TCC versão final Jana1207

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
DELAC-Departamento de Estudos de Linguagem, Arte e Comunicação
CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS E RESPECTIVAS LITERATURAS
O USO DO A GENTE NO LUGAR DO PRONOME NÓS ENTRE OS
FALANTES DE LÍNGUA PORTUGUESA
Janaina Smaniotto
Ijuí, Julho 2010
UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADODO RIO
GRANDE DO SUL
DELAC- Departamento de Estudos de Linguagem, Arte e Comunicação
CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS E RESPECTIVAS LITERATURAS
O USO DO A GENTE NO LUGAR DO PRONOME NÓS ENTRE
OS FALANTES DE LÍNGUA PORTUGUESA
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de
Letras e Respectivas Literaturas da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul-UNIJUI,
como
requisito
parcial
à obtenção
Licenciatura.
Autora: Janaina Smaniotto
Professora Orientadora: Rosita da Silva Santos
Ijuí, Julho, 2010
do
título
de
2
EPÍGRAFE
Aula de Português
A linguagem
Na ponta da língua
Tão fácil de falar
E de entender
A linguagem na superfície estrelada das letras
Sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe
E vai desmatando
O amazonas da minha ignorância.
Figuras de gramáticas, esquipáticas
Atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia
Em que pedia para ir la fora,
Em que levava e dava pontapé.
A língua, breve língua entrecortada
Do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
(C.Drumond de Andrade,Esquecer para lembrar:Rio de Janeiro:Record,1979).
3
Agradecimentos
A DEUS, por ter recompensado todo o meu esforço e a minha vontade
para superar todos e quaisquer desafios ao longo dessa jornada.
Dedico este trabalho a toda minha família e amigos, em especial ao
meu pai, minha mãe, minhas irmãs, meu namorado, a amiga
orientadora, Prof. Rosita da Silva Santos, colegas e professores do
Curso de Letras Português e Respectivas Literaturas.
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SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................................ 05
1.1-A História da Língua Portuguesa ...................................................................................... 07
1.2-O Português no Brasil ....................................................................................................... 09
1.3-O Português da Atualidade ............................................................................................... 11
2-GRAMÁTICA ................................................................................................................... 13
2.1-A História da Gramática ................................................................................................... 13
2.2-Gramática: Mais que uma? ............................................................................................... 15
2.3-Gramática e Ensino ........................................................................................................... 20
2.4-Linguística ou Gramática. ................................................................................................. 21
3 -Pronomes Pessoais ............................................................................................................ 24
3.1- A gente............................................................................................................................. 27
4-METODOLOGIA .............................................................................................................. 29
4.1-Análise dos dados Coletados ............................................................................................ 30
4.2 IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS ................................................................................... 33
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 41
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho de conclusão de curso constitui-se em um mapeamento da
história da língua portuguesa e sua gramática, em especial um estudo dos pronomes pessoais,
no que diz respeito à substituição do nós pelo a gente entre os falantes de língua portuguesa
e em que o seu ensino está implicado.
Muito se tem questionado a respeito do ensino de gramática nas aulas de língua
portuguesa: afinal a gramática deve ou não ser ensinada? Em vista disso, surgem também
outros questionamentos, acerca do ensino de língua portuguesa nas escolas, pois ao educador
compete o ensino da gramática normativa para o cumprimento dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, os quais servem de referência para o trabalho de todas as disciplinas nos três níveis
para a formação escolar dos discentes. Observa-se uma grande dificuldade em relação à
aprendizagem, por parte desses, de acordo com a norma culta imposta. Isso acontece devido à
cultura dos estudantes que, muitas vezes, é incompatível com a exigida pela escola, levando
os mesmos a concluírem a vida escolar sem saberem ler e escrever adequadamente.
Não há dúvida de que se deve ensinar a gramática normativa nas aulas de língua
portuguesa, embora se saiba perfeitamente que ela em si não ensina ninguém a falar, ler e
escrever com precisão (Antunes, 2007, p. 53). O dever da escola é ensiná-la oferecendo
condições ao aluno de adquirir competência para usá-la de acordo com a situação vivenciada.
Não é com teoria gramatical que a escola concretizará o seu objetivo, pois isto leva os
estudantes ao desinteresse pelo estudo da língua, por não terem condições de entender o
conteúdo ministrado em sala de aula, resultando assim frustrações, reprovações e
recriminações que iniciam pela própria escola e acarretam no preconceito linguístico.
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O principal objetivo no momento de elaboração do trabalho foi o de constatar a
existência do fenômeno da substituição do a gente pelo pronome nós entre os falantes de
língua portuguesa em diferentes níveis de comunicação, tanto na linguagem formal como na
informal, e analisar sua presença ou não na gramática normativa, descritiva e prescritiva e
ainda propor uma maneira viável e frutífera para o ensino dos pronomes nas aulas de língua
portuguesa. O objetivo foi o de verificar o quanto alguns casos de língua falada estão
presentes na vida das pessoas e com isso possibilitar o ensino através dessas ocorrências
trazendo o ensino de gramática para a realidade do aluno.
É importante enfatizar que a assimilação crítica dos estudos linguísticos e a
necessidade de se estabelecer um maior contato do professor com a língua materna e a
proposta da linguística é valorizar a língua falada pelo aluno, considerando que a gramática
não deve ser tida como uma verdade única, absoluta e acabada, mas seus conceitos devem ser
relativizados, para que alcance o educando do século XXI.
Mediante algumas situações ocorridas em sala de aula, relacionadas à aprendizagem,
faz-se necessário algumas mudanças nos procedimentos adotados em relação ao ensino de
língua portuguesa, pois se sabe que os alunos pertencem a diferentes culturas e devem ser
atendidos de acordo com suas necessidades, baseando-se em suas possibilidades de leitura e
escrita e levando em consideração o potencial gramatical que cada um tem ampliado, ou seja,
enriquecendo o poder linguístico através do ensino da gramática, que tem por objetivo
preparar o aluno para uma produção textual obedecendo à norma padrão.
Este trabalho de caráter analítico será útil para qualquer pessoa que se interesse pelo
estudo da língua, principalmente aquela fincada na visão funcionalista, que busca explicar e
encarar os fatos ocorridos na língua falada como sendo um amplo campo para o estudo, pois
percebe-se que o ensino de língua portuguesa passa por muitas dificuldades, não apenas com a
forma de ensinar a gramática, como também a maneira como o professor atua em sua prática.
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1.1 A HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA.
Segundo Ilari e Basso (2006), o Brasil é o país com o maior número de falantes da
língua portuguesa no mundo. Embora seja o maior em número de falantes, o português não
nasceu aqui, ele foi implantado no continente sul-americano por efeito da colonização
portuguesa, que começa com a chegada de Pedro Álvares Cabral.
Como sabemos, as línguas não morrem. Por serem entidades semânticas, elas estão
sempre mudando; então, conforme Ilari e Basso (2006), não há ruptura entre a língua que os
brasileiros falam hoje e a língua falada em Portugal antes da chegada ao Brasil, assim como
também não há ruptura entre o português do tempo dos descobrimentos e o romance
português, ou seja, a língua românica falada no norte de Portugal no final do primeiro
milênio. O mesmo acontece para o conjunto de línguas românicas em relação com o latim.
Assim, podem-se situar as origens do português em torno do ano de 1000, com o surgimento
não da língua, mas da nação portuguesa, que já exprime umas línguas próprias, distinta das
demais línguas da península ibérica.
Ainda conforme autores supracitados, na época do descobrimento, ou seja, em 1500,
o português já tinha características bem definidas, tanto em sua fonologia, como em sua
sintaxe e seu léxico. Tinha encontrado uma própria solução para sua ortografia e já era a
língua de uma rica literatura. Isso tudo resultado de uma história externa que não pode ser
ignorada. Os linguistas caracterizam a história externa como os fatores não linguísticos que
tiveram peso na evolução da língua e também referem-se à história interna como sendo as
mudanças ocorridas na estrutura da língua.
Para Ilari e Basso (2006), a origem do latim explica muitas características do
português, e voltar à língua anterior aos descobrimentos é a única maneira de avaliar até que
ponto o português mudou, não só no Brasil, mas nas novas terras a que foi levado. E para
olhar essa língua anterior ao descobrimento será indispensável avaliar algumas hipóteses que
procuram explicar a especificidade do português brasileiro em relação a outras variedades da
língua. Uma dessas hipóteses afirma que o português do Brasil é mais arcaico do que o
português europeu; outras hipóteses afirmam que ele traz características próprias da fala desta
ou daquela região de Portugal.
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O latim que deu origem à língua portuguesa não foi nem o latim literário, nem o
latim da Igreja. Para Ilari e Basso (2006), foi uma terceira variedade chamada de latim vulgar.
A tradução para esse latim vulgar seria uma espécie de vernáculo, ou seja, um modo de
aprender línguas. O aprendizado que se dá por assimilação espontânea e inconsciente no
ambiente onde as pessoas são criadas.
O latim vulgar opõe-se ao latim literário e ao latim eclesiástico por ter sido um
vernáculo. Ao passo que o latim literário e, mais tarde, o latim eclesiástico foram
ensinados com o apoio da escrita, o latim vulgar foi uma variedade de latim
principalmente falada, a mesma que os soldados e comerciantes romanos levaram às
regiões conquistadas durante a formação do império, que foi passando de geração
em geração sem ser ensinada formalmente. (Ilari e Basso, 2006, p.17).
