Pierre Gazin

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Quais são as conseqüências dos açudes nas regiões
áridas do Nordeste do Brasil sobre a saúde humana ?
Por Pierre Gazin
Institut de Recherche pour le Développement, CFRMST - Faculté de Médecine de Marseille,
France et Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Doenças Tropicais, Recife
PE, Brasil
Nas regiões semi-áridas do Nordeste brasileiro, a realização de miliares de açudes nos
leitos dos rios temporarios é conseqüência da falta cronica de água. A grande quantitade de
represas nessas regiões pode em si ter consequencias sobre a saúde das populações
ribeirinhas ? O resultado seria positivo ou negativo ? Essa pergunta recurente da ligação entre
estocagem de água e efeitos na saúde aparece particularmente no caso de patologias infecciosas
ligadas à água, seja por causa da transmissão atravês dum vetor aquatico, seja pela vida dos
agentes infecciosos na água ou em meio úmido.
1 - As principais patologias ligadas à água
As esquistossomoses
As esquistossomoses são infecções parasitarias vindo de vermes hematófagos que vivem
no sistema circulatório das vísceras. Esses parasitas têm um ciclo de desenvolvimento no corpo
humano que chega a emitir ovos com os excrementos. O embrião ou miracidium deve entrar
num molusco da água doce que lhe é próprio para continuar a sua evolução. Ai, Ele multiplicase intensamente. Os furcocercarios são a forma infectante emitida pêlos moluscos parasitados
na água. Eles nadam até encontrar uma vitima e penetrar de maneira ativa na sua pele.
As esquistossomoses dependem dos contatos entre os homens e a água doce : contatos para
a introdução dos miracidiums com os excrementos, contatos com a água cheia de
Pierre Gazin 841072907
29/05/17
furcocercarios na hora da pesca, dos jogos, do banho. Elas são as doenças parasitarias as mais
estreitamente ligadas à água e as mais eficientes para aproveitar as modificações do meio
ambiente destinadas à produção agrícola.
A esquistossomose mansônica continua sendo presente na zona litoral do Nordeste, na
região canavieira, com taxas de prevalência que podem ser altas. Essa situação é
provavelmente uma conseqüência da chegada de escravos originários da Africa a partir do
século XVI. Um inquérito em 1950 constatou que um terço dos escolares era infectado no
litoral e que a prevalência diminuía com o afastamento da costa (11% infectados em Belo
Jardim, 2% em Arcoverde, 0,7% em Serra Telhada) (1). A esquistossomose é atualmente
freqüente na zona canavieira com, segundo os inquéritos, de 30% a 90% de carregadores de
parasitas, apesar das campanhas de luta contra os moluscos e de tratamento dos infectados (2).
Os moluscos são do gênero Biomphalaria, principalmente B. glabrata nas regiões as mais
úmidas e B. straminea nas regiões um pouco menos chuvosas, até o limite do Agreste.
O medo da extensão da esquistossomose mansônica no Nordeste é antigo. Inquéritos em
diferentes setores do Sertão a partir de 1979 e em 1986-1987 em 23 zonas de irrigação do
DNOCS, colocaram em evidencia a raridade da infeção no homem : 3 casos sobre 10 000
sujeitos examinados (municipalidades de Ibimirim em Pernambuco, de Condado e Souza na
Paraíba) e nos moluscos : 0,1% de positivos dentro de 17 000 B. straminea dissecados, todos
provenientes de Souza (3).
O controle da transmissão da esquistossomose esta baseado na diminuição, bastante
ilusória, dos contatos entre homens e água, na ausência de excrementos próximos às margens,
o que significa a construção e o uso de latrinas e a distribuição de produtos moluscicidas assim
como o niclosamide (Bayluscide®). Esses produtos devem ser aplicados uma vez por mês em
média para serem eficientes, trazendo então resultados interessantes na população de moluscos
e na transmissão (4). Caros e pouco respeitosos do meio ambiente, pedindo uma grande
continuidade no uso, eles são raramente utilizados num período de tempo e num espaço
suficientes para permitir resultados a longo prazo.
