ARS VETERINARIA, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 3, 254-259, 2003. ISSN 0102-6380 OCORRÊNCIA DO HERPESVÍRUS EQÜINO 1 (HVE-1) EM CAVALOS CRIADOS NO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL (OCCURRENCE OF EQUINE HERPESVIRUS 1 (EHV-1) IN HORSES OF SÃO PAULO STATE, BRAZIL) M. C. C. S. H. LARA1, E. M. S. CUNHA1, A. F. C. NASSAR1, L. GREGORY2, E. H. BIRGEL2, W. R. FERNANDES2 RESUMO Com o objetivo de se fazer uma avaliação epidemiológica do Herpesvírus eqüino 1 (HVE-1) no Estado de São Paulo, foram estudadas 659 amostras de soro sangüíneo de cavalos colhidas no período de 1995 a 1996, examinadas pela prova de soroneutralização em microplacas. A freqüência de eqüinos portadores de anticorpos anti-HVE nas propriedades estudadas foi igual a 33,4% (220/659). Não se detectou influência de fatores sexuais sobre a ocorrência do HVE-1. A freqüência da infecção pelo HVE-1 aumentou gradativamente após 6 meses de idade, havendo predominância nos eqüinos mais velhos. Os resultados obtidos em amostras de eqüinos de diferentes raças demonstraram serem aqueles das raças Árabe e Mangalarga os que apresentaram maiores taxas de ocorrência de HVE-1. Todas as regiões do Estado de São Paulo estudadas apresentaram animais sororreagentes ao HVE-1. PALAVRAS-CHAVE: Herpesvírus. Eqüinos. Ocorrência. Neutralização. SUMMARY With the purpose of studying the occurrence of antibodies for equine herpesvirus 1 (EHV-1) in horse sera from São Paulo state, 659 serum samples were obtained from horses between 1995 to 1996, examined by microtiter neutralization test. The frequency of antibodies against EHV-1 in the studied farms was 33,4% (220/659). There was no gender influence on the occurrence of EHV-1. Infection by the EHV-1 increased gradually after 6 months of age. The occurrence of EHV-1 was significantly higher in Arabian and Mangalarga horses than in other breed. Infection was predominant in older horses. All areas of São Paulo state showed positive animals. KEY-WORDS: Herpesvirus. Equines. Occurrence. Neutralization. INTRODUÇÃO O Herpesvírus eqüino 1 (HVE-1) é uma causa importante de doenças em cavalos e é endêmico na população eqüina mundial (OSTLUND, 1993; CRABB & STUDDERT, 1995). Segundo STUDDERT (1974) o HVE-1 é o agente etiológico mais freqüente de doenças respiratórias e de abortamentos em eqüinos, tendo sido o primeiro caso da doença relatado por DIMOCK & 1 2 EDWARDS (1933), nos Estados Unidos, em éguas que apresentavam abortamento precedido de quadro sintomático respiratório. O quadro clínico respiratório, causado pelo HVE1, aparece sob a forma de surtos e acomete principalmente os animais jovens, caracterizado por repentino aumento da temperatura, atingindo valores de até 41°C com duração de dois a cinco dias. Concomitantemente, associa-se fluxo nasal seroso bilateral e congestão da mucosa nasal e das Instituto Biológico, Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 1252 – São Paulo/SP – [email protected] Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo 254 M.C.C.S.H. LARA, E. M. S. CUNHA, A. F. C. NASSAR, L. GREGORY, E. H. BIRGEL, W. R. FERNANDES. Ocorrência do herpes vírus eqüino 1 (HVE1) em cavalos criados no Estado de São Paulo, Brasil./ Occurrence of equine herpesvirus 1 (EHV-1) in horses of São Paulo State, Brazil. