdictio. Significa que lhe falta o poder de império pertencente aos juizes togados. O que é esse poder de império que apenas os juizes estatais possuem? J. E. Carreira Alvim4 afirma que ao árbitro é permitido apenas conhecer da lide e aplicar a sentença. Entretanto, ao executá-la deverá fazer um requerimento à autoridade judiciária, para que exerça o poder coercitivo. Como exemplo, utiliza-se a testemunha que se recusa a ir à audiência designada, devendo o árbitro determinar-lhe a condução coercitiva por meio de um requerimento dirigido à autoridade judicial, e esta poderá conduzir a testemunha, assim como no caso de busca e apreensão de coisas ou documentos, exigindo a intervenção do Poder Judiciário. O mais interessante é que o mesmo autor entende e aceita em sede arbitral, medidas cautelares, sejam elas preparatórias ou incidentais, com o intuito de garantir a eficácia da sentença arbitral. Não é só. Afirma ainda que, mesmo que o árbitro não possa efetivar uma medida constritiva, nada o impede de decretá-la, para o que basta a jurisdição, na qual se compreende a cognitio. 3 4 Lei 9.307/96, “Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I - for nulo o compromisso; II emanou de quem não podia ser árbitro; III - não contiver os requisitos do artigo 26 desta Lei; IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no artigo 12, inciso III, desta Lei; e VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o artigo 21, § 2º, desta Lei.” ALVIM, J. E. Carreira, op. cit., p. 332. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. 92 Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ... Da mesma forma, em se tratando de antecipação da tutela disciplinada no artigo 2735 do Código de Processo Civil, que, segundo esse autor, “[...] tem perfeito cabimento na arbitragem”, sendo aplicadas as regras processuais, se outras não forem estabelecidas pelas partes ou fixadas pelo árbitro, com o consentimento deste. 4 CONFLITO ENTRE DECISÃO ARBITRAL E JUDICIAL O árbitro tem o poder de conhecer do litígio e julgá-lo. Todavia, quem tem o poder de executar a decisão, isto é, o poder coercitivo, é o juiz togado. É nesse ponto que surge o conflito entre a decisão arbitral e a judicial. Ocorre que o árbitro solicita a efetivação de sua decisão ao juízo togado, seja ela uma medida cautelar, seja ela uma antecipação de tutela ou uma liminar, e este contraria. Ora, o Poder Judiciário entende que não é de competência do árbitro conceder tais medidas. O que fazer nesse caso? É o grande problema hoje enfrentado pelo instituto arbitral. A lei determina que quem tem o poder coercitivo é o juiz togado e não o árbitro. Portanto, quem deve efetivar as medidas cautelares, a tutela antecipada ou a liminar é tão-somente o juiz togado. É um absurdo concordar com tal posição, como J. E. Carreira Alvim e outros autores consagrados não concordam com esse entendimento, pois acabaria o Estado, para satisfazer seu imperium, controlando o árbitro. 5 “Art. 273 O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2º Não se concederá a antecipação da tutela, quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A. § 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. § 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida, quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva 93 Há algum método para coibir essa atitude do juiz togado? Não. Como a lei lhe atribuiu a prerrogativa, nada pode ser feito. Entretanto, quando ele não aceita a decisão arbitral, somente a parte e não o árbitro terá legitimidade para interpor o recurso cabível. Não fica descartada a correição parcial ou a reclamação conforme previsto nos regimentos internos dos tribunais. Para J. E Carreira Alvim, o mais acertado é o recurso de apelação, pois a decisão judicial põe fim ao procedimento na fase judicial. Dessa forma, vale sempre acreditar que a decisão de um árbitro tem força e que, mesmo um juiz togado entendendo não ser de competência daquele, as partes poderão recorrer. 5 TUTELA ANTECIPADA NA ARBITRAGEM (MEDIDAS COERCITIVAS, CAUTELARES E ANTECIPAÇÃO DE TUTELA) Sabe-se que a tutela de urgência reflete a realidade do mundo contemporâneo, as necessidades, os problemas, as aspirações atuais da sociedade civil. Os métodos tradicionais são muito demorados e, em se tratando de uma medida de urgência, surge o dever de criar algo alternativo que possa ser capaz de atender àquelas necessidades com mais velocidade. Joel Dias Figueira Junior6 ensina: As tutelas sumárias (cautelares ou não) servem, em outras palavras, para neutralizar os efeitos do tempo que incidem impiedosamente sobre os bens litigiosos e reflexamente sobre as próprias partes litigantes, em razão da duração do processo cognitivo exauriente ou do processo de execução. Isso significa dizer que é a própria efetividade do processo por “remédios” jurídicos mais apropriados e de medidas que atenuem o indesejável fenômeno do retardamento da prestação jurisdicional do Estado. Ainda o mesmo autor reafirma que: Mais do que outras técnicas de diferenciação de tutela, a antecipação de seus efeitos é talvez a que melhor se harmoniza com o atual sistema processual, na medida em que pode ser adotada sem maiores transformações na estrutura.7 6 7 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução, p. 213. Ibid., p. 217. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. 94 Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ... Desse modo, as tutelas de urgência, sejam cautelares ou antecipatórias, realizam por meio do Estado-juiz e, sobretudo, pela arbitragem, matéria discutida neste artigo, a abreviação dos conflitos de interesses resistidos ou insatisfeitos, voltando-se à pacificação social. A grande polêmica, portanto, está em discutir a possibilidade ou não de o árbitro ser detentor do poder de decretar medidas cautelares e, principalmente, a antecipação de tutela. Muitos autores negam essa possibilidade e afirmam que tal poder apenas o detém o juiz togado. Contudo, outros, menos conservadores, acreditam que o juiz arbitral poderá até decretar uma tutela antecipada ou uma liminar ou uma medida cautelar, mas não terá o imperium, ou seja, o poder de efetivá-las. A doutrina procura ainda diferenciar duas situações: antes da instauração do juízo arbitral e após sua efetivação. Se instaurado, preenchidos os requisitos que a lei determina (perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, verossimilhança do direito alegado), quaisquer das partes poderão pleitear ao árbitro ou ao tribunal arbitral a concessão de tutela antecipada. Caso as partes não tenham ainda adotado a arbitragem, deverão recorrer ao juiz estatal (artigo 22, § 4º, Lei 9.307/96). É o que preleciona Joel Dias Figueira Junior8: Desde que instaurado o juízo arbitral, inexiste possibilidade jurídica de o interessado dirigir qualquer desses requerimentos ao juiz togado que seria competente, originariamente, se fosse o caso, para conhecer da lide principal. O Professor J. E. Carreira Alvim9, em brilhante reconhecimento de medidas cautelares e antecipatórias no instituto arbitral afirma ainda que: Mas que o árbitro não disponha de poderes para decidir sobre medidas cautelares ou coercitivas (incidentes ou preparatórias) é algo que ainda não se demonstrou, limitando-se a doutrina ortodoxa a recitar a uma ‘cartilha’ com velhas lições, que não mais se amoldam com a moderna Lei de Arbitragem. Fica claro o entendimento do autor, pois é por causa dos extremados posicionamentos da doutrina ortodoxa ou conservadora que ao árbitro é negado o poder de cautelar lato sensu. 8 9 Ibid., p. 222. ALVIM, J. E. Carreira, op. cit., p. 334. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva 95 O maior problema é quando a convenção de arbitragem for omissa ou silenciar-se ao prever o poder aos árbitros para decretarem medidas cautelares ou antecipatórias, devendo, nesse caso, submeter-se não apenas à Lei Arbitral, mas também ao Código de Processo Civil, pois o objetivo é resguardar ou preservar os interesses e direitos das partes. Nota-se que o artigo 22 da Lei 9.307/9610, expressamente postula a medida coercitiva ao juízo arbitral, quanto a colher provas, ouvir testemunhas, determinar perícias, de modo que, após cumprimento dessa exigência, a ele é facultado solicitar sua imposição ao juiz togado. Significa que ao árbitro é permitido decretar medidas coercitivas ou cautelares, ainda que tenha que requerer ao Poder Judiciário a imposição delas. Do mesmo modo, o § 4º do referido dispositivo11 estabelece que, ressalvado § 2º, em havendo a necessidade de decretar uma tutela antecipada, uma medida cautelar ou coercitiva, o árbitro poderá solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário, sendo aquele competente para julgar a causa. Quando a lei determina expressamente que o árbitro “poderá”, é possível entender a possibilidade de ele conhecer tal necessidade e decretá-la, pois não tem o dever de solicitar ao Estado, mas, tão-somente, poderá, isto é, torna-se facultativo. É claro que o poder coercitivo está com o Poder Judiciário que detém da competência para efetivar a tutela antecipada e a medida cautelar ou coercitiva, caso se façam necessários atos materiais de coerção. Dessa forma, deve-se distinguir a concessão e a efetivação da medida, uma vez que cabe ao órgão arbitral conceder ou decretar, mas precisará do Judiciário para a efetivação. Nesse sentido, o árbitro terá a iniciativa de determinar quaisquer medidas coercitivas relacionadas com a instrução do processo, só que se valendo do órgão do Poder Judiciário, se houver resistência ao cumprimento delas. Os autores Sérgio Bermudas12 e Pedro Antônio Batista Martins13 10 Poderá o árbitro ou o Tribunal Arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício. 11 “Art. 22 [...] § 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.” 12 BERMUDAS, Sergio. A nova lei de arbitragem no Brasil. Seminário Internacional sobre Arbitragem Comercial. Comitê Brasileiro da CCI – Câmara de Comercio Internacional e Confederação Nacional do Comércio, 26 maio 1997. 13 MARTINS, Pedro Antônio Batista. Seminário Internacional sobre Arbitragem Comercial. Comitê Brasileiro da CCI – Câmara de Comercio Internacional e Confederação Nacional do Comércio, 26 maio 1997. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. 96 Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ... também são a favor de o árbitro decretar medidas cautelares e antecipação de tutela, se houver a necessidade. Nada impede as partes requererem tais medidas ao próprio juízo arbitral, nem que ele as conceda, pois elas não poderão, segundo a visão desses autores, se dirigir ao Poder Judiciário, sem antes ter obtido a determinação do juízo arbitral. O interessante é que, mesmo não instituída a arbitragem, a doutrina tem admitido o recurso ao juiz estatal, a fim de que, dado o caráter de urgência, conceda a medida cautelar ou a tutela antecipada. Há ainda uma minoria de autores que alegam que, se a convenção de arbitragem nada dispuser a esse respeito, havendo necessidade de concessão de medida acautelatória ou antecipatória, esta poderá ser pleiteada, mesmo não tendo sido instituído o juízo arbitral. É brilhante o que argumenta J. E Carreira Alvim14 sobre a necessidade do juízo arbitral decretar a medida cautelar ou a tutela antecipada. Observe-se: Vincular o juízo arbitral ao juízo togado, na eventualidade da necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, além de nada acrescentar em termos de proteção aos direitos constitucionais, presta-se a restringir os poderes jurisdicionais do árbitro, pondo toda a arbitragem na dependência de uma justiça sabiamente lenta, e que não tem condições de dar respostas satisfatórias às necessidades imediatas das partes interessadas. E mais: O árbitro dispõe de poderes para resolver o próprio mérito do litígio, nos quais foi investido por um ato de confiança das partes, por que não teria para conceder um simples provimento antecipatório, que não passa de antecipação dos efeitos da decisão de mérito? Isso é verdade, pois, embora o árbitro não tenha o poder de efetivar ou executar o provimento antecipatório, tem o poder cognitivo. Significa que a ele é outorgado o poder de proferir ou decretar uma decisão, portanto uma medida cautelar ou uma tutela antecipada. Este artigo pretende não debater se o árbitro também possui o poder de executar a sentença, embora ele tenha permissão para providenciar tal medida, requerendo depois a imposição ao juiz togado, mas, tão-somente, se pode ou não decretar tais medidas de urgência. 14 ALVIM, J. E. Carreira, op. cit., p. 335-336. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva 97 A finalidade do juízo arbitral é a de conhecer o conflito e julgá-lo. Caso seja concedida a tutela antecipada, porém a parte condenada não a cumpre, ao árbitro caberá solicitar ao órgão do Poder Judiciário a execução dela. Se este recusar-se, é cabível medida de segurança ao Tribunal Superior. Em contrapartida, o Código de Processo Civil Italiano declara que ao árbitro não cabe conceder seqüestros, nem outros provimentos cautelares, o que o oposto à Lei de Arbitragem brasileira. Quando a lei italiana determina expressamente ao árbitro não “conceder”, é diferente da Lei Arbitral brasileira que estabelece que é facultado ao árbitro “solicitar” ao órgão do Poder Judiciário. O árbitro só irá pedir ao juiz estatal a execução da tutela antecipada ou da medida cautelar, caso a parte não cumpra a decisão proferida por aquele. Mas, se o árbitro concede a cautelar ou a tutela antecipada, e a parte cumpre voluntariamente a obrigação, não há por que a autoridade judicial intervir. Percebe-se que ao árbitro são atribuídas duas formas, a da necessidade de intervenção do Estado e da não intervenção pelo cumprimento da medida pela parte, ou seja, ele pode conceder pelo iurisdictio, mas não pode efetivar por não ter o poder de imperium. Na verdade, essa possibilidade que a Lei de Arbitragem confere ao árbitro de solicitar ao Poder Judiciário a execução da decisão, seja ela medida cautelar, seja ela tutela antecipada, é como se fosse um apoio. Esse apoio somente terá força, se não comprometer o desenvolvimento da arbitragem, limitando ou controlando o próprio comportamento do árbitro. Ressalte-se que ao árbitro é atribuído o poder de conceder a medida cautelar sem a anuência das partes, isto é, de oficio, mas em uma única hipótese disciplinada nos artigos 79715 e 79816 do Código de Processo Civil. Seria um absurdo o árbitro não poder conceder a medida provisória, a pedido das partes, sabendo-se que, se demorar muito, causará ao direito dela lesão grave e de difícil reparação. Ora, a lei permite que o árbitro, pela vontade das partes, decida o mérito do litígio, sem que haja intervenção estatal mediante recursos ou homologação da decisão. 15 16 “Art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes.” “Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. 98 Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ... Dessa forma, tendo o árbitro os mesmos poderes de um juiz togado, exceto o poder coercitivo, estará autorizado pela convenção arbitral a decretar tutela antecipada ou medida cautelar ou provisória. É claro que a convenção arbitral deve regular expressamente quais os poderes que o árbitro terá, principalmente, quanto ao pronunciamento de medidas cautelares. Em não havendo autorização pelas partes na convenção arbitral, elas poderão solicitar à justiça comum tal procedimento ou, ainda, o próprio árbitro de ofício requerer ao Estado, a fim de garantir a efetividade da arbitragem, ciente de que o poder dela iudicium continua existindo. O autor Humberto Theodoro Júnior17 entende ao contrário do que já foi argumentado, pois a lei não confere ao árbitro ou ao Tribunal Arbitral poder de tomar medidas coercitivas ou medidas cautelares em caráter preparatório ou incidental. Para ele, o árbitro deverá solicitar ao órgão judiciário que conceda e execute, se necessário, tal medida. Diferentemente, Ernane Fidélis dos Santos18 entende que as medidas cautelares e coercitivas no juízo arbitral só são decretáveis por solicitação do árbitro, não competindo às partes requerê-las diretamente ao juiz estatal. Deve-se levar em consideração sempre a vontade das partes, pois, se elas na convenção arbitral deixarem expressamente a condição de que ao árbitro não é permitido decretar ou conceder medidas cautelares ou coercitivas ou tutela antecipada, o poder deste ficará circunscrito apenas à lide principal. Mais uma vez, J. E. Carreira Alvim19 demonstrou profundo conhecimento da matéria: As decisões arbitrais sobre provimentos antecipatórios não se sujeitam, de imediato, à ação anulatória, que só alcança as sentenças arbitrais, como se vê do disposto no art. 3320 da Lei de Arbitragem. Por fim, o árbitro, em nenhuma hipótese, pode ‘solicitar’ medidas cautelares ao juiz togado, cabendo-lhe decretá-las, fundado no seu iudicium, e, só depois, solicitar a colaboração do juiz togado para efetivá-las, se não forem cumpridas voluntariamente. 17 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 368. v. 3. 18 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 145. v. 3. 19 ALVIM, J. E. Carreira, op. cit., p. 341. 20 “Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei.” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva 99 É com esse entendimento que a doutrina vem cada vez mais se pautando na possibilidade de o árbitro decretar a tutela antecipada. Ora, as partes renunciam à justiça comum e elegem a justiça privada, a fim de que esta solucione todos os conflitos advindos de um contrato. Dessa maneira, as partes estarão confiando a um árbitro julgar aquela causa. Portanto, qual seria o problema de o juízo arbitral, autorizado pelas partes para dirimir todas as necessidades delas, conceder a tutela antecipada? A resposta é: nenhum. Basta verificar o artigo 273 do Código de Processo Civil que permite, sempre quando a parte requerer, ao juiz decretar tutela antecipada: O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. O árbitro é eleito pelas partes por mera confiança, não havendo, nesse caso, qualquer motivo que o impeça de decretar a tutela antecipada. Se eleito livremente pelas partes, portanto está preparado para analisar o caso. Se optar por conceder a tutela antecipada ou a medida cautelar, poderá fazê-lo sem a intervenção do Poder Judiciário. Por essas razões é que o árbitro poderá decretar a medida cautelar ou a antecipação de tutela. Conclui o Professor Pedro Antônio Batista Martins21: Não há porque negar ao árbitro a possibilidade de antecipar a tutela seja por conta da aplicação à arbitragem – por escolha das partes – das regras processuais nacionais (e, se aplicável ao procedimento comum, a antecipação de tutela vem à baila), seja por conta de expressa adoção desta técnica de potencialização da eficácia da tutela jurisdicional no procedimento criado ou escolhido pelas partes para solucionar seu litígio. E considerando que a antecipação da tutela nada mais é do que a técnica que permite ao julgador desde lodo conceder à parte um, alguns ou todos os efeitos que a decisão final haverá de produzir (no momento oportuno) é evidente que caberá ao árbitro – e não ao juiz togado – tomar decisão a respeito, devendo a parte interessada na obtenção do provimento dirigir-se ao juiz privado (e não ao estatal). Decidida pelo árbitro a antecipação de tutela, resta saber se haverá ou não necessidade de concurso de força para sua implementação. Se houver, o auxilio do juiz togado será requisitado nos mesmos moldes relatados anteriormente. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. 100 Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ... Enfim, o que o professor quis destacar foi que o árbitro sendo escolhido pela vontade das partes, além de decidir questão relativa à tutela antecipada, poderá decidir sobre medidas cautelares e coercitivas. É claro que a exceção se dará quando não houver o cumprimento de uma das partes da decisão arbitral, devendo-se solicitar auxilio ao poder estatal para o efetivo acatamento. Outro autor que procura explicar essa idéia é o jurista Joel Dias Figueira Junior22: Após o deferimento da tutela de urgência e verificado o não cumprimento espontâneo da medida, o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral oficiará o órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa, solicitando que dê efetividade à medida já concedida. O requerimento será necessariamente instruído com a prova da existência da convenção arbitral, sendo dispensável qualquer outra formalidade ou demonstração (artigo 22, parágrafo 4º). Neste caso, ao Estado-Juiz não é conferido pelo sistema qualquer poder para rever ou modificar a decisão concessiva da tutela emergencial proferida em juízo arbitral, nem mesmo indagar quanto à necessidade e utilidade da prova testemunhal, nas hipóteses em que a testemunha faltosa deva ser conduzida (artigo 22, parágrafo 2º, in fine). Diante de todos esses argumentos, é certo que o árbitro poderá, se houver necessidade, atender ao pedido das partes, conceder ou decretar a tutela antecipada e ainda medidas cautelares e coercitivas. Ao Estado-juiz não é conferido pelo sistema qualquer poder para rever ou modificar a decisão concessiva de tutela emergencial proferida em juízo arbitral. Ressalte-se que ao Poder Judiciário caberá, apenas, em caso de não-cumprimento de uma das partes da decisão arbitral, exercer o imperium, isto é, dar efetividade àquela sentença que concedeu o provimento antecipatório. 21 22 MARTINS, Pedro Antônio Batista. Da ausência de poderes coercitivos e cautelares do árbitro. In: PUCCI, Adriana Noemi (Coord.). Aspectos atuais da lei de arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 364. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. p. 222. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. Rogério Montai de Lima e Marcelo de Oliveira Silva 101 6 CONCLUSÃO No presente artigo restou demonstrado que, apesar de o Brasil estar em um processo lento de aperfeiçoamento e aceitação do instituto arbitral, não há dúvidas de que o sistema cada vez mais ganha espaço entre os juristas como método de solução de litígios mais rápido e menos oneroso. Se não bastasse, há autores que entendem que somente o juiz estatal poderia decretar tutela antecipada ou medida cautelar e reconhecer o procedimento arbitral ou mesmo declarar nula a sentença arbitral. Então, o árbitro poderia, tendo ele os mesmos quesitos, competência para decretar tais medidas emergenciais? Essa é a questão debatida neste artigo com o intuito de divulgar não só a arbitragem como meio alternativo de pacificação social, sequer se aprofundar em relação à tutela antecipada, mas também a importância que tornaria, se ao árbitro fosse permitida a medida. É claro que esse entendimento não predomina, e a doutrina acredita na possibilidade de o árbitro conceder tutelas antecipadas e até providenciar sua execução, mas sempre ressalvando que, em caso de descumprimento, deverá pedir auxilio ao juiz togado. Além de ser rápida e eficaz, a lei arbitral não diz expressamente que lhe é proibido. Pelo contrário, no artigo 22, § 4º faz referência a essa possibilidade. Inclusive, diz ser facultado (poderá) o auxilio do juiz togado, apenas pelo descumprimento da decisão arbitral que concedeu a tutela antecipada. No mais, a solução adotada no Brasil é, sobretudo, lógica, pois, se o árbitro está autorizado a regular definitivamente o conflito, não seria razoável impedi-lo de conceder incidentalmente medidas de urgência de oficio ou por requerimento dos interessados, desde que a hipótese vertente justifique a tomada dessa providencia emergencial. Nesse sentido, Carlos Alberto Carmona23 entende que se repeliu a possibilidade de o árbitro servir de interlocutor perante o juiz togado para tornar concreta uma decisão cautelar: Isto levaria a situações francamente insustentáveis, tornando-se árbitro um mero substituto processual da parte que apenas instaria o árbitro a requerer (em nome próprio) a tutela de um pretenso direito do litigante. 23 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. p. 215. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. 102 Possibilidade da Concessão da Tutela Antecipada ... Além disso, a doutrina ou admite de modo absoluto ao árbitro conceder tutela antecipada, medidas coercitivas ou cautelares, providenciando a execução delas, ou, caso não lhe seja permitido, o § 4º do artigo 22 será letra morta. Enfim, mesmo que não contasse expresso na Lei de Arbitragem, a concessão de medida cautelar ou coercitiva seria poder implícito à função desempenhada pelo árbitro, já que a ele cabe julgar a questão posta e buscar viabilizar o resultado final pretendido. REFERÊNCIAS ALVIM, J. E. Carreira. Direito arbitral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução. São Paulo: RT, 1999. BERMUDAS, Sergio. A nova lei de arbitragem no Brasil. Seminário Internacional sobre Arbitragem Comercial. Comitê Brasileiro da CCI – Câmara de Comercio Internacional e Confederação Nacional do Comércio, 26 maio 1997. MARTINS, Pedro Antônio Batista. A nova lei de arbitragem no Brasil. Seminário Internacional sobre Arbitragem Comercial. Comitê Brasileiro da CCI – Câmara de Comercio Internacional e Confederação Nacional do Comércio, 26 maio 1997. ______. Da ausência de poderes coercitivos e cautelares do árbitro. In: PUCCI, Adriana Noemi (Coord.). Aspectos atuais da lei de arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2001. SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, v. 3, p. 145. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 3. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 83-102, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 103 PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E PROTEÇÃO AO TRABALHO: PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL, À LUZ DA DIRETRIZ DE TUTELA DO SER HUMANO ENTERPRISE’S MAINTENANCE AND LABOR PROTECTION: A CONSTITUTIONAL PERSPECTIVE TOWARDS THE HUMAN BEING RIGHTS PROTECTION PRESERVACIÓN DE LA EMPRESA Y LA PROTECCIÓN DEL TRABAJO: PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL, BAJO LA LUZ DE LA DIRECTIZ DE TUTELA DEL SER HUMANO MARLENE FUVERKI SUGUIMATSU ___________________________________________________________ Mestre e doutoranda em Direito Econômico e Social pela PUCPR, Professora das Faculdades Integradas Curitiba, Professora de pós-graduação da PUCPR, Desembargadora Federal do Trabalho, no TRT 9ª Região R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 104 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 105 Marlene Fuverki Suguimatsu Sumário: 1 Introdução. 2 Empresa: fenômeno socioeconômico e base da sociedade contemporânea. 3 Preservação da atividade empresarial como princípio estruturante do Direito de Empresa no Código Civil. 4 Princípio da preservação da empresa e princípio da continuidade dos contratos de trabalho: possível equilíbrio. 5 Conclusão. Referências. RESUMO A atuação da empresa ultrapassa fronteiras internas e o aspecto puramente econômico. Dimensões jurídicas, políticas, sociais e ambientais aparecem, o que implica valorizar a conservação da atividade empresarial, agora traduzida no “princípio da preservação da empresa”. É no espaço da produção que, em geral, materializam-se as relações de trabalho, e o Direito do Trabalho ocupa-se do estudo da empresa para priorizar a tutela dos indivíduos que ali se inserem como partícipes do processo produtivo, em regime de subordinação ao empresário. Tutela-se, o quanto possível, o direito de acesso a um posto de trabalho e a garantia de permanência nele. Com a Constituição Federal de 1988 instaurou-se, no Brasil, nova ordem econômica, guiada pelo anseio de evitar que a iniciativa econômica privada se desenvolva em prejuízo à promoção da dignidade humana e à justiça social, fundamento da República e princípio da ordem econômica. Preservação da empresa e preservação dos empregos têm fundamento comum na Constituição; os dois princípios se interrelacionam e se completam. O Direito Civil brasileiro, com o Código de 2002, passou a tutelar a atividade empresarial. Aplicar adequadamente a nova tutela exige, porém, que se rompa com conceitos clássicos civilistas, de inspiração patrimonialista e individualista que permearam o Código de 1916. Pensar a empresa, hoje, significa delimitar seu papel e suas funções na sociedade e reconhecer que a Constituição não só assegurou a livre iniciativa, mas também a valorização do trabalho humano; garantiu o direito de propriedade, mas lhe impôs como norte o desempenho de função social; elegeu o princípio da livre concorrência, mas cuidou da expectativa de pleno emprego. Essa compreensão é fundamental para alcançar o sentido da mudança e identificar suas possíveis dimensões, o que implica ponderar entre o princípio da preservação da empresa e o da continuidade da relação de emprego. Esta tem conotação não apenas patrimonial; as obrigações e os direitos que dela decorrem não se esgotam na prestação de serviços e no pagamento dos salários contratados. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 106 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... Continuidade e eventual perpetuidade dos contratos produzem, a muitos trabalhadores, ao empregador e à empresa, relações de diversas ordens e representam importante perfil do princípio da proteção, do qual decorre a tutela dos trabalhadores e de seus direitos subjetivos. Neste estudo, busca-se refletir sobre a compatibilidade entre os dois princípios no atual contexto de sociedade capitalista, de economia globalizada e de crescente degradação das relações de trabalho. Ler o princípio da preservação da empresa, afinado com os novos valores exige considerar o Direito Empresarial indissociavelmente ligado ao Direito do Trabalho e à proteção do emprego, pois ambos se movem pela diretriz constitucional de tutela do ser humano. Palavras-chave: atividade empresarial, preservação, relação de trabalho, tutela constitucional, direitos humanos. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 107 Marlene Fuverki Suguimatsu ABSTRACT The performance of an enterprise transcends its internal borders and its purely economic aspect. Juridical, political, social and environmental dimensions show up, translated on the ‘principle of enterprise’s maintenance’. Work relationships are materialized on the production’s space; therefore the Labor Law studies the enterprise phenomenon, in order to prioritize the protection of workers, as participants of the productive process, in subordination to the employer. As much as possible, it is tried to protect the right to get an occupation and keep it. Since the Federal Constitution of 1988, Brazil has a new economic order, destined to avoid that the private economic initiative harms the development of Human Dignity – ground idea of the Republic – and Social Justice, which is a principle of the economic order. Enterprise’s maintenance and Employment maintenance have the same substrate on the Constitution, are interconnected and complete each other. Brazilian Civil Law, with 2002 Code, began to regulate the enterprise’s activity. Though, the concrete application of this new protection demands a break with traditional concepts from Civil Law, which were found on 1916’s Code. To think the enterprise today means to define clearly its role and functions on the society, and accept that the Constitution granted freedom of initiative, but also the human labor valorization; as well, it granted right of property, but imposed a social function; elected the principle of freedom of competition, but took care of the expectance of a good work place for all. This comprehension is fundamental to understand the meaning of the change and identify its possible dimensions, which implies pondering between the principle of company’s maintenance and work relationship continuation. The latter should not only be seen through patrimonial aspect: the related obligations and rights are not limited to labor and payment. The continuation of a working contract produces relations of many kinds both to employees and employers, and means an important aspect of the principle of protection, from which comes the defense of workers and their subjective rights. On this study, it is tried to think about the compatibility between those two principles on the context of a capitalist society, of global economy and worsening of working conditions. To think the principle of enterprise’s maintenance, tuned with these new values, demands to consider the enterprise’s law connected to labor law and protection of employment, because both are guided by the constitutional protection of the human being. Keywords: enterprise, society, maintenance, labor relationship, constitutional protection, human rights. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 108 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... RESUMEN La acción de la empresa trasciende fronteras internas y el aspecto únicamente económico. Dimensiones jurídicas, políticas, sociales y ambientales aparecen, así que se hace necesario valorizar la conservación de la actividad empresarial, ahora traducida en el “principio de la preservación de la empresa”. Es en el espacio de la producción que, en general, se materializan las relaciones de trabajo y por eso el Derecho del Trabajo se ocupa del estudio de la empresa para priorizar la tutela de los individuos que allí participan en el proceso productivo, en régimen de subordinación al empresario. Se tutela, siempre que posible, el derecho de acceso a un puesto de trabajo y la garantía de permanencia en él. Con la Constitución Federal de 1988 se instauró, en Brasil, una nueva orden económica, motivada por el deseo de evitar que la iniciativa económica privada se desarrollara de forma perjudicial a la promoción de la dignidad humana y a la justicia social, fundamento de la República y principio de la orden económica. La preservación de la empresa y la preservación de los empleos tienen fundamento común en la Constitución; ambos los principios se encuentran interrelacionados y se completan. El Derecho Civil brasileño, por medio del Código de 2002, empezó a tutelar la actividad empresarial. Aplicar adecuadamente la nueva tutela exige, sin embargo, la ruptura con conceptos clásicos civilistas, de inspiración patrimonialista y individualista que se encuentran a menudo en el Código de 1916. Pensar la empresa, hoy día, significa delimitar su papel y sus funciones en la sociedad y reconocer que la Constitución, en la Orden Económica, aseguró la libreiniciativa, pero también la valorización del trabajo humano; garantió el derecho de propiedad, pero le ha impuesto como norte el ejercicio de función social; elegió el principio de la libre competencia, pero ha cuidado de la expectativa de pleno empleo. Esta comprensión es fundamental para alcanzar el sentido del cambio y identificar sus posibles dimensiones, lo que hace necesario ponderar entre el principio de la preservación de la empresa y el de la relación de empleo. El sentido de esta última no es solamente patrimonial: las obligaciones y los derechos que de ella se originan no se reducen a la prestación de servicios y al pagamiento de los sueldos contratados. La continuidad y eventual perpetuidad de los contratos producen, para muchos trabajadores, para el empresario y para la empresa, relaciones de diversas órdenes y representan importante perfil del principio de la protección, y en consecuencia, la tutela de los trabajadores y de sus derechos subjetivos. En esto estudio, se busca refletir sobre la compatibilidad entre los dos principios en el actual cenarlo R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 109 de sociedad capitalista, de economía globalizada y de creciente degradación de las relaciones de trabajo. Leer el principio de la preservación de la empresa, paralelamente a los nuevos valores, exige considerar el Derecho Empresarial de forma inseparable del Derecho del Trabajo y de la protección del empleo, ya que ambos se mueven por la directriz constitucional de la tutela del ser humano. Palabras clave: actividad empresarial, preservación, relación de trabajo, tutela constitucional, derechos humanos. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 110 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 111 1 INTRODUÇÃO O papel da empresa, na sociedade atual, transcende as fronteiras internas e o aspecto puramente econômico. Liga-se às várias manifestações do direito de propriedade e ao estabelecimento de relações jurídicas, no que se incluem os consumidores e os trabalhadores, além de suas interações políticas, sociais e relativas ao meio ambiente. A empresa surge da condição de proprietário, do empreendedor, e da disposição deste em assumir riscos, bem como de sua natural propensão ao lucro. É o espaço, por excelência, em que se materializam as relações de trabalho. Por essa razão, o Direito do Trabalho ocupa-se de seu estudo, com a observação de que, para fins de Direito Laboral, o objeto de tutela não é diretamente o conjunto de bens da empresa e suas relações, mas os indivíduos que nela se inserem para participar do processo produtivo em regime de subordinação ao empresário. A Constituição Federal de 1988 instaurou no País uma nova ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, observando-se a função social da propriedade e a busca do pleno emprego. Nessa ordem, procura-se evitar que a iniciativa econômica privada se desenvolva em prejuízo à promoção da dignidade humana e à justiça social, o que leva à ponderação os princípios da “preservação da empresa” e da “preservação dos empregos”. Ambos têm fundamento comum na Constituição; daí se sustentar que se inter-relacionam e se completam. O Direito Empresarial está indissociavelmente vinculado ao Direito do Trabalho e ambos se movem pela diretriz constitucional de tutelar o ser humano. O presente estudo propõe analisar em que medida o desejável equilíbrio entre a garantia do direito ao trabalho e à segurança do trabalhador no emprego e a garantia de pleno desenvolvimento econômico da empresa são possíveis, no contexto da atual sociedade, de economia capitalista e globalizada e de intensa competitividade. 2 EMPRESA: FENÔMENO SOCIOECONÔMICO E BASE DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Um dos fenômenos mais significativos, no campo da produção foi o surgimento da empresa. Esta, como expressão do modelo produtivo industrial e capitalista da era moderna, propôs-se agregar, em um só espaço, os meios de produção e os produtores. Pode ser considerada, a um só tempo, sujeito de direito proprietário e propriedade, com a caracterísR. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 112 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... tica de só se concretizar pela ação, com a atividade empreendedora, como observa Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa (2006, p. 1). A formação histórica da empresa encontra em estudos de Evaristo de Moraes Filho (1993, p. 19) um possível momento, a partir do qual se teriam manifestado os primeiros germes dos futuros empreendimentos empresariais. Seria a fase final da Idade Média, em que as condições técnicas eram quase exclusivamente rurais, com o uso mínimo de atividade industrial. Trabalhadores ambulantes, que eram agricultores, também executavam alguns serviços especializados e teriam constituído o embrião de uma nova classe: os artesãos. Teriam abandonado a agricultura e os campos e instalado oficinas próprias, em que trabalhavam auxiliados por membros da família, alguns aprendizes e poucos companheiros. Ali, recebiam encomendas de particulares por parte de outro novo personagem histórico: os clientes. As oficinas ou explorações, que eram individuais, comunicavam-se apenas para troca dos serviços. A mercadoria, como hoje concebida, surgiu, e a produção passou, então, a ter finalidade precípua de venda. Produzia-se para vender à clientela, mediante pagamento em moeda. A empresa, como unidade de produção, teria marcado aí seu nascimento. A narrativa de Moraes Filho, a partir de Schmoller (1993, p. 22), elucida esse fenômeno: [...] quando um certo número de indivíduos, famílias ou personalidades coletivas começam, de modo contínuo e conforme a certos usos e certas regras de direito, o empreendimento de fornecer regulamente para o mercado certas prestações ou fazer certas entregas de mercadorias, para delas retirar, pela venda e pela compra, um lucro que lhe permita viver, ou pelo menos compensá-lo em seus gastos, pode-se então falar em empresa. Essa seria, porém, apenas a forma rudimentar, a manifestação primitiva da empresa, já que apenas a partir do século XVIII foi possível construir, com o desenvolvimento da atividade empreendedora, os contornos econômicos, políticos e jurídicos que viriam delimitar, ainda que de forma imprecisa, as várias dimensões desse fenômeno, assim como institutos e conceitos a ele ligados, como a figura do empresário, a noção de pessoa jurídica e a idéia de estabelecimento. Na expressão de Karl Polanyi (2000, p. 93), foi com o auxílio do conceito de mercadoria que “[...] o mecanismo do mercado se engrena aos vários elementos da vida industrial, entre eles o trabalho, a terra e o dinheiro.” Aponta-se o comércio em larga escala como o grande propulsor do surgimento e do desenvolvimento da empresa. E, ao se separar a produção industrial em vários ofícios, delineou-se a divisão social do tra- R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 113 balho, considerada semente dos modernos ramos da indústria. Nessa fase, quando os contornos da empresa moderna já estavam bem delineados, surgiu um novo elemento, a contabilidade, com o fim de auxiliar na construção do tipo conceitual da empresa. Com a proposta de permitir ao comerciante saber sua margem de lucros e perdas, avaliar negócios e obter visão de conjunto de seu patrimônio, a contabilidade permitiu ao empresário desenvolver de forma racional e estratégica o empreendimento. Como conseqüência, surgiu a noção jurídica de firma ou negócio e, ao lado de unidades naturais como família, tribo, aldeia e corporação, delineou-se uma unidade abstrata, o estabelecimento, que liberou as relações econômicas de qualquer elemento pessoal; estas adquiriram vida própria. Desse enfoque evolutivo extraem-se alguns momentos da origem e evolução da empresa moderna que se consideram significativos: a rudimentar indústria em domicílio evolui para a manufatura, caracterizada por grandes concentrações de produtores dispostos num mesmo local de trabalho, controlados e orientados pelo empresário, capitalista mercantil, que se transformou em capitalista industrial, organizador e financiador do sistema de produção em larga escala; a divisão social do trabalho transformou-se em divisão técnica do trabalho no interior de cada organismo produtivo, o que resultou em grande economia de esforço e maior rendimento, realidade que atraiu a atenção de pensadores econômicos, como Adam Smith e Jean Baptiste Say, e propiciou tratamento teórico do fenômeno no plano da ciência econômica.1 (MORAES FILHO,1993, p.26-27). A doutrina costuma considerar tormentoso construir uma definição de empresa, o que se atribui à costumeira expectativa de obter um conceito unitário que seja suficiente para aliar aspectos econômicos e jurídicos. Evaristo de Moraes Filho (1960, p. 327-328) já registrava essa dificuldade ao noticiar que vários estudiosos, dedicados à compreensão da teoria, da noção, dos delineamentos jurídicos da empresa, renderamse às queixas quanto aos empecilhos, referindo-se especialmente à doutrina italiana de L. Barassi, Carnelutti, Rocco e Rotondi.2 1 2 Coube a Jean Baptiste Say distinguir entre capitalista e empresário e mostrar que a doutrina os confundia. O empresário era o organizador da unidade econômica do regime capitalista e a ele cabia combinar os fatores da produção sob sua responsabilidade e risco. “Para L. Barassi, o conceito jurídico de empresa é um ‘tormento da doutrina’; para Carnelutti, ‘escabrosíssimo problema’; para Rocco ‘serve mais para confundir do que para esclarecer as idéias’; para Rotondi, enseja ‘tantas definições quanto são os pontos de vista diferentes nos quais podemos nos colocar a estudá-los.” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 114 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... Alberto Asquini, citado por Requião (1991), vinculou as dificuldades na elaboração de um conceito de empresa à complexidade do fenômeno que impede a obtenção de conceito unitário; daí vislumbrar a empresa como um fenômeno poliédrico, que contempla os seguintes perfis: subjetivo, na figura do empresário; funcional, enquanto atividade empreendedora exercida com fim lucrativo; objetivo ou patrimonial, como estabelecimento, complexo de bens organizados, coordenados e dirigidos pelo empresário; corporativo, como instituição formada pelo empresário e prestadores de trabalho (apud REQUIÃO, 1991, p. 52). Parece necessário, no entanto, um ponto de partida seguro, o que aconselha considerar empresa, antes de tudo, como um fato social. Tomase aqui o fato social como concebido por Émile Durkheim, em As regras do método sociológico (2003). Como um dos primeiros grandes teóricos da Sociologia, definiu com clareza o objeto dessa ciência e o vinculou aos fatos sociais. O fato social, de acordo com Maria Cristina Castilho Costa (2005, p. 81-83) seria experimentado pelo indivíduo como uma realidade independente e preexistente e possuiria três características básicas: a “coerção social”, considerada a força que os fatos exercem sobre os indivíduos, independente de sua vontade e escolha; a circunstância de serem “exteriores aos indivíduos”, ou seja, eles existem e atuam sobre os indivíduos independentes da vontade destes ou de sua adesão consciente; a “generalidade”, sendo social todo fato que é geral, que se repete em pelo menos na maioria dos indivíduos e que ocorre em distintas sociedades em um determinado momento ou ao longo do tempo. Assim compreendida a empresa, torna-se mais fácil vislumbrar o passo seguinte da análise, pois como ocorre com todo fenômeno social, seu estudo comporta diferentes perfis. Resulta, então, que só se poderá obter alguma precisão no alcance do vocábulo “empresa” se forem consideradas as várias acepções ou os vários substratos que concorrem para a formação de sua idéia central. Para os fins deste estudo e sem receio de transparecer alguma limitação na abordagem, considera-se suficiente versar os indissociáveis aspectos econômicos e jurídicos, além dos sociológicos, estes pelo extenso campo de investigação da Sociologia sobre os processos sociais que ocorrem no âmbito da empresa, seus efeitos na vida do ambiente maior3 e suas relações com a divisão do trabalho social. Pela última perspectiva, colhe-se de Evaristo de Moraes Filho (1960, p. 235) a idéia de empresa como um exemplo típico de grupo social organizado, com a observação de que há vários conceitos de grupo social, que, em regra, reúnem as características comuns de pluralidade de pessoas, interação e R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 115 direcionamento para a realização de objetivos comuns, além do senso de solidariedade, o sentimento do “nós”. No sentido sociológico, a empresa constitui uma forma especial de unidade social, com um meio interno próprio, relativamente autônomo que mantém relações com a comunidade que a cerca. Distingue-se das demais unidades pelo seu fim, que é a satisfação das necessidades humanas, e conta diretamente com a hierarquia e a disciplina. Nesse ambiente, realizam-se todos os processos sociais de interação, como ocorre num âmbito social mais amplo: há competição interna e externa, há conflito, acomodação, assimilação e, por fim, mesmo sem solução definitiva dos conflitos, sempre certa cooperação entre todos, para obter o fim almejado. Pode-se afirmar, também, que, como organização, a empresa acaba sendo o campo em que conflitos próprios da convivência humana, numa estrutura de fortes desigualdades sociais, muitas vezes se acentuam. Numa perspectiva econômica, encontram-se as mesmas dificuldades apontadas pela doutrina jurídica. Afirma-se em economia política que haverá tantos conceitos de empresa quantos forem os tratados ou cursos voltados ao assunto. Alguns serão excessivamente amplos; outros, acentuadamente técnicos; outros, ainda, mais estreitos do que em regra se adotam entre os economistas. O conceito econômico procura considerar especialmente o fato de a empresa constituir uma unidade de pessoas, de coisas e de bens, com um giro financeiro autônomo e próprio.4 (MORAES FILHO, 1993, p. 30-34) José Xavier Carvalho de Mendonça ocupou-se em delimitar a concepção de empresa a partir de seus aspectos econômicos, o que revela sua percepção, que é comum a outros juristas, de que a perspectiva econômica é que, em última análise, influencia o respectivo conceito jurídico. Entende a empresa (1953, p. 492) como 3 4 Entende-se por “ambiente maior” a concentração de populações, migrações, relações domésticas. TRUCHY assim define: “Chamamos empresa toda organização, cujo objeto é produzir, trocar ou fazer circular os bens ou serviços. A empresa é a unidade econômica na qual se agrupam e coordenam os elementos humanos e materiais da atividade econômica”. Para Joseph SCHUMPETER, pode-se denominar empresa a execução de novas combinações e igualmente suas realizações nos estabelecimentos, etc. e empresários os agentes econômicos, cuja função é executar novas combinações e que são elementos ativos. A critica que se dirige à limitação de seu conceito é a de que não engloba todos os agentes econômicos independentes, trabalhando por conta própria. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 116 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... [...] a organização técnico-econômica que se propõe a produzir, mediante a combinação de diversos elementos – natureza, trabalho e capital – bens ou serviços destinados à troca (venda), com a esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade. Um abrangente conceito econômico de empresa exige que sejam considerados alguns elementos essenciais, como propõe Evaristo de Moraes Filho (1993, p. 34): uma sociedade suficientemente desenvolvida, sob regime de troca de serviços por meio da moeda; um mercado amplo, anônimo, permanente, que dê consumo aos bens que lhe são proporcionados; coordenação, pelo agente da produção, dos fatores indispensáveis (natureza, trabalho e capital); irrelevância de que o agente seja, ele próprio, o detentor e fornecedor de capitais ou tenha que se valer de fornecedores estranhos a seu negócio; necessidade de separação entre função diretiva e executiva, em que o organizador se vale de trabalho alheio; espírito de lucro, avaliável em dinheiro e assunção do risco pelo empresário. O Direito ocupa-se, de longa data, em delimitar a idéia de empresa. Coube à doutrina do Direito Comercial elaborar alguns conceitos, não sem polêmicas e sem tormentos. Rubens Requião havia observado, também, que o conceito jurídico de empresa se assenta no conceito econômico. O insucesso na construção de um conceito jurídico próprio revelou certo constrangimento e frustração na doutrina5 (BULGARELLI, 1980, p. 111-124) o que levou o autor a comentar: “[...] como se fosse desdouro para a ciência jurídica transpor para o campo jurídico um bem elaborado conceito econômico.” (1991, p. 48). As dificuldades conceituais, como observa Luiz Antonio Soares Hentz (2002, p. 34-35), não impediram que a legislação complementar aos Códigos Civil e Comercial brasileiros adotasse a figura da empresa “[...] sempre que a oportunidade se fez presente, notadamente após 1964, embora não tenha havido qualquer preocupação em se definir claramente a empresa por intermédio de dispositivo de lei.” 5 Pela dificuldade de encontrar um lugar determinado para a empresa, no Direito, num primeiro momento, doutrinadores chegaram a desprezá-la como entidade cientificamente relevante. Waldemar Ferreira sustentou que a empresa não tinha enquadramento possível no Direito, e Waldirio Bulgarelli que o ponto principal do problema seria a subjetivação da empresa. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 117 Essa tendência persistiu, inclusive, no novo Código Civil, que veio consagrar o Direito de Empresa, porém sem fixar-lhe um conceito técnico-legislativo. Ao tratar da teoria da empresa6, o novo código ratificou o entendimento doutrinário e jurisprudencial que se vinha adotando com a aplicação de leis esparsas. Ainda, ao revogar a primeira parte do Código Comercial de 1850, unificou o tratamento legal da disciplina da atividade econômica no País e tornou de pequena importância a noção de “atos de comércio” ali regulados. Ainda que o novo código não apresente um conceito de empresa, as considerações do projeto e alguns pronunciamentos de Miguel Reale, que presidiu a comissão de elaboração do texto, revelam que se adotou a acepção dominante na doutrina, qual seja, a empresa como “unidade econômica de produção” ou a “atividade econômica unitariamente estruturada para a produção ou a circulação de bens e serviços”, como se observa em O projeto de Código Civil: situação atual e seus problemas fundamentais (1986, p. 98). O Direito de Empresa, inspirado no Direito italiano, como observa Luiz Antonio Soares Hentz (2002, pp. 39-41) é hoje tratado pelo Código Civil Brasileiro, no Livro II, que disciplina a figura jurídica do empresário individual, das sociedades, do estabelecimento e institutos complementares e indispensáveis à regulamentação da atividade empresarial contemporânea. Marcelo Marcos Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro (2006, p. 50) observam que cada vez mais se sedimenta a idéia de que a empresa é a “atividade” desenvolvida pelo empresário, sujeito de direito. Na esteira do que propõem esses autores, pode-se compreender que o novo Código Civil, ao adotar um conceito legal de empresário – aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”7 – possibilita extrair, por via transversa, o entendimento do que seja empresa. O Código Comercial de 1850 dispunha de um sistema com base na figura do comerciante, o su- 6 7 O Direito de Empresa, por muito tempo, mostrou-se fragmentário. O que se convencionou denominar “teoria da empresa”, num sentido mais amplo do que o de simples organização de coisas para produção, iniciou-se no campo do Direito com dois ramos relativamente novos: o fiscal, que, para efeito de cobrança de tributos e taxação de lucros, considerou a empresa não uma unidade de produção, mas um todo capaz de ser ativo e passivo; e o do trabalho, com a preocupação central de obter a paz social e maior entrosamento de classes sociais, tendo em vista o bem coletivo e a produção nacional. Artigo 966. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 118 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... jeito que praticava atos de comércio. O empresário de hoje é a face moderna daquele comerciante e constitui o objeto do Direito Empresarial, inserindo-se num espectro mais abrangente de atividades e que compreende, para os autores, “[...] a existência de uma organização que combina os elementos natureza, trabalho e capital, com o fito de produzir ou trocar bens ou serviços.” (2006, p. 52). Ainda no aspecto jurídico, a empresa pode ser vista, como considerou Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa (2006, p. 101), como um [...] núcleo de múltiplas manifestações do direito de propriedade: produz bens, gera riqueza, estabelece – por meio dos negócios jurídicos – relações de aquisição e alienação de propriedade, tecendo um intrincado conjunto de obrigações jurídicas e interagindo com o meio político, com os consumidores, com os trabalhadores, com as populações vizinhas, com a natureza. A empresa, na realidade, origina-se da disposição do empreendedor para assumir riscos, associado à sua condição de proprietário. Assim, “propriedade e mérito individual sustentam a criação da empresa” e esta visa obter lucro a seus proprietários, com a garantia de uso dos meios necessários e permitidos. Admite-se que o “ato de empreender” depende necessariamente do uso de recursos naturais, implica “livre disposição de ‘recursos’ humanos”, ou seja, de pessoas, e “produz bens e serviços de consumo geral” (Bessa, 2006, p. 127), além de produzir outros resultados materiais, com potencial geração de danos a direitos alheios, individuais e coletivos. A sociedade conviveu com a tendência, até certo ponto natural, de ver a empresa genericamente como criação do capital, objeto sobre o qual recai o direito de propriedade do empreendedor capitalista. Todavia, quando se considera a participação do elemento humano nesse complexo atuar da atividade empresarial, o tema adquire conotação especial, porque, considerada como um fenômeno econômico-social, é também o 6 7 O Direito de Empresa, por muito tempo, mostrou-se fragmentário. O que se convencionou denominar “teoria da empresa”, num sentido mais amplo do que o de simples organização de coisas para produção, iniciou-se no campo do Direito com dois ramos relativamente novos: o fiscal, que, para efeito de cobrança de tributos e taxação de lucros, considerou a empresa não uma unidade de produção, mas um todo capaz de ser ativo e passivo; e o do trabalho, com a preocupação central de obter a paz social e maior entrosamento de classes sociais, tendo em vista o bem coletivo e a produção nacional. Artigo 966. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 119 espaço onde se concentra e se organiza a força produtiva – o trabalho humano –, onde se manifesta a economia de força de trabalho e onde se travam relações jurídicas. Nesse sentido, a empresa é o espaço, por excelência, em que se materializam as relações de trabalho, onde o contrato de trabalho encontra a sua concretude nas práticas funcionais dos trabalhadores e na apropriação dos resultados desse trabalho pelo empresário. É por essa razão que o Direito do Trabalho se ocupa com a empresa e com a observação de que o seu objeto de tutela não é diretamente o conjunto de bens, mas os indivíduos que nela se inserem para participar do processo produtivo em regime de subordinação ao empresário. A empresa constitui o sustentáculo sobre o qual gravitam as regras de Direito do Trabalho, embora não se possa afirmar que todo contrato de trabalho pressupõe a existência de uma empresa. A proteção do Direito do Trabalho, portanto, dirige-se ao elemento humano, trabalhador, considerado primordial, partícipe do processo de criação da riqueza social. Essa é a razão da tendência de esse ramo do Direito ampliar o conceito de empresa. Passa-se a entender esta como a organização do trabalho alheio, sob o regime de subordinação hierárquica, dirigida à produção de determinado bem econômico, reconhecendose aí o espírito de lucro e a assunção do risco, na síntese de Evaristo de Moraes Filho.8 (1993, p. 180) Empresa e empresário, obviamente, exercem papéis que não se limitam às relações de produção organizadas internamente. Da mesma forma, não se limitam à produção de bens e serviços, embora as relações jurídicas que o Direito disciplina, no campo do Direito Empresarial, situem-se no âmbito preponderantemente patrimonial. O papel da empresa, na sociedade atual, transcende as fronteiras internas e o aspecto puramente econômico. Muitos são os desdobramentos da atividade empresarial. Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa (2006, p. 154) pontua que a “[...] empresa evoca atividade, lucro, propriedade, produção: gente, trabalho, consumo, natureza, riqueza. Liberdade-poder de empreender.” Ainda, como observa Aldacy Rachid Coutinho (1999, p. 74), “[...] a empresa está indissociavelmente ligada à ascensão da organização como fonte de po- 8 Conceito elaborado com base no artigo 2º da CLT: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços.” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 120 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... der”, e pelos meandros do poder na empresa circula a estrutura organizacional horizontal e hierárquica. Essa amplitude de aspectos traz a inafastável conclusão de que a empresa constitui um dos mais poderosos agentes sociais da atualidade. Tal análise se vem destacando pelo enfoque de sua função e responsabilidade social. Por sua “[...] importância econômica e por seu significado humano, ascendeu a um significado político e social” (LAMY FILHO, 1992, p. 58) e tornou-se o centro de discussões e debates entre sociólogos, economistas, políticos e juristas. Sua relevância extrapola o aspecto da estrutura interna para gerar influência sobre a comunidade, o próprio Estado e além das fronteiras deste. A natureza e a função social que se reconhecem nas sociedades empresariais, assim como o valor econômico de organização que representam, têm justificado a defesa de sua conservação no Direito contemporâneo. O princípio da conservação da empresa está na base de uma série de interesses individuais e sociais a ela vinculados, dela dependentes e a ela direcionados. Esse será o aspecto central da análise que segue, ao qual se vincula diretamente o princípio da continuidade dos contatos de trabalho, considerando-se que a empresa, sob um aspecto, é o espaço onde se concentra e se organiza a força humana produtiva. A Constituição Federal de 1988 instaurou no País nova ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, observada a função social da propriedade e a busca do pleno emprego (artigo 170). Gustavo Tepedino destaca a preocupação do legislador constituinte em instituir a nova ordem, de forma a evitar que a iniciativa econômica privada se desenvolva em prejuízo à promoção da dignidade humana e à justiça social, que são fundamento da República9 e princípio da ordem econômica. A Constituição, acentua o doutrinador (2003, p. 118), “[...] rejeita, igualmente, que os espaços privados, como a família, a empresa e a propriedade possam representar uma espécie de zona franca para a violação do projeto constitucional”, que se volta à garantia de livre iniciativa econômica, de valorização do trabalho humano e de dignidade da pessoa. Preservação da empresa e preservação dos empregos têm fundamento comum na Constituição; daí se sustentar que esses dois princípios se inter-relacionam e se completam. 9 CONSTITUIÇÃO FEDERAL, artigos 1º, III, e 3º. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 121 3 PRESERVAÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL COMO PRINCIPIO ESTRUTURANTE DO DIREITO DE EMPRESA, NO CÓDIGO CIVIL A atividade empresarial produz resultados sociais, econômicos, políticos, jurídicos, ambientais e tantos outros que transcendem os interesses individuais do empresário ou dos titulares de uma sociedade empresarial. Já se observou que a empresa concentra múltiplas manifestações do direito de propriedade e tece um complexo conjunto de obrigações jurídicas ao interagir com o meio político, com os consumidores, os trabalhadores, a população e a própria natureza. Daí porque, na expressão de Fábio Ulhoa Coelho (2004, p. 13) “[...] no princípio da preservação da empresa, construído pelo moderno Direito Comercial, o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade”, esclarecendo-se que, na realidade, não se propugna preservar exatamente o empresário, o estabelecimento ou uma sociedade. Esse princípio inspira ações no sentido de preservar, em concreto, interesses de empregados quanto a seus postos de trabalho, consumidores em relação aos bens ou serviços de que necessitam, o Estado, pela arrecadação de tributos, e a própria sociedade, pela expectativa de redução de desigualdades. O aspecto funcional da empresa ganha relevo, quando analisado a partir de sua perspectiva social. Alberto Asquini vislumbrou o perfil funcional da empresa ao concebê-la como atividade empreendedora exercida com fim lucrativo, conceito pelo qual Marçal Justen Filho (1998, p. 113) destaca: a empresa é a “[...] atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços.” Do ponto de vista da função, que Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa (2006, p. 102) toma como vetor interpretativo inafastável no Direito Societário, a autora, valendo-se de estudos de Jair Lima Gevaerd, propõe funções que a empresa deve seguir no desempenho de suas atividades: a adequada e lícita organização dos fatores de produção; o abastecimento da coletividade e do próprio mercado, a promoção e preservação; o crédito, com pontualidade e justa expressão; as práticas de interdependência entre os agentes econômicos; as condições de concorrência; a natural lucratividade; a proporcional distribuição de ônus e bônus. Somam-se outras funções que a autora aponta com base no mesmo estudo e que se classificam pelos planos interno e externo. No plano interno, como elucida, as atividades visam atender a três funções primordiais: a sobrevivência, a continuidade e a reprodução da empresa. As funções se relacionam com o principio da preservação da empresa e dizem respeito às relações entre a “empresa, seus proprietários e seus colaboradores diretos”. Tornam-se concretas sob a orientação de alguns R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 122 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... princípios, como os da eficiência, da funcionalidade, da organização e do risco. No plano externo, estariam a organização da produção, abastecimento e a manutenção da concorrência (2006, p. 103) relacionadas de algum modo com a idéia da função social da empresa. É preciso notar que essas funções, pela dinâmica da atividade empresarial, desenvolvem-se dentro de um complexo sistema que está em constante transformação. Velocidade e inovação são inerentes a essa dinâmica, na atualidade, de forma que não há como negar a constante necessidade de impor formas de conciliação das funções internas (sobrevivência, continuidade) e externas (organização da produção, abastecimento), para o que o Direito já contempla uma série de instrumentos de tutela, a exemplo da orientação interpretativa dos contratos, seja no campo do Direito Comercial ou no Direito Civil, inclusive, no Direito do Trabalho. Os estudos acadêmicos em torno do Direito Empresarial e a atenção que se tem destinado à atuação legislativa e judiciária nessa área, têm fortes motivações na própria realidade social, que sofre transformações profundas e velozes e que, em certa medida, já foram captadas pelo sistema jurídico do País. Algumas criações legislativas, fruto de inspiração humanista e solidarista, são hoje verdadeiros vetores constitucionais de proteção ao ser humano, as quais se procura aproximar da análise do Direito Econômico e Empresarial. Para restringir a abordagem aos objetivos deste trabalho, no aspecto legislativo, basta analisar as modificações introduzidas pela Constituição de 1988 e, em sua esteira, pelo Código Civil de 2002, e, no aspecto social, as transformações que acompanham o fenômeno da globalização, todas ligadas diretamente ao tema da preservação da atividade empresarial. A Constituição de 1988 instituiu no País uma realidade jurídica nova, a iniciar pelos fundamentos e objetivos que definiu já nos artigos 1º e 3º de seu texto. No ponto em que tratou da ordem econômica, no artigo 17010, considerou-a fundada tanto na dignidade da pessoa, como na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano. Essa tomada de postura legislativa repercutiu, de forma direta, na maneira de interpretar e tornar concreta a legislação infraconstitucional, especialmente no que se refere ao Código Civil. 10 Artigo 170. “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...].” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 123 O novo Código Civil brasileiro, promulgado em janeiro de 2002, teve o intuito de promover a superação das concepções eminentemente patrimonialista e individualista que norteavam o Código de 1916, por sua vez calcado na racionalidade que caracterizou a era moderna. O novo Código, como fez a Constituição, enfatizou a necessidade de priorizar a dignidade do sujeito, com base em três premissas: operabilidade, eticidade e socialidade. Nessa esteira dedicou o Livro II ao Direito de Empresa. Ao deslocar a atenção primordial do Direito, do patrimônio para o sujeito, a Constituição e o Código Civil revelaram nítida opção pela causa dos direitos humanos e fundamentais, o que passou a direcionar toda a atividade interpretativa e aplicativa do Direito, no que se inclui o Direito de Empresa. Neste ponto, é necessário abordar alguns dos aspectos sociais relevantes, que se relacionam com o surgimento dessa nova ordem, entre eles, a mundialização da economia. O fenômeno da globalização é inconteste. Mais intenso e de repercussões cada vez mais graves, desde o final do século XX, provoca abalos e rupturas na sociedade e em seus valores, a ponto de comprometer algumas conquistas históricas no campo dos direitos humanos. Eros Roberto Grau (2003, p. 40) faz essa advertência ao apontar como ameaças do novo sistema: a) a globalização está associada a novos tipos de exclusão social; b) instala uma contínua e crescente competição entre os indivíduos; c) conduz à destruição do serviço público. Enfim, a globalização, “[...] na fusão de competição global e de desintegração social, compromete a liberdade.” A globalização da economia é uma realidade visível, palpável, sentida e temida e, por isso, mais do que nunca debatida. Há quem a apresente como fábula e preconize seus benefícios: encurtamento de distâncias, difusão instantânea de informações, mercado global, uniformidade, facilidade de acesso a bens de consumo, entre outros. Há quem afirme, porém, como fez Milton Santos (2000, p. 19-20), que na realidade funciona como uma máquina ideológica que pretende, apenas, a continuidade do sistema e que, longe de ser considerada uma fábula, a globalização seria, na verdade, “um mecanismo de manifestação de perversidades”. Há razões plausíveis em ambas as posições, análise que não está entre os objetivos deste estudo. A liberdade de iniciativa e o direito de propriedade asseguram ao empreendedor o poder de selecionar e ordenar os meios necessários para exercer a atividade econômica que elegeu. Ocorre que, no processo de globalização da economia, quando a opção se resume a atuar basicamente pelas leis de mercado e priorizar a obtenção de lucro, há o risco de R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 124 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... se reduzir o próprio ser humano a instrumento para alcançar esse fim, o que exige extrema atenção dos que operam com o Direito. É necessário desenvolver um sistema de atuação jurídica – de interpretação e de aplicação – capaz de assegurar que a atividade econômica “[...] auxilie na proteção e concretização dos direitos fundamentais, ao invés de reduzir o indivíduo a simples sujeito proprietário, sem identidade e direcionado exclusivamente ao consumo”, como pontuou Carlos Alberto Farracha de Castro (2007, p. 14). Trata-se, na realidade, de um processo de “[...] reumanização da atividade empresarial, que perpassa pelo instituto da preservação da empresa.” Miguel Reale (2005, p. 46), em face do tratamento que se destinou à ordem econômica na Constituição, propõe afastar da expressão livre iniciativa [...] uma significação estritamente econômica, pois ela se reporta sempre à liberdade do homem enquanto indivíduo, ou melhor, enquanto pessoa. A livre empresa não é senão um corolário ou projeção dessa liberdade fundamental. A ordem econômica e financeira na Constituição, portanto, deve ser compreendida de maneira sistemática, porque é indissociável dos fundamentos e princípios fundamentais da República e do Estado Democrático de Direito. Na lição de Raul Machado Horta (1995, p. 301), sendo instrumento para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a ordem econômica “[...] é a fonte das normas e decisões que permitirão à República garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos”. Nesse panorama, sustenta Carlos Alberto Farracha de Castro (2007,* p. 64) que [...] eventual conflito ou mesmo incompatibilidade, ainda que transitória entre o lucro (compatível com a livre iniciativa da atividade empresarial) e a concretização dos direitos sociais, a solução jurídica adequada para dirimi-lo deverá privilegiar, ao final, os objetivos sociais. (*) Nota da Editoria: embora a Revista refira-se ao ano de 2006, tendo tido sua revisão finalizada em 2007, a autora aproveitou para atualizar seu texto com esta obra que lhe foi decisiva para melhor tratar o tema do artigo. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 125 O pensamento jurídico sobre o alcance humanístico da Constituição e do Código Civil de 2002, é, na realidade, fruto do desenvolvimento do Direito Constitucional e do Civil, o que se verificou em vários países desde a metade do século XX, notadamente no Brasil. Assume-se o profundo descompasso entre a regulação do Código de 1916, fruto do Positivismo e das doutrinas individualistas que embasaram o sistema de codificação no século XIX e a realidade emergente da vida contemporânea, social e econômica. O modelo civil clássico, que se voltava à tutela da propriedade, tornou-se frágil pela necessidade de tutela do sujeito. O Direito Civil, assim, passou a ser visto à luz dos princípios e valores que norteiam Constituição, disseminando-se a idéia de “constitucionalização do direito civil”. Propôs-se sua leitura como um “sistema aberto” – e não uma construção jurídica acabada – que deveria permanecer atento aos princípios constitucionais voltados à proteção dos direitos fundamentais. Esse contexto permitiu vislumbrar que o Direito Civil não poderia mais ser um instrumento de proteção preponderante da propriedade e das garantias patrimoniais do proprietário, afetas a um determinado segmento social naturalmente favorecido. Essa é a idéia da despatrimonialização do Direito Civil, que caminha no sentido de priorizar a tutela do sujeito e dos direitos e garantias fundamentais que o texto constitucional consagra. A compreensão desse ponto é fundamental para alcançar o sentido da mudança promovida pelo Código Civil, ao regular o Direito de Empresa. O Direito Civil passou a tutelar a atividade organizada – a empresa –, porém a adequada aplicação dessa tutela exige o rompimento com os conceitos clássicos civilistas e a busca de novos modelos de atuação, para que se concretize o objetivo de atingir os anseios da sociedade contemporânea. Nesse contexto, pensar a empresa significa delimitar seu papel e suas funções na vida em sociedade. Significa reconhecer que a Constituição, na ordem econômica, assegurou a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano; garantiu o direito de propriedade, mas lhe impôs como norte o desempenho de função social; elegeu o princípio da livre concorrência, mas sem negligenciar a expectativa de busca do pleno emprego. O princípio da preservação da empresa integra essa opção constitucional. O que se faz necessário, agora, é identificar suas possíveis dimensões. Carlos Alberto Farracha de Castro (2007, p. 43) dedicou amplo estudo ao tema e entre outras vinculações observa que “[...] não se pode falar em busca do pleno emprego, sem propiciar a preservação da empresa.” Esta, por sua vez, como observa Luis Edson Fachin (2001, p. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 126 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... 