Logo após as conquistas militares, houve um tempo de estabilidade no Império
Romano. Segundo Ilari e Basso (2006), durante esse tempo o latim vulgar foi falado na
maioria dos territórios conquistados. Acredita-se que, com isso, o latim vulgar apresentou
uma relativa uniformidade em uma grande área geográfica que correspondia boa parte da
Europa Ocidental. Mas a uniformidade linguística foi se diversificando cada vez mais, sob o
impulso de inovações locais que já não tinham como circular por todo o território romanizado.
Assim, no final do século X, o território romano tinha se tornado um lugar de diferentes
falares locais, de maior e de menor prestígio.
Essa fragmentação do latim vulgar contrasta não só com a relativa uniformidade do
próprio latim vulgar durante o período imperial, mas ainda com a uniformidade do latim
literário e do latim eclesiástico, que continuaram sendo usados, assim como a fala popular.
Mais tarde, alguns dos falares da região, derivados do latim vulgar, ganharam prestígio e
transformaram-se nas línguas românicas que conhecemos hoje, dentre elas o português.
A diferença do latim vulgar e do latim literário, tanto na sua estrutura gramatical
como no seu léxico, é grande e, por esse motivo, embora sendo uma derivação do latim, não
basta saber português para entender os textos da literatura latina. O português do Brasil teve
como influência o colonizador português, as populações indígenas, os escravos africanos e do
próprio brasileiro nativo para formar o que hoje conhecemos de português brasileiro.
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1.2-O PORTUGUÊS NO BRASIL.
Segundo Ilari e Basso (2006), o português é hoje a língua de um país com 8,5
milhões de quilômetros quadrados e muitos dos aspectos de formação do Brasil são
importantes para entender a situação lingüística que o Brasil vive atualmente. Um desses
aspectos diz respeito à formação do território nacional, pois o atual território brasileiro se
definiu ao longo de mais de quatro séculos num processo pelo qual novas regiões foram
incorporadas ao que se entendia por Brasil e essa expansão fez com que o português, a partir
da costa atlântica, realizasse extensa e inexorável ocupação a oeste, feita quase sempre por
línguas indígenas. E é devido a esse processo que o Brasil é hoje o maior país de língua
portuguesa em extensão territorial e também o país onde vive o maior número de falantes de
português, cerca de 182 milhões de habitantes.
Conforme Basso e Ilari (2006), o país atravessou vários processos ao longo dos três
últimos séculos, alguns dos quais ainda estão em andamento. Entre eles estão o crescimento
demográfico, a urbanização e a ocupação do interior. O primeiro senso brasileiro contabilizou
um total de 9,9 milhões de habitantes, isso para os anos de 1872. Já no final do século XIX, a
população começa a crescer num ritmo significativo. Embora os últimos sensos mostrem uma
redução nesse ritmo, a taxa de crescimento continua positiva. Em 2004, éramos uma
população de 181,6 milhões e estima-se que para 2020 sejamos 219 milhões.
Esse crescimento numérico da população tem a ver com a progressiva urbanização
porque, a partir do século XX, as cidades cresceram em um ritmo alucinante e esse
crescimento é o resultado, sobretudo, de grandes migrações internas e da ocupação do interior
brasileiro. Essa urbanização recente, deslocamento de grandes massas migratórias,
industrialização, como não poderia deixar de ser, deixaram marcas de tudo isso no português
falado aqui.
Basso e Ilari (2006) dizem que ao longo de 500 anos de história, a situação
linguística do Brasil foi supercomplexa, pelo fato de ter a presença das línguas indígenas, a do
português colonizador, a das faladas pelos escravos africanos e logo depois das línguas
faladas pelos imigrantes. Então, na formação do português no continente americano,
encontramos praticamente todas as situações de contato linguístico possíveis.
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O final do século XIX e o início do XX são de muita importância para a história do
português do Brasil. Esse período é marcado não só por uma série de fatos e eventos que
afetam a língua portuguesa, mas também por algumas transformações estruturais. Para Basso
e Ilari (2006), o novo contexto criado pela República toma força, há uma preocupação em
contar com uma escola pública leiga de alto nível, o que resulta na elaboração das primeiras
antologias nacionais para uso escolar, a imagem da língua que prevalece na sociedade é a que
se pode retirar dos escritores, e a mesma preocupação de preservação da pureza da língua que
prevalece na literatura parnasiana também aparece em muitos gramáticos, que combatem os
estrangeirismos desnecessários e as formas de expressão mais tipicamente populares.
Enquanto isso acontecia na sociedade, a estrutura sintática do português passava por
algumas mudanças menos visíveis, mas nem por isso de menos importância. Essa mudança no
português brasileiro refere-se à omissão do objeto direto quando ele consistiria num pronome
átono, prevalece o uso do sujeito pronominal, a construção das orações relativas como
cortadoras ou copiadoras, de preferência à construção completa ou clássica, prevalece também
o uso da ordem sujeito verbo e não verbo sujeito.
Essas mudanças são características do português brasileiro e não aconteceram no
português europeu, no qual tudo continuou como antes. Para os estudiosos de sintaxe, essas
mudanças têm um interesse a mais, pois de acordo com a teoria de Noam Chomsky isso não
se trata de fatos independentes, mas sim de manifestações de um mesmo arranjo pelo qual
teria passado à sintaxe da língua.
Simplificando muito, esse rearranjo constituiu em valorizar a posição que os
sintagmas nominais ocupam em relação ao verbo como principal recurso para marcar sua
função. Antes da mudança, o português brasileiro indicava função sintática por meio de
recursos mais diversificados. Resumindo, no final do século XIX, o português do Brasil
elegeu a posição como principal estratégia para indicar a função sintática, dando uma menor
importância ao movimento.
No final do século XIX, enquanto os gramáticos continuavam envolvidos com seus
problemas de sempre, o português do Brasil adotou uma sintaxe parcialmente diferente
daquela que se utiliza no português europeu. Temos ai uma conclusão de peso, porque a
sintaxe tem sido considerada desde sempre o nível de análise linguística mais importante,
quando se pretende decidir se estamos diante de uma ou duas línguas. (Basso e Ilari, 2006,
p.86,87).
11
1.3-O PORTUGUÊS DA ATUALIDADE.
Hoje, no Brasil, há uma coincidência notável entre as divisas políticas e as fronteiras
do português com outras línguas. A forte coincidência que se nota no Brasil entre limites
políticos e limites linguísticos não deve impedir-nos de ver algumas situações de
bilinguismos, ou seja, para as situações em que o português convive com outras línguas.
O português convive com outras línguas, muitas vezes vinda de comunidades
formadas por negros após a abolição que se fecharam a colonização por questão de
autodefesa, ou mesmo áreas colonizadas por imigrantes europeus que conservam sua língua
ou dialeto. Algumas dessas comunidades já foram comunidades de fala não portuguesa,
cercadas por todos os lados do português. Mas com o regime do Estado Novo e com a
Segunda Guerra Mundial, essas comunidades foram alfabetizadas em português juntamente
com todo o território nacional, num primeiro momento essas comunidades passaram a ser
bilíngues e logo mais acabaram abandonando a língua trazida pelos imigrantes.
Eni Orlandi (2004) instiga-nos a pensar acerca da necessidade de nomear a língua
que falamos, pois a questão da língua em que se fala toca o sujeito em sua autonomia, em sua
identidade e em sua autodeterminação: falamos a língua portuguesa ou a língua brasileira? E
se pensarmos como os gramáticos eruditos que consideravam que só podia falar uma língua, a
portuguesa, sendo o resto apenas brasileirismos, tupinismos, escolhas ao lado da língua
verdadeira? Temos assim, em termos de uma língua imaginária, uma língua padrão,
apagando-se, silenciando-se o que era mais nosso e que não seguia os padrões: nossa língua
brasileira.
No início do século XIX, Dom Pedro decidiu que a língua que falaríamos seria a
língua portuguesa, e os efeitos desse jogo político, que nos acompanha desde a aurora do
Brasil, nos faz oscilar sempre entre uma língua outorgada, herança de Portugal, intocável, e
uma nossa, que falamos em nosso dia-a-dia, a língua brasileira.
No século XX, na década de 1930, há uma discussão na Câmara Federal sobre o
nome da língua do Brasil. Decide-se então pelo indefinido, falamos a língua nacional. Embora
a cultura escolar se queira, muitas vezes, esclarecedora em sua racionalidade e moderna em
sua abertura, acaba sempre se curvando a legitimidade da língua portuguesa que herdamos e,
segundo dizem, adaptamos as nossas conveniências, mas que permanece em sua forma
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dominante inalterada, intocada, que é a língua portuguesa e quem não a fala, mesmo sendo
um brasileiro, morando no Brasil, erra e é considerado um marginal da língua.
Falamos a “mesma” língua, mas falamos diferente. Consideramos, pois, a
heterogeneidade lingüística no sentido de que joga em nossa língua um fundo falso
em que o “mesmo” abriga, no entanto, um “outro”, um diferente histórico que o
constitui ainda que na aparência do “mesmo”: o português brasileiro e o português
se recobrem como se fossem a mesma língua, mas não são. Produzem discursos
distintos, significam diferentemente. Discursivamente é possível se vislumbrar esse
jogo, pelo qual no mesmo há uma presença dupla, de pelo menos dois discursos,
efeitos de uma clivagem de duas histórias na relação com a língua portuguesa: a de
Portugal e a do Brasil. (ORLANDI, P. Eni, 2004, p. 30).
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2- A GRAMÁTICA
2.1-A HISTÓRIA DA GRAMÁTICA
Para Gesualda Rasia (2008), a constituição histórica da Gramática parte do objetivo
de que a linguagem era uma ciência que teve suas análises feitas a partir das especulações de
Platão e Sócrates no século V Ac. Os estudos gramaticais foram fundados na Grécia, com a
linguagem sendo de um cunho totalmente filosófico. A partir desses estudos, constatou-se que
a língua retrata os fatos da realidade por uma relação natural, intrínseca à língua ou por mera
convenção.
