projeto ético político do serviço social: tensões e - TEDE

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
PROJETO ÉTICO POLÍTICO DO
SERVIÇO SOCIAL: TENSÕES E
DILEMAS DE UM PROJETO EM
EXECUÇÃO.
Kelly Samara do Nascimento Silva
João Pessoa – PB
2010
12
Kelly Samara do Nascimento Silva
PROJETO ÉTICO POLÍTICO DO
SERVIÇO SOCIAL: TENSÕES E
DILEMAS DE UM PROJETO EM
EXECUÇÃO.
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-graduação em
Serviço
Social
da
Universidade
Federal da Paraíba, como um dos
requisitos para a obtenção do grau de
mestre.
Orientadora: Maria Aparecida Ramos
de Meneses
João Pessoa – PB
2010
13
Kelly Samara do Nascimento Silva
Projeto Ético Político do serviço social: tensões e dilemas de
um projeto em execução.
Dissertação submetida ao corpo docente da Escola de Serviço Social da
Universidade da Paraíba como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Mestre.
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________
Profª Drª Maria Aparecida Ramos de Meneses
Orientadora
_________________________________
Prof. Dr. Jaldes Reis de Meneses
Examinador
_________________________________
Prof. Dr. Galdino Toscano de Brito Filho
Examinador
João Pessoa – PB
2010
14
Ao Senhor JESUS, aquele que
era, que é, e que a de vir.
A minha irmã Sheila (in
memória)
15
AGRADECIMENTOS
A trajetória de aprendizado contou com a ajuda, o companheirismo
e a compreensão de muitas pessoas que comigo sentiram “a dor e a
delicia” da caminhada. Um agradecimento especial:
A DEUS que me deu, e me dá forças, amor, coragem, sabedoria e
paciência para poder compreender todo conteúdo acumulado nesses
anos.
À minha família que com amor agüentaram meus ataques de
chatice, minhas ausências e meu mal humor. Obrigada por ser meu porto
seguro em que encontro repouso e renovação das forças para continuar.
A meu pai e minha mãe que me deram educação e souberam
compreender minhas escolhas (apesar dos conflitos) e nunca desistiram
de mim e que mesmo distantes geograficamente pareciam estar ao meu
lado.
A meu esposo Jairo por quem tenho profundo e intenso amor e
compartilhou comigo as indecisões, tristezas, alegrias e com toda sua
paciência soube me compreender, dando o ombro amigo e por muitas
vezes deixou sua vida para dar prioridade as minhas escolhas. Obrigada,
amo muito você.
À minha filha Karina que com jeito de menina-moça e que em
muitos momentos fez o papel de mãe, me surpreendendo com frases do
tipo “assistente social não trabalha em sala com ar-condicionado”,
16
sabedoria de quem ainda tem muito que aprender mais que também
consegue compreender um pouco da realidade da vida. Amo muito você.
A meu filho Caio que com seu jeito carinhoso, me enchendo de
beijos e abraços e muitos “eu te amo” enche minha vida de alegria e
esperança e tenho a certeza que crescemos juntos neste período, até do
estatuto da criança e do adolescente você aprendeu comigo. Eu te amo.
A meu amigo Alison, companheiro de CRESS sempre soube que
nossa amizade ultrapassaria os limites institucionais. Obrigada pela
seriedade e sobriedade na condução do mestrado e de nossa amizade.
Ao Movimento Estudantil de Serviço Social, o qual me deu uma
formação jamais encontrada nos limites da universidade e no qual fiz
verdadeiras amizades e inimizades – afirmando o espaço de pluralidade
– e me fez enxergar que “um outro mundo é possível”. Obrigada a todos
e todas que contribuíram para minha formação política e profissional.
As companheiras e companheiros do Centro Acadêmico de Serviço
Social
os
quais
compartilharam
comigo
muitas
lutas,
decepções,
alegrias, tristezas e principalmente amizade que o tempo pode ser
inimigo mais não apagara momentos marcantes nas nossas vidas.
As professoras do Programa de Pós-graduação de Serviço Social
que contribuíram para uma melhor apreensão dos conteúdos referentes à
profissão.
A professora Aparecida Ramos, minha eterna orientadora, que
nesses anos de aprendizagem me ensinou além do que estar proposto
nos programas de disciplinas me ensinou da vida, me ensinou e ensina a
17
amar
o
que
faz
com
tamanha
intensidade.
Obrigada
pelo
companheirismo e amizade.
Às professoras Edna Tânia e Luciana Cantalice que ao longo deste
período aprendi a amar e compreendê-las melhor como pessoas, vocês
ajudaram na minha formação acadêmica e pessoal, foram e são pessoas
de referencia na minha vida.
À professora Socorro Vieira, orientadora de todos os momentos e
de vários assuntos, (PAIR, SUAS, PNAS), você é parte da minha
formação pessoal e profissional. Obrigada.
Aos amigos e amigas do grupo de estudos sobre Karl Marx, que
apesar de só nos encontrarmos uma vez por semana fazem parte da
minha vida e contribuem para minha formação humana, política e
profissional.
Enfim a todos e todas que de alguma forma contribuíram para
minha formação.
18
RESUMO
A presente dissertação apresenta o produto do curso de mestrado na
Universidade Federal da Paraíba e está centrada na discussão do
projeto ético-político da profissão de serviço social. Nesta dissertação
procuraremos apreender as discussões a cerca das categorias que
balizam o projeto ético-político do serviço social procurando os
determinantes históricos e teóricos, analisando como a introdução, a
partir do projeto ético-político do serviço social, de uma direção baseada
na perspectiva critica foi apreendida e incorporada na categoria em sua
produção acadêmica e intelectual. O presente estudo centra-se na
analise teórica da produção de pesquisadores de serviço social, e para
além deste, que discutam o projeto ético-político e as categorias que o
circundam, na analise dos projetos societários e profissionais com José
de Paulo Netto, Marcelo Braz e Maria Beatriz Abramides, entre outros.
Utilizaremos ainda fontes adicionais as quais possam subsidiar a
compreensão dos componentes que norteiam o projeto ético-político e
suas dimensões. O período da pesquisa vai do primeiro semestre de
2009 ao primeiro semestre de 2010.
Palavras-chaves: projeto ético político, serviço social, profissão
19
ABSTRACT
This dissertation presents the product of master course at the Federal
University of Paraíba and is focused on discussion of the ethical-political
project of the profession of social service. This thesis will try to seize the
discussions about the categories that guide the ethical-political project of
social service seeking the historical and theoretical determinants,
analyzing how the introduction, from the ethical-political project of social
service, a direction based on the critical perspective was seized and
incorporated in the category in their academic and intellectual production.
The present study focuses on the theoretical analysis of the production of
social service researchers, and beyond, to discuss the ethical-political
project and the categories that surround it, in the analysis of corporate
and professional projects with José Paulo Netto, Marcelo Braz and Maria
Beatriz Abramides, among others. Also will use additional sources which
can support the understanding of the components that guide the ethicalpolitical project and its dimensions. The survey period runs from the first
half of 2009 to the first half of 2010.
Keywords: political ethical project, social service, profession
20
S586p
Silva, Kelly Samara do Nascimento.
Projeto ético político do serviço social: tensões e
dilemas de um projeto em execução / Kelly Samara do
Nascimento Silva.-- João Pessoa, 2010.
92f.
Orientadora: Maria Aparecida Ramos de Meneses
Dissertação (Mestrado) - UFPB/CCHLA
1. Serviço social. 2. Projeto ético político. 3. Serviço
social- pesquisadores - produção - análise teórica. 4.
Projetos societários - análise.
UFPB/BC
CDU: 36(043)
21
LISTA DE SIGLAS
ABEPSS
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social
ABESS
Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social
ABI
Associação Brasileira de Imprensa
APAS
Associação de Profissionais de Serviço Social
CBAS
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CBCSIS
Centro Brasileiro de Cooperação e Intercambio de Serviço
Social
CEAS
Centro de Estudos e Ação Social
CFAS
Conselho Federal de Assistentes Sociais
CFESS
Conselho Federal de Serviço Social
CNE
Conselho Nacional de Educação
CNSS
Conselho Nacional de Serviço Social
CRAS
Conselho Federal de Assistentes Sociais
CRESS
Conselho Regional de Serviço Social
DC
Desenvolvimento de Comunidade
ENESSO Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social
FHC
Fernando Henrique Cardoso
LBA
Legião Brasileira de Assistência
MEB
Movimento de Educação de Base
OAB
Ordem dos Advogados do Brasil
ONU
Organização das Nações Unidas
PEPSS
Projeto Ético Político do Serviço Social
22
PUC
Pontifícia Universidade Católica
SENAI
Serviço Nacional de Aprendizagem
SESI
Serviço Nacional da Indústria
UNE
União Nacional dos Estudantes
23
24
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 26
CAPITULO I ........................................................................................... 30
1. Marcos Históricos do Serviço Social e sua dimensão política................ 31
1.1
Gênese do Serviço Social brasileiro e sua representação social .... 31
1.2. Processo de renovação do serviço social ....................................... 50
1.3. Significado social da profissão ...................................................... 54
1.4. Intenção de ruptura: protagonismos do serviço social crítico ........... 61
1.5. Contemporaneidade do Serviço Social .............................................. 64
CAPITULO II .......................................................................................... 68
2. Projeto Profissional e Projetos Societários ........................................... 69
2.1. Projeto Profissional do serviço social ............................................. 77
2.2 A organização da categoria e o PEPSS........................................... 86
2.3. Construção do Projeto Ético Político do Serviço Social e suas
contradições ........................................................................................ 91
CONCLUSÃO ......................................................................................... 98
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICA .......................................................... 103
25
INTRODUÇÃO
A presente dissertação apresenta como o produto do curso de
mestrado na Universidade Federal da Paraíba e está centrada na
discussão do projeto ético-político da profissão de serviço social. Nesta
presente dissertação procuraremos apreender as discussões a cerca das
categorias que balizam este projeto, procurando os determinantes
históricos e teóricos analisados a partir da introdução de uma direção
baseada na perspectiva critica a qual foi apreendida e incorporada na
categoria em sua produção acadêmica e intelectual, a partir dos anos
1970.