As perturbações da esquistossomose mansônica aparecem depois de varias infeções,
enquanto as raras são geralmente paucisintomaticas. Os tratamentos são eficazes em tomada
única, são bem aceitos pelo organismo e podem ser usados em campanhas de massa. Eles
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geralmente não chegam a uma diminuição forte da prevalência mas permitem uma redução
importante das infecções fortes e da freqüência de formas graves. Assim, o oxamniquine
(Vansil®) é ativo contra S. mansoni. O seu uso no Rio Grande do Norte, em Pernambuco, em
Alagoas e Bahia permitiu uma redução marcada da freqüência de formas graves, agora
observadas nos sujeitos mais velhos (5, 6). A prevalência da infecção ficou elevada, sem
verdadeira mudança depois de 25 anos de tratamento em outros espaços de Pernambuco (7, 8).
Essa discordância aparente vem principalmente da qualidade e da regularidade das ações, da
assimilação ou não das recomendações sanitárias pela população e dos comportamentos.
Resultados persistentes são geralmente observados onde a luta é associada à um
desenvolvimento econômico verdadeiro (9). Assim, o problema colocado hoje pelos
esquistossomoses não é tanto o da transmissão e da existência de casos humanos numerosos
quanto o da organização de estruturas de diagnostico e de tratamento dos doentes e da
continuidade das ações.
A malária
A malária é uma infecção parasitaria devida à multiplicação de protozoários do gênero
Plasmodium no organismo. Eles são introduzidos por um mosquito do gênero Anopheles na
hora da sua refeição sangüínea. Depois de uma fase hepática assintomática, eles invadem
hemacias e multiplicam-se intensamente, num ciclo de dois a três dias, provocando acessos
febris agudos. Formas sexuadas permitem a continuidade da transmissão si ingeridas por um
anofele. Têm um ciclo de multiplicação demorado, comparado à vida de um anofele adulto,
antes de torna-lo infectante. A transmissão da malária exige a presença concomitante dos seus
três atores, o Plasmodium, o anofele e o homem, único reservatório conhecido de parasitas. As
larvas aquáticas de anofeles tem exigências de biotope diferentes segundo as espécies.
Uma única infecção chega, na ausência de imunidade adquirida eficiente ou de tratamento,
a uma doença aguda. Essa pode matar em alguns dias (caso de Pl. falciparum) ou provocar
crises iterativas que vão se repetir durante alguns meses (caso dos outros Plasmodium). Os
remédios são numerosos. O essencial consiste em acessar rapidamente a uma estrutura de
saúde capaz de estabelecer o bom diagnostico e de procurar um tratamento eficiente. Antes de
tudo, o controle é uma questão de organização, de preparo dos homens, de disponibilidade de
renda, alguns desses tratamentos sendo caros (até 40 US$ para o tratamento de uma crise). A
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malária só é grave para as populações de baixa renda, que não têm acesso à profissionais da
saúde competentes e ao tratamento.
A malária ficou presente numa grande parte do território brasileiro. A partir de 1870, as
epidemias que atingiam um grande numero de migrantes nordestinos que iam para a Amazônia
colher a hevea chamaram a atenção. As zonas costeiras dos estados de Rio de Janeiro e de São
Paulo também foram atingidos por graves epidemias no fim do século XIX, talvez ligadas a
uma deterioração da drenagem e da irrigação. A segunda guerra mundial trouxe uma nova
demanda de látex e em conseqüência um aumento de numero de casos. No Brasil, os vectores
principais são An. darlingi e An. aquasalis. Esse ultimo foi assinalado no interior do Nordeste
onde é o único vector endêmico, até 200 km da costa e 600 m de altitude (10-12).