Platão, na sua obra “O crátilo”, defende que a linguagem é o espelho do mundo, e
preocupa-se com a sua denominação, Herógenes defende a arbritariedade da língua e Sócrates
tem uma posição intermediária. Platão estabelece as categorias de substantivo e verbos
essenciais para as preposições, à ênfase dada à categorização era de ordem semântica e não
formal.
Conforme a autora supracitada, deve-se também a Platão a organização das classes
das palavras, que são partes do discurso, para se chegar às funções sintáticas, questão esta
central da linguagem. Para os sofistas, os estudos gramaticais partem da sintaxe para chegar à
morfologia, a predicação é a questão central da linguagem.
Platão estabelece a distinção entre substantivo e verbo, princípio da frase declarativa,
constituintes básicos; Aristóteles acrescenta a classe das conjunções, para ligar as partes do
discurso. Em decorrência disso, Aristóteles estabelece as chamadas categorias aristotélicas
que foram classificadas como: a substância ou a essência (o quê) referindo-se ao substantivo,
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o quanto, o qual, o relativamente a quê, este se referindo ao quantificar, o onde, o quando, se
referindo ao espaço e ao tempo, o estar em posição, o estar em estado e o sofrer, estes três
referindo-se às categorias verbais. Silva (2002) afirma que até aqui estavam definidas no
léxico oito partes do discurso, que eram: o nome, verbo, particípio, artigo, pronome,
preposição, advérbio e conjunção.
Os estóicos foram os que delinearam a gramática tradicional, porém ela se
estabeleceu de forma definitiva com os filólogos alexandrinos a partir da descrição de
Dionisio de Trácia, em Tekné Grammatik, que incluía a morfologia e a fonética, e tinha como
objetivo demonstrar a arte do bem escrever, baseados na língua dos poetas e pensadores
gregos. Nesta fase, a gramática era abordada independentemente da filosofia e da lógica.
No ano 500, Prisciano, baseado nos estudos de Apolônio e Dionísio Trácio, elabora a
primeira gramática latina, com uma morfologia que buscava da etimologia verdadeira,
significado original das palavras. Varrão, outro autor latino, estabelece a distinção entre
flexão, palavras variáveis e invariáveis, e derivação.
Naquela época, a palavra era a unidade mínima significativa, não se conhecia os
termos, raiz, radical e afixos, a palavra era considerada unidade semântica, a chave para o
verdadeiro significado. Com os estudos do sânscrito (séc. VI) estabeleceu-se a estrutura
interna das palavras, ou seja, as unidades mínimas: raízes e afixos; somente no séc. XIX a
palavra morfologia foi empregada como termo linguístico.
Conforme Silva (2002), a sintaxe, na língua grega, iniciou-se somente no século II
dC., com Apolônio Discólio e também com ênfase filosófica. O significado das palavras para
eles então estava centrado na própria palavra, uma unidade mínima da frase. O objetivo desse
estudo direcionou-se a estrutura verdadeira na busca das regularidades.
A Idade Média foi uma fase muito importante nos estudos gramaticais do ocidente.
Alguns aspectos contribuíram para tal importância, como a disseminação do latim, o avanço
do catolicismo, as traduções das escrituras e as gramáticas foram editadas para o ensino do
latim. O resultado de tudo isso foi uma tensão entre o latim, a língua de cultura e as línguas
nativas.
Rasia (2008) diz que com o renascimento, o latim perde sua hegemonia para as
línguas nacionais e enfoca-se a língua como objeto de ensino. Nessa época, surgiram
gramáticas exóticas, o tupi, para fins de evangelização. O objetivo disso era mostrar que as
línguas vernáculas eram passíveis de descrição a partir de suas regularidades. As gramáticas,
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manuais descritivos para fins de estudo dos estudantes de línguas estrangeiras, surgem a partir
de então, na busca pela sistematização, a fonética, fonologia, a morfologia e a filologia.
Com perda de espaço do latim em relação às línguas vernáculas, surge a chamada
Gramática Geral e Racional (1660)-Gramática de Port-Royal, que buscava a clareza das
línguas vernáculas. Port Royal via a língua como um produto da razão e que diferentes
línguas são variedades de um sistema lógico e racional mais geral. Ele também estabeleceu o
fim do privilégio da gramática latina, estabeleceu também a frase como unidade gramatical,
em oposições dos pensamentos anteriores, que focavam a palavra e suas flexões. Port Royal é
o responsável pelo modelo de análise sintática estudada até hoje na atualidade.
Rasia (2008) constata que houve algumas implicações da tradição Greco-latina nos
processos de gramaticalização das línguas ocidentais, no processo que conduz a descrever
uma língua, categorizar unidades, fornecer exemplos e regras para construir enunciados e
exemplos podem substituir regras e os paradigmas completos não pertencem à tradição
Greco-Latina, mas resultam da finalidade pedagógica, as regras de uma língua, de caráter
prescritivo ou descritivo.
Se pensarmos na historicidade da gramática, desde sua fundação a partir dos
pensamentos filosóficos, da inclusão dos critérios semânticos, de ordem morfológica ou
sintática nas gramáticas atuais, dos estudos gramaticais que começaram na Grécia antiga,
passando aos romanos e dali para o mundo, porém sem deslizes, ela sempre evoluí
acarretando com isso mudanças, pois há uma necessidade de didatizar as gramáticas, por
questões pedagógicas, mas hoje ainda a língua é vista como heterogênea, não cristalizada, ou
pronta, sempre numa constante mudança conforme o tempo evoluí.
2.2-GRAMÁTICA: MAIS QUE UMA?
Irandé Antunes (2007), em seu livro Muito além da Gramática, aborda o tema dos
diferentes tipos de gramática, pois quando falamos gramática pensamos em uma coisa só, mas
não, são coisas bem diferentes. Quando falamos gramática, podemos estar falando de regras
que definem o funcionamento de determinada língua, regras que definem o funcionamento de
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determinada norma, de uma perspectiva de estudo, de uma disciplina escolar ou mesmo de um
livro.
Se pensarmos a Gramática como um conjunto de regras que definem o
funcionamento de uma língua, englobamos todas as regras de uso de uma língua, desde seus
padrões de formação das sílabas, passando por aqueles outros de formação de palavras e de
suas flexões, até aqueles níveis mais complexos de distribuição e arranjo das unidades para a
constituição das frases e dos períodos.
Para Antunes (2007), qualquer pessoa que fala uma língua fala essa língua porque
sabe a sua gramática, mesmo que não tenha consciência disso, ou seja, tentar demonstrar
como a gramática da língua, nesse sentido de gramática interiorizada, de conhecimento das
particularidades da gramática da língua nativa, faz parte do conjunto de saberes que as
pessoas desenvolvem desde a mais terna idade.
Mas existe a ideia de que apenas a norma culta segue uma gramática, as outras
funcionam sem gramática. Essa ideia está fora de contexto, pois toda a língua, em qualquer
que seja a condição de uso, é regida por uma gramática. A gramática é constitutiva da língua,
ou seja, faz a língua ser o que ela é. Para os falantes nativos de uma língua não existe
gramática complicada, pois todos sabem dizer o que querem dizer, e isso acontece porque
para esses falantes a gramática está internalizada, sua gramática da língua, num sentido de seu
uso real.
Antunes (2007) acredita que valeria muito a pena explicar isso aos alunos, pois eles
se sentiriam mais encorajados a empreender a tarefa de ampliar suas habilidades
comunicativas, demonstrando isso por meio de exemplos ricos e simples. A gramática da
língua vai sendo aprendida naturalmente, ou seja, na própria experiência de se ir fazendo
tentativas, ouvindo e falando, não se pode dizer que há um momento exato para uma pessoa
aprender a gramática, pois ela vai sendo incorporada ao conhecimento intuitivo, pelo simples
fato de a pessoa estar exposta à convivência com outras pessoas, em atividades sociais de uso
da língua.
Em um segundo momento, se pensarmos a gramática como um conjunto de normas
que regulam o uso da norma culta, estaremos falando de uma gramática particularizada, ou
seja, que não abarca toda a realidade de uma língua, pois contempla apenas aqueles usos
considerados aceitáveis na ótica da língua prestigiada socialmente, portanto, é aquela
normativa, que prescreve, que define o certo do errado da língua.
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Essas definições não são feitas por razões propriamente linguísticas, por razões
internas à própria língua, e sim por razões históricas, por convenções sociais, que determinam
o que representa ou não o falar social mais aceito, por isso que não existem usos
linguisticamente melhores ou mais certos que outros e sim existem usos que ganharam mais
aceitação, mais prestígio que outros, por razões puramente sociais, advindas, inclusive, do
poder econômico e político da comunidade que adota esses usos. Não é por acaso que a fala
considerada errada é justamente a fala da classe social, que não tem prestígio nem poder
político e econômico. Esse cruzamento de domínios torna um ponto bastante complexo, que
exige estudo, análise, reflexão e debate consistente, dentro e fora do ambiente escolar, para
que as inúmeras incompreensões que rondam a sua aceitação possam ser ultrapassadas.
Antunes (2007) aborda ainda uma terceira acepção para o termo gramática, que pode
ser vista numa perspectiva de estudo dos fatos da linguagem, ou seja, para designar uma
perspectiva científica ou um método de investigação sobre as línguas. Ao longo dos estudos
sobre linguagem, diferentes perspectivas se sucederam, umas mais centradas na língua como
sistema em potencial, como conjunto de signos à disposição dos falantes, outras mais voltadas
para os usos reais que os interlocutores fazem da língua, nas diferentes situações sociais de
interação verbal. É por esse motivo que conhecemos a gramática estruturalista, gerativa,
funcionalista, tradicional, entre outras que são linhas de estudos para as diferentes
perspectivas.