A motivação por este tema sempre esteve presente durante o
período de formação acadêmica e quanto de nossa inserção no mercado
de
trabalho
no
qual
podemos
constatar
varias
dificuldade
de
operacionalização das ações cotidianas com o projeto ético político da
profissão e as limitações enfrentadas pelos profissionais para a
consolidação do projeto profissional.
Projeto ético-político consiste no projeto profissional de caráter
coletivo que fundamenta a formação e o exercício do trabalho do
Assistente Social. A priori, sustenta-se na Lei de Regulamentação da
profissão (Lei 8662/93), no Código de Ética de 1993 e Diretrizes
Curriculares de 1996, pauta-se em valores fundantes como a liberdade
com valor ético central, articulados à defesa da democracia, como valor
ético-político em favor da equidade e justiça social.
26
O Projeto ético-político profissional apresenta a profissão à
sociedade a partir de seus princípios, valores, objetivos e funções, que
comumente respaldam o trabalho do assistente social nos espaços
sócio-ocupacionais, sejam de natureza pública ou privada.
Trata-se de um projeto profissional que imprime uma finalidade às
ações dos assistentes sociais, possibilitando aos mesmos, afirmar seu
compromisso com a classe trabalhadora.
Portanto, o compromisso ético-político do profissional de serviço
social com a classe trabalhadora presente no projeto da profissão,
expressa uma direção social que prima por uma nova ordem social.
Subjacente
a
este
compromisso
está
uma
concepção
teórico-
metodológica que não defende a manutenção da ordem social existente,
mas seu contrário aponta caminhos para a superação da mesma.
O
projeto
ético-político
defende
o
compromisso
com
a
universalização do acesso aos bens e serviços relativos aos programas e
políticas sociais, bem como, sua gestão democrática, no entanto,
conforme a literatura crítica é a partir da segunda metade da década de
1990, que no Brasil, estes elementos são alvo de críticas e reajustes de
orientação neoliberal.
Essas questões atingem de forma direta a prática do assistente
social, uma vez que esse profissional além de intervir nas manifestações
da questão social, também sofrerá os rebatimentos do acirramento de
suas manifestações enquanto trabalhador assalariado.
27
Nesse sentido, propõem-se uma análise presidida pela teoria
social crítica, de forma a elucidar o projeto ético-político no movimento
do
trabalho
profissional
e
as
implicações
no
processo
de
sua
materialização a partir da investigação bibliográfica nos acadêmicos que
discutem a temática.
O fio condutor da análise, não é aleatório ao pensamento dialético
crítico a que se inscreve o serviço social no redimensionamento e
vigência de sua fundamentação. As referências teóricas deste estudo
gestam no projeto de pesquisa e são complementadas com outros
autores, publicações recentes sobre o tema e leituras clássicas da teoria
social crítica. A escolha deste conjunto de bibliografias deve-se à
consideração da importância qualitativa de apreender a direção do
pensamento a que incorre o projeto ético-político do serviço social, com
vistas a aproximações e possíveis respostas ou contribuições à
problemática da pesquisa. O período da pesquisa vai do primeiro
semestre de 2009 ao primeiro semestre de 2010.
No primeiro capitulo iremos tecer alguns comentários a cerca dos
marcos históricos do serviço social, sua representação social e o
capitalismo
contemporâneo,
a
partir
das
grandes
transformações
ocorridas nos anos 1970 e os resultados dessas transformações na
sociedade
incorrendo
inclusive
na
crise
do
pensamento
e
das
organizações de esquerda, contribuindo para que as relações sociais
reproduzam
tendências
da
estrutura
social
que
se
vincula
a
comportamentos fundados no irracionalismo e no conservadorismo.
28
No segundo capitulo apresentaremos os elementos conjunturais e
materiais que se apresentaram para a construção e implementação do
PEPSS, sobretudo a própria construção do projeto nos marcos do
serviço social brasileiro.
As preocupações que movem essa pesquisa centram o processo
de materialização do Projeto ético-político, buscando aproximações do
significado do trabalho no âmbito das condições objetivas e subjetivas do
serviço social.
Por
fim,
procuraremos
identificar
através
das
bibliografias
estudadas, os fatores determinantes para operacionalização do projeto
ético político do serviço social no cotidiano profissional.
29
CAPITULO I
30
1. Marcos Históricos do Serviço Social e sua dimensão política
1.1 Gênese do Serviço Social brasileiro e sua representação social
Ao colocarmos em debate os marcos históricos da profissão,
precisamos compreender as posições assumidas pela categoria nos
diversos contextos históricos, políticos e sociais. Há que mencionar que
nas protoformas da profissionalização (Netto, 2001) o Serviço Social
esteve sob os auspícios da influência da Igreja Católica, que buscou
incidir na direção social da profissão. A literatura da área revela que
desde
as
premissas
do
seu
desenvolvimento,
evidencia-se
uma
“atividade social, com bases mais doutrinarias 1 que científicas” (Silva,
2002, 14).
É nessa visão que o Serviço social vai rumar desde suas origens
assumindo perspectivas de uma formação doutrinária a partir dos
fundamentos e princípios filosóficos ostentados nos pressupostos do
neotomismo (até a década de 1960 do século XX) a partir de uma
percepção conceitual conservadora de homem e sociedade. Desde
então, a ética difunde uma dimensão importante para o serviço social,
pois, “Sem uma perspectiva moral, não existe prática profissional”
(AGUIAR, 1989 p.36).
1 Destacando a orientação da Igreja Católica, expressa nas Encíclicas Rerum Novarum (Pio XI) e
Quadragésimo ano (1931). O subtítulo do referido documento é “Sobre a Restauração e
Aperfeiçoamento da Ordem Social em conformidade com a lei Evangélica”. A ação católica tem como
missão a divulgação da doutrina da Igreja em vista à Reforma Social (AGUIAR, 1989).
31
Na passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo
monopolista 2, o Estado passa a redefinir suas funções com a classe
trabalhadora. Ocorreu por parte da classe trabalhadora uma necessidade
de organizar-se para enfrentar os desafios postos pela conjuntura
adversa, que tem na classe dominante seu representante, devido às
mudanças de sistema de produção. O Estado tem a função de conter a
ofensiva do proletariado e para tanto começa a utilizar-se da ampliação
de direitos sociais e trabalhistas como forma de amenizar as pressões
dos trabalhadores.
No Brasil o Estado passou a organizar-se no sentido de “tratar” a
questão social 3 não mais como caso de polícia, mas buscando o
enfrentamento através das políticas sociais.
O Estado passa a ter um papel fundamental, de garantir
sistematicamente a reprodução, além da manutenção da
força de trabalho, a fim de conter as crescentes
reivindicações dos trabalhadores. (Silva, 2002, 16)
O protagonismo da classe operária no Brasil, devido ao processo de
industrialização, alicerçada pelo sistema capitalista provocou conflitos de
ordem econômica e social. Ao conjunto de conflitos emergentes desse
processo dar-se o nome de questão social que segundo Netto é o
“conjunto de problemas econômicos, sociais, políticos, culturais e
Segundo Netto: trata-se período histórico em que ao capitalismo concorrencial sucede o capitalismo
dos monopólios, […] tornou-se conhecido como o estagio imperialista. Ver mais em Netto:
Capitalismo Monopolista e Serviço Social
3
Não queremos aqui dizer que somente neste momento histórico surge a questão social, pois a
mesma apresenta diferentes manifestações nos diferentes estágios que passou o sistema capitalista.
Ver Alejandra Pastorini em a categoria questão social em debate, 2004
2
32
ideológicos que cercam a emersão da classe operária como sujeito
sócio-político no marco da sociedade burguesa”. (Netto, 1980, 90). Para
o serviço social a questão social concebe-se como o principal objeto de
intervenção, constituindo-se como base sócio-histórica da intervenção da
profissão.
Na década de 30, no Brasil estávamos presenciando o declínio do
sistema agroexportador em detrimento do industrial, período marcado
por uma série de alianças realizadas, pelo governo Vargas, com os
trabalhadores e principalmente com a classe dominante, pois o Estado
atua como instrumento de organização da economia, um tipo de
mediador para aliviar as tensões ocasionadas por esse novo modelo de
capitalismo. Essa intervenção, por parte do Estado, tem um caráter de
garantidor dos lucros para os capitalistas, ou seja, o Estado mantém a
ordem social através de suas políticas para a sociedade, principalmente
para a classe operária, e o capitalismo tem assim a “paz” necessária
para a garantia de superlucros. O Estado passa a ter suas funções
políticas ligadas às funções econômicas.