O Nordeste brasileiro foi o lugar de uma epidemia particular de malária. Em 1928, An.
gambiae, um dos principais vetores africanos, foi observado no Rio Grande do Norte e depois
em Natal (Paraíba). Ele tinha sido provavelmente introduzido por navios franceses que faziam
viagens rápidas entra Dakar e os portos desta costa. Multiplicou-se intensamente, provocando
uma epidemia muito importante na cidade de Natal. Em 1938, chegou ao Vale do Jaguaribe no
Estado do Ceará, causando em oito meses 150 000 casos e mais de 14 000 óbitos. Um serviço
especializado de luta foi organizado, beneficiando de ajudas importantes do governo brasileiro
e da fundação Rockfeller. Ele permitiu a erradicação desse vector entre 1938 e 1940 (13).
Trata-se de um exemplo único de sucesso completo da luta antivectorial numa região tropical.
A malária foi particularmente estudada e combatida nos Estados de Rio de Janeiro e de São
Paulo desde o inicio do século por ações sobre o meio ambiente e o tratamento dos doentes e, a
partir de 1950, em função de um protocolo de erradicação proposto pela Organização Mundial
de Saúde. Essa luta foi um sucesso e os casos autóctones quase desapareceram (14). Ao nível
nacional, a incidência a mais fraca foi observada em 1970. Desde então, o comercio com a
Amazônia, a migração nessa região de trabalhadores rurais, um relaxamento do cuidado
levaram a um numero crescente de casos (uns 40 000 casos devidos a P. falciparum e 120 000
a P. vivax no primeiro semestre de 1998) (15).
A filariose de Bancroft
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A filariose de Bancroft é provocada pelo desenvolvimento dentro dos vasos linfáticos de
nematodes adultos da espécie Wuchereria bancrofti. As fêmeas produzem embriões, as
microfilarias, que circulam no sangue geralmente com uma periodicidade noturna. Essas
microfilarias permitem a continuidade do ciclo através de mosquitos hematófagos que
absorvem-lhes. Ai elas amadurecem antes de ser introduzidas em novos hospedeiros humanos
durante a refeição de sangue. Os gêneros e espécies de mosquitos são diferentes nas varias
zonas do mundo. Os humanos parecem ser o único reservatório de parasitas.
A filariose de Bancroft é presente no Brasil onde a transmissão é efetuada pelos Culex, um
vetor muito bem aclimatado às águas sujas, ricas em matérias orgânicas, freqüentes nas zonas
urbanas. Em Recife, em bairros sofrendo uma falta de drenagem das águas usadas, 11% dos
moradores são infectados ; em Maceió (Alagoas), eles são 5% (16, 17). Por enquanto, a
transmissão não parece ter chegado até hoje nas cidades do interior.
A filariose de Bancroft é assintomática no caso de raras infeções. Em grande numero, elas
podem chegar à lesões graves dos vasos linfáticos cuja manifestação a mais visível é o
elefantíases. O controle da transmissão é baseado na luta contra os vetores, essencialmente
através do saneamento, da drenagem da água e das proteções individuais com mosquiteiros e
inseticidas. O tratamento por diethyl-carbamazine diminua o risco de lesões graves. O seu uso
em tratamento de massa permite também diminuir a transmissão pela redução do reservatório
de parasitas (18).
A dengue e outros arboviroses
A dengue é uma arbovirose, uma doença causada por um vírus transmitido por um
artrópode. O vírus responsável pertence ao gênero Flavivirus e os vectores são mosquitos do
gênero Aedes. As quatro cepas do vírus conhecidas são suficientemente diferentes para não
permitir a aquisição duma imunidade cruzada eficiente. A dengue é presente em função de
modalidades diversas em todas as regiões tropicais. A infecção pode ser assintomática ou
manifestar-se por uma febre aguda, que dura mais ou menos uma semana. A forma
hemorrágica, rara, pode matar. Hoje, não existe nenhum tratamento especifico, nem vacina
cujo valor seja reconhecido na unanimidade.
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As larvas de Aedes crescem em pequenos reservatórios de água limpa. A dengue é uma
doença geralmente urbana, onde uma rede de distribuição de água ineficiente leva à estocagem.