Cada uma dessas perspectivas de estudo possui um corpo de teorias, que justificam
um tipo de apreensão, observação e análise do fenômeno linguístico e representam visões
históricas da percepção que se tem acerca da linguagem e da língua, visões que, em geral,
retratam a ótica comum a outros setores da vida humana.
A ciência da linguagem também está em sintonia com as correntes de pensamento
mais significativas em cada época, de maneira que se pode ver, por trás de qualquer
estudo da linguagem, um aparato teórico que se conjuga com as visões de mundo a
partir das quais as coisas são observadas e, conseqüentemente, exploradas e tratadas.
(ANTUNES,. 2007 ,p. 31.).
Numa quarta acepção, o termo gramática diminui de alcance, pois corresponde uma
específica matéria de ensino escolar e que tem o maior índice de uso, pelo menos nos meios
escolares. É também a grande dor de cabeça da comunidade escolar, tanto dos alunos como
dos professores. É tal a ênfase nessa disciplina que, de uns anos para cá, mereceu uma carga
18
horária especial, separada das aulas de redação e de literatura, como se redigir um texto ou ler
literatura fosse coisa que se pudesse fazer sem gramática, ou melhor, como se saber gramática
tivesse alguma serventia fora das atividades de comunicação.
Uma quinta acepção sobre gramática pode ser vista como um compêndio descritivo
normativo sobre a língua, ou seja, na atividade de descrever e prescrever. Temos aí uma
gramática que focaliza elementos da estrutura da língua, descrevendo-os apenas ou
apresentando-os em suas especificidades, ou seja, temos uma gramática que focaliza as
hipóteses do uso considerado padrão, fixando-se, assim, no conjunto de regras que marcam o
que se considera como uso correto da língua.
Conforme Antunes (2007), esse compêndio de gramática também pode focalizar a
língua como sistema em potencial, descontextualizado, focalizando a língua nos seus usos
reais, testemunhados pelas situações da interação social. Pode ainda ressaltar os aspectos de
flexibilidade, de heterogeneidade da língua, como pode enfatizar a rigidez de algumas de suas
regras ou formas, podendo concentrar-se tanto no escrito como no oral ou em ambas as
modalidades. As gramáticas têm concedido uma abordagem especial à modalidade escrita,
principalmente a literária, e ultimamente também a da imprensa.
Antunes (2007) lembra-nos que as gramáticas nunca são neutras, inocentes e
apolíticas. Assim, quando se opta por uma delas, estamos optando para uma determinada
visão da língua, e que as gramáticas são livros escritos por seres humanos, sujeitos, portanto, a
erros e imprecisões, por isso não faz muito sentido reverenciar as gramáticas como se nelas
estivessem alguma espécie de verdade absoluta e eterna sobre a língua.
Moura Neves (2004) nos lembra que a gramática começou como investigação
filosófica sobre a natureza da linguagem, mas que hoje se apresenta como mero meio
dogmático de obter correção. A história da gramática começa quando a mesma era chamada
de filosófica, que não interessa e nem pertence aos objetivos de um tratamento gramatical de
escola fundamental.
Muitas são as considerações do termo gramática, sendo uma bem genérica, até uma
bem específica, uma visão absolutamente descritiva até uma visão propriamente normativa.
Pode-se defini-la como a descrição do funcionamento de uma língua, com particular
incidência na morfologia e na sintaxe, ou conjunto de prescrições normativas, sistema formal,
construído pelo linguista, para estabelecer um mecanismo susceptível de construir frases
como gramaticais pelos locutores de uma língua, e como um sistema interiorizado pelo
19
locutor ouvinte de uma língua que lhe permita produzir e compreender as frases dessa língua,
ou seja, a gramática internalizada que acompanha o indivíduo desde sempre.
Moura Neves (2004) ressalta que são propostos três tipos de discurso para a
gramática: aquele que produz uma imagem da língua única, homogênea, sem variação; aquele
que aponta uma norma boa e uma má, ou seja, o que prescreve; e aquele que considera
ausência de norma, portanto, contempla a existência de variantes. Os manuais de gramática
variam de um extremo em que a norma culta é instituída como natural até o outro extremo,
em que se prescinde do conceito de norma culta, passando, nos pontos intermediários, por
uma catalogação dos usos com prescritos, aceitos, proibidos, entre outros.
Na sociedade em geral, há uma certa discriminação na maneira como cada indivíduo
fala, é desconsiderada totalmente sua origem, seu dialeto e sim exigido que a fala “correta” é
aquela que a gramática prescreve. Moura Neves (2004) aborda que cabe à escola preservar
seus educandos da discriminação social, pois se eles não receberem a devida orientação
escolar, o temor do erro será cada vez mais uma questão presente e que tem sido muito mal
conduzida, até mesmo para os que fazem uma pregação radicalmente liberal sobre o modo de
falar ou escrever dos usuários da língua.
Usar os termos “certo” e “errado” são conceitos impossíveis de estabelecer, a não ser
em campos legislados, como na ortografia, ou em questões que tocam a própria
gramaticalidade, ou seja, em referência a sequências que escapam à gramática da língua,
sequências nunca ocorrentes em produções linguísticas de falante nativo, por menos letrado
que seja.
Para Moura Neves (2004), a escola é o foro institucionalista preparado para colocar
os falantes nas situações de uso prestigiado da língua, e isso tem de ser feito dentro do
princípio de que a norma-padrão é um uso linguístico tão natural e legítimo quanto qualquer
outro, e que dela tem o direito de apropriar-se todo e qualquer usuário da língua, a fim de que
esteja preparado para conversar em padrão adequado às diversas situações reais os seus
enunciados, para as situações informais de fala, e especialmente no seu próprio meio social.
Conforme a autora, quando um simples falantes de uma língua passa a ser escrevente
da mesma língua, ele tem de desenvolver uma série de habilidades específicas, tendo de
aprender a manejar unidades específicas e a operar distintas marcas de formulação, ou seja,
terá de ter posse de um novo tipo de desempenho linguístico.
20
As classes de palavras, pertencentes à gramática, também estão presentes do início
ao fim da vida escolar, mas estudam-se apenas nomenclaturas, não o que as elas realmente
significam. Dentro das classes de palavras encontram os pronomes, mais precisamente os
pessoais, aos quais darei um apanhado mais amplo no próximo capitulo.
2.3.GRAMÁTICA E ENSINO.
Segundo Moura Neves (2003), ensinar eficientemente a língua e, portanto a
gramática é, acima de tudo, propiciar e conduzir reflexão sobre o funcionamento da
linguagem , e de maneira óbvia indo pelos estudos linguísticos, para chegar aos resultados de
sentido. Pois, as pessoas falam, exercem sua faculdade da linguagem e usam a língua para
produzir sentido, desse modo estudar a gramática é, exatamente, pôr sob teste o exercício da
linguagem.
Franchi (1991, p.54) defende a ideia de que “Gramática corresponde ao saber
lingüístico que o falante de uma língua desenvolve dentro de certos limites impostos pela sua
própria dotação genética humana, em condições apropriadas de natureza social e
antropológica”. Assim, saber gramática depende apenas da ativação e amadurecimento
progressivo, na própria atividade linguística, de hipóteses sobre o que seja a linguagem e de
seus princípios e regras.
Dessa forma, nessa concepção de gramática não há erro linguístico, mas a
inadequação da variedade linguística utilizada em uma determinada situação de interação
comunicativa, por não atendimento das normas sociais de uso da língua, ou a inadequação do
uso de determinado recurso linguístico para a consecução de uma determinada intenção
comunicativa que será melhor alcançada usando-se outros recursos.
Por esse motivo costumamos denominar essa concepção de gramática internalizada,
em que a linguagem é reflexo de um contexto histórico, social e ideológico, o qual constitui e
dá forma ao que entendemos por competência gramatical, textual e discursiva, possibilitando
a comunicação em si.
21
Na hora do ensino, muitas vezes o próprio professor tem uma postura subserviente à
autoridade acadêmica, enquadrado em um paradigma tradicional de ensino, em que a ênfase
está na memorização e na conceituação. Esse professor esquece-se de que a construção do
ensino é um processo e não um produto acabado, encontrado nos livros e manuais didáticos.
A crítica a gramatiquice e ao normativismo não significa, como pensam alguns
desavisados, o abandono da reflexão gramatical e do ensino da norma padrão.
Refletir sobre a estrutura da língua e sobre seu funcionamento social é atividade
auxiliar indispensável para o domínio da fala e da escrita. E conhecer a norma
padrão é parte integrante do amadurecimento das nossas competências lingüístico –
culturais. O lema aqui deve ser: reflexão gramatical sem gramatiquice e estudo da
norma padrão sem normativismo. (FARACO, 2003,P.22).
Devemos então partir para um ensino conjunto onde o funcionamento da língua ande
lado a lado com a reflexão gramatical e a norma padrão para que nossos alunos possam
exercer a real função da língua e tornarem-se seres que usam a linguagem como real modo de
comunicação e que sejam compreendidos nos diversos níveis de interação.
2.4-LINGUÍSTICA OU GRAMÁTICA
Existem dois campos em que se situam pontos de diversas controvérsias: são eles o
da linguística e o da disciplina gramatical escolar. Não podem ser vistos como estranhos entre
si nem como atuações em competição e em processo de destruição mútua, nenhum dos dois
precisa vencer e substituir o outro, porque eles necessitam um do outro. A gramática dita
normas e a linguística suas limitações e uso real da língua, tanto escrita como falada, ambas
têm uma gramática com visões diferentes.