A intervenção do Estado se colocava no sentido de preservar a
propriedade privada e ao mesmo tempo minimizar os efeitos da
exploração do trabalho e desmobilizar politicamente os trabalhadores. O
Estado intervém na relação entre o empresariado e proletariado através
de uma série de legislações sociais e trabalhistas, e na prestação de
serviços sociais previstos nas políticas sociais, funcionando também
como estratégias de enfrentamento do processo de pauperização do
33
proletariado, cuidando 4 assim das suas necessidades imediatas e de
subsistência.
Paralelamente
a
essa
transição
de
sistemas
–
capitalismo
concorrencial para o capitalismo monopolista – acontece o surgimento
das
lutas
de
classes,
movimento
organizado
de
operários
e
trabalhadores contra o esmagamento dessas classes imposto pela classe
burguesa que tem nessa transição a retomada de um poder totalizante.
Tanto pela consolidação política do movimento operário brasileiro
quanto pela legitimação política do Estado Burguês a existência da
questão social torna elemento fundamental de disputa política e social
entre as classes. A Igreja Católica firma aliança com o Estado e o
empresariado para o enfrentamento da questão social, pois tem o
discurso de recristanizar a sociedade como também tenta por um fim ao
movimento comunista que estava em crescimento e assegurar assim,
dentro do aparelho do Estado, posições desejáveis para a consolidação
de sua influência.
A legitimação e institucionalização do Serviço Social se deram num
contexto de minimização da questão social num cenário em que a
pobreza era naturalizada e vista como ameaça à ordem burguesa, a
categoria assumia assim uma posição assistencialista da ideologia e da
prática católica visando à harmonia social e manutenção da ordem
vigente.
Esse “cuidado” tinha como objetivo principal enfraquecer a organização de luta da classe
trabalhadora em defesa de seus direitos.
4
34
Segundo Iamamoto (2001), o serviço social surge a partir da
iniciativa de grupos dominantes (Burguesia, Estado e Igreja), formado
basicamente por mulheres militares dos movimentos católicos, os quais
já estavam à frente das ações sociais da igreja católica. As pioneiras do
serviço social tinham na formação doutrinaria católica o enfrentamento
dos “problemas sociais”, elas possuíam contato direto com o ambiente
do operariado, pelo trabalho desenvolvido com a igreja e tinham como
objetivo principal manter o funcionamento adequado da sociedade para a
consolidação do sistema.
Em seu processo de construção histórica o serviço social brasileiro
recebe influencia européia e surge uma visão diferenciada da caridade,
até
então
executada.
A
proposta
apresentava-se
através
ações
educativas junto às famílias dos trabalhadores e na prevenção dos
“problemas sociais”.
As instituições assistências que surgem nesse momento – todas
sobre a tutela da Igreja – são a Associação das Senhoras Brasileiras
(1920) no Rio de Janeiro e a Liga das Senhoras Católicas (1923) em São
Paulo ambas eram compostas por mulheres de famílias burguesas
paulistas e cariocas e tinham como planejamento às obras assistenciais.
“O surgimento dessas instituições se dá dentro da primeira face do
movimento de ‘reação católica’ da divulgação do pensamento social da
igreja e da formação das bases organizacionais e doutrinárias do
apostolado laico”. (Carvalho e Iamamoto, 2001, 166)
É a partir dos Movimentos Laicos e do crescimento da juventude
católica – Juventude Operária Católica, entre outras – que se criam
35
bases materiais e humanas para a Ação Social e então o surgimento de
escolas de Serviço Social. A figura da Sra. Estella de Faro –
coordenadora da Ação Social – é considerada uma das grandes
pioneiras do Serviço Social no Rio de Janeiro.
O Serviço Social se caracterizava, assim, por ser um
movimento ao qual se dedicam mulheres de famílias
abastadas, reunidas a parti de seu relacionamento e
militância no meio católico. (Carvalho e Iamamoto, 2001,
216)
O Centro de Estudos e Ação Social – CEAS – de São Paulo foi o
órgão responsável pela formação dos assistentes sociais a partir de
1932. O CEAS era o organismo, que a época, qualificava os agentes
para a realização da prática social.
O objetivo central do CEAS será o de “promover a formação
de seus membros pelo estudo da doutrina social da Igreja e
fundamentar sua ação nessa formação doutrinaria e no
conhecimento aprofundado dos problemas sociais”, visado
“tornar mais eficiente à atuação das trabalhadoras sociais
[...]” (Carvalho e Iamamoto, 2201:169)
Com o objetivo de difundir a doutrina e ação da igreja, é
lançada as suas diretrizes através das encíclicas papais Rerum Novarum
(1891) e a Quadragésimo Anno (1931) as quais continham orientações e
posicionamentos antiliberal e antiimperialista.
Percebemos que o serviço social surge para atuar em favor da
classe dominante em detrimento dos trabalhadores e sua organização,
impedindo as lutas e conquistas destes, pois estas entram em confronto
36
com os interesses da burguesia. Mesmo assim as pioneiras do serviço
social tinham como convicção que suas ações tinham rebatimento direto
no enfrentamento da questão social. Essas ações representavam uma
alternativa às ações de caridade, ou seja, havia um sentimento que de
uma maneira ou de outra as ações baseadas pela doutrina católica
ajudava a compor um projeto de sociedade.
A crescente intervenção do Estado nos processos de regulação e
reprodução social propiciou a profissionalização do Serviço Social e de
tantas outras profissões.
Quando o Estado passa a agir no capitalismo monopolista – não
somente nele, mas para ele – como mediador no conflito entre capital e o
trabalho, este apresenta fortes tendências a apoiar os interesses do
capital e passa a intervir na questão social deixando a prática coercitiva
e passando a tratá-la através das políticas. Ao serviço social é também
demandada a sua inserção em outros organismos institucionais – as
filantrópicas de caráter privado ou publico – o que confere uma
particularidade frente às profissões requisitadas.
Apesar de no Brasil a profissão de serviço social tenha sido
considerada
uma
profissão
questionada,
pois
para
independente
não
dispõe
liberal5,
realizar
do
a
as
controle
autonomia
suas
das
profissional
atividades
condições
de
é
forma
materiais,
organizacionais e técnica para o desempenho de suas funções. Mas isso
5
Segundo Iamamoto e Carvalho (2003, p.80, nota 12), “a portaria 35, de 19.4.1949, do Ministério de
Trabalho, Indústria e Comércio enquadra o Serviço Social no 14º grupo de profissões liberais”.
Entretanto, o exercício da profissão de Assistente Social só é regulamentado com a Lei nº. 3.252, de
27 de agosto de 1957 (Cf. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2006)
37
não significa que a profissão não disponha de uma relativa autonomia e
de algumas características as quais estão presentes numa profissão
liberal, tais como: o caráter não rotineiro do trabalho, a presença de um
Código de Ética o qual orienta suas ações, a singularidade que pode
exercer na relação com o usuário, a possibilidade de apresentar
propostas de intervenção a partir de seus conhecimentos técnicos e,
finalmente, a Regulação legal da profissão6.
O
serviço
social
no
Brasil
se
institucionaliza
e
se
legitima
profissionalmente a partir da demanda posta pela conjuntura, como um
dos recursos mobilizados pelo Estado e pelo empresariado, com o
suporte da igreja católica na perspectiva de enfrentamento da questão
social.
A questão social em suas mais variadas expressões é incorporada
na profissão como “matéria-prima” e a justificativa da constituição do
espaço do serviço social na divisão sócio-técnica do trabalho e na
construção das atribuições e da identidade profissional.
A partir dos anos 30 a intensidade e extensão das manifestações da
questão social no cotidiano da vida social adquirem expressões de
política, o Estado assume a regulação e tensões entre as classes sociais
mediante um conjunto de medidas, entre elas: Consolidação das Leis
Trabalhistas, o salário mínimo e outras de cunho regulador assistencial e
paternalista.
Requisitando
do
assistente
social
um
conjunto
de
Lei 8662 de 7 de junho de 1993 – que dispõe sobre o exercício profissional, suas competências,
atribuições, privativas e fóruns que objetivam disciplinar e defender o exercício profissional.
6
38
atribuições, de referenciais teóricos, enfim de um acervo instrumental
teórico para atender as necessidades apresentadas.
Em 1936, a partir desses esforços e com apoio da hierarquia da
igreja é fundada a primeira Escola de Serviço Social do Brasil, em São
Paulo e no ano seguinte a Escola de Serviço Social do Rio de Janeiro.
As
primeiras
relacionadas
com
iniciativas
o
de
organização
protagonismo
de
da
alguns
categoria
grupos
estão
sociais,
majoritariamente femininos, participante do movimento católico leigo e
responsável pelo trabalho com os segmentos mais vulneráveis e
empobrecidos da classe operária. A igreja católica foi responsável pelo
ideário,
conteúdos
e
pelo
processo
de
formação
dos
primeiros
assistentes sociais brasileiros.
A formação profissional se pautava pela influencia franco-belga que
se baseava no humanismo cristão, ou seja, na filosofia Neotomista7, na
ação católica e na valorização de preceitos morais e doutrinários, ao
qual é a continuidade e persistência no tempo de um conjunto de idéias
constituídas da herança intelectual européia do século XIX, com a
manutenção da ordem capitalista. Sendo a organização da sociedade
vista como fruto de uma ordenação natural do mundo.