O único vector conhecido no Brasil é Ae. aegypti. Oriundo da Africa, ele adaptou-se ao
continente americano onde se tornou antropofilo e urbano. Ficou mais ou menos controlado até
1967, mas desde então a sua presença e densidade vão crescendo (19). Os lugares de
reprodução mais comuns são os depósitos de pneus usados, os reservatórios domésticos de
água, as latas usadas e outros recipientes.
Alguns casos prováveis de dengue foram notados no Brasil a partir do século XIX.
Epidemias foram bem descritas desde 1982 (Roraima, Rio de Janeiro e São Paulo, ou seja mais
ou menos três milhões de contaminação). O numero de casos notificados aumentou muito
desde 1995. De 1986 a 1993, 53 500 casos foram assim notados unicamente no Estado do
Ceará, sem nenhum óbito conhecido. Em 1994, a incidência foi de 1010 casos/100 000
habitantes na cidade de Fortaleza. Dentre os 19 000 casos então registrados, 26 de forma
hemorrágica foram confirmados, com 14 mortais. A cepa DEN-2 apareceu particularmente
ligada a essa forma (20). Durante o primeiro semestre de 1998, 395 000 casos foram notados
no pais, um terço deles no Nordeste. Um programa nacional de controle foi então implantado
para tentar eliminar o vector.
Dentre os outros arboviroses presentes no Brasil, a febre amarela é a mais temida.
Transmitida pelo mesmo vector que a dengue, ela poderia provocar epidemias, particularmente
em meio urbano. O medo que ela provoca esta na origem de grandes programas de controle dos
Aedes desde o inicio do século XX e da generalização da vacinação antiamarile. A febre
amarela aparece atualmente esporadicamente na população rural isolada (21).
Os helmintos intestinais
Nas regiões tropicais, duas espécies de nematodes intestinais são particularmente
freqüentes, os ascaris e os anquilostomes. Esses vermes têm um ciclo de vida em parte no
corpo humano, em parte no chão onde precisam de umidade e de calor. Eles são ligados ao uso
de excrementos humanos enquanto adubo ou a erros na gestão desses lixos. A contaminação
pelos ascaris se faz pela ingestão de larvas infectantes com comida suja, a pelos anquilostomes
pela penetração ativa das larvas através dos pés e das pernas no contato com a lama. Os
parasitas não se multiplicam no organismo e as patologias que podem provocar aparecem
6
apenas em caso de varias infeções. As taxas de prevalência são indicadores do nível de
desenvolvimento, de infra-estrutura e de higiene das populações.
Numerosos vermicidas eficientes existem. Eles não param a transmissão se medidas
complementares de saneamento não forem tomadas e se comportamentos não mudarem. De
fato, a produção quotidiana de uma fêmea de helminto é da ordem de 200 000 ovos (22, 23).
Raros portadores de parasitas são então suficientes para manter uma continuidade da
transmissão se condições de meio e de comportamento humano serem favoráveis.
A intoxicação pelos cianobactérias
As cianobactérias ou algas azuis são freqüentes nas represas. Condições do meio
favoráveis podem provocar um aumento intenso da sua população até eflorescências
concentradas na superfície. Essas condições podem ser particularmente reunidas no Nordeste
no fim da estação seca. As cianobactérias podem liberar neurotoxinas e hepatotoxinas no meio
aquático (24, 25). Uma epidemia importante de gastroenterites foi observada em 1988 na
população ribeirinha do Rio São Francisco perto da barragem de Itaparica (Bahia). 2000 casos
foram notificados, 70% dentre eles em crianças de menos de 5 anos, com uma alta taxa de
letalidade (4,5%). A proliferação contemporânea de cianobactérias dos gêneros Anabaena e
Microcystis nas águas carregadas de matérias orgânicas, a ausência de observação de outros
agentes etiológicos, a ineficiência do tratamento das águas alimentarias da região por técnicas
convencionais permitiram concluir sobre a responsabilidade dos cianobactérias nessa epidemia
(26).