Moura Neves (2004) traz em seus estudos que diferentes correntes teóricas vão
privilegiar uma ou outra visão de funcionamento da linguagem, ou seja, a capacidade humana
da linguagem é o foco da investigação gerativista, a atenção às línguas particulares e a sua
organização dentro de uma história e de um sistema constituem território da gramática
descritiva, da filologia, da sociolinguística, a atuação linguística abre leque para múltiplas
22
investigações de análise do discurso e sem esquecer que a questão da norma perpassa os dois
últimos planos.
Como ser humano, o homem fala, e, portanto, o falar tem dimensões universais, pois
o homem simplesmente tem essa capacidade natural. Moura Neves (2004) afirma que, como
alguém pertencente a essa comunidade, o homem fala uma língua particular, que
necessariamente tem uma inserção histórica. Todos temos uma linguagem nata, falamos uma
determinada língua que tem toda uma história, pois pertencemos a um país e representamos
seu povo através dessa linguagem.
Moura Neves (2004) ressalta que “graças a sua capacidade de falar e graças à sua
inserção histórica numa língua particular, o homem, efetivamente, atua linguisticamente, ele
produz discurso, ele constrói textos.”A gramática que a escola oferece a seus alunos é a que
está no bloco intermediário desse elenco que considera os aspectos de falar, é a gramática de
uma língua particular, no nosso caso a gramática do português. Aos alunos na escola oferecese um esquema de classes e subclasses, ou elenco de funções dentro da estrutura oracional,
nem sempre avaliadas as relações entre as classes e as funções. Segundo a autora, a
metalinguagem sufoca a linguagem, o que é antinatural, e o nível a que se limita a análise não
é o nível ao qual a linguagem chega.
Nossos atuais educadores distanciam muito o ensino do texto e o ensino da
gramática, ficando um ensino de regras em cima de regras na sequência que o livro de
gramática mostra. Esquecem muitas vezes que um texto é rico para esse ensino; é uma
excelente base para esse estudo. Esquecem também que muitas vezes o ensino da língua
também se traduz pela oralidade, não precisa necessariamente estudar somente as regras e os
exemplos impostos pela gramática.
Privilegiar a reflexão é exatamente a razão de recomendar-se um tratamento da
gramática que vise o uso linguístico. Isso não apenas estudiosos e professores da língua, mas
também falantes comuns, conduzindo na reflexão sobre o uso da linguagem, vão poder
orientar-se para a utilização eficiente dos recursos do processamento discursivo.
Falta para muitos educadores considerar o que representa o uso da linguagem, a
produção discursiva, a criação e a recepção de textos, deixar que os alunos criem sem pressão
seus próprios textos e gêneros, para que possa refletir a comunicação humana, ou seja, o uso
da linguagem que é basicamente o cumprimento de funções.
23
Se queremos que as crianças falem e escrevam melhor, queremos que elas exerçam
plenamente, sem bloqueios, sua capacidade natural de falantes, queremos que elas
obtenham o domínio da língua particular que falam, o português, queremos que, nas
suas atividades interlocutivas, elas consigam que as interpretações recuperem na
melhor medida possível as intenções, já que essa é a meta de eficiência do
processamento da interação verbal. (NEVES, Maria Helena de Moura, 2004, p. 115
apud DIK, 1997).
A linguagem é heterogênea, mas a gramática trata-a como se fosse homogênea.
Moura Neves (2004) afirma que a partir dessa perspectiva direcionada do tratamento escolar
da linguagem seria, a princípio, a rejeição de moldes, sejam eles de desempenho, guiado por
submissão estreita as normas linguísticas consideradas legitimadas, sejam eles de organização
de entidades metalinguísticas, guiada por submissão estreita a um paradigma e suas
exemplificações, o qual, excluindo outras formas, veladamente constitui uma organização
modelar da escola em si.
Moura Neves (2004) lembra-nos de como é o tratamento da gramática nas escolas,
um tratamento de como a gramática fosse alguma entidade postiça a que só teremos acesso se
sairmos dos textos, ou seja, se abstrairmos os usos, o que realmente seria necessário ao ensino
da gramática sempre analisando o funcionamento da língua, deixando de rotular, de apenas
dar nomes.
24
3-PRONOMES PESSOAIS
Infante (2001), em seu Curso de Gramática Aplicada aos Textos, conceitua pronome
como uma palavra que denota os seres ou se refere a eles, considerando-os como pessoa do
discurso ou se relacionando com elas. Dessa forma, o pronome permite identificar o ser como
sendo aquele que utiliza a língua no momento da comunicação (eu, nós), aquele a que a
comunicação é dirigida (tu, você, vós, Senhora), ou também como aquele ou aquilo que não
participa do ato comunicativo, mas é nele mencionado (ele, ela, aquilo, outro, qualquer,
alguém, entre outros).
O pronome também pode referir-se a um determinado ser, relacionando-o com as
pessoas do discurso; pode, por exemplo, estabelecer relações de posse ou proximidade com a
primeira pessoa, com a segunda e com a terceira.
Sintaticamente,
os
pronomes
podem
desempenhar
as
mesmas
funções
desempenhadas pelos substantivos e pelos adjetivos. Há pronomes que, nas orações, assumem
as funções desempenhadas pelos substantivos, são por isso, chamados pronomes substantivos.
Também há pronomes que acompanham os substantivos a fim de caracterizá-los ou
determiná-los, atuando em funções típicas dos adjetivos. Por isso, são chamados pronomes
adjetivos.
Se formos classificar os pronomes de um modo geral, podemos dizer que há seis
tipos: pessoais, possessivos, demonstrativos, relativos, indefinidos e interrogativos.
Os pronomes pessoais indicam diretamente as pessoas do discurso. Quem fala ou
escreve assume os pronomes eu ou nós. Os pronomes tu, vós, você ou vocês para designar a
quem dirige e ele, ela, eles ou elas para fazer referência à pessoa ou pessoas de quem fala.
25
Mário Vilela e Ingedore Villaça Kock (2001), em sua Gramática da Língua
Portuguesa, abordam os pronomes como uma categoria gramatical com determinadas
características, ou seja, são flexionáveis, não comparáveis, e são elementos que ganham peso
denotacional na referencialidade do texto ou situação em que são empregados. Encontram
assim a sua definição no discurso, apontando para pessoas, seres vivos, objetos ou estados de
coisas, em que a relação fixada na materialidade do pronome é deduzida da conexão da frase,
do texto ou da situação do discurso. Os sinsemânticos não nomeiam, mas estabelecem a
dêixis, a mostração, a orientação, por isso, os pronomes flexibilizam o texto, estabelecendo
elos entre as várias partes do texto.
Por outro lado, os pronomes funcionam não apenas como substitutos ou
representantes do nome, mas também como seus acompanhantes, como determinantes do
substantivo. Para que isso ocorra é que os pronomes usam-se do recurso da flexão que
marcam a concordância e a relação com a palavra que representam ou determinam. Nos
pronomes, há subclasses que apenas funcionam como substantivos, ou que só funcionam
como substitutos dos nomes, ou ainda pronomes que diferenciam seres vivos de não vivos.
“Sintática e semanticamente, os pronomes têm pontos de contato com as demais categorias, o
que dificulta a sua caracterização. Além disso, os pronomes não constituem uma classe
totalmente homogênea”.( Villaça e Koch, 2001, p.212).
Assim, pronomes pessoais apresentam formas com diferentes funções: comigo = com
mim, contigo = com ti, consigo = com si, conosco = com vós, ao lado de com eles/elas.
Os pronomes pessoais, o, a, os, as podem mudar sua forma: quando são colocadas
depois do verbo ligam-se a este por meio de um hífen e passam a determinadas formas de
acordo com a terminação da forma verbal; mas se encontramos uma forma verbal terminada
em vogal ou ditongo oral, não altera a forma pronominal; quando a forma verbal termina em
r, s, ou z, o pronome toma as formas lo, la, los, las, eliminando as referidas consoantes; e se a
forma verbal terminar em ditongo nasal o pronome toma as formas no, na, nos e nas.
Sua colocação não foge à regra geral; o pronome sujeito ocupa a posição antes do
verbo e as formas complemento depois do verbo.
Há particularidades de posição nos
pronomes, com os tempos simples e compostos do futuro do presente e do pretérito.
A forma do pronome é a chamada forma tônica e forma complemento nas formas de
tratamento. Em português, usa-se o pronome pessoal tu, oposto a você, equivalente a tu em
algumas regiões geográficas. É o caso da região sul do Brasil e do nordeste.
26
Moura Neves, em sua Gramática de Usos do Português, traz o pronome como sendo
algo com uma natureza fórica, ou seja, o pronome tem como traço categorial a capacidade de
fazer referência, pode ser a uma coisa ou pessoa, ou a um dos interlocutores da fala ou
enunciado.
Os pronomes pessoais fazem referência às três pessoas gramaticais do singular e do
plural (eu, tu (você), ele (ela), nós, vós(vocês), eles (elas). Suas funções são a interacional, a
textual e uma terceira que explica a natureza temática do referente. A interacional remete à
representação na sentença dos papéis do discurso, ou seja, a fala, e a textual garante a
continuidade do texto remetendo aos elementos do próprio texto.
Moura Neves (2000) faz referência ao uso do sintagma nominal a gente como um
pronome pessoal. Este pode ser usado para referência à primeira pessoa do plural, o nós, ou
para referência genérica incluindo uma pessoa do discurso. A forma a gente sempre deixa
indicada a participação da primeira pessoa no conjunto do qual está citando. Outros sintagmas
nominais também fazem referência genérica, especialmente na linguagem coloquial ou
popular, mas seu estatuto não tem identificação com a classe dos pronomes pessoais como o
sintagma a gente tem.