Assim a atuação do assistente social se legitimava através de
setores sociais que, dentro de uma estratégia de manutenção da ordem
vigente e da harmonia social, inscrevia a sua intervenção na perspectiva
do controle social e na difusão da ideologia dominante.
7
Movimento de retorno à filosofia tomista da Idade Média, filosofia do pensador italiano São Tomas
de Aquino, com o objetivo de resolver os problemas contemporâneos.
39
Entre as décadas de 40 e 50 o serviço social passa a obter um
caráter técnico-científico com a aproximação das ciências sociais e o
desenvolvimento das escolas e faculdades, especialmente com a
vertente empirista norte-americana. Apesar dessa mudança com o
aprofundamento técnico-científico, não ocorreram grandes mudanças na
atuação dos assistentes sociais, os quais continuaram a intervir de forma
pragmática e com ação educativa na vida do operário que se estende à
sua família como forma de prevenção dos problemas sociais.
No contexto do pós segunda guerra mundial o serviço social
brasileiro,
incorpora
o
trabalho
a
partir
de
uma
perspectiva
de
“comunidade” como projeto de intervenção. A solidariedade constituía-se
como principal elemento norteador das ações onde deveria ter uma
cooperação
mútua
entre
seus
integrantes
a
fim
de
que
as
potencialidades individuais pudessem ser colocadas a disposição do
coletivo.
Incorpora-se o principio da solidariedade como diretriz
ordenadora das relações sociais, em tensão com seus
fundamentos históricos concretos. As relações sociais
passam a ser vistas invertidamente: a coisificação alienadora
das relações que se estabelece no universo da mercadoria é
obscurecida, fazendo reaparecer, na base mesma da
sociedade, relações pessoais, solidárias, personalizadas.
(Iamamoto, 2002, 27)
A partir dos anos 40 a sociologia conservadora norte-americana
insere no serviço social brasileiro os métodos de caso, grupo e
comunidade – estas técnicas eram oriundas da psicologia e da
psiquiatria que visavam o controle social por meio de uma perspectiva
40
positivista/funcionalista8
–
e
futuramente
incorpora
a
noção
de
comunidade como forma de analisar a sociedade capitalista quando se
encontra estruturada nos parâmetros da racionalidade burguesa da
reprodução do capital. Ao mesmo tempo em que o Serviço Social parte
do principio da solidariedade como base ordenada das relações sociais e
do suporte técnico da noção de comunidade, agrega um novo elemento:
a filosofia social humanista cristã com fundamentos no reformismo
conservador e na base filosófica aristotélico-tomista.
Este arranjo teórico doutrinário operativo permite que a
profissão mantenha o seu caráter missionário, atualizando as
marcas de uma origem e atendendo concomitantemente, as
exigências de tecnificação que lhe impõe a modernização da
sociedade e do Estado. (Carvalho e Iamamoto, 2001:28)
Enquanto os procedimentos de intervenção do serviço social norteamericano, no que se refere ao trabalho com comunidade, passam ser
incorporado
ao
serviço
social
brasileiro,
são
progressivamente
racionalizados para um projeto profissional fundado no reformismo
conservador de base filosófica tomista. Sendo assim, os profissionais
atendiam as exigências de tecnificação, impostas pela modernização da
sociedade capitalista e do Estado, sem perder seu caráter missionário.
Com o aprofundamento corporativista do Estado e a política
econômica do país votada para a industrialização – chamada Era Vargas
– no final dos anos 30 e começo dos anos 40, há uma expansão das
8
A inserção do funcionalismo no Serviço Social significa a importância de técnicas que compõe a
metodologia norte-americana, evidenciando-se no pós Segunda Guerra Mundial e disseminação do
ideário capitalista pós Guerra Fria para os países Latinos Americanos
41
instituições assistenciais estatais, paraestatais e autarquias, como
exemplo: o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS-1938), a Legião
Brasileira
de
Assistência
(LBA-1942),
o
Serviço
Nacional
de
Aprendizagem (SENAI-1942) e o Serviço Social da Indústria (SESI1946). Essas instituições foram criadas a partir da necessidade do
Estado em controlar a classe trabalhadora, este passando a deter o
controle da regulamentação da força de trabalho e a política assistencial
proposta aos trabalhadores. Ao mesmo tempo em que isso acontece
essas instituições emergem como forma de dar ainda mais legitimação à
profissão de Serviço Social, representando uma ampliação no mercado
de trabalho da categoria tornando-a, institucionalizada pelo Estado e a
classe burguesa. Este processo consolida a profissionalização do
assistente social, que se torna categoria assalariada, e recruta seus
membros entre os setores médios. (Iamamoto, 2002:31)
No inicio da de 50, começa a surgir na profissão uma perspectiva de
analise da contradição existente entre os objetivos e as ações,
amparadas na recusa dos excessos de exploração do sistema capitalista
sobre a classe trabalhadora, ou seja, as ações profissionais negavam
essencialmente os princípios cristãos.
Neste sentido a profissão defendia a parceria do proletário com a
classe burguesa na perspectiva de cooperação já que ambos pertenciam
à mesma comunidade produtiva, surgia assim o discurso da “cooperação
mútua” estratégia que se articulava aos interesses da burguesia, pois era
42
forma como está disfarçava a exploração da mais-valia9. O Estado passa
então a ser um componente fundamental nesse processo, pois passa não
só a intervir na regulação da força de trabalho, mas também no controle
de uma política assistencial vinculada as representações de classe, que
nesse caso passa ser a da burguesia.
As instituições sócio-assistenciais surgem então no sentido de
atender as reivindicações dos proletariados, absorvendo as legislações
sociais e trabalhistas, mas como forma de impedir uma organização mais
especializada e uma consciência de classe.
Com isso amplia-se o mercado de trabalho do assistente social
tornando-se uma atividade legitimada e institucionalizada pelo Estado e
pelo conjunto da classe dominante. Embora não estivesse visivelmente
presente no seu discurso, a profissão servia aos interesses burgueses,
que buscaram o profissional do serviço social para atuar frente às
demandas da classe trabalhadora. Porém, o serviço social não era
requisitado pela clientela, mas era imposto aos usuários como obrigação
burocrática às suas aspirações, que eram, na verdade, os serviços
sociais prestados pelas instituições e a efetivação dos mesmos.
Para Iamamoto, o serviço social brasileiro deixa de ser um mero
distribuidor da caridade das classes dominantes para transformar-se
numa das engrenagens de execução das políticas sociais do Estado e
dos setores empresariais.
Nome dado por Karl Marx à diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao
trabalhador, que seria a base do lucro no sistema capitalista.
9
43
O casamento parecia perfeito, enquanto a classe trabalhadora
aparecia com um movimento de recusa ao serviço social, a burguesia
apoiava sua pratica, pois a partir da oferta de serviços e benefícios
assistenciais ocultava, ou melhor, mascarava a dimensão política das
expressões da questão social. O objetivo central da classe dominante,
segundo
Martinelli,
se
colocava
num
esforço
de
bloquear
do
desenvolvimento da consciência de classe do proletariado e sua
organização política.
Os assistentes sociais eram responsáveis pela operacionalização
dos serviços sociais prestados à população pelas instituições, e
tornavam-se os próprios representantes do Estado em contato com o
proletariado. Os profissionais tinham nas mãos um papel de extrema
importância, pois sustentavam a estratégia de controle social, difundindo
o modo capitalista de pensar. Para eles, essa aliança com o Estado e
com a Igreja, através de uma prática voltada aos interesses burgueses,
era uma forma de consolidar-se como grupo profissional.
O Desenvolvimento de Comunidade surge enquanto ideologia do
desenvolvimento e estratégia de superação do subdesenvolvimento,
difundida pelos organismos internacionais aprofundado com a criação da
ONU – Organização das Nações Unidas – em 1945, com uma visão de
que a sociedade é harmônica e equilibrada, e que todo desenvolvimento
depende apenas da união das forças da população e governo. No
44
governo de Juscelino Kubitschek10 (1956-60) no Brasil o centro da
política era o desenvolvimentismo, ou seja, a ordem e o crescimento
econômico se efetivaria pela exploração da mão de obra, e o Serviço
Social, que nesse período sofre grande influência norte-americana, adota
o DC como proposta oficial a qual constitui-se num instrumento
ideológico
de
interação
da
população
pobre
aos
projetos
de
desenvolvimento.
A intervenção do Assistente Social no mercado de trabalho sofre
alterações, pois passa do trabalho com pequenos segmentos da
população em geral para amplos setores do proletariado. Esse processo
faz com que a profissão se consolide e se torne uma categoria
assalariada. “Em suma, o Serviço Social deixa de ser um instrumento de
distribuição da caridade privada das classes dominantes, para se
transformar, prioritariamente, em uma das engrenagens de execução da
política social do Estado e de setores empresariais”. (Carvalho e
Iamamoto, 2001, 32)
Em 1947, ocorre a realização do I Congresso Brasileiro de Serviço
Social, o qual marca o início de uma tendência de valorização da
categoria, apresentada nos diversos discursos, debates e polêmicas
pelos profissionais.
A leitura dos Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de
Serviço Social mostra a ausência de uma temática central.