Os cianobactérias tornaram-se assunto importante depois do episódio dramático que
aconteceu em 1996 num centro de dialise em Caruaru (Pernambuco). 55 insuficientes renais
dentre 115 dializados morreram num quadro de insuficiência hepática. Os cianobactérias
presentes em grande quantidade na água usada para as dialises foram responsáveis pelos óbitos.
Trata-se da primeira observação da responsabilidade direta e completa de cianobactérias numa
patologia letal (27). Essas condições involuntariamente experimentais são alias muito
diferentes do uso normal da água de beber. Na hora da dialise, a água é diretamente em contato
com o meio interior do organismo, sem a proteção da barreira intestinal, e em grande
quantidade, até 150 litros por indivíduo para um período de 24 horas. A difusão de uma
importante quantidade de tóxicos é então possível. Na mesma época, a população de Caruaru
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não apresentou signos de intoxicação hepática mas verificou casos de irritação da pele depois
de banhos (28).
2 - A situação observada no Nordeste semi-árido
Um inquérito foi feito entre 1997 e 2000 no Agreste (arredores da barragem de Ingazeira,
perto de Venturosa) e no Sertão (Cajueiro e Caatingueira perto de Tuparetama no Sertão do
Alto Pajeú)(fig. 1). As patologias estudadas foram a esquistossomose, a malária, a dengue, as
helmintíases intestinais. Os indicadores de saúde utilizados foram o estado nutricional das
crianças, o acesso aos tratamentos e os dados demográficos.
A esquistossomose mansônica foi procurada pelo exame parasitologico das fezes segundo
a técnica de Kato. Amostras de fezes foram fornecidas por 55% dos indivíduos com uma
repartição por idade e sexo próxima da população pesquisada. Ao todo, 352 exames foram
efetuados até de sujeitos considerados à riscos (crianças, pescadores). Nenhum ovo de
Schistosoma foi encontrado. Essa observação permite afirmar a ausência de transmissão atual
da esquistossomose nos lugares estudados (29). Os moluscos hospedes intermediários foram
procurados. Nenhum foi observado, a não ser numa pequena represa onde B. straminea era
presente. A água ai era pouco salgada, de pH neutro, diferente da situação comum na região. A
observação de hóspedes intermediários de S. mansoni num reservatório do Sertão lembra que a
sua raridade até agora nas partes áridas do Nordeste não é uma situação imuavel. A relativa
proximidade da zona canavieira, a algumas horas de carro, onde esses moluscos e a doença são
bem presentes, incita a ficar atento (30).
Os ascaris e os anquilostomes foram observados em 12% dos examinados de Ingazeira
com cargas baixas ou moderadas. Em Cajueiro e Caatingeira, esses helmintos eram quase
ausentes. Um terço dos domicílios tinha sanitários ligados a uma fossa (fig. 2 e 3). Para os
outros, a defecação se fazia nos bosques, longe da água. As condições de higiene e de meio não
permitiam, ou muito pouco, a transmissão dos helmintos.
Nenhum caso de malária é atualmente conhecido seja no Agreste, seja no Sertão. Os
anofeles provavelmente nunca se desenvolveram nas zonas semi-áridas. As represas, com
limites definidas, bordadas de solo arenoso ou pedroso não favorecem a presença de larvas. A
8
presença de peixes, de sapos, a rara vegetação imersa participam dessa situação. E preciso
admitir que todos os elementos que contribuem não são conhecidos.
As zonas rurais semi-áridas são isentas da filariose de Bancroft. Os mosquitos Culex
vetores são presentes nas pequenas cidades, mas com uma densidade reduzida de mais para
permitir a instalação da transmissão. Parece não ter tido caso de dengue nas regiões estudadas,
apesar da tendência a qualificar assim qualquer síndroma gripal.
Nenhum caso de intoxicação aguda pelas toxinas de cianobactérias foi conhecido. A água
com mal cheiro dos reservatórios durante a estação seca incita a não usa-la para a alimentação.
As toxinas só poderiam atingir os homens através do consumo de peixes, que é geralmente
moderado nessa população que prefere, quando pode escolher, a carne.