Para Abaurre (2006), os pronomes pessoais, por servirem para fazer referência a
seres, identificam explicitamente as pessoas do discurso, ou seja, as pessoas que participam da
interlocução. Sua classificação é feita de acordo com a posição que a pessoa por eles
identificada ocupa na interlocução.
Em uma interlocução, a 1ª pessoa é quem fala, o enunciador do discurso. A 2ª pessoa
identifica sempre o interlocutor, a pessoa a quem o enunciador se dirige. A 3ª pessoa refere-se
ao assunto (pode ser um ser humano ou não) dessa conversa, aquilo sobre o que falam os dois
interlocutores.
Além de fazer referência precisa à 1ª pessoa do plural (eu + alguém), o pronome nós
também pode ser utilizado para promover a generalização do discurso. Isso acontece porque,
em textos de caráter analítico, expositivo e/ou argumentativo, é importante dar ao leitor a
impressão de que a voz que fala no texto não representa uma perspectiva pessoal, mas sim
apresenta a visão do bom senso, da razão, da objetividade.
27
3.1-A GENTE
Na fala, principalmente em contextos mais descontraídos, é freqüente usarmos a
expressão a gente em lugar do pronome de 1ª pessoa do plural correspondente a nós. O
problema está na hora de concordar o verbo, porque, embora identificamos mais de uma
pessoa, a gente é uma forma singular e os verbos que a ela se referirem devem ser flexionados
na 3ª pessoa do singular.
As formas você e vocês levam tanto o verbo como os pronomes que acompanham
para a 3ª pessoa. A gente funciona, sobretudo na língua falada, como pronome, e exige a
terceira pessoa do singular, designando normalmente um grupo em que o falante também se
inclui. Os pronomes pessoais apenas têm valor substantivo e apenas podem desempenhar as
funções sintáticas do substantivo, na linguagem popular. Portanto, ocorre de um pronome
funcionar como um sujeito de verbos impessoais, com forte enfatização e de sabor
nitidamente popular.
Já houve muitos estudos com base no português falado do Brasil para demonstrar que
a forma a gente vem suplantando o pronome nós nos últimos 30 anos, segundo Vieira e
Brandão (2007). A integração, principalmente no português do Brasil, de a gente no quadro
de pronomes criou uma série de repercussões gramaticais em diferentes níveis da língua.
A substituição do nós por a gente está se efetivando progressivamente, seja entre os
falantes cultos, seja entre os não cultos. Segundo o estudo feito por Brandão e Vieira (2007),
nos anos de 1970 o uso da forma nós suplantava a forma inovadora, mas uma nova amostra
feita tendo como referência os anos de 1990, com novos informantes, aponta o contrário: usase mais a forma a gente indicando com isso uma rápida aceleração na implantação da
substituição do nós por a gente entre falantes cultos.
Em resultados obtidos a partir de falantes de escolaridade média das décadas de 1980
a 2000, as proporções no uso da língua continuam praticamente as mesmas. Há uma
instabilidade no comportamento dos falantes cultos e já os de menor nível de ensino
apresentam uma instabilidade de uma década para outra. Essa propagação, segundo a
pesquisa, indica que a implementação da forma inovadora se deu de baixo para cima, ou seja,
as classes menos escolarizadas influenciaram as mais escolarizadas neste caso.
28
Acredita-se que a forma a gente surgiu do seguinte processo: gente (nome genérico)
a gente (pronome indefinido), a gente (substituto virtual do pronome pessoal nós). O plural de
nós também permite leituras interpretativas diversas, que vão desde uma determinação
precisa, como eu + você ou eu + ele, até a um grau máximo de indeterminações e
generalidades.
Há uma diferenciação no emprego de nós e a gente em relação a um uso mais restrito
e mais genérico. O falante faz uso do nós para referir a ele mesmo e ao interlocutor, ou ao
referente e o determinado, no momento em que o falante amplia a referência deixando-a
indeterminada há mais abertura para a forma a gente. Faz-se uso do a gente também com o
presente do indicativo, o infinitivo e o gerúndio que são as formas verbais associadas às
formas discursivas associadas a discursos descritivos, argumentativos ou expositivos.
Com a forma a gente, o falante se descompromete com seu discurso, comentando
assuntos gerais e não particulares. Quando eventualmente narra um fato vivido, o
comprometimento com aquilo que enuncia é maior, mas isso tudo está em pleno
processo de mudança e, aparentemente, a forma inovadora avança em alguns
contextos mais do que em outros. (Brandão e Vieira, 2007 p.114).
Para as autoras, geralmente os manuais didáticos não fazem alusão às novas formas
pronominais quando descrevem o quadro de pronomes pessoais, embora o uso do a gente no
lugar do pronome nós venha sendo cada vez mais utilizado no cotidiano das pessoas, tanto as
que possuem um nível maior de escolaridade como as que possuem um nível médio de
escolaridade. Nos textos lidos em sala de aula, veiculados pela mídia eletrônica ou então
extraídos dos jornais ou dos manuais didáticos, as formas pronominais inovadoras são
recorrentes, então vem o questionamento: por que não apresentar aos alunos essas formas que
ocorrem nos mais variados contextos linguísticos?
29
4- METODOLOGIA
A presente pesquisa tem como metodologia uma pesquisa bibliográfica sobre língua
portuguesa, sua gramática e um estudo especial sobre os pronomes pessoais e suas funções.
Em um segundo momento, o uso do a gente no lugar do pronome nós na linguagem utilizada
entre os falantes de língua portuguesa. Para análise, foram transcritas conversas formais e
informais coletadas em uma sessão da câmara de vereadores, em uma reunião, em um
ambiente de trabalho e, por fim, em um ambiente familiar, ou seja, confrontando linguagem
formal com informal.
Num primeiro momento, compareci à Prefeitura Municipal de Catuípe/RS, para
conseguir liberação para gravação da sessão. Posteriormente, gravei uma sessão que se
realizou no dia seis de abril de dois mil e dez. O poder Legislativo da cidade é composto por
oito vereadores, sendo duas mulheres e seis homens de diferentes idades e partidos.
No dia dez de abril de dois mil e dez compareci à reunião da Associação dos
Universitários de Catuípe (UNICAP), da qual sou associada, para gravar uma reunião da
abertura de ano letivo. A maioria das falas coletadas é do presidente da mesma e de mais
alguns membros da diretoria.
Além disso, durante os meses de março e abril coletei dados no Escritório Contábil
Possobon, onde trabalho, de pessoas de ambos os sexos, diferente faixas etárias e níveis
sociais. Nesse mesmo período, coletei dados num ambiente familiar.
O principal objetivo dessa pesquisa é realizar um estudo para perceber e/ou analisar,
discursos da linguagem formal x informal, o uso do a gente no lugar do pronome nós,
confrontando as diferentes funções que esse uso pode estabelecer, e ainda verificar se é viável
30
na hora de nós professores ensinarmos gramática aos nossos alunos alertá-los sobre a
existência dessa variação na língua.
4.1- ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS
A alternância das formas nós e a gente, representando a primeira pessoa do plural, é
de uso comum entre os falantes no Brasil. A gramática normativa, entretanto, por raramente
explicar fenômenos já consagrados na língua falada, apresenta, ainda, incoerências quanto à
classificação e inserção da forma a gente no sistema de pronomes pessoais e considera o
pronome nós como forma plural de eu, deixando-se de lado o seu uso mais abrangente e
genérico de um "eu-ampliado".
Conforme Antunes (2007), a língua é parte de nós mesmos, de nossa identidade
cultural, histórica, e social. É por meio dela que nos socializamos, que interagimos, que
desenvolvemos nosso sentimento de pertencimento a um grupo, a uma comunidade. É a
língua que nos faz sentir pertencendo a um espaço, pois falar, escutar, ler, escrever reafirma,
cada vez mais nossa condição de gente, de pessoa histórica, situada em um tempo e em um
espaço. Além disso, a língua mexe com valores, mobiliza crenças, institui e reforça poderes.
Num primeiro momento, a análise partirá de um caráter de linguagem formal, ou
seja, analiso a fala de uma sessão da câmara de vereadores, onde se supõe que os mesmos
utilizam uma linguagem mais elaborada. Observo isso não como uma forma de apontar
“erros”, mas sim uma forma de confirmar estatísticas sobre uma determinada variação da
língua portuguesa.
Analisando os trechos retirados das falas dos vereadores, observa-se uma
unanimidade no uso da forma a gente em substituição da primeira pessoa do plural nós.
Tradicionalmente, o pronome é definido como substituto do nome. Para Infante (2001), o
pronome permite identificar o ser como sendo aquele que utiliza a língua no momento da
comunicação (eu, nós), aquele a que a comunicação é dirigida (tu, você, vós), ou também
como aquele ou aquilo que não participa do ato comunicativo, mas é nele mencionado (ele,
ela, aquilo, outro, qualquer, alguém, entre outros).
31
Na fala dos vereadores, identifica-se que ao utilizarem o recurso do a gente em
substituição do nós eles estão concordando o verbo, pois embora a gente identifique mais de
uma pessoa, é uma forma singular e os verbos que a ela se referirem devem ser flexionados na
3ª pessoa do singular.