O mandato presidencial de Juscelino Kubitschek de Oliveira é comumente conhecido pelo epíteto
de ''anos dourados'', visto ao grande processo de industrialização que o país passou, bem como da
estabilidade política.
10
45
As preocupações do reduzido meio profissional existentes
nesse momento se voltam para um sem-número de frentes
[...] As teses apresentadas referem-se a uma longa listagem
de temas de difícil sistematização. (Carvalho e Iamamoto,
2001, 331)
À medida que há o desenvolvimento do país, o Serviço Social busca
uma nova identificação com a conjuntura e as demandas sociais, pois
existe uma crescente ampliação de profissionais e multiplicação das
Escolas especializadas.
No processo de modernização vivenciado pelo Estado nesse
período, o qual tem seu complemento no período da ditadura militar,
constatamos o aprofundamento do capitalismo no Brasil, influenciando
diretamente
e
profundamente
o
modo
de
vida
da
população,
especialmente da classe trabalhadora. O surgimento das grandes
instituições assistenciais e previdenciárias colocaram-se como resposta
do Estado passa a intervir no processo de reprodução das relações
sociais, assumindo um papel regulador e promotor tanto da acumulação
capitalista como do atendimento das necessidades sociais da população
mais pauperizada.
A política assistencial passa a ser controlada também pelo Estado,
visto que este já detinha a regulação da força de trabalho, vinculada às
organizações representativas das classes produtoras.
Com isso o número de profissionais para a demanda, a qual
aumenta significativamente, nas instituições sócio-assistenciais era
escasso já que ocorria nesse período um declínio da militância católica
na centralidade da profissão, passando a classe média ser celeiro
46
desses profissionais. A grande diferença dos profissionais oriundos da
classe média era que estes não possuíam aspirações religiosas, mas
fundamentalmente
buscavam
qualificação
profissional,
ascensão
e
melhores salários. Essa condição de assalariamento tem conseqüências
fundamentais, que segundo Netto (1992), favorecem o entendimento
posterior que este sujeito se reconheça enquanto membro da classe
trabalhadora, provocando um avanço na construção da categoria
profissional.
Observamos nesse período uma mudança no perfil das pessoas que
ingressam no processo de formação profissional, o surgimento das
instituições
representa
a
ampliação
no
mercado
de
trabalho
do
profissional.
Se o caráter de missão de apostolado social e a origem de
classe dos ‘pioneiros’ conferiam legitimidade à intervenção
do profissional, agora essa legitimidade à intervenção do
profissional, agora essa legitimidade será derivada do
mandato institucional, confiado ao assistente social, direta
ou indiretamente, pelo Estado. (Iamamoto, 2002, 31)
A profissão amplia a sua área de atuação e alarga as bases sociais
de seu processo de formação, mesmo com a mudança no processo de
institucionalização e demanda o serviço social brasileiro ainda iria
manter as características da prática e do pensamento conservador que o
acompanha deste a sua origem.
Sendo
assim,
gradativamente
o
Estado
vai
demandando
a
profissionalização do assistente social e ampliando seu campo de
47
trabalho em função das novas formas de enfrentamento da questão
social. A política social apresentadas por um Estado com forte
característica paternalista e ao mesmo tempo repressiva interferiria no
desempenho
profissional
dos
assistentes
sociais
no
sentido
da
fragmentação, assumindo um caráter pontual e localizado, pois aquelas
são concebidas, segundo Yasbek (2009), setorialmente como se o social
fosse à simples somatória de setores da visa sem articulação, numa
apreensão particularizada da realidade social. Com a adoção das
políticas sociais, como estratégia de enfrentamento da questão social, o
perfil do público-alvo da profissão de serviço social se amplia e passa a
atingir grandes parcelas de trabalhadores.
As diferentes conjunturas históricas e suas correlações de forças
sociais evidenciam o papel normatizador e regulador do Estado no
campo social e consequentemente na atuação do profissional de serviço
social, gestando as condições necessárias para que no processo de
divisão social do trabalho.
A atuação do serviço social está sempre referida aos processos de
criação das condições fundamentais para a reprodução social da vida,
assim está atuação profissional na divisão social do trabalho se modifica
e sofre redefinições com as mudanças e os contornos da questão social.
Todavia a constituição e institucionalização do serviço social
como profissão na sociedade depende, ao contrário, de uma
progressiva ação do Estado na regulação da vida social,
quando passa a administrar e gerir o conflito de classe, o
que pressupõe, na sociedade brasileira, a relação
capital/trabalho constituída por meio do processo de
industrialização e urbanização. (Iamamoto, 2003, 23)
48
Embora o serviço social seja uma profissão reconhecidamente
liberal no Brasil, o assistente social não tem essa tradição na sociedade
brasileira. Este é um trabalhador que vende a sua força de trabalho que
é a capacidade de decifrar a realidade posta, responsável pela execução
das políticas sociais, mas não dispõe do controle das condições
materiais, organizacionais e técnicas para o desenvolvimento do seu
trabalho.
Os anos 60 marcaram o inicio de mudanças significativas no serviço
social
brasileiro,
aprofundamento
o
do
país
estava
debate
político
vivendo
na
uma
conjuntura
sociedade
mediante
de
o
agravamento da questão social e dos níveis de empobrecimento da
população trabalhadora, contratando com os elevados índices de
crescimento econômico verificados no final dos anos 50.
O
marco
oficial
desenvolvimentista
e
da
a
inserção
adoção
do
da
profissão
DC
–
no
projeto
de
Desenvolvimento
de
Comunidade – é o II Congresso Brasileiro de Serviço Social, realizado no
Rio de Janeiro, colocando a profissão numa perspectiva modernizadora
frente às novas demandas do Estado e dos setores dominantes.
Os Assistentes Sociais se propõe a aceitar o desafio de sua
participação no novo projeto desenvolvimentista, exigem
posições e funções, e avaliam as formas para preparar-se
para desempenhá-las a contento. Propõem-se, através do
DOC e DC, a contribuir para o processo de mudança exigido
pelo desenvolvimento. Propõem-se a participar num
processo de mudanças estruturais que tem em vista integrar
amplas
parcelas
da
população,
que
subsistem
49
marginalizadas do progresso. (Carvalho e Iamamoto, 2001,
353)
Esse período é marcado também pelo crescimento das classes
populares organizadas, no campo com as Ligas Camponesas e o
sindicalismo rural e na cidade com o Movimento de Educação de Base
(MEB) e os Centros de Cultura Popular. Esse movimento político-cultural
reúne profissionais, intelectuais e trabalhadores em torno da luta antiimperalista e pela defesa de um projeto nacional-desenvolvimentista.
Influenciado pela conjuntura o serviço social inicia criticas às
praticas
tradicionais,
assistencialistas
desenvolvidas
no
país.
Na
categoria começa a despertar a necessidade de mudança e de dar
respostas às demandas macrossocietárias. Esse processo é marcado
pela experiência de um grupo de assistentes sociais ligadas à igreja
católica e aos projetos de educação de base e de organização popular
em comunidades urbanas e rurais.
1.2. Processo de renovação do serviço social
Observamos que a partir da segunda metade da década de
cinqüenta, configura-se dentro do serviço social posicionamentos que
questionam as bases tradicionais do exercício profissional, fazendo
emergir
incisivas
criticas
ao
que
se
denominou
“serviço
social
tradicional”, com suas praticas empiristas, reiterativas, paliativas e
burocratizadas orientadas por uma ética liberal-burguesa, que visava
enfrentar
as
incidências
psicossociais
da
“questão
social”
sobre
indivíduos e grupos sociais, sob um víeis funcionalista, voltada para a
50
reprodução dos interesses da classe dominante. De acordo com Netto a
renovação implica a construção de um pluralismo profissional, o qual dá
base a prática e valida teoricamente a profissão bem como seus
procedimentos.
A partir do golpe militar de 64, o Brasil impõe uma nova ordem
político institucional apoiada no fortalecimento do Estado, voltado
estrategicamente
para
a
consolidação
da
chamada
modernização
conservadora, ou seja, modernizar e ampliar as funções econômicas,
sociais, políticas e culturais com uma orientação clara de integrar a
economia
brasileira
aos
padrões
internacionais
exigidos
pelos
mecanismos de controle econômico.
Para tanto, o Estado restringiu com autoritarismo e repressão os
espaços da sociedade civil, desarticulando as instituições políticas
existentes, os movimentos do campo, da cidade e as lideranças das
forças populares de esquerda.
Nesse contexto, a questão social passa ser tratada a partir do
binômio repressão/assistência e um leque de políticas sociais e
assistenciais é implantado pelo Estado de forma centralizada, autoritária
e burocrática.
Nessa conjuntura no serviço social há uma forte expansão do
espaço sócio-ocupacional e das instituições de ensino superior, como
também a adequação da profissão as demandas impostas pelo regime
ditatorial, cujo modelo econômico elevou, de forma gigantesca, os
51
índices de empobrecimento, deteriorando ainda mais as condições de
vida e de trabalho da população.
Esse período traz posicionamento no serviço social que buscava
aperfeiçoar o instrumental operativo com novas técnicas de ação na
busca de padrões de eficiência, na sofisticação dos modelos de analises,
diagnósticos e planejamento.