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 3, 254-259, 2003. conjuntivas palpebrais. Freqüentemente pode observarse período transitório de anorexia e aumento de volume dos linfonodos submandibulares. Nos animais adultos estes sintomas dificilmente são observados (KEMEN, 1975). O abortamento causado por este vírus geralmente ocorre no terço final da gestação, não apresentando as éguas qualquer sintoma, quer antes ou depois da sua ocorrência (DIMOCK et al., 1947). O abortamento pelo HVE-1 é uma causa significante e óbvia de perda econômica para a criação de cavalos, enquanto que as perdas associadas com a enfermidade respiratória, relacionadas a atrasos em treinamento e uma baixa performance nas corridas, não são quantificadas (GILKERSON et al., 1999). O objetivo do presente trabalho é fazer uma avaliação epidemiológica da situação do herpesvírus eqüino 1 no Estado de São Paulo, no período de 1995 a 1996. MATERIAL E MÉTODOS Foram avaliadas 659 amostras de soro sangüíneo, colhidas no período de 1995 a 1996, de eqüinos criados no Estado de São Paulo, pertencentes a 87 propriedades de criação em 49 municípios paulistas das regiões norte (Barretos, Franca, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto), sul (Registro e Sorocaba), central (Bauru e São Carlos), leste (Campinas e São José dos Campos) e oeste (Araçatuba, Marília, Presidente Prudente e Vale do Paranapanema). Das amostras analisadas, 309 foram de animais do sexo masculino e 350 do sexo feminino e pertenciam às raças Mangalarga (219), Puro Sangue Inglês (66), Árabe (106) e Quarto de Milha (99), e as demais a animais mestiços (104) e de várias outras raças (65), a saber: Campolina, Percheron, Andaluz, Brasileiro de Hipismo, Crioulo, Hanoveriano, American Trotter, Belga e Holstein. Segundo a faixa etária, os animais foram subdivididos em cinco grupos: grupo 1- potros e potrancas com até 6 meses de idade (37); grupo 2- eqüinos jovens com idades entre seis a 24 meses (102); grupo 3- constituído por eqüinos adultos com idades entre 24 e 60 meses (237); grupo 4cavalos e éguas com 60 a 120 meses de vida (184) e grupo 5- animais com mais de 120 meses de idade (99). As amostras de sangue para a obtenção de soro foram colhidas ao acaso de animais saudáveis, não vacinados, sem manifestações clínicas compatíveis com os sinais clínicos descritos para o herpesvírus dos eqüinos, e foram armazenadas em congelador à temperatura de –20 °C, até a realização das provas de soroneutralização em microplacas. 255 Para a pesquisa de anticorpos neutralizantes contra o HVE1 foi utilizada a microtécnica de soroneutralização, segundo as recomendações apresentadas por KOTAIT et al. (1989). Os soros foram testados usando-se diluições na base 2, em volume de 25 µL, frente a igual volume de 100 DICT50 (dose infectante de cultura de tecido 50 %) de suspensão do HVE-1, amostra A4/72 – Instituto Biológico. Foram testados, ainda, como controle, soro proveniente de eqüino imunizado com o herpesvírus tipo 1 e um soro isento de anticorpos. Após a incubação por 1 hora a 37 ºC das misturas de soro e vírus, adicionaram-se 100 µL de suspensão de células VERO, contendo 25.000 células, por orifício. A leitura foi realizada após 72 horas de incubação, em estufa com 5 % de CO2 e a 37 ºC, observando-se a neutralização do efeito citopático. A influência dos fatores raça, sexo e idade, na ocorrência de anticorpos séricos anti HVE-1 criados no Estado de São Paulo foi determinada pelo teste de duas proporções, com aproximação pela distribuição normal de probabilidade, ao nível de significância de 5 %, conforme recomendação de BERQUÓ et al. (1981). RESULTADOS E DISCUSSÃO A observação do Figura 1 permite avaliar de modo geral a ocorrência da infecção pelo herpesvírus eqüino 1 em cavalos criados no Estado de São Paulo, durante o período 1995 a 1996. Os resultados da prova de soroneutralização obtidos nos soros sangüíneos colhidos nos anos de 1995 a 1996, distribuídos