O estado nutricional das crianças foi medido usando dados anthropométricos clássicos do
peso e do tamanho analisados em função da idade segundo os valores de referência propostas
pelo National Center for Health Statistics. Não apareceram déficits nutricionais importantes
nessas crianças, geralmente de tamanho baixo. A população do Sertão e do Agreste sabe nutrir
as suas crianças apesar de condições econômicas e técnicas difíceis (fig. 4). Nenhuma
diferença entre as crianças das comunidades usando represas e os que não as têm foi observada,
o que seria provavelmente uma conseqüência da homogeneidade dos comportamentos. A
melhora da produção graças à presença de água tem efeitos que atingem até os que não têm
represa.
Os habitantes dos lugares estudados têm acesso à saúde. Ela funciona bem no caso das
urgências, nem tanto no caso do quotidiano e da medicina preventiva, por falta de pessoal
qualificado e de orçamento financeiro. Apesar de tudo, trata-se de uma situação muito melhor
da observada na maioria dos países tropicais pobres. O interior do Brasil não é um deserto
sanitário e a sua população não é abandonada.
Os dados demográficos precisam provir de efetivos bastante elevados, pelos menos da
ordem de 10 000 indivíduos, para ter algum sentido. Os municípios dos lugares estudados
foram usados como unidades de observação. A taxa de mortalidade infanto-juvenil, do
nascimento ao quinto aniversario, é inferior a 30 por mil nascimentos vivos. Ela é claramente
9
mais baixa que a da zona canavieira e traduz uma situação de bom funcionamento da saúde
dessas regiões do Agreste e do Sertão.
Conclusão
As observações no Agreste e no Sertão de Pernambuco mostraram a ausência de qualquer
patologia que poderia ser conseqüência da numerosas represas. Os efetivos observados foram
limitados mas os resultados são bastante claros e de acordo com os dados da literatura para
fazer sentido para o conjunto das regiões estudadas. O estado de saúde da população apareceu
bom apesar das condições de vida duras, agravadas pela seca importante desses últimos anos.
O acesso à saúde funciona. A única endemia grave é a doença de Chagas que não tem ligação
direta com a água.
Avaliar as vantagens das represas sobre a saúde é mais difícil. Ela é mais o produto de uma
reflexão. Um bom estado de saúde é o resultado de uma estrutura técnica competente, que tem
os meios de intervir no seio de uma população bastante instruída e sem problema de renda para
dela usufruir.
Os resultados dessa pesquisa não podem ser extrapolados ao conjunto das regiões semiáridas. Em certas condições, podem aparecer problemas específicos ligados a um novo uso da
água. O desenvolvimento das esquistossomoses na região de Assuan (Egito) e nas zonas
irrigadas do Rio Senegal (Senegal e Mauritânia) é uma boa ilustração. Essas doenças podem
ser prevenidas ou tratadas por medidas simples, ainda mais aplicáveis que a população,
instruída, as compreende. Entre o risco de doença e a possibilidade de melhorar a renda graças
a safras regulares, o produtor das regiões semi-áridas, se puder escolher, optara provavelmente
para a estocagem e a disponibilidade de água.
Agradecimentos a Prefeitura de Tuparetama PE, especialmente à Deva da Silva, e a Pierre
Audry do IRD por as preciosas e pacientes ajudas, assim como à Veronique Durand pela
revisão do texto em português.
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Figures 2 et 3 : Maisons de Cajueiro, Alto Pajeú, Pernambuco, Brésil. Casas de Cajueiro, Alto
Pajeú, Pernambuco, Brasil. Photos no 10932 et 17175 de la base Indigo
Figure 4 : Puits temporaire dans le lit sableux d’un cours d’eau, unique source d’eau
domestique pendant la saison sèche à Caatingueira, Alto Pajeú, Pernambuco, Brésil. Poço
temporário no leito arenoso de um riacho, única fonte de água domestica durante a estação seca
em Caatingueira, Alto Pajeú, Pernambuco, Brasil Photo no 16081 de la base Indigo
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