Diante do clima repressivo e autoritário, fruto das mudanças
políticas da década de 60, os Assistentes Sociais refugiamse, cada vez mais, em uma discussão dos elementos que
supostamente conferem um perfil peculiar à profissão:
objeto, objetivos, métodos e procedimentos de intervenção
enfatizando a metodologia profissional. (Iamamoto, 2002, 33)
Observamos
neste
período
uma
forte
tendência,
em
alguns
segmentos específicos da profissão, a psicologização das relações
sociais, ou seja, os problemas de ordem pessoal e funcional passariam a
ser tratados através do dialogo, dando prioridade às necessidades e
problemas de ordem subjetiva.
Alguns elementos marcam profundamente a pratica profissional
nesse processo de atualização da herança conservadora. O primeiro
refere-se à economia política que tem a tendência de transformar-se em
problemas assistenciais, mudando o enfoque das conquistas sociais do
proletariado em concessões de benefícios. E segundo acentua-se os
mecanismos que dificultam uma compreensão mais clarificada da
apreensão dos verdadeiros efeitos da ação do assistente social.
52
Nesta perspectiva, a resolução da “crise da profissão” reduzse, constantemente, a um maior aperfeiçoamento técnicoinstrumental; vincula-se ao reconhecimento, pelas instancias
responsáveis pela elaboração e implementação das políticas
sociais, das potencialidades daquele instrumental, para atuar
sobre a “questão social”. (Iamamoto, 2002, 35)
Segundo Netto, essa alteração da discussão teórica da profissão
encontra seu foco nos setores organizados da profissão onde o debate
torna-se palco privilegiado, destacamos a ABESS11 e o CBCISS12.
O processo de renovação altera substantivamente as instancias de
fomento da categoria, no que diz respeito às discussões, pois esses
espaços tornam-se palco de aprofundamento das temáticas tratadas com
um elevado grau de aprofundamento e problematização. Segundo Netto,
esses espaços deixaram de serem somente encontros com tom de
narcisismo profissional e se consagraram por se configurar em territórios
de polêmicas da categoria.
As instancias de organização da categoria tem seu perfil também
modificado, pois se vêem obrigadas a incorporar nas discussões não
mais
questões
coorporativas
mais
agregar
discussões
de
outras
naturezas relevantes ao momento.
Netto aponta quatro aspectos que contribuíram para o processo de
renovação do serviço social:
A ABESS realiza periodicamente convenções nacionais desde de 1951.
O CBCSIS tem destaque nos seminários de Araxá, Teresópolis, Sumaré e Alto da Boa Vista e foi
responsável pelo periódico Debates Sociais o qual se constituiu num significativo núcleo de difusão
editorial da profissão.
11
12
53
a) instauração do pluralismo teórico, ideológico e político no marco
profissional, deslocando uma sólida tradição de monolitismo ideal;
b)
a
crescente
diferenciação
das
concepções
profissionais
(natureza, funções, objeto, objetivos e praticas do Serviço Social),
derivada de recurso diversificado
a matrizes teórico-metodológicas
alternativas, rompendo com o viés de que a profissionalidade implicaria
uma homogeneidade (identidade) de visões e de práticas;
c) a sintonia da polemica teórico-metodológica profissional com as
discussões em curso do conjunto das ciências sociais, inserindo o
Serviço Social na interlocução acadêmica e cultural contemporânea
posta por funções meramente executivas;
d) a constituição de segmento de vanguarda, sobretudo, mas não
exclusivamente
inseridos
na
vida
acadêmica,
voltados
para
a
investigação e a pesquisa. (Netto, 2001, 135-136)
O
serviço
social
tem
a
necessidade
de
apresenta-se
como
alternativa confiável para o enfrentamento da questão social, legitimando
e ampliando sua intervenção frente às instancias empregadoras e
conseqüentemente à população.
1.3. Significado social da profissão
Segundo
Yasbek,
a
compreensão
do
serviço
social
no
processo de reprodução das relações sociais só pode ser desvendada
através da analise no interior da profissão, ultrapassando a analise do
54
serviço social em si mesmo e passá-lo a situar no contexto de relações
sociais mais amplas da sociedade capitalista.
Então, um conceito fundamental para a compreensão da
profissão na sociedade capitalista é o conceito da
reprodução social que, na tradição marxista se refere ao
modo como são produzidos e reproduzidos as relações
sociais nesta sociedade. (Yasbek, 2009, 127)
A reprodução das relações sociais passa pelo entendimento de
totalidade da vida social em reprodução, ou seja, além da reprodução da
vida material e do modo de produção, está também incluída a
reprodução da vida social e das formas de consciência social da qual o
homem constrói ou toma posição ao longo da sua vida em sociedade.
Partindo do pressuposto de que a sociedade na qual estamos
inseridos
é
dividida
em
classes
com
interesses
antagônicos,
independente das elaborações ideológicas, pois dada a apropriação
privada dos meios de produção, a riqueza produzida é monopolizada por
uma parte da sociedade – a classe dos capitalistas.
A reprodução desigual de acumulação, que é socialmente produzida,
necessita da recriação e ampliação das classes e uma fundamental
nesse processo é a dos trabalhadores e o aumento do poder da classe
capitalista, portanto ocasionando uma ampliação da pobreza para a
classe dominante, expressando assim a luta travada entre as classes.
A forma como o serviço social está inserido na sociedade está
fundamentada na concepção de reprodução social num processo de
totalidade das relações sociais, ou seja, de uma totalidade em
55
permanente movimento o qual cria as e recria os conflitos resultantes
dessa relação.
O serviço social participa do processo de reprodução dos interesses
de preservação do capital, assim como é demandado para responder as
necessidades de sobrevivência dos que vivem do trabalho.
A analise do serviço social a partir dessa perspectiva nos permite
apreender as implicações políticas do exercício profissional desenvolvido
no contexto das relações entre as classes, ou seja, compreender que a
pratica profissional é necessariamente polarizada pelos interesses das
classes sociais. Como também nos permite apreender as dimensões
objetivas e subjetivas do trabalho do assistente social, as quais de
acordo com Yasbek, as objetivas se apresentam no sentido de
considerar os determinantes sócio-históricos do serviço social ao passo
que as dimensões subjetivas se apresentam no sentido de identificar a
forma como o assistente social incorpora em sua consciência o
significado do seu trabalho e a direção social do seu exercício
profissional.
A influência neotomista e positivista nos pressupostos do serviço
social ocultaram o elemento fundante da questão social e reproduziram
um profissional inserido num processo de moralização13 da questão
social.
Na
trajetória
do
trato
da
questão
social
observamos
a
naturalização da questão social em que os problemas sociais são vistos
como algo natural do sujeito e como natural no processo de sociabilidade
13
Explica os fatos exclusivamente por seus aspectos morais. A moralização trata a questão social de
forma a-histórica, acrítica, e apolítica.
56
moderna, como característica imanente de todo e qualquer processo de
civilidade; há também a psicologização da questão social na qual os
problemas sociais derivam de funções psicológicas. Essas formas de
enxergar as expressões da questão social individualizam o sujeito,
descaracterizando a questão social do seu caráter histórico vinculado à
dinâmica da ordem burguesa.
Esses
elementos que
em determinado
momento
passam
ser
indicadores da intervenção da profissional dos assistentes sociais –
naturalização, psicologização e a moralização – requer um profissional
especifico, que desenvolve uma pratica particular e ocupa papel e função
específicos, na ordem burguesa, ou seja, o da reprodução material e
ideológica da classe trabalhadora.
A base de intervenção do serviço social, deste a sua gênese como
profissão é a questão social. O significado social se dá na vinculação
concreta que a profissão vai ter na sociedade capitalista, ou seja, na
contradição de quem paga e quem demanda seus serviços.
Essa contradição não se revela de imediato como parte integrante
da organização da profissão, mas é compreendida e adquire sentido no
espaço das relações sociais concretas da sociedade da qual faz parte.
O assistente social atua no campo da mediação, no espaço de
convergência e de contradições, que é a própria sociedade. Esse caráter
contraditório do exercício profissional é configurado pelo campo dos
interesses
antagônicos
entre
as
classes.
Romper
com
o
57
pragmatismo/fatalismo14 –
visão
determinista
da
sociedade
–
ou
messianismo/voluntarismo15 – visão heróica da profissão – é entender
esse caráter contraditório, pois esse tipo de olhar são distorções dos
processos sociais e que não reconhece a realidade do mercado de
trabalho.
A profissão de serviço social também precisa ser analisada sob dois
ângulos os quais são indissociáveis, por um lado as respostas dos
assistentes
sociais
as
demandas
que
são
postas
no
cotidiano
profissional, por outro lado as condições societárias que estabelecem o
terreno sócio-histórico onde se realiza a profissão, remetendo as
dimensões objetivas e subjetivas anteriormente explicitadas.
Essas dimensões da atividade profissional, como atividade vivida e
representada pela consciência do profissional de serviço social e
também como atividade socialmente determinada, apresentam-se de
forma contraditórias. A dimensão objetiva é contraditória visto que
estamos numa sociedade capitalista, pois o profissional encontrará
limites dentro da conjuntura social e histórica, mas, contudo buscando
possibilidades
de
apresentar,
criticamente,
as
alternativas
e
possibilidades.