segundo o sexo, idade, raça e procedência dos animais, são apresentados nas tabelas 1, 2, 3 e 4. A taxa de ocorrência do herpesvírus eqüino 1 em animais criados no Estado de São Paulo foi equivalente a 33,4 %, semelhante ao observado nos estudos realizados por CUNHA et al. (2002), em amostras de cavalos criados na região noroeste do Estado de São Paulo, os quais encontraram uma taxa de 27,2 % de animais apresentando anticorpos contra o HVE-1. Entretanto, os resultados deste trabalho foram menores do que os valores determinados por FERNANDES (1988) em São Paulo e VARGAS & WEIBLEN (1991) no Rio Grande do Sul, que registraram ocorrências de 67,2 % e 84,7 %, respectivamente. Por outro lado, a ocorrência da doença obtida nesta pesquisa foi maior do que as obtidas por MODOLO et al. (1989) em São Paulo, com taxa de 17,6 %; HEINEMANN et al. (2002) no Pará, com 17,71 %; LARA et al. (2003) no Paraná, com 14,3 %. Das regiões estudadas, todas apresentaram animais sororreagentes ao HVE-1, o que permitiu afirmar M.C.C.S.H. LARA, E. M. S. CUNHA, A. F. C. NASSAR, L. GREGORY, E. H. BIRGEL, W. R. FERNANDES. Ocorrência do herpes vírus eqüino 1 (HVE1) em cavalos criados no Estado de São Paulo, Brasil./ Occurrence of equine herpesvirus 1 (EHV-1) in horses of São Paulo State, Brazil. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 3, 254-259, 2003 Tabela 1 - Distribuição da freqüência da infecção pelo herpesvírus eqüino 1, determinada pela reação de soroneutralização em microplacas, em soro sangüíneo de cavalos criados no Estado de São Paulo, durante o período de 1995 a 1996, agrupados segundo o sexo. São Paulo, 2003. * Freqüências com letras não coincidentes denotam diferença significativa - α = 0,05 Tabela 2 - Distribuição da freqüência da infecção pelo herpesvírus eqüino 1, determinada pela reação de soroneutralização em microplacas, em soro sangüíneo de cavalos criados no Estado de São Paulo, durante o período de 1995 a 1996, agrupados segundo a faixa etária. São Paulo, 2003. * Freqüências com letras não coincidentes denotam diferença significativa - α = 0,05 Figura 1 - Ocorrência de animais soropositivos e soronegativos ao Herpesvírus eqüino 1, em soros sangüíneos de cavalos criados no Estado de São Paulo, durante o período de 1995 a 1996. São Paulo, 2003. que a infecção pelo HVE-1 está disseminada pelo Estado de São Paulo. FERNANDES (1988), estudando amostras de soro sangüíneo de cavalos pertencentes a 11 municípios do Estado de São Paulo (Assis, Avaré, Barão Geraldo, Boituva, Bragança Paulista, Campinas, Cesário Lange, Itatiba Mogi-Mirim, Piraçununga e São Paulo), observou soropositividade em todos os municípios avaliados. CUNHA et al. (2002), pesquisando anticorpos contra o HVE-1 em 11 municípios do noroeste do Estado de São Paulo (Araçatuba, Bento de Abreu, Bilac, Gabriel Monteiro, Guararapes, Lavínia, Penápolis, Piacatu, Rubiácea, Sud Menucci e Valparaíso), também encontraram animais sororeagentes em todos os municípios. A infecção causada pelo HVE-1 foi comprovada 256 M.C.C.S.H. LARA, E. M. S. CUNHA, A. F. C. NASSAR, L. GREGORY, E. H. BIRGEL, W. R. FERNANDES. Ocorrência do herpes vírus eqüino 1 (HVE1) em cavalos criados no Estado de São Paulo, Brasil./ Occurrence of equine herpesvirus 1 (EHV-1) in horses of São Paulo State, Brazil. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 3, 254-259, 2003. Tabela 3 - Distribuição da freqüência da infecção pelo herpesvírus eqüino 1, determinada pela reação de soroneutralização em microplacas, em soro sangüíneo de cavalos criados no Estado de São Paulo, durante o período de 1995 a 1996, agrupados segundo a raça. São Paulo, 2003. * Freqüências com letras não coincidentes denotam diferença significativa - α = 0,05 1= Hannoveriano, Belga, Holstein, Brasileiro de Hipismo, Andaluz, Percheron, Campolina, Crioulo, American Trotter. Tabela 4 - Distribuição da freqüência da infecção pelo herpesvírus eqüino 1, determinada pela reação de soroneutralização em microplacas, em soro sangüíneo de cavalos criados no Estado de São Paulo, durante o período de 1995 a 1996, agrupados segundo a procedência dos animais. São Paulo, 2003. nos eqüinos das raças incluídas na presente pesquisa: Mangalarga; Árabe; Puro Sangue Inglês; Quarto de Milha; mestiços e outras (Brasileiro de Hipismo, Andaluz e Campolina). A análise estatística realizada demonstrou a ocorrência de diferenças significativas entre os resultados obtidos nos cavalos das raças Árabe e Mangalarga, que apresentaram as maiores taxas de prevalência, quando comparados com aqueles nas demais raças. Houve diferença significativa quanto à faixa etária, verificando-se aumento gradativo e significativo da taxa 257 de prevalência com o evoluir da idade dos animais. Tal observação concordou com a manifestada por BRION et al. (1968) na França. Esta observação difere dos resultados apresentados por FERNANDES (1988) no Estado de São Paulo e BAGUST et al. (1972) na Austrália, que não demonstraram variações estatísticas na ocorrência de anticorpos contra o HVE-1 que pudessem ser atribuídas a fatores etários. Os resultados obtidos em São Paulo não demonstraram que a taxa de prevalência da infecção pelo M.C.C.S.H. LARA, E. M. S. CUNHA, A. F. C. NASSAR, L. GREGORY, E. H. BIRGEL, W. R. FERNANDES. Ocorrência do herpes vírus eqüino 1 (HVE1) em cavalos criados no Estado de São Paulo, Brasil./ Occurrence of equine herpesvirus 1 (EHV-1) in horses of São Paulo State, Brazil. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 3, 254-259, 2003 HVE-1 sofreu influência significativa dos fatores sexuais, concordando com as conclusões apresentados por FERNANDES (1988). DIMOCK, W.W.; EDWARDS, P.R. Is there a filtrable virus of abortion in mares. Kentucky Agriculture Experimental Station Bulletin, suppl. 333, p. 291-301, 1933. CONCLUSÃO DIMOCK, W.W.; EDWARDS, P.R.; BRUNER, D.W. Infections observed in equine fetuses and foals. Cornell Veterinarian, v. 37, p. 89-99, 1947. Com os resultados obtidos na presente pesquisa conclui-se que o HVE-1 encontra-se amplamente disseminado no Estado de São Paulo, pois todas as regiões estudadas apresentaram animais sororreagentes ao HVE1, sendo a freqüência da infecção pelo HVE-1 igual a 33,4 %. Não se detectou influência de fatores sexuais sobre a taxa de infecção pelo HVE-1 nos animais estudados. A ocorrência do HVE-1 aumentou gradativamente após 6 meses de idade, havendo predominância nos eqüinos mais velhos. Os eqüinos das raças Árabe e Mangalarga foram os que apresentaram maiores taxas de animais sororreagentes ao HVE-1. ARTIGO RECEBIDO: Agosto/2003 APROVADO: Novembro/2003 REFERÊNCIAS BAGUST, T.J.; PASCOE, R.R.; HARDEN, T.J. Studies on equine herpesviruses – The incidence in Queensland of three different equine herpesvirus infections. Australian Veterinary Journal, v. 48, n.1, p. 47-53, 1972. BRION, A.; FONTAINE, M.P.; FONTAINE, M.; MORAILLON, A.S.; MORAILLON, R. Enquéte épidémiologique sur la rhinopneumonie équine en France par la tecnique de la fixation du complément. Récueil de Médicine Véterinaire, v. 144, n. 2, p. 197-209, 1968. BERQUÓ, E.S., SOUZA, J.M.P., GOTLIES, S.L.D. Bioestatística. São Paulo, Pedagógica e Universitária, 1981. 350p. CRABB, B.S.; STUDDERT, M.J. 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