Nas seguintes falas: “... a gente precisa saber pra onde foram as coisas...”(01), “... a
gente anda por lá é uma vergonha...”(02), “... a gente teve uma conversa há uma semana atrás
com o prefeito e ele garantiu que o município vai se sair muito bem em 2010...”(03).Observase que os mesmos usaram o recurso do a gente para indeterminar o sujeito, pois na fala do 01,
fica implícito quem realmente quer saber do leilão, se é ele (eu), se é ele e os demais
vereadores (nós), ou um todo, a comunidade em geral. O mesmo processo ocorre quando o
vereador 02 refere-se à situação das estradas do interior do município e também o vereador 03
quando fala da conversa que aconteceu com o prefeito, a gente, quem? conversou com o
prefeito, ao ler essa frase fica implícito para o leitor quem falou com o prefeito, sabemos que
o interlocutor estava lá mas havia mais pessoa(s) e com esse recurso fica impossível de
identificar.
Brandão e Vieira (2007) concluem que o motivo que estaria determinando a escolha
do a gente pelo nós é que quando herdamos o traço indeterminado do substantivo gente, a
forma a gente integra-se ao sistema pronominal concorrendo com nós. Acredita-se que a
gente resultou do processo de: gente (nome genérico), a gente (pronome indefinido) = a gente
(substituto virtual do pronome nós). O plural nós também permite leituras interpretativas
diversas que vão desde uma determinação precisa, como eu + você ou eu + ele, até a um grau
máximo de indeterminação e generalidade: eu + todo mundo ou eu + qualquer um.
Nas falas seguintes: “... aceito sugestões dos colegas para novas emendas e creio que
esta é uma alternativa da gente ajudar a comunidade, já que há muitos procurando emprego e
quando tem concurso não tem nem condição de paga a taxa...” (04), “... todos os municípios
têm e a gente precisa valorizar o que tem aqui, não por sentimentalismo, mas por merecermos
ter este diferencial, que é real...” (05), “... a gente teve uma conversa há uma semana atrás
com o prefeito e ele garantiu que o município vai se sair muito bem em 2010...” (06), “... falta
um ano, mas a gente tem que pensar em ampliá-la...” (07). Identifica-se um
descomprometimento com o discurso, pois a forma a gente engloba mais pessoas além da que
está falando. Conforme Kock (2001), o a gente funciona, sobretudo na língua falada, como
pronome e exige a terceira pessoa do singular, designando normalmente um grupo em que o
falante também se inclui.
32
Observando as falas retiradas da reunião da UNICAP, constata-se que o presidente
da mesma, ao dirigir a palavra à assembléia, utiliza-se do recurso da substituição da primeira
pessoa do plural (nós) para a forma a gente; observa-se que o mesmo procura sempre
concordar o verbo, como por exemplo: “...Foi nos solicitado através da administração, que a
gente faça um novo mutirão...”.Conforme Moura Neves (2000), o uso do sintagma nominal a
gente como um pronome pessoal pode ser usado para referência à primeira pessoa do plural,
o nós, ou para referência genérica incluindo uma pessoa do discurso. A forma a gente sempre
deixa indicado a participação da primeira pessoa no conjunto do qual está citando.
Constata-se também que poucas vezes foi usada a forma a gente para se referir ao
grupo, pois o mesmo utilizava bastante o termo o grupo e a associação, quando era necessário
usar os pronomes.
Novamente o uso do a gente pelo nós refere-se a 1ª pessoa do plural. Observa-se nas
frases retiradas do ambiente de trabalho que o a gente está sendo usado muitas vezes como
pronome indefinido, outras como recurso para indeterminar o sujeito, pois trata-se de uma
equipe e fica difícil e até estranho ficar citando nome de cada pessoa para dar explicação ao
cliente, como por exemplo: “...mas quando a gente ir a Sto Ângelo veremos isso pro
senhor...”, no momento a pessoa não sabe dizer quem vai ir a Santo Ângelo e para não dizer o
nome de cada colega de trabalho, ela utiliza-se do a gente, também se descomprometendo
com o discurso, pois a forma a gente engloba as demais pessoas.
Nas falas coletadas de conversas familiares de caráter informal, constata-se o uso
frequente do a gente em vez do pronome nós. Conforme Brandão e Vieira (2007), o pronome
a gente apresenta um caráter indeterminador em oposição a uma nuança mais específica do
nós. O falante se descompromete com o discurso, tornando-o mais vago e genérico, pois tal
forma pode englobar as demais pessoas (eu + você (s) + eles(s) + todo mundo ou qualquer
um).
Isso que podemos observar nos exemplos: “... a gente foi na festa ontem sabia?...”,
“... mas a gente voltou cedo, porque o Mateus queria assistir o Grenal...”, “...ta vamos jantar,
depois a gente vê e resolve isso...”, “...nem sabe o que a gente viu sobre o Luan hoje? ...ele vai
ta no Fantástico domingo de novo e a gente vai ver ele, ebbbbaaa...”em todas as falas
transcritas do ambiente familiar, o falante usa do recurso do a gente, pois fala dele e de mais
pessoas do discurso, contando seu dia-a-dia. Observa-se que todas as falas onde o a gente está
incluído é uma substituição ao nós, e o verbo está flexionado na terceira pessoa do plural.
33
Basso e Ilari (2006) citam que a classe dos pronomes é uma das mais heterogêneas,
pois os gramáticos reuniram nela palavras que exercem funções muito diferentes. Na maior
parte do território brasileiro, o sistema dos pronomes pessoais inclui os pronomes-sujeito eu,
você, ele/ela, nós, vocês, eles/elas, e nós alterna com a gente. O nós alterado com a gente
acaba aparecendo na forma culta e na escrita e ai é encarado como uma “anomalia” a ser
corrigida.
E essas questões do “certo” e “errado”, das variações entre língua falada e língua
escrita, estão todas presentes no ensino de gramática e cabe ao professor saber distinguir e
melhor mostrar aos seus alunos essas variedades da língua.
4.2-IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS
Para Faraco (2003), no Brasil consolida-se o modelo medieval de ensino de língua,
instaurado no país no século XVI com as práticas pedagógicas dos jesuítas. Esse modelo é
herança latina do famoso gramático Prisciano, o qual faz uma síntese em sua obra da tradição
greco-romana, tornando-a o grande paradigma no que concerne à gramática pedagógica até os
dias atuais.
Kraemer (2006) ressalta que o usuário de uma língua precisa saber muito mais do
que apenas as regras de construção de frases para ter uma competência comunicativa, muito
mais do que aquilo de que a teoria linguística trata ao estudar os elementos da fonologia e
fonética, da morfologia e da sintaxe. É necessário ter uma concepção de gramática que
considere a língua como um conjunto de variedades utilizadas por uma sociedade, de acordo
com o exigido pela situação de interação comunicativa na qual o usuário da língua esteja
engajado, ao perceber a gramática como um conjunto das regras que o falante de fato
aprendeu e das quais possa lançar mão ao falar e ao escrever.
Moura Neves (2004) afirma que ensinar eficientemente a língua e, portanto, a
gramática, é, acima de tudo, propiciar e conduzir a reflexão sobre o funcionamento da
linguagem, e de maneira óbvia: indo pelo uso linguístico, para chegar aos resultados de
sentido. Afinal, as pessoas falam, exercem a faculdade da linguagem, usam a língua, para
34
produzir sentidos, e desse modo estudar gramática é, exatamente, pôr sob exame o exercício
da linguagem, o uso da língua, isto é, a fala.
Isso tudo significa que a escola não pode criar no aluno a falsa noção de que falar e
ler ou escrever não têm nada a ver com gramática, porque se nós educadores acreditarmos na
ideia de que gramática é esse conjunto de falar, ler e escrever ela deixaria de ser o temor dos
bancos escolares, porque nossos alunos perceberiam que a gramática está internalizada dentro
deles; o que fazemos é só uma questão de compreensão e interpretação de fatos que
acontecem no nosso dia-a-dia, a cada palavra, frase, ou texto que falamos, lemos ou
escrevemos.
Moura Neves (2004) lembra-nos que a função da gramática no ensino de Língua
Portuguesa é ampliar a capacidade de o aluno usar a sua língua, desenvolvendo competência
comunicativa por meio de atividades com textos utilizados nas diferentes situações de
interação comunicativa, pois nossos alunos irão se deparar ao longo de suas atividades
acadêmicas, sociais ou profissionais com situações de comunicação as mais diferentes
possíveis. Os níveis e registros serão múltiplos e não há modelo a ser seguido, nem mesmo a
ser condicionado.
Segundo Brandão e Silva (2007) o conhecimento da descrição da colocação
pronominal em termos variáveis é essencial à prática de sala de aula e está em consonância
com a atitude de encarar, de forma realista, a diversidade linguística do Brasil. Num aspecto
didático podemos refletir a respeito do tema a partir de três questões básicas: Para que
ensinar? O que ensinar? Como ensinar?
A finalidade do ensino dos pronomes combina com o pressuposto que assumimos,
principalmente no que se refere ao ensino de língua portuguesa, que é o de privilegiar o texto
em sua diversidade de gêneros, variantes e estilos, com todos os elementos linguísticos que o
compõem.
Brandão e Silva (2007) afirmam que o ensino dos pronomes, através dos textos, é
parte integrante do conteúdo das aulas de português. Dada a complexidade na caracterização
da regra variável, trata-se de um assunto apropriado para que se cumpra o objetivo de
promover domínio do maior número possível de variantes linguísticas, de forma a tornar o
aluno capaz de reconhecê-las e produzi-las.
35
Nesse sentido de reconhecer e produzir todas as estruturas presentes na língua, o
ensino dos pronomes, conforme os autores, promove a habilidade de leitura de textos de
outras variantes, ou até mesmo de uma escrita mais elaborada, mais monitorada.