14
Constitui uma escola de filosofia, com origens nos Estados Unidos da América, caracterizada pela
descrença no fatalismo e pela certeza de que só a ação humana, movida pela inteligência e pela
energia, pode alterar os limites da condição humana. Este paradigma filosófico caracteriza-se, pois,
pela ênfase dada às consequências - utilidade e sentido prático - como componentes vitais da
verdade. Fonte: Wikipédia
15
Caracteriza movimentos ou atitudes movidas por um sentimento de "eleição" ou "chamado" para o
cumprimento de uma tarefa "sagrada". Fonte: Wikipédia
58
O
significado
social
da
profissão
está
em
responder
as
determinações históricas e sociais, para isto acontecer a profissão
precisa estar inserida na própria sociedade criando e recriando essas
determinações históricas e sociais. A profissão de serviço social situa-se
no contexto das relações sociais e necessariamente precisa ultrapassar
a situação de “em si mesmo”.
Para Iamamoto e Carvalho (2000) para compreender o serviço social
precisamos considerar as condições e relações sociais que nos permitam
apreender o significado social da sociedade capitalista, pois a profissão
está situada como um dos elementos que participa da reprodução e das
relações de classe, sem localizá-la de forma focalizada, a-critíca e a ahistórica.
Para Montaño há a necessidade de se compreender a gênese do
serviço social a partir de duas teses as quais nos permite refletir sobre
as abordagens utilizadas pelos assistentes sociais e suas perspectivas
de
superação
frente
aos
rebatimentos
impostos
pela
sociedade
capitalista.
Os assistentes sociais, em diversas oportunidades, se
“debatem” em torno de duas concepções, duas teses sobre a
natureza e o processo da gênese do Serviço Social. Agora
bem, tais concepções, que podemos com relativa
generalização agrupar em suas perspectivas, se comportam
como verdadeiras teses. Elas contêm um arsenal heurístico
teórico-metodológico que extrapola a mera consideração
sobre a gênese do Serviço Social. (Montaño, 2007, 07)
59
A natureza do serviço social, segundo Montaño, apresenta
duas teses, antes já referenciadas como distintas e antagônicas. A
primeira tese refere-se à perspectiva endógena a qual sustenta que a
origem do serviço social advém de um processo de evolução e
profissionalização das antigas formas de ajuda e da caridade. Os
teóricos que defendem esta tese apresentam a idéia do serviço social
tradicional, ou seja, uma profissionalização e sistematização da caridade
e da filantropia. Essa tese aborda e entenda a profissão como sendo
vista a partir de si mesma, ganhando autonomia histórica perante a
sociedade,
as
classes
e
as
lutas
sociais,
defende
uma
visão
particularista ou focalista, pois compreende o surgimento do serviço
social atrelado as atividades e ações de sujeitos particulares, como
sendo resultado pessoal e a historia da sociedade entendida apenas
como sendo uma crônica paralela ao desenvolvimento da profissão sem
rebatimentos a esta. A segunda tese refere-se a perspectiva históricocritica a qual entende a profissão como resultado da síntese histórica
dos projetos políticos-ecônomicos, inseridos no contexto capitalista
monopolista, reproduzindo-o de maneira material e ideologicamente, no
qual o Estado toma para si a responsabilidade da precariedade do
sistema materializado na questão social. Enquanto a primeira aceita e
defende a continuidade existente entre Serviço Social atual e formas
anteriores de ajuda, filantropia e até caridade; a segunda percebe e
defende que houve, de verdade, uma ruptura na essência funcional do
Serviço Social.
60
1.4. Intenção de ruptura: protagonismos do serviço social crítico
A proposta de renovação do serviço social nesse momento seria
uma ruptura com as tradições e as demandas sociais através de um
melhoramento
em
suas
técnicas
e
teorias
–
Movimento
de
Reconceituação, que tem como base à pretensão de romper com a
herança teórico-metodológico do pensamento conservador.
Nos
seminários
de
Araxá
(1967)
e
Teresópolis
(1970),
os
profissionais têm a oportunidade de discutirem essa proposta, com tudo
devido à conjuntura vivenciada na década de 60 – repressões ao
pensamento intelectual, entre outros tipos de privação de expressão
política, cultural e ideológica – restando assim, fazer um aprofundamento
tão somente das técnicas.
Na tentativa de retomar uma postura critica e romper com o
conservadorismo do serviço social faz uma emersão no movimento de
“renovação do conservadorismo”, o qual embora questione e se opunha
ao
serviço
social
conservadorismo.
tradicional
Surgem
assim
não
dois
consegue
processos
romper
com
o
antagônicos
e
fundamentais para a concepção do que hoje temos como relação ao
serviço social: a “reatualização do conservadorismo” e a “intenção de
ruptura”.
A
“reatualização
do
conservadorismo”
apresenta-se
com
um
discurso teórico, adotando a fenomenologia como diretriz teóricometodológica.
61
A
intenção
de
ruptura
do
Serviço
Social
com
a
herança
conservadora passa pela adoção de novas bases de legitimidade de
ação profissional do Assistente Social que a partir de um conhecimento
mais profundo da realidade dos usuários busca colocar-se de forma
objetiva para o atendimento de suas necessidades. No inicio dos anos
70, a Escola de Serviço Social de Minas Gerais faz experiências e
formulações efetivas para o rompimento da herança conservadora, essa
tentativa recebeu o nome de Método de BH.
Nos Seminários de Sumaré (1978) e Alto da Boa Vista (1984) há
uma tendência a uma postura fenomenológica, “embora a crítica
fenomenológica dos aspectos da sociologia convencional tenha sido
importante, a tendência a considerá-la como uma forma alternativa de
sociologia foi contraproducente em detrimento de qualquer exame da
realidade social, estrutura social ou das conseqüências da ação”. (Smart
apud Netto 1990:210)
Nos anos 80 a linha metodológica apontada nos ensinamentos
teórico-metodológicos tem suas bases no pensamento marxista com uma
abordagem na lógica de reprodução das relações sociais. Uma das
sistematizadoras dessa nova linguagem e interpretação para o Serviço
Social
é
Marilda
Iamamoto,
com
seus
ensaios
de
interpretação
sociológica da profissão.
O serviço social inicia a gestão de projeto profissional comprometido
com os direitos humanos e sociais, com a ampliação da democracia
social e econômica, com a qualificação das políticas publicas e a
construção da cidadania para todos. A década de 80 consolidou no plano
62
ideopolítico o rompimento com o histórico conservador no serviço social.
O posicionamento ideopolítico modificou a qualidade de atuação do
assistente social no atendimento direto com o usuário, a forma de como
elaborar e executar as políticas sociais nas respostas cotidianas aos
“problemas sociais”. A intenção de ruptura surgiu como resposta a crise
estrutural do serviço social, como uma renovação da profissão sobre os
parâmetros ideológicos, na tarefa histórica de vinculação com a classe
trabalhadora
construindo
um
exercício
profissional
democrático
à
hegemonia dessa classe social na totalidade da vida humana.
O desafio consiste na lucidez de analisar os limites do serviço social
perante o projeto de vida abrangente e universal em seus atributos e
demandas sociais de liberdade humana. Precisamos primeiramente
compreender os “problemas sociais” num contexto histórico e cultural do
sistema, segundo estes enquanto resultados das relações tensas e
antagônicas das classes sociais, quer sejam a classe trabalhadora e a
classe burguesa, compreender o usuário como sujeito histórico, como
parte de construção da sociabilidade humana e por fim compreender o
serviço social como mediação necessária nesse processo histórico de
transformação social.
Enfim, o processo de ruptura da profissão serviu para enriquecer o
debate profissional, dar ritmo e significação ao Serviço Social, inspiração
ao pensamento marxista, abertura e ampliação de horizonte ideoculturais
e deu ao profissional um posicionamento critico a respeito da conjuntura
resultando assim num confronto as idéias e concepções antes não
registradas.
63
1.5. Contemporaneidade do Serviço Social
As questões que se colocam na contemporaneidade para o serviço
social brasileiro são múltiplas, particularmente as décadas de 80 e 90 e
os
primeiros
anos
do
século
XXI,
sem
deixar
de
recorrer
aos
fundamentos que legitimam a profissão e a criação de espaços sóciohistóricos configuradas na emersão do mercado de trabalho.
Segundo Iamamoto:
Um dos maiores desafios que o assistente social vive no
presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a
realidade e construir propostas de trabalho criativas e
capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de
demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um
profissional propositivo e não só executivo.
A autora aponta ainda a emergência de romper com uma visão
endógena, ou seja, uma visão para dentro dos muros da profissão há
necessidade de extrapolar suas relações com a sociedade, com os
movimentos sociais de classes e com o Estado, assumindo uma postura
mais propositiva e não somente de um mero executor terminal de
políticas sociais, o mercado demanda um profissional que trabalhe na
esfera da execução, formulação e gestão das políticas sociais.
Identificar
as
particularidades
do
fazer
profissional
com
as
demandas estabelecidas no cotidiano requer do assistente social
competência e qualificação para o exercício profissional. O protagonismo
64
do sujeito profissional está em requerer da realidade tendências e
possibilidades que estabeleçam ações efetivas no cotidiano profissional.
Estamos aqui falando de uma competência crítica, ou seja, aquela
capaz de desnudar a realidade tendo como base uma visão totalitária da
mesma, articulando com o acumulo teórico adquirido e as estratégias de
ações. Competência critica requer ainda um diálogo crítico com as bases
históricas
da
profissão
e
um
profissional
atento
culturalmente e
politicamente com a conjuntura do seu tempo, buscando ações e
estratégias presentes na realidade.