199), “[...] interessa ao Direito e à economia, pela proteção que oferece à continuidade dos negócios sociais.” A busca do pleno emprego depende, em substancial medida, da atividade empresarial, e mesmo a valorização do trabalho dela depende, já que a empresa move o mercado e a economia de forma predominante na atualidade e, em conseqüência, é a grande garantidora de empregos e postos de trabalho de qualquer natureza. A preservação da empresa é defendida por Carlos Alberto Farracha de Castro como um princípio constitucional implícito, não escrito, a exemplo dos princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica que podem ser extraídos de uma série de dispositivos da Constituição. Esclarece que a preservação da empresa como principio constitucional (2007, p. 43) não deriva exclusivamente do principio da busca do pleno emprego, [...] mas também do fato de que a Constituição Federal, entre os princípios gerais da atividade econômica, estabelece a função social da propriedade, o que não tolera a extinção de empresas produtivas, sob pena de não atender aos interesses coletivos, mas, tãosomente, aos individuais e patrimoniais de seus titulares. Pode-se vislumbrar esse princípio, também, pela “desmaterialização da riqueza”, que é conseqüência da função social da propriedade, valendo-se o autor, nesse ponto, de lições de Orlando Gomes e Enzo Roppo (2007, p. 44-45) que vislumbram a empresa e o contrato como a noção contemporânea de propriedade. Se a empresa representa a noção contemporânea da propriedade, por força do princípio constitucional ela deve atender a uma função social, que tem dimensões bastante claras, de “[...] gerar benefícios não só aos seus titulares, mas também a terceiros, como trabalhadores, fornecedores, consumidores e ao próprio Estado.” A preservação da empresa, então, deve ser uma exigência da interpretação adequada da ordem econômica. Nessa esteira, já se vêm pronunciando alguns órgãos judiciários do País. Estudar a ordem econômica na Constituição significa considerar, também, o principio da preservação da empresa, já que ele pode propiciar a concretização dos direitos fundamentais, como defendido por Cristina M. M. Queiroz11, (CASTRO, 2007, p. 46), entendidos no sentido de abranger “tanto direitos, liberdades, garantias, como direitos econômicos, sociais e culturais”. A esse propósito, cumpre anotar que o princípio gravado 11 Referencia à obra de QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais: teoria geral. Coimbra: Coimbra, 2002. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 127 pelo legislador constituinte no artigo 170, IX12, inspira a interpretação do artigo 72 da Lei de Recuperação e Falências13, especialmente quando trata do direito de objeção por parte dos credores, ao pedido de recuperação judicial. Com efeito, supor que tal objeção prescindisse de fundamentos criaria inegável contradição no sistema, pois no mesmo passo em que o princípio constitucional assegura tratamento favorecido, a norma infraconstitucional tornaria difícil ou impossível o favorecimento. Assim, impõe-se a necessidade de apreciação da objeção pelo juiz que, para promover autêntica integração da norma ao sistema constitucional, só deverá decidir favoravelmente ao credor – e negar o favor legal ao pequeno empresário –, em face de relevante razão econômica ou de direito. O exercício da empresa implica, naturalmente, aceitar riscos. Rachel Sztajn (2005, p. 41) aponta como um desses riscos “[...] a nãomanutenção da atividade se não atender a padrões de eficiência e economicidade.” Sustenta que não se faz necessário ampliar esse risco mediante a redação de normas de direito positivo, “vagas, vazias de conteúdo”. Pode-se contrapor a esse pensamento, evidentemente pessimista quanto à opção do novo Código Civil por cláusulas abertas e pelo seu uso em relação às práticas da empresa e dos mercados, que a idéia do risco empresarial pode também não estar vinculada, necessariamente, à “não-manutenção da empresa”, quando desatende aos padrões de eficiência e economicidade, como defende. Ao contrário, parece mais razoável que se vincule à quase obrigatoriedade de sua manutenção até as últimas possibilidades e, por conseqüência, à obrigação de se ajustar aos padrões de qualidade e economia hoje exigidos, já que a atividade empresarial, embora nasça de um ato de disposição do empresário, uma vez criada, passa a gerar efeitos para muito além deste e de seus interesses individuais. Esses efeitos, por óbvio, não desaparecem, nem serão como se nunca houvessem existido, só pela vontade do empresário. Essa forma de pensar, evidentemente, não afasta a necessidade de retirar do mercado a empresa absolutamente ineficiente que pode estar se valendo, inclusive, de subsídios públicos ou agindo em fraude e em prejuízo irreparável ou de difícil reparação a terceiros ou à própria sociedade. Tam- 12 Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. 13 Artigo 72. “Caso o devedor de que trata o art. 70 desta Lei opte pelo pedido de recuperação judicial com base no plano especial disciplinado nesta Seção, não será convocada assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano, e o juiz concederá a recuperação judicial se atendidas as demais exigências desta Lei. Parágrafo único. O juiz também julgará improcedente o pedido de recuperação judicial R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 128 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... bém não afasta a necessidade de retirar o empresário inescrupuloso ou incompetente. Essas medidas, aliás, são juridicamente possíveis e estão autorizadas no ordenamento pátrio. O que se defende é a preservação da empresa como princípio, e somente em situações extremas e irreversíveis sua retirada do mercado estaria autorizada. Mauro R. Penteado (2005, p. 71), nessa linha de raciocínio, lembra que está perfeitamente consolidada a noção de que a empresa exerce função social, até por determinação constitucional, e aponta, como marco desse salto valorativo na visão da atividade empresarial, a introdução, na Lei 6.404/1976, do artigo 116, parágrafo único: O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objetivo e cumprir a sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. (grifos no original). Por ser a unidade produtiva geradora de riquezas, a empresa, na expressão do mesmo autor (2005, p. 71-72), não está mais autorizada a “[...] pautar-se por interesses exclusivamente egoísticos e na procura obsessiva e predatória de lucros”, já que lhe cabe atender, por força da Constituição, aos direitos dos consumidores, ao regime da livre concorrência, à preservação do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural do País, entre outros. Enfatiza que [...] em razão dessa função de grande relevo é que a nova lei [referência à Lei de Recuperação de Empresas e Falência] estrutura mecanismos que conduzem à sua preservação, superando as naturais crises econômicas e financeiras pelas quais venha a passar o devedor empresário. Calixto Salomão Filho (2002, p. 40-42), ao analisar os fundamentos do Direito Societário e a função das sociedades, considera a empresa e o interesse social na perspectiva econômica do Direito, em abordagem que remonta os clássicos ensinamentos contratualista e institucionalista para demonstrar as bases de uma nova concepção, a de sociedade empresarial como organização. Essa concepção deriva da teoria organizativa, considerada a mais apta “[...] a garantir a lucratividade dos sócios, tão almejada pelos contratualistas”, com a capacidade de transformar a sociedade “naquela célula social propulsora do desenvolvimento tão almejada pelos institucionalistas”. Como conseqüência, conclui: R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 129 O interesse da empresa não pode ser mais identificado, como no contratualismo, ao interesse dos sócios nem tampouco, como na fase institucionalista mais extremada, à autopreservação. Deve, isso sim, ser relacionado à criação de uma organização capaz de estruturar de forma mais eficiente – e aqui a eficiência é a distributiva e não a alocativa – as relações jurídicas que envolvem a sociedade. Nos comentários sobre a Lei de Recuperação de Empresas e Falência, Calixto Salomão Filho (2005, p. 41-52) retoma o aspecto do interesse social nas sociedades empresariais para evidenciar a clara opção, que considera de matiz institucionalista, pela preservação da empresa no texto dessa Lei, quando pontua que “[...] não é possível pensar em preservação da empresa apenas no período de crise da empresa, mas também durante a sua vida.” Assim, defende que a aplicação da nova Lei de Falência, “[...] de forma coerente com o principio da preservação da empresa pode ajudar a dar aplicação a princípios institucionalistas societários”, como considera ser o do artigo 116 dessa lei. Os princípios do Código Civil e o Direito de Empresa estão atrelados entre si. Estudos de Wilges Bruscato (2005, p. 50-75), nesse sentido, bem demonstram esse indissociável vínculo. Na atualidade, a atividade econômica é desenvolvida basicamente por meio da empresa mercantil, que é abrangente de toda forma de atividade econômica, já que o vocábulo tem o sentido de organização destinada à produção ou à venda de mercadorias ou à prestação de serviços, tendo o objetivo de lucro. A própria sociedade contemporânea pode ser identificada por meio da empresa, como menciona(2005, p. 64), ao lembrar Fábio Konder Comparato: “É dela que depende, diretamente, a subsistência da maior parte da população ativa deste País, pela organização do trabalho assalariado.” É das empresas, também, que provém “a grande maioria dos bens e serviços consumidos pelo povo, é delas que o Estado retira a parcela maior de suas receitas fiscais.” Ainda, é em torno delas “que gravitam vários agentes econômicos não assalariados, como os investidores de capital, os fornecedores, os prestadores de serviços.” Antonio José Avelãs Nunes (2001, p. 49), em dedicado estudo ao direito de exclusão de sócios nas sociedades comerciais, pontua que “[...] a idéia de protecção da empresa social é de capital importância na análise do problema da exclusão de sócios nas sociedades comerciais.” Defende que na fase de desenvolvimento econômico do mundo atual “o interesse na conservação das empresas sociais reveste um carácter de interesse público”, que pensa ser coincidente com o interesse dos sócios, sendo o último aspecto, na realidade, não pacificado na R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 130 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... doutrina. De qualquer forma, demonstra que a exclusão de sócios é manifestação do princípio da proteção da empresa, que envolve “a garantia de sua continuidade, a defesa dela contra tudo o que possa destruir o seu valor de organização.” Há, portanto, inúmeros valores sociais agregados à atividade empresarial, que motivam sua preservação. A geração de postos de trabalho, a participação nas receitas do Estado, o avanço tecnológico e os investimentos em pesquisas, o desenvolvimento das regiões e microrregiões onde a atividade empresarial se instala, a facilidade de acesso a bens e serviços, enfim, somam-se a outros mencionados e servem para justificar, do ponto de vista social, econômico e jurídico, a defesa do princípio da preservação da empresa, especialmente pelo padrão de vida atual, calcado no modelo econômico do consumo. As razões econômicas que impõe a necessidade de evitar a extinção dos organismos produtivos, na visão do autor, devem inspirar os meios jurídicos capazes de expurgar os elementos perturbadores. Adverte que seu desaparecimento pode causar dificuldades na vida dos negócios, já que as empresas comerciais representam um valor econômico de organização “[...] que é necessário conservar, para salvaguarda do esforço organizador dos empresários, dos direitos dos empregados ao trabalho, dos direitos dos sócios a ver frutificar o seu capital.” Não olvida, porém, que a natureza e a função social das sociedades comerciais é que faz delas fatores de grande interesse social que transcende o âmbito dos interesses particulares. O ordenamento jurídico, efetivamente, deve permanecer atento às razões de ordem social e econômica que determinam a necessidade de se preservar a atividade produtiva. E, nesse passo, como demonstra Carlos Alberto Farracha de Castro, o Direito de Empresa no Código Civil “[...] está respaldado no princípio da preservação da empresa.” Assim conclui ao demonstrar que o princípio decorre da estrutura da ordem econômica no texto da Constituição, que dá a diretriz interpretativa e aplicativa ao novo Código14 (2007, p. 108). O princípio da preservação da empresa parece ser o fio condutor e a ligação entre todos os títulos que compõem o Direito de Empresa no novo Código. 14 Carlos Alberto Farracha de Castro adverte que, embora o Código Civil trate do Direito de Empresa, não houve a unificação total do Direito Civil com o Direito Comercial, exceto no que diz respeito ao direito das obrigações. O Direito Comercial continuará como um ramo do Direito Privado coexistindo com o Direito Civil, porque possuem intenso relacionamento. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 131 Ao tratar da figura do empresário o Código já indica a importância em proporcionar meios para a preservação e a continuidade da atividade por ele exercida. Toma-se como exemplo a norma constante no artigo 97415, que trata da pessoa do incapaz e que vem autorizada pelo Código a continuar o exercício da atividade empresarial (por ele administrada, enquanto capaz), desde que devidamente assistido por representante, mesmo que sob autorização judicial, o que era tratado de modo diverso no artigo 336 do Código Comercial. O acerto ou eventual deslize da medida, questionado na doutrina, não será abordado, por transbordar os limites deste trabalho. O artigo 103316 do Código Civil autoriza a dissolução da sociedade quando ocorrer “[...] a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias.” Com essa medida, afastou-se em definitivo a possibilidade de extinção da sociedade composta de apenas dois sócios, na hipótese de afastamento de um deles. Nesse aspecto, positivouse o entendimento jurisprudencial que já era predominante e que, como observa Carlos Alberto Farracha de Castro, “[...] realça o pilar da preservação da empresa.” (2007, p. 115). Parece evidente a preocupação do legislador em manter a empresa quando se analisa o artigo 1.01517, parágrafo único, I, II e III, do Código. Nessa hipótese, a preocupação preponderante é conservar a empre- 15 Artigo 974: “Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança.” 16 Artigo 1.033: “Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II - o consenso unânime dos sócios; III - a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.” 17 Artigo 1.015: “No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II - provando-se que era conhecida do terceiro; III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 132 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... sa em detrimento de interesses meramente patrimoniais do sócio e daí a previsão das hipóteses que possibilitam a absolvição da sociedade, com a responsabilidade direta dos administradores perante terceiros. Outro exemplo, extraído do estudo de Carlos Alberto Farracha de Castro, que enfatiza o principio da continuidade e preservação da empresa, é o artigo 1.08518 do Código Civil, que permite a exclusão do sócio que está pondo em risco a continuidade da empresa, ainda que observado previamente o exercício do direito de defesa perante a assembléia. O próprio artigo 1.02919 do Código viria em reforço a essa interpretação, à medida que faculta a qualquer sócio retirar-se da sociedade, sem prejuízo da continuidade desta. É plausível sustentar, como fez o autor, que o princípio da preservação da empresa, como vetor do Código no campo do Direito de Empresa, exerceu forte influência sobre a atividade legislativa que culminou com a Lei 11.101/2005, de Recuperação de Empresas e Falência, haja vista que esta utiliza como referencial as noções extraídas do novo Código. Esses exemplos não esgotam a conclusão de que a preservação da empresa constitui a linha mestra no Código Civil. Deve-se acentuar, nesse aspecto, que o texto da lei não pode mais ser interpretado de modo rígido, nem é possível compreender que a efetividade da preservação dependesse, necessariamente, de um texto de lei expresso. De qualquer sorte, o Código Civil a contempla expressamente em alguns dos dispositivos mencionados. E o princípio, em nível constitucional, embora não expresso, pode ser extraído com a indispensável interpretação sistemática que a Constituição requer, com base no tratamento dispensado à ordem econômica e aos dispositivos iniciais do texto que definem os fundamentos e princípios da Republica e do Estado Democrático de Direito. 18 19 Artigo 1.085: “Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.” Artigo 1.029: “Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 133 4 PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS CONTRATOS DE TRABALHO: POSSÍVEL EQUILÍBRIO Já se fez referência ao fato de que a Constituição Federal de 1988 instaurou no Brasil, com o artigo 170, nova ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, observados, entre outros princípios, a função social da propriedade e a busca do pleno emprego. Essa construção jurídica revelou a preocupação em evitar que a iniciativa econômica privada se desenvolva em prejuízo à promoção da dignidade humana e à justiça social. Tratou-se de postura legislativa que repercutiu, de forma direta, na maneira de interpretar e tornar concreta a legislação infraconstitucional, especialmente disposições do Código Civil. O novo Código Civil, promulgado em janeiro de 2002, pautou-se no ideal de promover a superação das concepções eminentemente patrimonialista e individualista que norteavam o Código de 1916, naturalmente calcado na racionalidade característica dos textos que lhe serviram de inspiração, frutos do pensamento moderno. O Código, como a Constituição, priorizou a dignidade do sujeito em lugar do patrimônio, o que se entende como opção clara pela causa dos direitos humanos e fundamentais. Com essa tomada de posição, toda a atividade interpretativa e aplicativa do Direito, no que se inclui o Direito de Empresa, tratado no Livro II do novo Código, move-se pelo mesmo vetor. Abordou-se, também, o aspecto de que a natureza e a função social que se reconhece às sociedades empresariais e o valor econômico de organização que representam tem justificado a defesa de sua conservação, de sua continuidade. O Direito atualmente convive com o princípio da conservação da empresa, identificado em uma série de interesses individuais e sociais a ela vinculados e que dela dependem. Esse princípio guarda relação imediata com outro princípio que decorre da ordem constitucional, o da criação e da preservação dos empregos, fortemente ligado ao principio da continuidade dos contatos de trabalho. A empresa, em seu perfil corporativo, é o espaço em que se concentra e se organiza a força humana produtiva. Nesse sentido, é o espaço, por excelência, em que se materializam as relações de trabalho pelo mecanismo jurídico do contrato de trabalho. Preservação da empresa e preservação dos empregos têm fundamento comum na Constituição; daí se sustentar que os dois princípios se inter-relacionam e se completam, o que realça a importância de identificar seus pontos de conciliação. A em- R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 134 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... presa é, sem dúvida, um dos mais poderosos agentes sociais da atualidade, pelos vários aspectos analisados neste texto, sejam econômicos, políticos, sociais e especialmente humanos, o que justifica o acentuado interesse por seu estudo em vários campos do conhecimento, em especial pelo Direito. O Direito do Trabalho, quando se ocupa da análise da empresa, o faz tendo vista seu objeto de tutela específico, que são os indivíduos inseridos nesse espaço produtivo, que participam da geração de riqueza social em regime de subordinação ao empresário. Em torno da atividade empresarial gravitam as regras de Direito do Trabalho, e esse ramo do Direito também se ocupou em delimitar o conceito de empresa, o que fez com evidente conotação ampliativa. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 2º, especifica os elementos que considera próprios da empresa, para os fins de sua tutela específica: ser de propriedade ou titularidade de uma pessoa individual ou coletiva; assumir os riscos da atividade econômica; a quem cabe admitir, dirigir e remunerar a atividade econômica. Na noção de riscos, toma como relevante o espírito de lucro e não considera imprescindível que se componha de um complexo organismo econômico, pois lhe basta que ocorra “[...] o recrutamento do trabalho alheio, de maneira contínua e sob o estado de subordinação.”(MORAES FILHO, 1993, p. 180) O contrato pelo qual se materializam as relações de trabalho é, como padrão, de trato sucessivo, modalidade que remonta à construção e diferenciação que já se observava no Direito Romano, em relação aos contratos denominados instantâneos. Nesses, as prestações existem somente por um momento e não chegam a durar no tempo; em regra a prestação coincide com a própria extinção ou total desaparecimento da obrigação. Nas prestações contínuas, é de sua essência preencher o espaço de tempo nela implicado, que pode ser limitado ou ilimitado, caso em que pode assumir uma duração indefinida ou mesmo vitalícia. A distinção tem relevância pelos efeitos e conseqüências que se podem extrair em uma ou outra modalidade, observando-se que os contatos de trabalho aparecem, normalmente, pelo tipo de execução continuada (MORAES FILHO, 1993, p. 220). Esse tipo contratual, é preciso esclarecer, não se confunde com o principio da continuidade dos contratos de emprego, embora seja um dos aspectos determinantes da existência deste. O Direito do Trabalho é composto de um complexo conjunto de regras, princípios e institutos jurídicos destinados a regular as relações de emprego. No âmbito do Direito Individual do Trabalho vigora uma série de princípios, com ampla tipologia construída pela doutrina e que exerce R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 135 papel decisivo em sua construção, interpretação e aplicação, dado o caráter essencialmente teleológico, finalístico que possui. Ao lado de princípios gerais, que constituem o núcleo basilar de toda construção principiológica no Direito, em todos os seus ramos, como os da dignidade humana, eqüidade, justiça social, proporcionalidade, situam-se os princípios especiais de Direito do Trabalho. No rol dos princípios especiais de Direito do Trabalho, também como núcleo basilar, estão, exemplificativamente, o princípio da proteção, da inalterabilidade contratual lesiva, da intangibilidade salarial, da primazia da realidade sobre a forma, e, em especial, o principio da continuidade da relação de emprego. O princípio da continuidade da relação de emprego tem na base a compreensão de que o contrato de trabalho é de trato sucessivo. Américo Plá Rodriguez (2004, p. 239-240) elucida que, durante certo tempo, acreditou-se que essa modalidade contratual apresentaria o risco de reaparecimento sorrateiro de certas formas de escravidão, ou, no mínimo, servidão. Os ideais de liberdade que inspiravam o momento histórico justificam perfeitamente a lógica do Código de Napoleão ao impedir, no artigo 1.780, a locação de serviços por toda a vida (MORAES FILHO, 1993, p. 228), dispositivo que se reproduziu em praticamente todos os códigos inspirados em tal modelo.20 Manuel Alonso Olea (1997, p. 58) bem destaca prescrição no artigo 1.583 do Código Civil espanhol, sobre obrigação permanente de trabalhar – “o arrendamento [de serviços] feito por toda vida é nulo” – o que demonstra a influência dos ideais de liberdade sobre o pacto de prestação de trabalho para outro que, se fosse “para toda a vida”, poderia envolver “uma negação radical da liberdade de quem assim compromete seus serviços.” Hegel já havia defendido a idéia de que, ao se concordar em ceder os serviços a outro, em caráter perpétuo, essa pessoa estaria fazendo do outro proprietário da substância do seu ser (1968, p. 86-88), estando a falar em “alienação de si próprio”. Nessa linha de raciocínio, a temporariedade é vista como essencial ao trabalho livre por conta alheia. Considerar que “a liberdade quanto ao tempo” pertence à essência do contrato de trabalho, no sentido de que não podem ser admitidos pactos para vigorar por toda a vida, no entanto, como pontua Manuel Alonso Olea, “[...] não significa dizer que, presente tal condição, não possa existir por parte do trabalhador uma preferência pela segurança”, ou 20 CÓDIGO URUGUAIO, artigo 1.836: “Ninguém pode contratar seus serviços pessoais, salvo temporariamente ou por obra determinada.” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 136 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... seja, preferência pela “duração indefinida da relação”, já que “dela derivam a continuidade e o aumento progressivo das retribuições e as oportunidades de carreira e, claro, a segurança de suas rendas de trabalho.” (1997, p. 80). Observa Américo Plá Rodriguez (2004, p. 239) que a realidade social e o decurso do tempo foram determinantes para se concluir que “[...] o perigo real era o inverso: a instabilidade, que é sinônimo de insegurança.” Em várias citações doutrinárias faz referência a opiniões no sentido de se identificar “receio maior do trabalhador em perder o emprego, do que o de se tornar escravo”, como estaria ocorrendo no Brasil; referese, também, à afirmação de que “ao trabalhador interessa seu presente e seu futuro” e que “o desejo de segurança é um dos traços mais típicos do homem contemporâneo, do que decorre a própria idéia da segurança social.” Evaristo de Moraes Filho (1993, p. 229) bem esclarece o paradoxo que a vida criou ao longo do tempo, relativamente à limitação do tempo contratual: Se a ninguém é lícito obrigar-se por toda a vida, num compromisso prévio, de antemão querido e celebrado, não resta a menor dúvida que toda a legislação do trabalho atual exercita exatamente no sentido de tornar permanente e, tanto quanto possível, vitalícia, a prestação de serviços, fazendo com que o contrato de trabalho dure por toda a vida de ambos os contratantes, e mesmo além da própria existência do empregador, se alguém lhe continua a empresa. Abstraído o fato de que a interpretação judicial e doutrinária mais atual, sobre a legislação que trata da garantia de permanência dos contratos, vem sendo predominantemente restritiva de direitos, a observação do autor permanece atual naquilo que indica verdadeiro anseio do trabalhador – a segurança – que não se alterou, porque as normas e a interpretação a elas mudaram. Nesse particular, remanescem pontos que ainda não mereceram a atenção esperada e que aguardam postura corajosa da comunidade jurídica, como forma de opção pela garantia do direito ao trabalho, consagrado como um dos direitos humanos. As relações que se formam entre as partes contratantes, no âmbito do trabalho, não são puramente patrimoniais, já que não se esgotam na simples prestação de serviços e no pagamento dos salários contratados. A continuidade e, muitas vezes, a perpetuidade do contrato na vida de muitos trabalhadores ou do empregador e da empresa fazem com que se estabeleçam relações de diversas ordens, como as de cunho pessoal e moral, que muito se aproximam das relações de índole familiar. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 137 A continuidade da relação de emprego remete à idéia de estabilidade e até mesmo de fonte de algumas vantagens ao trabalhador por conquistas ao longo do tempo. A tutela da permanência no emprego, como menciona Américo Plá Rodriguez (2004, p. 242) em referência a Eduardo Alvarez, [...] aparece como uma das máximas realizações do princípio de proteção, porque deu origem à tutela dos trabalhadores, permitiu a acabada vigência de seus direitos subjetivos e atuou como real compensação das desigualdades. O mesmo autor aponta, no intuito de afastar imprecisões inerentes à amplitude do enunciado desse princípio, algumas projeções possíveis de formar o seu conteúdo: a) preferência pelos contratos de duração indefinida; b) amplitude para a admissão das transformações do contrato; c) facilidade para manter o contrato, apesar dos descumprimentos ou nulidades em que se haja incorrido; d) resistência em admitir a rescisão unilateral do contrato por vontade patronal; e) interpretação das interrupções dos contratos como simples suspensões; f) manutenção do contrato nos casos de substituição do empregador. Em outras palavras, “a continuidade se sobrepõe à fraude, à variação, à infração, à arbitrariedade, à interrupção e à substituição.”(2004, p. 247) Das projeções mencionadas, uma das mais importantes é a resistência em admitir a rescisão do contrato exclusivamente pela vontade patronal. Talvez seja a principal projeção do principio da continuidade. Por ela, predomina a tendência de que o contrato de trabalho perdure enquanto se conserve o trabalho, por ser cada vez mais firme e ampla a convicção de que a relação de emprego só pode ser dissolvida, de forma válida, quando exista algum motivo justificado. Afirma-se que na relação de trabalho (2004, p. 264) “a despedida constitui uma anomalia jurídica”, porque a tendência natural da atividade profissional é precisamente sua continuidade e permanência, até os limites da própria capacidade profissional. A preocupação jurídica com a ruptura unilateral do contrato já resultou em alguns mecanismos de tutela que encontraram maior ou me- R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 138 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... nor efetividade, conforme o momento jurídico-político do País. Em geral, esses mecanismos serviram e vêm servindo para dificultar o ato nos aspectos jurídico e econômico e não propriamente para impedi-lo. Nesse sentido, as estabilidades no emprego que no sistema atual são todas em caráter provisório – ao menos as previstas em lei – dependem de situações tópicas e delimitadas no tempo, as quais podem assegurar tanto o direito à reintegração ao emprego como à indenização dos salários do período de afastamento indevido. Às estabilidades somam-se, como medidas restritivas ao direito patronal de despedir, o aviso prévio, as indenizações legais ou contratuais pelo ato considerado ilegal de despedir, as indenizações por danos e prejuízos por despedida abusiva, entre outras. Esses mecanismos são absolutamente necessários, do ponto de vista do Direito do Trabalho, para que se concretize, ainda que em parte, o direito fundamental ao trabalho assegurado no artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos do Homem21 e no texto da Constituição Federal brasileira de 1988, no artigo 6º22. Américo Plá Rodriguez (2004, p. 240) observa, nessa esteira, que tudo o que vise dar segurança ao trabalhador constitui não apenas um benefício a ele, por transmitir a sensação de tranqüilidade, “[...] mas também redunda em benefício da própria empresa e, através dela, da sociedade, na medida em que contribui para aumentar o lucro e melhorar o clima social das relações entre as partes.” Maurício Godinho Delgado (2001, p. 61-62) considera, quanto a esse princípio, que é do interesse do Direito do Trabalho a permanência do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica da empresa e que só com tal permanência e integração é que a ordem jurídica trabalhista poderia cumprir seu papel de assegurar melhores condições de contratação e gerenciamento da força de trabalho, em determinada sociedade, sob a ótica do trabalhador. O autor destaca três repercussões favoráveis ao trabalhador envolvido, decorrentes da permanência da relação de emprego. A primeira relaciona-se com a “tendencial elevação dos direitos trabalhistas”, seja pelo avanço da legislação ou da negociação coletiva, seja pelas conquistas que o trabalhador vai angariando no decorrer do contrato, como promoções e vantagens que a ele se agregam. A segunda, reside no “investimento educacional e profissional que se inclina o empregador a realizar 21 Artigo 23: “I - Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.” 22 Artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia [...]” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 139 nos trabalhadores vinculados a longos contratos”. Tal investimento, ao tempo em que pode ser considerado como uma fórmula para elevar a produtividade e compensar o custo trabalhista experimentado, é também uma maneira de cumprir “a fundamental faceta do papel social da propriedade e da função educativa dos vínculos de labor, potenciando, individual e socialmente, o ser humano que trabalha”. A terceira repercussão favorável, por fim, situa-se “na afirmação social do indivíduo favorecido por esse longo contrato”. Para os que vivem apenas de seu trabalho e da renda que dele decorre, aí encontram um “decisivo instrumento” de afirmação social. É que os contratos precários, provisórios, de curta duração retiram o lastro econômico e jurídico necessários para se impor diante das demais relações econômicas que se travam na vida em sociedade. A Constituição Federal de 1967, com a emenda constitucional de 1969, já enunciava esse princípio nuclear do Direito do Trabalho23, ao assegurar aos trabalhadores o direito de “integração na vida e no desenvolvimento da empresa”. Ocorre que a mesma Carta se incumbiu de retirar a eficácia de sua aplicação prática ao absorver a idéia da ruptura unilateral do contrato de trabalho, sem justa causa, pelo empregador, com a instituição do regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) pela Lei 5.107/1966. Pode-se encontrar no artigo 165, XIII, da Constituição, após a emenda de 1969, referência à “estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido ou fundo de garantia equivalente”. A Constituição de 1988 parece ter inserido o princípio da continuidade da relação de emprego em grau de relevância jurídica porque passou a assegurar, no artigo 7º, I, “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, entre outros direitos.” Ao mesmo tempo, estendeu o direito ao fundo de garantia por tempo de serviço a todos os empregados, além de assegurar “aviso prévio proporcional ao tempo de serviço”, nos termos da lei. A vedação à prática da despedida sem justa causa, ou despedida arbitrária, portanto, encontra previsão no ordenamento jurídico desde a promulgação da Carta Constitucional de 1988, não obstante os embates doutrinários e jurisprudenciais que culminaram com a posição predominante de negar eficácia imediata ao preceito do artigo 7º, I. De qualquer modo, o principio da continuidade da relação de emprego guarda, ainda, substancial importância, porque implica uma série de conseqüências sobre o contrato de trabalho, a exemplo de certas pre- 23 Emenda constitucional de 1969, artigo 165, IV. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 140 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... sunções favoráveis ao empregado, da imposição, como regra, a que os contratos ocorram por tempo indeterminado e do suporte teórico que confere ao reconhecimento da sucessão de empregadores. O que se procura, na atualidade, é encontrar solução a questões intrigantes relacionadas com a garantia de trabalho e segurança ao trabalhador no emprego e, ao mesmo tempo, permitir o pleno desenvolvimento empresarial. O processo de globalização da economia se faz acompanhar de crescente degradação das relações de trabalho, com grave risco à estabilidade social. Será possível, nesse contexto, assegurar proteção ao trabalhador, sem restringir as possibilidades de progresso econômico das empresas? No âmbito do Direito Internacional do Trabalho, que tem como principais fontes as convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), além de sua Constituição, localiza-se um inspirador modelo de regulação de direitos fundamentais, especificamente voltado ao trabalho humano em nível mundial. Essa atuação tem por escopo internacionalizar, o quanto possível, os direitos do trabalhador para conferir a este proteção eficaz diante dos detentores do capital, que naturalmente já se encontra fortalecido. Pode-se identificar na política social contemporânea da OIT orientação no sentido de proteger o trabalhador e, especialmente, a relação de emprego, diante das ameaças constantes de precarização das condições de trabalho e avanço do desemprego, que se torna estrutural. Por considerar que a rescisão contratual de iniciativa do empregador, como regra, constitui a ele apenas um contratempo, ao passo que para o trabalhador e sua família pode significar instabilidade e miséria, a OIT vem, há algum tempo, desenvolvendo estudos, pesquisas e debates, que têm culminado em deliberações importantes nesse campo. Entre essas deliberações, tomadas em conferências internacionais do trabalho, destaca-se a que resultou, em 1982, na adoção da Convenção 158, que trata do término da relação de emprego por iniciativa do empregador, sem justa causa, entre outros aspectos ligados à proteção do emprego. A Convenção instituiu, como ponto relevante, a obrigação de o empregador fundamentar o término da relação de trabalho. Em outras palavras, o término do contrato de emprego só se legitimará se fundamentado em uma causa justificada, dada pelo empregador. O artigo 4º dessa Convenção considerará justo o motivo da rescisão apenas, se este estiver relacionado com a capacidade ou conduta do trabalhador, ou basear-se nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço. A necessidade de funcionamento da empresa, por sua vez, R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 141 para justificar a despedida, pode ser de natureza econômica, tecnológica, estrutural ou análoga, porém sempre justificada e demonstrada. Na hipótese de despedida calcada na conduta do trabalhador ou em seu desempenho, é necessário que haja prévia oportunidade de defesa. Essas e outras medidas, inclusive indenizações previstas, são efetivamente capazes de restringir a possibilidade de rompimento do contrato por motivos outros que não encontrem fundamentação legítima. A Convenção 158 da OIT entrou em vigor no plano internacional em novembro de 1985, foi ratificada pelo governo brasileiro em janeiro de 1995 e promulgada pelo presidente da República com o Decreto 1.855, de 10/4/1996, passando a vigorar em janeiro de 1996. Contudo, pelas fortes reações que provocou no âmbito do Direito e da política internos, já que atinge interesses econômicos, que se sobrepuseram aos interesses sociais, foi denunciada em 20/11/1996, com efeitos a partir de 20/11/1997. Pode-se reconhecer nessa deliberação internacional a conotação de um contraponto ao processo de globalização da economia, fazendose acompanhar de efeitos cruéis no mundo do trabalho e de forma predominante a um dos participantes do processo produtivo, justamente o trabalhador, que em regra é hipossuficiente. Uma vez denunciada pelo País, é necessário encontrar outros mecanismos no Direito interno para controlar o processo de degradação. Nessa perspectiva, resta voltar ao texto da Constituição para dali extrair a normatividade que é inerente a todo texto constitucional. Ainda, com base em interpretação mais humanizada de suas disposições, reconhece-se que o objetivo maior da justiça social está em preservar “[…] os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, necessários para que se estabeleça um razoável equilíbrio entre os fatores da produção.” (SOARES FILHO, 2002, p. 234). É nesse sentido a interpretação que se faz do artigo 7º, I, e de vários outros dispositivos constitucionais, sistematicamente analisados, para concluir que há respaldo na ordem jurídica à plena aplicação do principio da continuidade do emprego. Ao erigir a livre iniciativa em fundamento da República, no artigo 1º, IV24, o legislador constituinte cuidou de mencionar, com prioridade, o valor social do trabalho, o que já evidencia que o primado do segundo valor depende do prestígio assegurado ao primeiro. Interpretação siste- 24 Artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 142 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... mática que alie o conteúdo do dispositivo ao 170, também da Constituição Federal25 permite concluir que o trabalho, na ótica do legislador constituinte, merece proteção não meramente filantrópica, mas politicamente racional, como observa Eros Roberto Grau (2003, p. 178), e que deve ser operante e efetiva ao longo da execução do contrato de trabalho. É nesse contexto que se deve interpretar também a função social da empresa e da propriedade como princípios constitucionais, pois, de acordo com o disposto no caput do artigo 170, a ordem econômica, “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa”, tem por fim assegurar a todos existência digna. A propósito da ordem em que foram relacionados os princípios, no artigo 170, Eros Grau menciona o relato feito por Miguel Reale Júnior sobre a reação, no Plenário da Constituinte, à proposta alternativa apresentada pelo “Centrão” para a redação do artigo 199 (atual artigo 170). A intenção desse grupo de parlamentares era fazer com que a livre iniciativa antecedesse a valorização do trabalho humano. A rejeição da proposta foi interpretada por Miguel Reale Júnior como mais uma prova da precedência do valor do trabalho sobre a livre iniciativa. Para Eros Grau, a ordem de alusão, no texto, é irrelevante, pois o que conta, a seu ver, é a circunstância de nele estar consagrada a valorização do trabalho humano e não a valorização a ambos ou apenas da livre iniciativa. Não devem pairar dúvidas, portanto, sobre o que seja prioritário, quando se contrapõem a liberdade empresarial e o direito do trabalhador ao emprego que, além de prover sua subsistência, deve lhe conferir existência digna. Dito de outra forma, não se concebe, no regime da Carta de 1988, ordem econômica em que a livre iniciativa sobrepuje o valor social do trabalho, sob pena de violação direta ao princípio da dignidade humana, duplamente contemplado na Constituição: como fundamento da República (artigo 1º, III) e como fim da ordem econômica (artigo 170, caput). A liberdade de iniciativa, portanto, não equivale a alguma espécie de salvo-conduto para qualquer espécie de prática arbitrária e abusiva. Antes, deve ser compreendida como base da ordem econômica e social, em 25 Artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;” Artigo: 170. “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...].” R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 143 que os indivíduos são livres para desenvolver atividade socialmente útil, sem desprezar, jamais, o objetivo precípuo de busca da justiça social. A proposta constitucional inserida no título dos Direitos e Garantias Fundamentais, capítulo dos Direitos Sociais, de assegurar o direito ao trabalho (artigo 6º), a proteção da relação emprego contra a despedida arbitrária e sem justa causa (artigo 7º, I) e, no título da Ordem Econômica e Financeira, a valorização do trabalho humano e a busca do pleno emprego torna imprescindível que, na leitura do principio da preservação da empresa, se considere o Direito Empresarial indissociavelmente vinculado ao Direito do Trabalho e que ambos se movam pela diretriz constitucional de tutelar o ser humano. Assim, como não se pode entender a preservação do pleno emprego sem propiciar a preservação da empresa, a continuidade desta movida por fins exclusivamente patrimoniais também não atende à função socializante que lhe atribuiu a Constituição. 5 CONCLUSÃO A amplitude de aspectos e desdobramentos da atividade empresarial, que transcende as fronteiras internas e o aspecto puramente econômico, para atingir significados jurídicos, políticos e sociais de várias ordens, torna a empresa um dos mais poderosos agentes sociais da atualidade. A natureza e a função social que lhe são reconhecidas, além do relevante valor econômico, têm justificado a defesa de sua conservação no Direito contemporâneo. O princípio da preservação da empresa está na base de uma série de interesses individuais e sociais a ela vinculados, que dela dependem e que a ela se direcionam. A nova ordem econômica que se instaurou no Brasil com a Constituição de 1988, fundou-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, observada a função social da propriedade e a busca do pleno emprego. O projeto constitucional volta-se à garantia de livre iniciativa econômica, contudo também valoriza o trabalho humano e a dignidade da pessoa. Dessa forma, preservação da empresa e preservação dos empregos, têm, ambos, fundamento comum na Constituição, o que justifica que os dois princípios se inter-relacionem e se completem. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. 144 Preservação da Empresa e Proteção ao Trabalho ... Procura-se, hoje, solução a questões relativas à garantia de trabalho e à segurança ao trabalhador no emprego e, ao mesmo tempo, permitir o pleno desenvolvimento empresarial. O processo de globalização da economia se faz acompanhar de crescente degradação das relações de trabalho, com efeitos perversos especialmente ao trabalhador, que é a parte mais frágil na relação contratual, com grave risco à estabilidade social. A indagação que se coloca é se há possibilidade, em tal contexto, de assegurar proteção ao trabalhador, sem restringir as possibilidades de progresso econômico das empresas. A introdução, no título dos Direitos e Garantias Fundamentais da Carta de 1988, da garantia do direito ao trabalho e da proteção da relação emprego contra a despedida arbitraria e sem justa causa e, no título da Ordem Econômica e Financeira, a valorização do trabalho humano e a busca do pleno emprego, além da função social da propriedade, torna imprescindível que o Direito Empresarial seja analisado à luz dos valores que inspiram a Constituição e o novo Código Civil, que, na leitura do princípio da preservação da empresa, se considere o Direito Empresarial indissociavelmente vinculado ao Direito do Trabalho e que ambos se movam pela diretriz constitucional de tutelar o ser humano. Não é possível compreender a preservação do pleno emprego sem propiciar a preservação da empresa. Da mesma forma, a continuidade desta, movida por fins exclusivamente patrimoniais, também não atende à função socializante que lhe atribuiu a Constituição, tampouco a diretriz que permeia todo o texto da Carta, de tutela do ser humano. REFERÊNCIAS BERTOLDI, Marcelo Marcos; PEREIRA, Márcia Carla Ribeiro. Curso avançado de direito comercial. 3. ed. São Paulo: RT, 2006. BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Responsabilidade social das empresas: práticas sociais e regulação jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. BRUSCATO, Wilges. Os princípios do código civil e o direito de empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 139, p. 50-75, jul./set., 2005. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 103-147, 2006. Marlene Fuverki Suguimatsu 145 BULGARELLI, Waldirio. A teoria ultra vires societatis perante a lei das sociedades por ações. 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Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 153 Ubiratan de Mattos SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO: INSERÇÃO TEÓRICA DO MODELO PBL. 2 UM POUCO DA ORIGEM E UM DESTAQUE PRÉVIO NA DISCUSSÃO. 2.1 DIDATIZANDO COMPETÊNCIAS E HABILIDADES. 3 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS (PROBLEM-BASED LEARNING). 3.1 UMA DESCRIÇÃO FUNCIONAL. 3.2 ORIGENS. 3.3 CONCEITOS. 3.4 COMPARAÇÃO COM OUTRAS ESTRATÉGIAS DE ENSINO. 3.5 PERGUNTAS DE PESQUISA SOBRE O PBL. 3.6 PROCESSO PBL: UM CERTO CUIDADO. 3.7 PROCESSO PBL: MAPEAMENTO DO CURRÍCULO. 3.8 PROCESSO PBL: MAPEAMENTO DO CURSO. 3.9 PROCESSO PBL: ELABORAÇÃO DO PROBLEMA. 3.9.1 AVALIAÇÃO DO PROBLEMA. 3.9.2 APROXIMAÇÃO AO PROBLEMA. 3.9.3 ENCONTRAR E TRABALHAR COM O PROBLEMA. 3.9.4 ETAPAS DE COMPLEMENTAÇÃO DO TRABALHO COM O PROBLEMA. 3.10 PROCESSO PBL: O GRUPO. 3.11 PROCESSO PBL: PAPÉIS E RESPONSABILIDADES. 3.11.1 PAPEL DO FACILITADOR. 3.11.2 PAPEL DO ALUNO. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. RESUMO O objeto do presente artigo é a análise de uma das abordagens modernas de projeto pedagógico para o ensino de Direito e sua decorrente estruturação curricular, o problem-based learning (aprendizagem baseada em problemas) ou simplesmente PBL, como é freqüentemente conhecido e referido esse método. Resulta em uma visualização teórica com sobreposição crítica referente ao PBL nesse contexto. Pretende-se contribuir com uma resposta metodológica para as lacunas existentes e para as necessidades não atendidas na metodologia do ensino de Direito, tal qual se desenvolve no Brasil. Palavras-chave: ensino de Direito, problem-based learning (aprendizagem baseada em problemas). R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 154 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... ABSTRACT The object of the present article is the analysis of one modern approach to the Pedagogic Project in the teaching of Law as well as its correspondent curriculum structure, which is the “Problem-based Learning” (PBL). It results a theoretical visualization with critical conclusions regarding PBL in the context under analysis. The aim is to support an answer to the non-satisfied necessities in the teaching of Law methodology, as it has been growing in Brazil. Keywords: teaching of law, problem-based learning. RESUMEN El objeto del artículo presente es el análisis de un acercamiento moderno al Proyecto Pedagógico en la enseñanza de Ley así como su estructura del plan de estudios correspondiente que es el “Aprendizaje Problemabasado” (PBL). Produce una visualización teórica y las conclusiones críticas con respecto a PBL en el contexto bajo el análisis. El objetivo es apoyar una respuesta a las necesidades non-satisfechas en la enseñanza de metodología de la Ley, como él ha estado creciendo en Brasil. Palabras clave: enseñanza de ley, el aprendizaje problema-basado. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 155 Ubiratan de Mattos 1 INTRODUÇÃO: INSERÇÃO TEÓRICA DO MODELO PBL A questão do PBL se insere dentro de um amplo conjunto de reflexões e contribuições para um possível e desejado aperfeiçoamento dos modelos de estruturação curricular no ensino superior. Por mais que não apareça assim descrito (pelo menos não se vê em nenhuma fonte pesquisada), é preciso situar o problem-based learning – aprendizagem baseada em problemas (PBL) como um modelo de organização curricular baseado em competências. Vale dizer que é necessário, antes de tudo, apontar certa historicidade do percurso dos modelos curriculares, para, então, compreendendo o conceito-base “competência”, aprofundar-se a análise do PBL enquanto modelo. Essa adesão teórica e conceitual do PBL à família da “competência” faz parte das conclusões a que se chega nesta jornada compreensiva sobre o tema. É interessante notar que, não obstante sua evidência e visibilidade, o modelo teórico “salta” por sobre essa constatação, deixando de salientar um suporte característico que poderia (como pode) ajudar na compreensão, desde o início, do edifício macroconceitual posto em jogo. Não resta dúvida de que se está tratando de toda uma revolução na forma de estruturar e desenvolver o currículo, com profundas conseqüências nas atividades implícitas e decorrentes. Pode-se afirmar que se está diante de uma quebra de paradigma, uma vez que o modelo proposto difere em essência, parte de fundamentos diversos, lança mão de métodos e técnicas bastante distintos e estabelece uma ruptura com as formas anteriores de ação didático-pedagógica. Trata-se de bem mais do que uma alteração na forma de estruturar currículos, pois a escola ou instituição como um todo se altera profunda e obrigatoriamente, uma vez que tenha decidido partir para a experiência do PBL. 2 UM POUCO DA ORIGEM E UM DESTAQUE PRÉVIO NA DISCUSSÃO No caso presente, quando se aborda a discussão sobre estrutura curricular, sem dúvida está-se pensando e falando em termos de estudos universitários ou ensino superior. Isso leva a um dos rumos possíveis na busca das origens das preocupações: a universidade e uma série de demandas psicossociais que afloram no contexto de sua trajetória histórica – tudo que ela representa (ou deve representar) enquanto instituição; o que se pode e(ou) se deve esperar dela enquanto unidade social-produtiva; como se estabelece e se garante (ou se rompe e se perde) o diálogo entre a universidade e os horizontes modernos e contemporâneos da R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 156 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... formação profissional (além das outras formações esperadas – educacional, moral, cidadã, cultural-erudita, nacional, humana, etc.). Mas por que, então (e de propósito), o destaque na formação profissional? Esse é um dos pontos centrais com o qual se pode entrar responsavelmente no tema. Nas sociedades ditas modernas e contemporâneas, percebam-se aqui aquelas do final do século XX e início deste século, foi estabelecendo-se uma progressiva concentração de ênfase nas exigências da “formação profissional”, a ponto de elevar tais exigências ao plano de expectativas inderrogáveis da formação educacional superior. Razões disso foram, de um lado, as frustrações, sucessivamente acumuladas na forma de insucesso técnico-profissional dos egressos do ensino superior perante os campos de trabalho e suas demandas operacionais concretas; de outro, as nostálgicas lembranças de um tempo e de um lugar tidos como inerentes e inalienáveis a toda uma mística da universidade como pináculo do saber. Deu-se um cotidiano questionamento, a princípio silencioso e um pouco envergonhado, desse pináculo do saber, em face de uma lacuna persistente e incomodativa. A partir da década de 1980 do século XX, foi intensificando-se uma tendência já iniciada dez anos antes. Trata-se da desmistificação da universidade. Esse processo não se limita à faceta da formação profissional, pois se insere num panorama bem mais amplo, de natureza psicossocial, qual seja a dessacralização da cultura, com ênfase na psicossociologia dos costumes, que chega a atingir, por decorrência, praticamente todas as instituições sociais, em todos os aspectos delas. No que toca aos núcleos sociais de formação universitária para o exercício profissional, foi tornando-se sempre mais perceptível à denúncia, com base no mundo corporativo-laboral, principalmente, na defasagem dos programas e atividades “curriculares” em relação ao perfil humano necessário e exigido pela prática das profissões em geral. Simultaneamente e, de certo modo às avessas desse movimento, desenvolvia-se, muito mais do que antes, uma progressivamente maior definição técnica em todas as profissões. Dois resultados não tardaram a se mostrar: primeiro, um contraste evidente entre esses dois perfis humanos – o técnico-profissional (que se adensava, aprimorava e aprofundava) e aquele da formação universitária (que permanecia o de sempre); em segundo lugar, um desencanto em relação aos cursos superiores em geral, por conta exatamente de uma antes não vista carência de respostas, nesse nível educacional superior, diante das demandas ditas profissionalizantes. Nesse mesmo movimento, nada simples, multifacetado, o “mercado de trabalho” passou a assumir, cada vez mais, uma proximidade semântica com o “mercado” como tal, economicamenR. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. Ubiratan de Mattos 157 te dimensionado e descrito, no sentido neoliberal do termo. O mercado no qual se vai exercer uma profissão pertence ao quadro imenso do mercado, enquanto campo de forças econômicas que faz a parametrização da economia de uma sociedade. Diga-se, em tempo, que tal parametrização é de natureza essencialmente dinâmica, mas obedece, não obstante, a leis gerais de regulação, que conferem “ordem ao caos”, realizando certo espectro de previsibilidade dentro da temporalidade das coisas econômicas. O que importa aqui, para os fins e para o foco desta reflexão, é apontar que a oferta de ensino, e mais especificamente de ensino superior, passou a configurar-se como um mercado a atrair empreendimentos e empresas, acolhendo profissionais da educação e oferecendo-lhes campo de atuação, ou seja, mercado de trabalho propriamente dito. Na verdade, fundou-se uma tendência quantitativa importante que iria assumir características tais que 80% dos egressos sejam, no ensino superior brasileiro, oriundos de instituições particulares. O crescimento da ala privada no setor educacional possibilita visibilidade maior do que nunca a alguns aspectos marcantes da diferença entre o ensino superior público e o particular. Dentre esses aspectos, vale ressaltar a pronta disposição e maior preparo da escola particular para adotar padrões de formação profissional adequados às demandas contemporâneas corporificadas nos “perfis” das mais variadas profissões existentes. Tome-se, para ilustração, uma instituição de ensino superior particular qualquer, recém-instalada, de porte econômico considerável. De um lado, é mais fácil para essa escola partir, desde a origem, para um perfil “profissionalizante” moderno, por ser ela (escola particular nascente) tão “nova” quanto a modernidade das exigências laborais mais recentes, e, exatamente por essa “novidade”, não possuir acúmulos de certos ranços históricos presentes na universidade pública tradicional. Entretanto, é fundamental lembrar que possuir características que apontam para certo fazer não garante que se faça. Evidentemente surge, nesse ponto, a tentação de adensar o debate sobre a qualidade de ensino nas instituições públicas e privadas de ensino superior. Não é o caso, o tema central é outro. Diga-se, todavia e tão-somente a título de ilustração, que a supremacia de um ou de outro segmento de oferta da educação atual depende, além de outras variáveis, do conceito que se adotar de qualidade. Pode-se chegar a conclusões opostas do raciocínio, envolvendo, inclusive, a explicitação (não pacífica) sobre as funções (papel social, razões de ser) da universidade e das demais instituições de ensino superior não universitárias. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 158 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... Interessa, sim, reafirmar que o mundo do trabalho mudou, no sentido de exigências mais amplas, mais intensas e mais extensas quanto à formação do profissional trabalhador, e a universidade tradicional, mercê exatamente dessa “tradição”, não deu conta desse salto qualitativo, com honrosas exceções. A formação universitária “desde sempre” considerada adequada e suficiente deixou flagrantemente de sê-lo, na maioria das áreas profissionais. A universidade tem, em verdade, um compromisso com o conhecimento, no sentido mais amplo e radical do termo, o que significa, inclusive, estar apta a promover e ser o lugar por excelência de uma crítica do mercado, como fenômeno e dado socioeconômico. Essa crítica está inscrita, por sua vez, dentro de uma outra, maior ainda, a crítica do modelo neoliberal predominante que confere tal preeminência ao mercado. Deve a universidade deixar-se levar a reboque pelo mercado? São as leis e ordens do mercado as balizas melhores para a estruturação de currículos e programas universitários? Parece claro que não, pelo menos não integralmente, nem exclusivamente; caso contrário, estar-se-ia aceitando, implicitamente, que a universidade é menor que o mercado. Não bastasse o que se afirmou, a complexidade do assunto se avulta bem mais diante da lembrança de que vivemos, no Brasil, dentro dos prolongamentos (ou estertores?) pós-modernos de uma cultura “bacharelista”, à qual encanta a formação retórico-erudita e os adornos ritualísticos da formação “superior” européia oitocentista, tão bem aclimatada em nossos trópicos e que tanto marcou e marca a identidade cultural brasileira, longe e bem diversa da formação de competências e habilidades estritamente “focais”. Ainda mais: as instituições particulares, tão aptas a formar “bacharéis” quanto as públicas, são, elas mesmas, empresas e têm clientes a satisfazer, pela mais estrita lógica de mercado. A que clientes e com que serviços vai ela satisfazer? Não há resposta simples, até mesmo porque as duas perspectivas em tela não são, necessariamente, interexcludentes, mas essa pergunta norteia, ou deveria nortear toda e qualquer posição filosófica sobre estruturação curricular, missão e finalidade de uma IES. 2.1 DIDATIZANDO COMPETÊNCIAS E HABILIDADES De toda forma, há o fato notório de que, numa perspectiva passado-presente, o bacharelismo ainda assombra a universidade; mas, na óptica presente-futuro, parece inevitável a incorporação do paradigma das habilidades e competências. Importa verificar como isso tem ocorrido em nosso meio. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. Ubiratan de Mattos 159 Não resta dúvida, ao observador mais atento, de que a virada conceitual que volta as costas ao acúmulo conteudista de conhecimentos e avança para o domínio de habilidades e competências deu-se no âmbito dos operadores da educação profissional, e com eles ainda se encontram os resultados de ponta mais significativos. Do ponto de vista normativo, a LDB vigente, Lei 9.394/961, determina que a educação escolar seja vinculada ao trabalho e à prática social do educando (artigo 1º, § 2º). A Resolução nº 3/2002-CNE/CP2 , a norma reguladora das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para os cursos superiores de tecnologia, com a LDB, permite considerar que a educação profissional técnica e tecnológica, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, objetiva garantir aos cidadãos o direito ao desenvolvimento de competências profissionais que os tornem aptos para a inserção em setores profissionais nos quais haja utilização de tecnologias (artigos 39 e 40 da LDB e artigo 1º da Resolução 3/2002-CNE/CP). Entende-se por competência profissional a capacidade pessoal de mobilizar, articular e colocar em ação conhecimentos, habilidades, atitudes e valores necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho e pelo desenvolvimento tecnológico (artigo 7º da Resolução 3/2002-CNE/CP). Competências pressupõem saberes e, simultaneamente, mobilizam saberes. Tal afirmativa permite inscrever, definitivamente, a questão no universo profissional, dos desempenhos requeridos nas inúmeras e diversas atividades das profissões, sem, igualmente, excluí-las (as competências) da vida cotidiana. Quem autoriza essa concepção-conclusão é Philippe Perrenoud, um dos teóricos mais conceituados e dedicados ao tema. No mesmo contexto em que rejeita a diferença entre habilidades e competências, ele também recusa “o amálgama entre competências e tarefas práticas” (PERRENOUD, 2005). Falando da Universidade de Genebra, em 1999, Perrenoud destacava: Inúmeros países orientam-se para a redação de ‘bases de competências’ associadas às principais etapas da escolaridade. No decorrer dos anos noventa, a noção de competência inspirou uma reescritura mais ou menos radical dos programas no Québec [Canadá], na França e na Bélgica. Na Suíça, a questão começa a ser 1 2 Lei n.o 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http:/ /www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 14 out. 2005. Disponível em: http://www.mec.gov.br/cne/pdf/CP032002.pdf. Acesso em: 14 out. 2005. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 160 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... debatida, porque a revisão dos planos de estudos coordenados está na ordem do dia e, simultaneamente, porque a evolução para os ciclos de aprendizagem exige a definição de objetivos-núcleos ou de objetivos de final de ciclo, freqüentemente concebidos em termos de competências. (Idem, ibidem, p. 1) A objeção clássica levantada contra a adesão da escola às competências é a de que isso ocorreria em detrimento dos saberes, do conhecimento em si, cuja transmissão constitui a missão estrita da escola, ficando, então, a prática educativa mais central e importante reduzida a um mínimo, ou seja, em grau importante, para ensinar competências, a escola deixa de ministrar saberes, deixa de transmitir conhecimento. É interessante a resposta de Perrenoud a esse posicionamento. Ele alega que tal assertiva está correta e, simultaneamente, é errada. Está correta, porque focalizar o desenvolvimento de competências na escola implica direta limitação do tempo destinado à transmissão-assimilação de saberes, bem como direto abalo da organização escolar em torno de disciplinas “fechadas”. O erro da afirmação está em que desenvolver competências não significa “voltar as costas aos saberes”, ao contrário, uma vez que “a maioria das competências mobiliza certos saberes”. Acrescenta que o debate produtivo é outro e deveria focalizar as finalidades prioritárias da escola e o equilíbrio “na redação e na operacionalização dos programas” (Idem, ibidem, p. 1). Ainda nessa linha de debate, lembra Perrenoud que há quem avance para outra diferença-discordância, alegando que as competências dizem respeito à vida cotidiana, portanto põem em jogo saberes do senso comum, ligados à experiência, diversos dos saberes disciplinares, que cabe à escola transmitir. Tal opinião leva à ironia de afirmar que [...] não se vai à escola para aprender a fazer um anúncio classificado, escolher um roteiro de férias, diagnosticar uma rubéola, preencher o formulário do imposto de renda, compreender um contrato, redigir uma carta, fazer palavras cruzadas ou calcular um orçamento familiar. Ou então para obter informações por telefone, encontrar o caminho numa cidade, repintar a cozinha, consertar uma bicicleta ou descobrir como utilizar uma moeda estrangeira.(Idem, ibidem, p. 2) Perrenoud dirá, a seguir, que essas são competências exigidas na vida cotidiana e, como tais, nada desprezíveis, pois adultos bem formados na escolaridade tradicional continuam, muitos deles, despreparados e perplexos diante de desafios: como entender um contrato de seguro ou uma bula de medicamento. Ao mesmo tempo em que toma o cuidado de não cair na pura redução do papel da escola a ensinamentos tão triviais, R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. Ubiratan de Mattos 161 ele questiona uma formação escolar de 10 ou 15 anos que deságua em tamanho despreparo. De que valeu tal escolarização? Antes de seguir a trilha conceitual da competência e sua relação com a escola, vale adicionar a intercorrência, no discurso do autor, da discussão semântica dos termos “habilidade” e “competência”. Ao levantar a problemática que se descreveu, Perrenoud observa que alguns insistem em denominar habilidades o conjunto de exemplos mencionados, o que, para ele, não se sustenta nem teoricamente nem do ponto de vista de uma função prática dessa distinção. Veja-se: Pode-se responder que se trata aqui de habilidades comuns que devem ser distinguidas das verdadeiras competências. Essa argumentação não seria muito sólida: não se pode reservar as habilidades ao cotidiano e as competências às tarefas nobres. O uso habitua-nos certamente a falar de habilidades para designar habilidades concretas, ao passo que a noção de competência parece mais ampla e mais ‘intelectual’. Na realidade, refere-se ao domínio prático de um tipo de tarefas e de situações. Não tentemos reabilitar a noção de competência reservando-a às tarefas mais nobres. (Idem, ibidem, p. 2) As competências elementares evocadas (“habilidades”) têm, sim, relação com os saberes disciplinares, portanto com os programas escolares. Perrenoud descarta, então, uma suposta contradição: [...] elas [as competências] exigem noções e conhecimentos de matemática, geografia, biologia, física, economia, psicologia; supõem um domínio da língua e das operações matemáticas básicas; apelam para uma forma de cultura geral que também se adquire na escola. Mesmo quando a escolaridade não é organizada para desenvolver tais competências, ela permite a apropriação de alguns dos conhecimentos necessários. Uma parte das competências que se desenvolve fora da escola apela para saberes escolares básicos (a noção de mapa, de moeda, de ângulo, de juro, de jornal, de roteiro, etc.) e para as habilidades fundamentais (ler, escrever, contar). Não há, portanto, contradição obrigatória entre os programas escolares e as competências mais simples. (Idem, ibidem, p. 2) Um destaque a mais desse momento no discurso do autor é a afirmação de que as competências humanas, tanto essas, simples, quanto as tantas outras, mais complexas, possuem uma referência central: remetem a uma ou mais situações, nas quais há uma necessidade premente: “tomar decisões e resolver problemas” (Idem, ibidem, p. 2). Decisões e problemas não se situam nem se limitam quer à prática de uma profissão, quer à vida cotidiana. O ser humano precisa lançar mão das compeR. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 162 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... tências nas mais variadas ordens de vivência, ao ter que traduzir um texto, dar conta de um sistema de equações, “verificar o princípio de Arquimedes, cultivar uma bactéria, identificar as premissas de uma revolução ou calcular a data do próximo eclipse solar” (Idem, ibidem, p. 3). Certa competência, não importa se concreta ou abstrata, mais especializada ou não, permite ao indivíduo enfrentar uma situação ou uma tarefa. Nesse processo e nesse ato, a competência mobiliza, apela para “noções, conhecimentos, informações, procedimentos, métodos, técnicas ou ainda a outras competências, mais específicas” (Idem, ibidem, p. 3). A tradução obrigatória da competência em ação é abordada por Perrenoud evocando um texto de Le Boterf, que vale acrescentar: Possuir conhecimentos ou capacidades não significa ser competente. Pode-se conhecer técnicas ou regras de gestão contábil e não saber aplicá-las no momento oportuno. Pode-se conhecer o direito comercial e redigir contratos mal escritos. Todos os dias, a experiência mostra que pessoas que possuem conhecimentos ou capacidades não sabem mobilizá-los de modo pertinente e no momento oportuno, em uma situação de trabalho. A atualização daquilo que se sabe em um contexto singular (marcado por relações de trabalho, por uma cultura institucional, por eventualidades, imposições temporais, recursos…) é reveladora da ‘passagem‘ à competência. Esta realiza-se na ação. (LE BOTERF, 1994, apud PERRENOUD, 2005, p. 3) Há decorrências imediatas, assumidas por Perrenoud, no sentido de que a competência pressupõe saberes (recursos) e precisa mobilizálos; logo, se faltarem os saberes ou se, mesmo existindo, não forem eles mobilizados (a tempo e conscientemente), a competência não existirá, e, do ponto de vista prático, é como se os saberes não existissem. Portanto, quando se aborda a necessidade de tratar as competências dentro da escola e a partir dela, não se advoga recusar ou limitar saberes. Longe disso e ao contrário, trata-se de dirigir esforços para a relação constante entre os saberes e sua necessária operacionalização em situações complexas, cuja realidade alcançará não só cada disciplina, em si, mas também e principalmente sua inter-relação. Essa compreensão expõe a céu aberto uma deficiência essencial da escola tradicional: alunos bem-sucedidos em exames, supostamente donos dos saberes transmitidos, mostram-se incapazes de utilizá-los na prática. A razão é que nunca foram ensinados a fazer tal transposição. Pode-se até mesmo questionar a existência do conhecimento, pois saberes isolados e instalados ainda não são conhecimento. Este não se transmite automaticamente. São necessários exercícios e práticas reflexivas, dentro de situ- R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. Ubiratan de Mattos 163 ações “que possibilitam mobilizar saberes, transpô-los, combiná-los, inventar uma estratégia original com base em recursos que não a contêm e não a ditam”. Perceba-se, com Perrenoud: competência pressupõe e mobiliza saberes, mas não se reduz a eles, já que sua abstração apriorística não dá conta dos fazeres, das decisões e resoluções de problemas. A competência é algo mais que a prática reflexiva e operativa vai instalar, a partir dos saberes e com eles, mas por meio do estabelecimento imediato de relações inusitadas e insuspeitadas até aquele momento. Isso demanda exposição do aluno, treino, reflexão situacional, enfrentamento simulado de problemas com vistas a uma ou mais soluções. A escola, tradicionalmente, trabalhou sempre de forma diferente, com suportes e aportes estanques, rígidos, investindo numa transmissão por disciplina e supondo-a bem-sucedida, quando a avaliação teórica se mostrava satisfatória. Vale dizer, está-se falando de aprendizado e seus níveis, restando o questionamento de o que é aprender e quando se pode afirmar que o aprendizado ocorreu. A competência demonstrada seria, nessa óptica, um indicador do aprendizado e, mais além, um fator que põe em xeque o modelo escolar, a linha pedagógica e a estrutura curricular tradicionais. Observe-se: A mobilização exerce-se em situações complexas, que obrigam a estabelecer o problema antes de resolvê-lo, a determinar os conhecimentos pertinentes, a reorganizá-los em função da situação, a extrapolar ou preencher as lacunas. Entre conhecer a noção de juros e compreender a evolução da taxa hipotecária, há uma grande diferença. Os exercícios escolares clássicos permitem a consolidação da noção e dos algoritmos de cálculo. Eles não trabalham a transferência. Para ir nesse sentido, seria necessário colocar-se em situações complexas como obrigações, hipotecas, empréstimo, leasing. Não adianta colocar essas palavras nos dados de um problema de matemática para que essas noções sejam compreendidas, ainda menos para que a mobilização dos conhecimentos seja exercida. Entre saber o que é um vírus e proteger-se conscientemente das doenças virais, a diferença não é menor. Do mesmo modo que entre conhecer as leis da física e construir uma barca, fazer um modelo reduzido voar, isolar uma casa ou instalar corretamente um interruptor. (PERRENOUD, 2005, p. 4) Freqüentemente há falta dos saberes básicos, o que é mais comum no campo do Direito e da Economia. Esses saberes foram estudados, porém descontextualizados, o que é praticamente o mesmo que se não existissem. Um dos problemas envolvidos é que essa compreensão da formação das competências não é evidente. Há uma falsa pressuposição de R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 164 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... que a escolaridade deve funcionar baseada numa espécie de divisão do trabalho, segundo a qual a escola se incumbe de fornecer saberes e habilidades. Às habilitações profissionais, ou à própria vida, cabe desenvolver competências. Perrenoud aponta essa ficção que encobre a evidência das faltas e das fraturas educacionais. A escola, sabe-se, sempre acalentou o desejo e a intenção de ensinar noções úteis, mas essa ambição global é facilmente perdida de vista, e o que arrasta as práticas de ensino é a “lógica da adição de saberes” que traz, mais conscientemente ou menos, a crença de que eles (os saberes adicionados) ao final servirão a algum propósito. Tentando levantar esse véu de sobre os olhos, o autor declara: “Desenvolver competências desde a escola não é uma moda nova, mas um retorno às origens, às razões de ser da instituição escolar.”(Idem, ibidem, p. 5) É uma questão de atualizar a antiga trilogia de competências que fundou a escola do século XIX — ler, escrever e contar, uma vez que elas não bastam para a época de hoje. 3 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS (PROBLEM-BASED LEARNING) O entendimento prévio acerca das habilidades e competências, sobre sua natureza, suas características e inserção no ambiente escolar, esclarece as premissas que antecedem e orientam a abordagem de um método, entre outros, de ensino-aprendizagem, cuja sustentação principal está exatamente no desenvolvimento de habilidades e competências. Trata-se do problem-based learning (PBL) – aprendizagem baseada em problemas. A partir deste ponto, vai-se apresentar, descritiva e operacionalmente, o PBL e sua história, entrelaçada com um pouco da história das escolas que o adotaram (corajosamente, diga-se de passagem). 3.1 UMA DESCRIÇÃO FUNCIONAL Um dos primeiros e principais teóricos do PBL3 é Howard Barrows (2005), autor que pode servir de guia inicial para a compreensão da PBL. 3 No presente trabalho, PBL é tratado, lingüisticamente, como substantivo masculino, sob o fundamento de que o que releva e o de que se trata é o método, não obstante a tradução da expressão de língua inglesa seja, necessariamente, no feminino (aprendizagem baseada em problemas), puxada pelo substantivo feminino, em português, “aprendizagem”. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. Ubiratan de Mattos 165 No PBL, considerado como um método centrado no aluno, este assume progressivamente mais e mais responsabilidade pela sua aprendizagem e torna-se independentes do professor para a realização dessa aprendizagem que poderá prosseguir ao longo de sua vida e na carreira profissional escolhida. A responsabilidade do professor é prover material e orientação para facilitar a aprendizagem (BARROWS, 2005, p. 1). A base são problemas múltiplos e complexos encontrados no mundo real, utilizados como estímulo para a aprendizagem e como um meio de integrar e organizar a informação disponível sobre a matéria, de forma a torná-la disponível para acesso e uso em futuros problemas. Os problemas, no PBL, são desenhados para desafiar o aluno a desenvolver efetivas habilidades de resolução de problemas e de pensamento crítico. (Idem, ibidem, p. 1) Nesse processo, os alunos se defrontam com o problema e tentam resolvê-lo com base nas informações que já possuem, o que lhes permite avaliar o conhecimento de que já dispõem sobre o assunto, assim como identificar o que precisam aprender para compreender melhor o problema e saber como resolvê-lo. Tendo trabalhado com o problema o suficiente para saber o que precisam aprender, passam a um estudo autodirigido de pesquisa da informação necessária, buscando e usando uma variedade de fontes (livros, jornais, reportagens, internet, peritos e especialistas na área). Isso faz que a aprendizagem seja personalizada e adaptada ao estilo individual de cada aluno. Retornam, então, ao problema e aplicam-lhe o que aprenderam, a fim de compreendê-lo melhor e resolvê-lo. Depois de terminado seu trabalho com o problema, os alunos avaliam-se a si próprios e um ao outro, dois a dois, para desenvolver habilidades de auto-avaliação e avaliação construtiva de estudos. (Idem, ibidem, p. 1) O currículo, no PBL, é constituído pela série de problemas enfrentados pelos alunos. Esses problemas são dispostos em um grupo, para estimular a aprendizagem de conteúdos apropriados ao momento. É característica do PBL que os alunos aprendam mais e avancem em outras áreas, relevantes para as necessidades pessoais. (Idem, ibidem, p. 2) O professor, no PBL, assume o principal papel de facilitador (ou “tutor”, como é denominado no jargão do método), orientando os alunos no processo de aprendizagem. Quanto mais proficientes se vão tornando os alunos, menos ativo vai ficando o tutor. Essa é uma nova habilidade para muitos docentes, e torna-se necessário treinamento específico. (Idem, ibidem, p. 2) O ideal é que se formem pequenos grupos de 5 a 7 alunos. Ao trabalharem juntos com vistas à solução do problema, os participantes do grupo adquirem habilidades colaborativas ou de trabalho em equipe. Há casos, como no Ensino Médio, em que os grupos inicialmente podem ser maiores (de 15 a 35 membros). Entretanto, devem ser utilizadas técnicas R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 166 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... especiais para compensar as desvantagens de grupos tão grandes. (Idem, ibidem, p. 2) O PBL mostra-se um método motivador, na medida em que a aprendizagem é ativa. Os alunos trabalham com problemas reais, e aquilo que devem aprender em seu estudo é claramente visto como importante para suas próprias vidas. O objetivo do PBL é produzir aprendizes que irão: a) enfrentar os problemas da sua vida e da sua carreira com iniciativa e entusiasmo; b) solucionar problemas utilizando uma base de conhecimento efetivamente integrada, flexível e aplicável; c) aplicar a solução de problemas em novas e futuras situações; d) desenvolver pensamento crítico e criativo; e) adotar abordagem holística de problemas e situações; f) apreciar diversos pontos de vista; g) identificar pontos fracos e fortes na aprendizagem; h) desenvolver habilidades de comunicação e liderança; i) incrementar sua base de conhecimento; j) empregar habilidades de aprendizagem autodirigida para continuar a aprender como hábito de vida; l) monitorar e avaliar continuamente a adequação do seu conhecimento, de suas habilidades de aprendizagem autodirigida e de solução de problemas; m) prestar efetiva colaboração como membro de um grupo. (Idem, ibidem, p. 2-3) Outra fonte interessante sobre PBL é a Samford University,4 situada em Birmingham, Alabama, nos Estados Unidos, cujo material disponibilizado permite uma visão mais detalhada e aprofundada do método educacional PBL. É com base nesse material que se desenvolveram os itens que seguem, mediante a tradução e a organização temática feitas pelo autor deste trabalho. 3.2 ORIGENS O PBL, enquanto estratégia de ensino e desenho curricular teve seu nascimento mais ou menos há 30 anos, na McMaster University, no 4 Disponível em: http://www.samford.edu/pbl/history.html. Acesso em: 16 out. 2005. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. Ubiratan de Mattos 167 Canadá. Havia um acúmulo histórico de frustrações institucionais e estudantis em relação às aulas expositivas e conferências. Foi então que se decidiu utilizar problemas com base em casos clínicos reais como pontos focais em um programa acadêmico de Medicina. A inspiração inicial foi o processo tutorial desenvolvido por Barrows e Tamblyn (1980), a partir do qual o currículo médico mudou seu foco da abordagem centrada na escola para um novo processo, centrado no aluno e interdisciplinar. A abordagem PBL passou a ser utilizada, de forma híbrida, por inúmeras instituições. A Harvard Medical School derivou seu uso do PBL de trabalhos anteriores realizados na Case Western Reserve University. Nesta, a Faculdade de Medicina instalou um laboratório interdisciplinar e uma variedade de estratégias didáticas. Harvard expandiu ações a partir disso, integrando os problemas do PBL com sessões didáticas de discussão e experimentais. A contínua adesão ao PBL prossegue na exata medida do reconhecimento de que os alunos retêm um mínimo de informações dentro do modelo de ensino tradicional e têm dificuldade em transferir o conhecimento adquirido para novas experiências. De acordo com Schmidt (1983), o PBL provê um ambiente pedagógico no qual os estudantes podem trabalhar sobre conhecimento previamente adquirido, aprender com o contexto do mundo real e reforçar o conhecimento por meio de trabalho em grupo e independente.5 3.3 CONCEITOS Há inúmeros conceitos e interpretações do PBL. Algumas instituições se atêm ao conceito original, que é: PBL é tanto um currículo quanto um processo. O currículo consiste em selecionar cuidadosamente e designar problemas que exijam do aprendiz aquisição de conhecimento crítico, proficiência da resolução de problemas, estratégias de aprendizagem autodirigida e habilidades de participação em grupos. O processo reproduz a comumente usada abordagem sistêmica de resolução de problemas ou de enfrentamento de desafios encontráveis na vida ou na carreira. Muitas outras definições existem. Um ponto-chave para designar, estruturar e avaliar os resultados produzidos pelo aluno, atingível pelo PBL, é determinar qual é o conceito que melhor combina com sua filoso- 5 Disponível em: http://www.samford.edu/pbl/history.html. Acesso em: 16 out. 2005. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 168 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... fia didática e com a missão de sua escola. Como mostram Boud, Feletti et al. (1993), aspectos geralmente presentes nas definições do PBL são os relacionados a seguir: • PBL é uma estruturação curricular que envolve o confronto dos alunos com problemas práticos que fornecem estímulo à aprendizagem. • PBL é um método didático que desafia os alunos a aprenderem a aprender, trabalhando cooperativamente em grupos para buscar soluções para problemas do mundo real. Tais problemas são usados para atrair a curiosidade dos alunos e iniciar a aprendizagem sobre o assunto. PBL prepara o aluno para pensar crítica e analiticamente e para utilizar apropriadamente fontes de pesquisa. • PBL é uma abordagem de ensino e desenvolvimento construída em torno de um problema desalinhado (“mal-estruturado”), caótico e complexo por natureza, que requer indagação, reunião de informações e reflexão; é mutável e instigante e não possui nenhuma solução “certa”, nenhuma fórmula fixa ou simples de resolução. • PBL é uma estratégia instrucional que promove aprendizagem ativa. Pode ser a base pedagógica para módulos, cursos, programas ou currículos. 3.4 COMPARAÇÃO COM OUTRAS ESTRATÉGIAS DE ENSINO A Academia de Matemática e Ciência de Illinois comparou currículos prescritivos e experienciais. PBL pode ser colocado entre os últimos, ainda que essa classificação possa variar, na dependência da interpretação e do uso que se adote do PBL. O resultado da comparação é elucidativo e se resume no quadro6 abaixo: 6 CURRÍCULO PRESCRITIVO CURRÍCULO EXPERIENCIAL centrado no professor linear e racional organização da parte para o todo ensino como transmissão aprendizagem como recepção ambiente estruturado centrado no aluno coerente e relevante organização do todo para a parte ensino como facilitação aprendizagem como construção ambiente flexível Disponível em: http://www.samford.edu/pbl/history.html. Acesso em: 16 out. 2005. Tradução do autor deste trabalho. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 169 Ubiratan de Mattos Savin Baden (2000) estudou as diferenças entre o PBL e outras estratégias de ensino. Partindo do trabalho de Barrows, delineou as bases associadas a cada uma das estratégias descritas a seguir: ESTRATÉGIA DE ENSINO DESCRIÇÃO aula expositiva (conferência) Informação apresentada e discutida pelo professor. estudo de caso Histórias de caso, escritas fornecidas antes da aula e seguidas de discussão em sala sobre conteúdos e conceitos. método de caso Histórias de caso, escritas fornecidas antes da aula, estudadas e então discutidas em aula, tipicamente em pequenos grupos. método de caso modificado Informação escrita incompleta, fornecida e estudada antes da aula. Em grupos, determina-se a informação adicional necessária. Por vezes, informação adicional é fornecida na aula. foco no problema Os alunos recebem um cenário de problema simulado. PBL Informação escrita e incompleta é fornecida e estudada antes da aula. O foco é sobre a identificação de assuntos a serem aprendidos, aplicáveis à resolução do problema. Conteúdos e conceitos relevantes para aprender um componente chave. As diferenças entre estudo de caso e PBL são difíceis de averiguar. Hay e Katsikitis (2001), num estudo que examinou tutores especialistas e não especialistas, concluíram que os dois métodos são similares. A peculiaridade de cada um é apenas na apresentação do problema. No estudo de caso, o problema é acompanhado de fontes de materiais-fonte e perguntas; no PBL, somente o problema é fornecido. No PBL, o foco é mais no que o aluno faz do que no que a escola faz. 3.5 PERGUNTAS DE PESQUISA SOBRE O PBL Existem muitos assuntos e preocupações relacionados ao PBL. As publicações especializadas e os sites apresentam algumas perguntas genéricas, com vistas a uma exploração posterior. Uma seleção desses assuntos levantados inclui as questões a seguir: R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 170 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... • Por que utilizar o PBL? • Quais são os efeitos do PBL nas atitudes do aluno? • Que diferença faz o PBL na aprendizagem do aluno? • Como se pode medir o impacto do PBL nos resultados do aluno, antes e depois de um curso ou programa? • Quais são os resultados inesperados do PBL? • Quais os efeitos do PBL na adaptação e no funcionamento do aluno no local de trabalho? • Quais princípios de estrutura e organização curricular devem ser mantidos para sustentar uma representação adequada do PBL? • A que assuntos nos propósitos curriculares o PBL não respondeu? • Que estilos de aprendizagem combinam mais com o PBL? • Que infra-estrutura acadêmica é requerida para dar suporte ao PBL? 3.6 PROCESSO PBL: UM CERTO CUIDADO Em muitos cursos em que a problematização é o centro pedagógico, os alunos são bombardeados com enorme quantidade de materiais para leitura, a partir de que devem mostrar a devida compreensão completando problemas relatados. Tais problemas requerem tipicamente uma resposta clara e direta. Esse método não prepara os estudantes para a resolução profissional de problemas. Já o PBL se inicia com os alunos trabalhando em pequenos grupos, “escavando”, determinando assuntoschave e, então, resolvendo um problema do mundo real, sob a orientação de um facilitador. Focalizando um problema real, os alunos desenvolvem uma perspectiva mais profunda e variada, bem como conhecimento da área em questão. Esse processo não é novo, pois tem raízes no antigo modelo de aprendizagem denominado “aprender fazendo”. PBL altera o ensino tradicional e os padrões de aprendizagem. A forma costumeira de apresentar um tópico, parte por parte, até que os alunos assimilem as várias etapas do conhecimento e supostamente estejam aptos a aplicar tal saber aos problemas pessoais e profissionais já demonstrou exaustivamente sua ineficácia. 3.7 PROCESSO PBL: MAPEAMENTO DO CURRÍCULO Currículo é um plano acadêmico ou uma estratégia escolar no(a) qual o plano total de ação é esboçado. Nesse plano, há os objetivos gerais e os específicos, metas e resultados declarados. O processo como R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 171 Ubiratan de Mattos alcançar e avaliar esses objetivos também foram descritos. A principal finalidade de se formular um currículo é fomentar o desenvolvimento pessoal e acadêmico de certo grupo de alunos. PBL pode ser uma parte do processo de instrução curricular, seu inteiro foco ou apenas restrito a um curso, unidade ou módulo. Freqüentemente, as necessidades de pessoal, de investimento financeiro e de instalações restringem a amplitude e a profundidade do uso do PBL. Iniciar a adoção do PBL dentro de um currículo pode gerar ansiedade nos administradores, nas faculdades e nos próprios alunos. Causas disso são a mudança em si e a incerteza quanto à eficácia do PBL. Uma forma de neutralizar essa ansiedade consiste em: a) explanar tudo que concerne ao uso do PBL a todos os principais envolvidos com o currículo; b) providenciar o necessário para o desenvolvimento da faculdade; c) orientar os estudantes. Pontos essenciais para o sucesso na adoção do PBL são: a) centralizar a gestão de currículo; b) determinar quem detém o poder e a autoridade para estruturar e avaliar o PBL; c) explorar o conteúdo essencial; como não haverá tempo suficiente para cobrir todo o conteúdo, fixar-se no que é absolutamente necessário saber. O site de Samford apresenta uma folha-modelo que ilustra o roteiro a servir de guia na adoção do método, a partir de sua essência básica: a elaboração do problema. Observe-se: R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 172 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... Universidade de Samford Centro de Ensino, Aprendizagem e Bolsas de Estudo Folha de Desenvolvimento de Problemas em PBL 7 Curso: Autores do Problema: Data: 1 Conteúdo 1.1 Qual é o nível escolar envolvido? 1.2 Qual é a fase curricular? 1.3 Qual é a base lógica? 2 Assuntos de Aprendizagem 2.1 Identificar os assuntos primários de aprendizagem e os objetivos educacionais a serem consignados no problema. 2.2 Delinear subtópicos relacionados aos citados assuntos primários de aprendizagem. 2.3 Esboçar o cenário ou problema introdutório. 2.4 Identificar e avaliar esforços diagnósticos. 2.5 Delinear esforços de planejamento e intervenção. 2.6 Determinar, se possível ou necessário, a resolução do cenário ou problema. 3 Guia ou manual tutorial: com as informações anteriores, produzir um guia tutorial escrito. Um exemplo de guia como esse é o Guia Tutorial Ubuyacar, de Maricopa.8 4 Guia ou manual do aluno: produzir um manual do aluno escrito. Se o tempo permitir, estabelecer um piloto do problema e então refinar o manual do aluno. Ver também o exemplo: Manual do Aluno Ubuyacar, de Maricopa.9 O empenho em usar o PBL como guia curricular merece um esclarecimento e um cuidado, no sentido de que o método pode exigir mais tempo do que as estratégias pedagógicas tradicionais, como, por exemplo, as aulas expositivas, também denominadas aulas magistrais. Estudantes novatos requerem mais estrutura e mais tempo para abordar e resolver problemas. Os problemas, como o PBL defende e promove, são complexos e “abertos” (sem solução antecipada, previsível, “fechada”); 7 8 9 A folha-modelo foi adaptada por: BALDWIN, M. S.; ALEXANDER, J. A.; MCDANIEL, G. S. (2000), de HENDRICSON’S, W. D. PBL case writing workbook. Mississippi State University’s College of Medicine; Developing a problem-based learning case: a “Howto-Guide”; DUCH’S, B. Problems: a key factor in PBL. Disponível em: http://www.mcli.dist.maricopa.edu/pbl/ubuytutor/ubuyacar_tutor.pdf. Acesso em: 10 set. 2005. Cfr. http://www.mcli.dist.maricopa.edu/pbl/ubuystudent/ubuyacar_student.pdf. Disponível em: Southern Illinois School of Medicine http://www.siu.edu/departments/biochem/ som_pbl/PBL.html. Acesso em: 10 out. 2005. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 173 Ubiratan de Mattos isso acarreta, obrigatoriamente, mais tempo de processamento pelos alunos. Além disso, é preciso examinar os recursos e suas fontes, assegurar-se de que os estudantes tenham efetivo acesso aos recursos pessoais e materiais de que irão precisar. E, por último e não menos importante, é fundamental determinar a metodologia de avaliação, naturalmente diversa daquela dos enfoques tradicionais de ensino. O site de Samford refere outros sites, mencionados para se buscarem exemplos de aplicação curricular do PBL10. Diga-se que a escola precisa, antes de tudo, decidir se o PBL é um método que se mostra alinhado com sua filosofia de ensino-aprendizagem. Uma vez tomada a decisão de aderir ao PBL, é necessário assegurar-se de que todos os componentes implicados estarão presentes e disponíveis, porque não são poucas as dificuldades na estruturação do método. 3.8 PROCESSO PBL: MAPEAMENTO DO CURSO Existem diversas maneiras de incorporar o PBL a um curso. A tabela a seguir apresenta as principais: 10 Conway, J. & Little, P. (2001). From practice to theory: Reconceptualizing curriculum development for PBL. http://www.tp.edu.sg/pblconference/full/JaneConwayPennyLittle.pdf Wood, D. F. (2003). A. B. C.’s of learning and teaching in medicine: Problem based learning. British Medical Journal, 326. http://bmj.com/cgi/reprint/326/7384/328.pdf. Boud, D. & Feletti, G. (Ed.) (2001). The challenge of problem-based learning (2nd ed.). London: Kogan Page. opportunities for students and teachers. Journal for the Education of the Gifted, 20 (4), 363-379. Boyce, L. N., VanTassel-Baska, J., Burruss, J. D., Sher, B. T. & Johnson, D. T. (1997). A problem-based curriculum: Parallel learning. Duch, B. J., Groh, S. E., & Allen, D. E. (Eds.) (2001). The power of problem-based learning. Sterling, VA: Stylus Publications. Hmelo, C. E. & Ferrari, M. (1997). The problem-based learning tutorial: Cultivating higher order thinking skills. Journal for the Education of the Gifted, 20 (4), 401-422. Oon Seng, T., Little, P., Hee, S. Y., & Conway, J. (2000). Problem-based learning: Educational innovation across disciplines. Hong Kong: Temasek Centre for ProblemBased Learning. Savin-Baden, M. (2000). Problem-based learning in higher education: Untold stories. Buckingham: Open University Press. Stepien, W. J., & Pyke, S. L. (1997). Designing problem-based learning units. Journal for the Education of the Gifted, 20 (4), 380-400. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 174 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... problema, problema, problema Em tal situação, PBL é usado de começo a fim do curso. Os objetivos educacionais centram-se na descoberta de conhecimento e habilidades. Os alunos, nesse tipo de curso, são continuamente desafiados a descobrir conhecimentos novos e a seguir sua “necessidade” de saber. problema específico, problema específico, problema compreensivo Como acima, PBL abrange o curso todo. Os objetivos educacionais focalizam a integração, pelos alunos, entre conhecimento e habilidades. O problema compreensivo final somente pode ser resolvido com base na construção sobre os problemas específicos prévios. Problema, conferência, problema, conferência Aqui os objetivos se voltam para a descoberta de conhecimentos específicos. Um problema que necessita conhecimento específico é seguido de uma ou mais de uma conferência. estudo de caso, problema Tal formato de PBL pode ser usado para o caso de alunos que necessitam de assistência extra para determinar e encontrar recursos apropriados para desenvolver conhecimento e habilidades. Um estudo de caso sobre tomada de decisão envolvendo exemplos desse tipo de busca é dado de início. Na seqüência do curso, os alunos receberão, então, para enfrentamento, os problemas com esse desafio. A adequada seleção de problemas determina o sucesso do curso. São inúmeras as fontes que podem ser usadas para compor os problemas: artigos de revistas e jornais, filmes, novelas, assuntos comunitários, histórias de caso etc. O conteúdo do problema é único para cada disciplina, mas o processo de redação do problema pode ser genericamente o mesmo. Deve-se dar, ao grupo responsável, tempo para desenvolver e julgar os problemas. Bárbara Dutch, da Universidade de Delaware recomenda o seguinte processo, para elaborar, implementar e avaliar um problema: a) identificar uma idéia central, conceito ou princípio, comumente incorporado ao curso; b) delinear resultados de aprendizagem para o problema; c) realizar um brainstorming e então compor um problema complexo, desalinhado (“mal-estruturado”); d) dividir o problema em etapas, para permitir progressiva revelação; e) desenvolver um guia tutorial; R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 175 Ubiratan de Mattos f) auxiliar os alunos a identificar recursos. A Universidade de Monash (http://www.monash.edu.au/) utiliza uma abordagem em três fases, a qual favorece a compreensão, pelos alunos, do processo dos problemas. Observe-se: Compreendendo os problemas. O que eu sei a respeito disto? Em que consiste este problema? Como é possível modelá-lo? Que soluções são possíveis? Quais são os critérios de avaliação? Aprendendo. O que precisamos saber? Quem vai coletar as informações? Onde posso encontrar as informações? A informação é útil e confiável? Como posso ensinar a meu grupo? O que eles (o grupo) podem me ensinar? Resolvendo. Como aplicar meu novo conhecimento? Que documentação é necessária? Quais problemas similares eu posso resolver? 3.9 PROCESSO PBL: ELABORAÇÃO DO PROBLEMA Um bom problema possui as características a seguir: • É engajado e orientado para o mundo real. • Produz múltiplas hipóteses. • Requer esforço de equipe. • É consistente com relação aos resultados desejados de aprendizagem. • Constrói sobre experiências de conhecimento anteriores. • Promove o desenvolvimento de uma ordem mais elevada de habilidades cognitivas. (BLOOM, 1956) Ao definir o título do problema e a informação introdutória, devese considerar se o problema é: interdisciplinar original atual orientado para metas e resultados aberto investigativo complexo relevante R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 176 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... Comparar e contrastar as estruturas possíveis dos problemas são fundamentais para compreender e aplicar a essência do PBL. Um pareamento do tipo que segue pode ajudar. PROBLEMA ALINHADO OU DE ESTRUTURA DEFINIDA PROBLEMA DESALINHADO OU “MAL-ESTRUTURADO” Qual o papel de uma enfermeira no cuidado crítico? Eutanásia: permitir a dignidade ou cometer um pecado? Quais os custos iniciais para fundar uma creche? Como supervisor, você notou significativo número de ausências entre as mulheres que trabalham em seu departamento. 3.9.1 Avaliação do Problema A Universidade de Delaware, em 2001, produziu a seguinte formulação para dar conta de uma avaliação voltada ao problema: AVALIAÇÃO DO PROBLEMA critério excelente bom necessita de aperfeiçoamento não aceitável formulação e extensão do problema Claro, bem elaborado, extensão bem definida. Formulação clara, porém a extensão não está bem definida. Formulação pouco clara, não foi bem elaborada. O problema não foi formulado de forma clara. significação O problema representa um desafio atual, de amplo potencial de mercado. O problema representa um desafio atual, mas de mercado pequeno, vagamente definido. O problema não é um desafio atual – mercado pequeno ou não claramente definido. O problema não é um desafio atual – nenhuma análise de mercado. 3.9.2 Aproximação ao Problema Com base num processo desenvolvido pelo Departamento de Educação Médica da Southern Illinois University School of Medicine, pode-se R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 177 Ubiratan de Mattos preconizar uma aproximação ao problema do PBL e sua resolução, que envolve: I - introduzir o conceito e a razão de ser do uso do problema PBL dentro do curso, módulo ou unidade; II - ajustar o estágio a: a) papéis e responsabilidades dos vários membros do grupo (recomendável de 4 a 6 alunos); b) cada aluno assume, em rodízio, os papéis de líder, motivador, cético, apresentador e redator; c) regras de confiança – o exemplo que segue, de tais regras, foi produzido por Amos and White (1998). Universidade de Samford Nome do curso semestre/ano Regras de Confiança 7 Instruções 1 Discutir e redigir as regras de confiança do grupo. Exemplo: “ser pontual” ou “vir preparado com cópias de material para todos os colegas do grupo”. 