No que diz respeito ao que ensinar, Brandão e Silva (2007) afirmam que é preciso
que o professor apresente cada contexto variável em função da variedade e da modalidade em
uso, para fazer com que o aluno compreenda os conceitos pronominais e, a um só tempo,
trabalhar os componentes morfológicos, sintáticos e fonológicos da língua. Trata-se de um
fato linguístico que permite ao professor mostrar ao aluno como a estrutura da língua revela
pontos de imbricação dos níveis da gramática.
Em termos sintáticos, o tema permite ao professor apresentar a ordem dos pronomes
em relação ao verbo (próclise, ênclise e mesóclise) e a função sintática que esses pronomes
exercem. No que diz respeito à morfologia, o tema permite discutir a categoria pronominal
como um todo, com suas características formais na expressão de número pessoa e caso.
No que diz respeito à apresentação da colocação pronominal, o uso do texto como
estratégia essencial no ensino de português é visto por Brandão e Silva (2007) como uma
alternativa eficaz para ao ensino. Ambos ressaltam que o aproveitamento de material que
explora o fenômeno da colocação pronominal para a construção do sentido global do texto
pode ser um instrumento eficaz na apresentação do assunto. Para que a apresentação da regra
variável respeite a realidade de uso, o material didático deve conter farta documentação das
variantes pré e pós verbal nos variados contextos morfossintáticos e em diferentes
modalidades, registros e gêneros textuais.
As gramáticas normativas raramente explicam fenômenos já consagrados na
linguagem coloquial, não apresentam uma posição coerente e única quando se referem à
forma a gente. A classificação é, em geral, controvertida, pois ora consideram a gente como
“fórmula de representação da 1ª pessoa”, forma de tratamento, pronome indefinido ou, ainda,
recurso para indeterminar o sujeito.
Moura Neves (2004) afirma que a gramática normativa tem a sua razão de ser. Não
se pode ignorá-la em nome de "uma nova teoria lingüística". O que é preciso é saber onde,
como, porque e com quem usá-la.
O que deve ser enfatizado é a forma de trabalhar a gramática na escola. Parece
oportuno fazer uma mudança adequada no modo de ensiná-la. O estudo da gramática deveria
ser transformado de um trabalho mecânico e teórico em um processo de reflexão que levasse à
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melhor compreensão de fatos linguísticos encontrados no texto. Para que aconteça essa
compreensão, é preciso que o estudo gramatical seja feito através de uma metodologia surgida
da própria natureza da língua.
Kato (1990) diz que “a fala-padrão nada mais é do que a simulação da própria
escrita”. Mas a atenção escolar se concentra na própria escrita, deixando de lado o fato de que
o desempenho na modalidade falada também tem seu papel no processo de elevação social.
Aí que a escola faz entrar a gramática escolar: para corrigir os problemas que então
se verificam na produção de textos, a escola tem pronta a solução das lições
gramaticais, que ela oferece em paradigmas - às vezes vistos como simples
esquemas, às vezes vistos como rigorosos modelos - embora saiba de antemão que
por essa via não vai chegar a nenhum reparo de desempenho, pela própria
exterioridade mútua em que coloca as duas atividades, tal como concebidas e
implantadas. (MOURA NEVES, 2004, p. 159).
O trabalho com atividades de ensino de gramática dos tipos “gramática de uso”,
“gramática reflexiva” e “gramática normativa”, proposto por Travaglia (1996), seria utilizado
essencialmente para o desenvolvimento da competência comunicativa, ou seja, para conseguir
que o aluno, como usuário da língua, seja capaz de usar cada vez um maior número de
recursos da língua, ou seja, todos os elementos que temos em sua constituição e
funcionamento: unidades (morfemas, palavras, orações, frases, textos, etc...), tipos de
unidades, categorias, flexões, colocações de elementos na cadeia lingüística, concordâncias,
mecanismos, princípios entre outros, de maneira adequada à produção dos efeitos de sentido
desejados em situações específicas de interação comunicativa, o que se leva ao uso das
diferentes variedades linguísticas em termos de dialetos e registros e variedades de modo oral
e escrito.
Já quando pensado o trabalho do tipo gramática teórica seria utilizado como meio
auxiliar os demais tipos de atividades de ensino de gramática, dando ao aluno uma
metalinguagem básica que serviria para facilitar a referência aos elementos da língua, para
fornecer ao aluno informação cultural sobre a língua, para que ele tenha um conhecimento
básico, exigidos por certas posturas da sociedade, como uma língua é constituída e funciona,
para desenvolver em nossos alunos o raciocínio e ensinar a pensar de forma organizada na
produção de conhecimento sobre um fato.
Essa forma de trabalho, num primeiro momento, parece mais aleatória e
assistemática e consiste em trabalhar como os recursos e fatos da língua. Conforme apareçam
37
em sala de aula, no uso feito pelos alunos nos textos orais e escritos que produzem e recebem,
o professor aproveita a ocorrência ou referência de um recurso ou fato da língua para discutir
com os alunos suas possibilidades significativas, bem como daqueles que com ele se
relacionam paradigmaticamente e discutir quando é adequado seu uso, e a ocorrência de um
uso inadequado, sob qualquer ponto de vista, de um recurso da língua para discutir com os
alunos a razão da inadequação: quando o uso seria adequado, as alternativas cabíveis e qual
ou quais seriam adequadas. E esse trabalho com gramática aleatória muitas vezes esbarra em
uma questão na hora do ensino da gramática, como disciplina escolar, é lingüística ou é
gramática?
38
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa bibliográfica aliada à catalogação de dados extraídos da metodologia
compreendida proporcionou uma base de informações capaz de aprimorar os conhecimentos
relacionados à língua portuguesa e sua gramática, conseguindo com isso alcançar os objetivos
propostos.
O termo “gramático” por si só já é ambíguo, seria equivalente às características de
uma língua que nos são apresentadas em forma de regras e princípios que não se propõem a
fornecer uma explicação, mas, antes, um modelo, que não conseguimos nunca abarcar e
dominar integralmente. Pode-se dizer que essa concepção corresponde a um só termo À
GRAMÁTICA.
Esta, no entanto, pode ser descritiva, que pretende depender o sistema de uma língua,
através do estabelecimento de unidades no interior de cada sistema e de suas relações
opositivas; a gerativa, constitui um sistema formalizado de regras correspondentes à
competência linguística; a funcional, consiste em um conjunto de estratégias que o falante
emprega com a finalidade de produzir comunicação coerente; e, por fim, a normativa, que
focaliza a língua como um modelo ou padrão idéia de comportamento compulsório em
qualquer situação de fala ou escrita.
Após leitura e análise de dados coletados, e autores consultados, parece que estamos
caminhando para a simplificação do quadro dos pronomes pessoais e a gramática não deveria
continuar deixando de lado tais questões. Ao verificarmos os ambientes linguísticos e
extralinguísticos mais propícios ao uso de nós e a gente, tentamos contribuir para o
esclarecimento de mais um ponto abordado de forma pouco coerente por nossos gramáticos,
repercutindo num ensino de língua que não corresponde à realidade falada pelos seus
usuários.
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Algumas gramáticas hoje, não trazem em seu interior uma explanação sobre as
formas pronominais quanto à substituição do nós por a gente, geralmente gramáticas com
visão funcionalista da língua, embora esse uso seja recorrente na língua falada, como
podemos observar na análise da coleta de dados
As pessoas estão recorrendo quase que totalmente para esse recurso, seja na
linguagem formal ou na informal, e acredito que seria de grande valia mostrar aos educandos
as possibilidades da língua, principalmente por esse ser um recurso quase que totalmente da
língua falada, pois com isso poderiam ser sanadas algumas questões que os mesmos teriam na
hora da aplicação dos pronomes na linguagem, seja ela falada ou escrita.
Falar de língua é falar de variação, ou seja, consequência da propriedade da
linguagem de nunca ser idêntica em suas formas através da multiplicidade de discursos. Por
saber que a língua não é algo estagnado, que está sempre em mudança, dependendo da
cultura, da região, da idade, entre outros, a língua vai mudando e acompanhando o
desenvolvimento de quem a possui como instrumento de comunicação.
E por ser essa razão que cada vez mais o papel do educador é levar a seus educandos
essas variações da língua, para que ele não se sinta fora do contexto linguístico quando se
deparar com situações de linguagem diferente da sua. E a substituição do pronome nós pelo a
gente nada mais é do que uma variação da língua falada que deve sim ser abordada nas aulas
de língua portuguesa, pois é uma variação pouca abordada por gramáticos. Nos estudos para
esse trabalho, apenas a gramática de usos de Maria Helena de Moura Neves traz o a gente
como pertencente ao quadro pronominal da língua falada.
E todo o aluno tem o direito e o dever de saber que a língua portuguesa não são duas,
uma que eu falo e outra que eu escrevo, e sim uma língua que apresenta variações conforme o
momento em que está sendo empregada. O reconhecimento das diferenças entre as normas da
fala e da escrita, das diferenças entre os vários textos, irá contribuir para tornar o falante mais
capaz de se situar no mundo.
As reflexões ora apresentadas sobre o uso e o ensino dos pronomes, embora
preliminares, resultam de alguns trabalhos sobre o assunto, que, acredita-se, ainda tem muito
que ser estudado, especialmente nessa área da língua que confronta com a língua escrita e da
visão funcionalista da que está na atualidade sendo defendida por alguns teóricos. Essa visão
deixa um pouco o monopólio da gramática normativa para andar por novos caminhos, sem
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deixar nenhuma teoria linguística de lado, mas sim aprender a conciliá-las nos determinados
momentos de uso da língua.
Qualquer metodologia de ensino só poderá ser bem sucedida se houver uma base
teórico-descritiva cientificamente fundamentada. Enquanto ela se constrói, somamos nossos
conhecimentos, dúvidas e reflexões a respeito do tema proposto.
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