2 Definir as conseqüências possíveis no caso de serem quebradas as regras. O professor responsável (ou instrutor) reserva-se o direito de revisar e aprovar as regras e conseqüências estabelecidas e declaradas. 3 Uma vez completada a redação desta folha, todos do grupo devem assiná-la, o que significa concordância com as regras. 4 Por fim, determinar a pessoa para contato com o grupo. Anotar seu nome e e-mail em espaço adequado. 8 Regras e conseqüências: 1 2 3 4 5 9 Componentes do grupo: 1 2 3 4 5 Pessoa para contato: Nome: _________________________________ – E-mail: ___________________ R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 178 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... 3.9.3 Encontrar e Trabalhar com o Problema A experiência institucional de Samford fornece mais uma tabela para a abordagem do momento em que se vai gerar o problema a ser utilizado: HIPÓTESES brainstorming INFORMAÇÕES ASSUNTOS A APRENDER PLANOS DE AÇÃO AVALIAÇÃO De que dados você dispõe? Lista do que é necessário para adquirir dados adicionais e completar o problema. Atividades necessárias para completar o problema. O problema está resolvido? O processo precisa ser repetido? 3.9.4 Etapas de Complementação do Trabalho com o Problema As etapas listadas a seguir são auto-explicativas e funcionam mais como uma lembrança (checklist) do caminho a ser trilhado do que como itens a serem conceitualizados. São elas: a) estudo autodirigido; b) continuidade na resolução do problema; c) identificação e avaliação dos recursos; d) sumário do problema; e) reavaliação do problema; f) avaliação do grupo; g) abstração e sumário do conhecimento (definições, conceitos, abstrações e princípios esboçados; diagramas, listas, mapas conceituais, fluxogramas produzidos); h) auto-avaliação e avaliação entre pares; i) avaliação do facilitador. 3.10 PROCESSO PBL: O GRUPO Há suficiente evidência na literatura de que a maioria dos alunos aprende melhor colaborando, provendo e recebendo informações, apoiando e encorajando, resolvendo conflitos e comunicando-se com outros. O trabalho em grupo, portanto, melhora a aprendizagem. Não obstante, não basta colocar os alunos em grupos e esperar que a natureza siga seu R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 179 Ubiratan de Mattos caminho. Os componentes precisam aprender a trabalhar em grupo, pois há conhecimentos e habilidades específicas em jogo. Sem tais cuidados, ocorrem situações que Gibbs (1995) descreveu exemplarmente nesta historinha: Era uma vez um grupo de quatro alunos, chamados, respectivamente, Todo Mundo, Alguém, Qualquer Um e Ninguém. Havia um trabalho importante a fazer. Todo Mundo estava certo de que Alguém o faria. Qualquer Um poderia tê-lo feito, mas Ninguém o fez. Alguém ficou furioso, porque o trabalho era de Todo Mundo. Todo Mundo pensou que Qualquer Um poderia fazê-lo, mas Ninguém fez nada. Todo Mundo deixou de fazer. A história termina com Todo Mundo culpando Alguém por Ninguém ter feito o que Qualquer Um poderia ter feito. Para ser bem-sucedida, uma atividade de estudos em grupo deve: a) permitir um senso de interdependência entre os membros do grupo; b) encorajar a responsabilidade do aluno perante o colega de grupo e o instrutor; c) prover freqüente interação frente a frente para promoção das metas do grupo; d) permitir o desenvolvimento de habilidades sociais necessárias para a colaboração; e) completar o ciclo com análise crítica sobre o processo do grupo. 3.11 O PROCESSO PBL: PAPÉIS E RESPONSABILIDADES 3.11.1 Papel do Facilitador O papel do facilitador é, em síntese, ser um(a): a) pessoa-fonte ou pessoa-recurso para questões de conteúdos e procedimentos; b) facilitador de todos os processos dos grupos; c) guia para recursos adicionais; d) “caixa de ressonância” para o grupo; e) aprendiz, também. A adesão ao PBL precisa priorizar atenções ao tempo necessário para preparo do material do curso, desenvolvimento dos problemas, treinamento de facilitadores e determinação do processo de avaliação do trabalho dos alunos. Outro aspecto fundamental é o “papel reverso” – ao R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 180 Projeto Pedagógico no Ensino de Direito ... em vez de ser o “ator falador” (sage on the stage), o professor será o “guia que espia” (guide on the side). Deixa as conferências e adentra métodos de resolução de problemas, por vezes denominados método do aprendizado cognitivo (BROWN; COLLINS; NEWMAN, 1989, p. 453-494). A orientação para solução de um problema trará, muitas vezes, questões metacognitivas, do tipo: “Como você sabe disto?”; “Que suposições você deveria estar fazendo?”; “O que mais você precisa saber?” 3.11.2 Papel do Aluno Os alunos, notadamente os dos primeiros anos, têm dificuldades com o conceito e o uso da aprendizagem autodirigida (SCHMIDT; HENNY; DE VRIES, 1992, p. 193-198). Não é raro que haja reação dos alunos, do tipo choque, negação, raiva, resistência, aceitação e, afinal, confiança. Os alunos devem, também, assumir a responsabilidade por seu aprendizado. PBL os encoraja a identificarem necessidades e determinarem quais os recursos para realizarem a aprendizagem. A aprendizagem independente traz consigo a colaboração com os colegas e com a escola. Isso facilita a compreensão do problema e a aplicação do conhecimento em situações futuras. Colaboração é fator central, pois os alunos trabalham mais como membros de um time, em seus respectivos lugares de atuação. Duas tarefas consideradas difíceis no PBL, para os alunos, são a reflexão (auto-avaliação) e a avaliação entre pares. A auto-avaliação permite que o estudante complete o círculo de aprendizagem. O que eu aprendi? O que mais preciso saber? Como poderei abordar este problema no futuro? Ele deve ser proficiente não só em avaliar seu próprio progresso, mas também o de seus pares. Monitorar a própria aprendizagem bem como fornecer feedback confiável à dos colegas é uma importante habilidade pessoal e profissional. Orientar os alunos para o PBL é um imperativo. Para tanto, uma abordagem poderia ser a introdução do conceito e a razão de ser do uso do PBL no curso ou no currículo. Outra, seria levar os alunos a trabalharem sobre um problema-modelo, seguido de uma sessão de perguntas. 4 CONCLUSÃO Algumas observações podem ser feitas, a partir deste estudo introdutório ao PBL, que aqui servem de conclusão (sempre provisória) ao presente artigo. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 151-183, 2006. 181 Ubiratan de Mattos O PBL representa um significativo avanço em termos metodológicos para o processo ensino-aprendizagem, já que desloca, eficientemente, o eixo pedagógico do tradicional “centro no professor”, para um meticuloso “centro no aluno”, sem que signifique “soltar” o aluno, simplesmente, ao sabor de seus “improvisos orientados”. Ao contrário, o PBL trabalha com balizamento técnico intenso e rígido, a dar suporte para seus resultados. O método apresenta variações, inclusive em termos de complexidade, podendo ser parcial ou integralmente adotado. As inúmeras experiências já realizadas no mundo produziram farta bibliografia de pesquisa teórica e de apoio operacional. A imensa maioria conhecida de aplicações universitárias do PBL deu-se no curso de Medicina ou na área paramédica, o que deixa campo aberto para experimentações no ensino-aprendizagem das outras áreas do conhecimento. Pode parecer, a alguns, paradoxal a liberdade que o aluno conquista, ao lado dos meticulosos passos técnicos que orientam essa liberdade. Este é o ganho principal do método: substitui a suposta segurança do conferencista, que só cria dependência pela autonomia da aprendizagem autodirigida, que aponta para maturidade e responsabilidade, componentes intrínsecos da liberdade. O curso, pelos apontamentos curriculares do PBL, pode mapear o perfil profissiográfico do egresso e persegui-lo passo a passo, com maior segurança de atingi-lo, uma vez que o método se focaliza em minuciosa construção de habilidades e competências, lastreadas pelos conhecimentos e avaliadas rotineiramente pelos próprios alunos e pela escola. REFERÊNCIAS AMOS, E.; WHITE, M. J. Problem-based learning. Nurse Educ, 23(2): 11-4, 1998. BARROWS, Howard. Problem-based learning (PBL). Disponível em: <http://www.pbli.org/pbl/pbl5.htm.> Acesso em: 6 maio 2005. BARROWS, H. S.; TAMBLYN, R. M. 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Fábio Leandro Tokars 189 Dentre as muitas obras que foram publicadas a respeito da nova Lei de Falências (Lei 11.101/2005), uma merece destaque inversamente proporcional à sua dimensão física. Recuperação de empresas: uma múltipla visão da nova lei (São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006) é uma obra curta (130 páginas), mas a quantidade e a relevância das informações nela contidas, somadas à metodologia que se emprega, tornam o livro uma referência essencial na área do Direito Empresarial. Trata-se de uma obra coletiva (composta de 21 artigos), fruto de iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas e da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, que recebeu ainda o apoio de diversas outras conceituadas instituições. Os trabalhos foram coordenados por Fátima Bayma de Oliveira. O principal diferencial dessa obra é a superação da barreira que infelizmente separa as ciências do Direito e da Economia. Ainda prepondera no Brasil uma lógica de estudo e de aplicação do Direito em que não são considerados os efeitos econômicos das decisões judiciais, bem como a funcionalidade econômica dos instrumentos jurídicos. Mas o livro, fruto de trabalho de grandes doutrinadores do Direito Empresarial, ao lado de administradores e economistas de escol, garantiu essa aproximação, e nos fez perceber, com base em dados objetivos, que a nova Lei de Falências apresenta relevantes méritos do ponto de vista de sua finalidade declarada de preservação da empresa em dificuldades econômicas, embora esteja muito distante da realização concreta dessa finalidade. Para que fosse garantida a integração entre os diversos trabalhos reunidos, os textos foram divididos em cinco capítulos. O primeiro, intitulado “Construindo um referencial”, aponta a função econômica da nova lei, reunindo artigos de juristas (Newton de Lucca, Jorge Lobo e Adalberto Simão Filho) e de um administrador com grande experiência na área de recuperação de empresas (Jorge Queiroz). Vai-se além dos simples comentários quanto à importância da preservação das empresas, abordando-se os princípios de gestão que deveriam orientar a prevenção e a superação das crises econômicas das estruturas empresariais, com destaque aos comentários quanto à função estratégica dos administradores. O segundo capítulo inicia a construção de uma análise crítica quanto à viabilidade dos objetivos econômicos da lei em face de suas normas. Nessa parte do trabalho, dois artigos merecem destaque. Aloísio Pessoa de Araújo e Bruno Funchal, ambos administradores, escreveram sobre o impacto econômico da nova legislação falimentar, com base em vasta pesquisa quantitativa. Analisaram dados concretos a respeito do tempo R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 187-190, 2006. 190 Análise Econômica da Nova Lei de Falências consumido para a liquidação de empresas, o nível de proteção ao credor e o nível de sucesso na execução judicial de créditos, sob a luz de pesquisas referentes à qualidade dos trabalhos do Poder Judiciário, não só no Brasil. As conclusões vêm no sentido da ausência de proteção razoável ao crédito em nossa economia, fato que gera a elevação dos riscos dos credores e, como conseqüência, um aumento nas taxas médias de juros, com todos os efeitos danosos à economia daí resultantes. Outro artigo que merece especial destaque nessa segunda parte do livro tem o título auto-explicativo de “O papel do Poder Judiciário na aplicação da Lei 11.101/05”, e foi escrito pelo jurista Carlos Henrique Abrão. O terceiro capítulo tem por objeto a questão tributária (problema central para a aplicação da nova lei), sendo formado por dois estudos relativos à Lei Complementar 118/05. Os trabalhos têm um claro viés prático e foram redigidos pelos advogados tributaristas Osmar Simões e Condorcet Rezende. O quarto capítulo é o mais longo do livro, contando com sete artigos. Intitulado “Abordagens estratégicas”, esse capítulo reúne estudos sobre aspectos gerenciais específicos, envolvendo desde a forma de gestão de crises nas micro e pequenas empresas (André Silva Spíndola, Fátima Bayma de Oliveira e Francisco Marcelo Barone) até a forma de relacionamento entre os fundos de investimento e as empresas em recuperação (Luiz Leonardo Cantidiano), passando ainda pelas questões trabalhistas (Luciano Viveiros). Encerram a obra um artigo referente ao paradigmático caso Parmalat (escrito por Joel Luís Thomaz Bastos) e outro em que se constrói uma análise comparativa entre e nova lei brasileira e aquelas aplicadas em outros países (trabalho de Gordon W. Johnson). Enfim, cuida-se de trabalho que ganhou relevância especialmente pela naturalidade com que aproximou os estudos de economistas, administradores e juristas, com notável coincidência em relação tanto aos objetivos pretendidos quanto aos problemas instrumentais de aplicação da nova lei. É leitura obrigatória não só para aqueles que atuam no Direito Falimentar, como também para todos os que cobram uma postura dos estudiosos da ciência jurídica, a fim de que esta revele mais consciência quanto aos efeitos socioeconômicos dessa área do conhecimento. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 187-190, 2006. 191 Conselho Editorial NORMAS EDITORIAIS R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006. 192 R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006. Normas Editoriais 193 Conselho Editorial Revista Jurídica é publicação oficial das Faculdades Integradas Curitiba (FIC), de circulação nacional e internacional, com periodicidade anual, destinando-se à veiculação de artigos científicos e resenhas, frutos das atividades de pesquisas, leituras e discussões acadêmicas na área do Direito, sob enfoque interdisciplinar, concentrando-se em uma nova temática a cada número. Sua principal vocação é agregar valor científico ao debate jurídico, trazendo a contribuição de trabalhos escritos em vários idiomas, vinculados a cursos de graduação e, preferentemente, a programas de pósgraduação do Brasil e do exterior. Visando à qualificação dos debates jurídicos e tendo em vista o projeto de inserção da Revista Jurídica no sistema Qualis, da CAPES (órgão oficial do Ministério da Educação brasileiro), rege-se a publicação pelas seguintes normas editoriais para a elaboração, a apresentação e a análise de textos, propostas pela Editoria da Revista e aprovadas pela Comissão Editorial das FIC, em reunião de 26/11/2004. 1 Só veicula artigos inéditos, os quais deverão estar de acordo com a temática anunciada para cada número em edital próprio e ser enviados à Editoria da Revista Jurídica, em meio eletrônico (arquivos para os seguintes endereços: [email protected]; [email protected]), conforme datas a serem estipuladas anualmente nas chamadas de artigos para a publicação. 2 Todos os artigos devem apresentar a seguinte estrutura: a) como elementos pré-textuais – título (em fonte tamanho 14, em negrito e centralizado, com versões em inglês e em algum outro idioma de caráter internacional) seguido, à direita, da identificação da autoria e das credenciais desta (nomes completos de autores e co-autores, titulações, vínculos institucionais e atividades profissionais atuais), menção às subvenções recebidas, apoios e financiamentos, sumário (contendo os tópicos em que se divide o artigo, logo abaixo do título e dos nomes dos articulistas), resumo e palavras-chave em língua vernácula, resumo e palavraschave em inglês e resumo e palavras-chave em outra língua estrangeira; b) como elementos textuais – introdução, desenvolvimento e conclusão; R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006. 194 Normas Editoriais c) como elementos pós-textuais – lista de referências (somente as obras efetivamente citadas no texto deverão aparecer nas referências). 3 Os trabalhos para a seção “Artigos Científicos” deverão ter entre 10 e 25 páginas e ser digitados em Word 7.0 ou versão mais atualizada, formato do papel A4, fonte arial tamanho 12 e com espacejamento 1,5 entre as linhas, para o texto normal, e, para as citações diretas de mais de três linhas, notas de rodapé, paginação e legendas de ilustrações e tabelas, o tamanho da fonte passa a ser o 10, e o espacejamento, simples. 4 As páginas devem apresentar margem esquerda e superior de 3 cm, direita e inferior de 2 cm, e as citações diretas de mais de três linhas devem ser destacadas em parágrafo próprio com recuo de 4 cm da margem esquerda e sem aspas. 5 No texto, as citações devem ser indicadas pelo sistema de chamada autor-data (exemplo: WARAT, 1985, p. 30), o qual admite somente notas de rodapé explicativas. 6 As referências bibliográficas devem vir em lista única ao final do trabalho, ordenadas pelo sistema alfabético, digitadas em espaço simples, separadas entre si por espaço duplo. 7 As locuções em língua estrangeira e destaques deverão ser redigidos em itálico. 8 Todos os textos devem seguir as demais normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) sobre citações e notas de rodapé, referências em documentos e outras especificidades (ver, notadamente, a NBR 14724, a NBR 10520 e a NBR 6023, todas de agosto de 2002). 9 Os artigos para a seção “Ensino Jurídico” poderão discutir a temática tanto no que se refere à graduação quanto à pós-graduação em Direito, devendo observar-se o mesmo tamanho e as mesmas normas técnicas dos demais artigos. 10 Os artigos de ambas as seções deverão ter suas introduções antecedidas por resumos em português e correspondentes em inglês (abstract) e em mais um idioma de divulgação internacional que não o do próprio texto (résumé, resumen, riassunto, resumo etc.) de até 500 palaR. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006. Conselho Editorial 195 vras, bem como de 3 a 6 palavras-chave também com as correspondentes em inglês (keywords) e em mais um idioma de caráter internacional que não o do próprio texto (mots clés, palabras clave, parole chiavi, palavras-chave etc.), para fins de adequada indexação. 11 As colaborações para a seção “Resenha” deverão conter de 2 a 5 páginas, enquadrar-se na temática do número da Revista Jurídica e versar sobre obra clássica, ainda não publicada no Brasil ou muito recente, desde que tenha impacto na respectiva temática, nada obstando que a obra reúna mais de uma dessas características. 12 Artigos científicos e resenhas não poderão ser assinados por meio de pseudônimos. A identificação da autoria das resenhas segue os mesmos requisitos da dos artigos. 13 Os artigos assinados serão de responsabilidade exclusiva de seus autores, não refletindo, necessariamente, a opinião das FIC. 14 Tanto no caso de artigos quanto no de resenhas, os autores ou co-autores deverão encaminhar seus trabalhos com ofício datado, contendo a declaração de ineditismo do texto, além dos seguintes dados: título do trabalho, nomes completos, endereços completos (inclusive os eletrônicos) e telefones. Deverão ainda veicular a autorização para a publicação e a cedência formal dos direitos de publicação, pelo preenchimento e anexação da ficha de Autorização para Publicação de Obra Intelectual, disponível em www.faculdadescuritiba.br, link Núcleo de Pesquisa Publicações Revista Jurídica. 15 A permissão para o uso de ilustrações, imagens, tabelas etc., extraídas de outras publicações, bem como quaisquer outras licenças ou aprovações perante entidades detentoras de direitos autorais, é de plena responsabilidade dos autores dos artigos e das resenhas. 16 Os artigos ou resenhas internacionais redigidos em espanhol deverão ser encaminhados e serão publicados em seu idioma original, caso em que, além dos resúmenes e palabras clave traduzidos em inglês, poderão também ter esses correspondentes em língua portuguesa. 16.1 Artigos ou resenhas internacionais redigidos em outros idiomas, que não o espanhol, deverão ser encaminhados nos idiomas originais e terão tradução para o vernáculo (publicação bilíngüe). R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006. 196 Normas Editoriais 17 Artigos ou resenhas escritos por acadêmicos somente serão recebidos para análise se apresentados em co-autoria com professores orientadores de projetos de pesquisa, de extensão, de trabalhos de conclusão de cursos de graduação ou de pós-graduação (especializações, mestrados, doutorados e pós-doutorados). 18 A publicação das colaborações recebidas estará condicionada à avaliação do Conselho Científico da Revista Jurídica e de eventuais avaliadores ad hoc, que poderão aprová-las na íntegra, sugerir alterações ou recusá-las definitivamente. 19 A Editoria da Revista Jurídica enviará correspondência eletrônica confirmando o recebimento dos trabalhos, bem como a lista daqueles que forem selecionados para a respectiva publicação. 20 A Editoria da Revista Jurídica poderá executar, com ou sem recomendação do Conselho Científico e dos avaliadores ad hoc, pequenas alterações de caráter meramente formal nos textos recebidos, de modo a adequá-los aos padrões da ABNT, não sendo admitidas modificações de estrutura, conteúdo ou estilo, sem o prévio consentimento dos autores. 21 Os autores de artigos e resenhas aprovados para publicação com sugestões de alterações (língua portuguesa, adequações à ABNT etc.) por parte dos avaliadores ou da Editoria da Revista Jurídica serão contatados pela Instituição para realizá-las e, a partir disso, emitir nova autorização de publicação. A Editoria pode recusar a publicação dos artigos ou das resenhas em relação aos quais foram feitas ressalvas pelos avaliadores, caso essas não tenham sido consideradas pelos respectivos autores. 22 O Conselho Editorial – dividido em Conselho Editorial Internacional e Conselho Editorial Nacional e integrado por membros dotados de maturidade científica e senioridade em pesquisa, representantes de mais de um Estado da Federação brasileira, de alguns países e de várias subáreas do Direito – auxilia a Editoria na definição do projeto editorial (temática) de cada número da Revista e na resolução de dúvidas a ele pertinentes. 23 O Conselho Científico – composto de todos os professores doutores integrantes do projeto de Mestrado em Direito das Faculdades Integradas Curitiba e de alguns convidados externos – auxilia a Editoria R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006. Conselho Editorial 197 da Revista Jurídica na revisão dos artigos recebidos (a partir da Ficha de Avaliação de Artigos), na indicação de avaliadores ad hoc (internos ou externos à Instituição), quando necessário, e na captação de artigos conforme as temáticas da Revista Jurídica. Na avaliação dos artigos serão mantidas em sigilo suas autorias. 24 A Revista Jurídica adota uma política de combate à endogenia, seguindo as diretrizes da CAPES no sentido de que seja o menor possível o número de artigos publicados de autoria de professores da própria Instituição. 25 A publicação não implica nenhuma espécie de remuneração, somente cabendo aos autores de artigos e resenhas o encaminhamento, gratuito, de 3 (três) exemplares do número da Revista Jurídica em que tiver sido veiculada sua colaboração, havendo também o encaminhamento de 1 (um) exemplar para cada membro dos conselhos e aos revisores ad hoc. R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006. 198 Conselho Editorial 199 EDITAL PARA PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006. 200 R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006. Normas Editoriais 201 Conselho Editorial EDITAL PARA PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS NO Nº 20, ANO DE 2007 A Comissão Editorial das Faculdades Integradas Curitiba e a Editoria da Revista Jurídica CONVOCAM todas as pessoas interessadas, especialmente professores e estudantes de pós-graduação em Direito das instituições de ensino superior do Brasil e do exterior, para a apresentação de artigos científicos sobre ao eixo temático Direitos Humanos e Cidadania, artigos científicos sobre ensino jurídico (de graduação e de pós-graduação) e resenhas tendo por objeto obras científicas ligadas às temáticas dos Direitos Humanos e da Cidadania, a serem publicados no nº 20. Com o intuito de fomentar o exercício da reflexão crítica, serão admitidos trabalhos resultantes de diálogo trans e interdisciplinar, tendo por base as temáticas eleitas para o nº 20 da Revista Jurídica, devendo os artigos ser enviados até 26 de novembro de 2007, aos seguintes endereços eletrônicos: [email protected], [email protected] e [email protected]. A publicação dos trabalhos recebidos fica condicionada à prévia verificação da adequação temática e aos objetivos da Revista Jurídica, bem como dos requisitos formais e metodológicos constantes nas Normas Editoriais veiculadas no nº 19 e disponíveis aos interessados em www.faculdadescuritiba.br, link Núcleo de Pesquisa, Revista Jurídica. O encaminhamento dos trabalhos na forma prevista nas referidas Normas Editoriais implica concordância com as disposições nelas consignadas. Curitiba, dezembro de 2006. COMISSÃO EDITORIAL E EDITORIA DA REVISTA JURÍDICA R. Jurídica, Curitiba, n. 19, Temática n. 3, p. 191-197, 2006.