Precisamos ultrapassar a analise do serviço social em si mesmo e
passá-lo a situá-lo no contexto das relações sociais estabelecidas pelo
sistema capitalista. Relações estas que são manifestadas em suas
muitas dimensões e que tem como frente à questão social e suas
múltiplas manifestações na vida da sociedade, demandado resposta ao
assistente social na perspectiva de contribuir para a reprodução social.
Entendemos a reprodução social como a reprodução de um determinado
modo de vida, de valores, e práticas culturais e políticas e do modo
como se produzem as idéias na sociedade.
O processo de reprodução da sociedade estabelece um movimento
que cria e recria nas sociedades de classes conflitos os quais
fundamentam o serviço social como profissão inserida na sociedade.
A pratica profissional do assistente social é polarizada pela relação
entre as classes sociais, constituindo-se uma ação contraditória entre as
intenções profissionais e os resultados produzidos.
65
A dimensão objetiva do trabalho do assistente social está ancorada
nos
determinantes
sócio-históricos
do
exercício
profissional
nas
diferentes conjunturas. Enquanto que a dimensão subjetiva na forma
como o assistente social incorpora em sua consciência a direção social
do seu fazer profissional. O serviço social participa tanto no que
concerne nas respostas às necessidades da população atendida, quanto
no processo de reprodução dos interesses e preservação do capital.
Para tanto, o serviço social é uma profissão inserida na divisão
social e técnica do trabalho, pois a sua atuação ocorre no âmbito das
políticas socioassistenciais quer seja na esfera privada e publica, esta
ultima sendo o maior empregador desse profissional. O assistente social
que tem a questão social como objeto de trabalho, com suas diversas
expressões. Para Netto (1992) o serviço social não pode esgotar sua
ação somente na execução terminal das políticas, mas fazer a reflexão
da questão social ampliando sua atuação para a reflexão da questão
social e dos rebatimentos do sistema capitalista perante a população
atendida.
A atuação do assistente social realiza-se em organizações públicas
e privadas e em diferentes áreas e temáticas, como: proteção social,
educação, programas socioeducativos e de comunidade, habitação,
gestão de pessoas, segurança pública, justiça e direitos humanos,
gerenciamento
participativo,
direitos
sociais,
movimentos
sociais,
comunicação, responsabilidade social, marketing social, meio ambiente,
assessoria e consultoria, que variam de acordo com o lugar que o
66
profissional
ocupa
no
mercado
de
trabalho,
exigindo
deste
um
conhecimento teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo.
Se as políticas sociais como observa Montaño (1997:117) se
constituem
em
fator
de
sustentação
funcional
ocupacional
dos
assistentes sociais (sua funcionalidade, sua instrumentalidade, sua
legitimidade) se estas foram significativamente alteradas no atual
contexto sócio-econômico e político (suas orientações e funcionalidade)
podemos, pois, afirmar que a base de sustentação funcional-ocupacional
do Serviço Social tem sofrido (ou ainda estão sofrendo) transformações
relevantes.
Com base nestas observações é importante destacar que apesar do
maior empregador ainda ser o Estado, também existe una tendência de
abertura para novos postos de trabalho em outras esferas, como nas
Organizações Não Governamentais, ampliação das consultorias devido a
terceirização dos serviços, e nos serviços privados de saúde entre
outros.
Como afirma Netto (1996: 89) as profissões não são só os
resultados de processos macroscópicos devem também ser tratadas,
cada qual como corpus teórico e políticos que condensam projetos
sociais, onde emanam dimensões ideológicas que dão a direção aos
mesmos processos sociais.
67
CAPITULO II
68
2. Projeto Profissional e Projetos Societários
A legitimidade de qualquer profissão advém do movimento da
sociedade,
sua
regulamentação
e
afirmação
pratica
fundada
na
organização política, demarcada pelo interesse coletivo da categoria
para a valorização de sua identidade. Portanto é possível apreender de
que
a
origem
transformações
de
e
determinada
fenômenos
que
profissão
se
advém
expandem
e
das
próprias
requisitam
a
mobilização material ou imaterial 16 para tratar seus significados.
A regulamentação formal da profissão passa a orientar um projeto
profissional coletivo, pois a profissionalização, a busca do conhecimento
inerente aos seus agentes passa a informar a legitimidade de base
teórica e cientifica seguida da institucionalização jurídica.
Para Netto, os projetos profissionais apresentam a auto-imagem da
profissão e que é substanciada por um projeto profissional de caráter
coletivo o qual institui as bases para carrear os princípios e valores
consoantes à formação e o trabalho profissional do assistente social e ao
mesmo tempo faz uma interlocução com os projetos societários e sua
legitimidade enquanto profissão na sociedade.
16
O trabalho imaterial em Marx é definido em contraposição ao trabalho produtivo. Trabalhos que
não formam valor, mas que fazem o valor se movimentar com mais rapidez, que dão maior dinâmica
ao processo de valorização. São atividades vinculadas, em sua maioria, aos serviços e dentro
desses à utilização da capacidade intelectual do coletivo de trabalhadores. Trata-se de um conceito
figurativo, metafórico que Marx usou em determinados momentos de sua análise do capitalismo para
ilustrar relações mercadológicas de transição (entre a produção e a circulação) que não
compreenderiam particularmente o “espírito do capitalismo”, mas que, nem por isso, deixariam de ser
controladas pelas relações sociais fundamentais que as orientam na direção da extração de maisvalia. (Henrique Amorim)
69
Os projetos profissionais caracterizam-se por se desenvolverem
ligados a projetos coletivos societários, bem como por uma construção
de caráter heterogêneo e passiveis de mudanças de acordo com o
movimento da sociedade.
As bases de um projeto profissional se articulam a um processo de
estrutura ou de reestrutura das bases de acumulação capitalista e
interesses da classe dominante em detrimento dos trabalhadores. Os
projetos apresentam a imagem da sociedade a ser construída, que
reclama determinados valores, privilegiando certos modos de vida e
meios (materiais e culturais) para concretizá-la.
Os projetos societários são projetos coletivos, mas o seu
traço peculiar reside no fato de se constituírem projetos
macroscópicos em propostas para o conjunto da sociedade.
Só eles apresentam essa característica, os projetos coletivos
(por exemplo, os projetos profissionais) não têm esse nível
de abrangência e inclusividade. (Netto 1999, 94)
Ou seja, na história dos últimos dois séculos da humanidade o
projeto societário vigente obedece à ordem do modo de produção
capitalista, o qual apesar de alguns avanços por parte da classe
trabalhadora no sentido de conquistas sofre ainda muitas derrotas na
luta pela emancipação humana.
Os projetos societários, em nossa sociedade, são também projetos
de classes, apesar das transformações em curso da ordem capitalista ter
reduzido o peso das classes sociais e seu antagonismo na demanda da
sociedade.
Por
isso
é
que
os
projetos
societários
requerem
70
necessariamente uma dimensão política que envolve relações de poder.
Como afirma Marx e Engels “A história de todas as sociedades até
nossos dias tem sido a história das lutas de classes”, ou seja, os
projetos societários encontram-se em disputa entre as classes com
interesses antagônicos.
A compreensão é de que a concorrência entre projetos societários é
um fenômeno próprio da democracia política. Em um contexto de estado
de exceção17 é comum que a vontade da classe social que exerce o
poder político prevaleça para a implementação do seu projeto societário
valendo-se de mecanismos e dispositivos coercitivos e repressivos.
Apenas com a garantia da liberdade política e individual e ideológica é
que os projetos podem se confrontar e buscar a adesão da sociedade.
Entretanto a história tem demonstrado que mesmo num quadro de
democracia e liberdade, as razões econômicas, sociais e culturais se
sobrepõem a projetos de interesses da classe trabalhadora, pois estes
sempre se encontram em condições desfavoráveis para enfrentar os
projetos da classe dominante, ou seja, temos visto ao logo da história
que os projetos societários vinculados a classe trabalhadora e subalterna
não competem de igual modo como os projetos correspondentes aos da
classe dominante, apesar de termos um quadro de democracia política,
17
Estado de exceção é uma situação oposta ao Estado de direito, decretada pelas autoridades em
situações de emergência nacional, como agressão efetiva por forças estrangeiras, grave ameaça à
ordem constitucional democrática ou calamidade pública. Caracteriza-se pela suspensão temporária
de direitos e garantias constitucionais, que proporcionam a necessária eficiência na tomada de
decisões para casos de proteção do Estado, já que a rapidez no processo de decidir as medidas a
serem tomadas é essencial em situações emergenciais e, nesse sentido, nos regimes de governo
democráticos - nos quais o poder é dividido e as decisões dependem da aprovação de uma
pluralidade
de
agentes
a
agilidade
decisória
fica
comprometida.
Em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_de_exce%C3%A7%C3%A3o
71
mas na ordem do capital as razões econômicas, sociais, políticas e
culturais sobrepõe qualquer intenção de interlocução de projetos.
A crise econômica dos anos 80 apresentou-se como pano de fundo
conjuntural para a estagnação da economia e o declínio da ditadura nos
países da América Latina. Contraditoriamente está crise proporciona o
fortalecimento dos movimentos populares, sociais e do novo sindicalismo
apontado por Abramides (2007), com aqueles que se contrapuseram à
velha estrutura sindical, datado do Novo Estado, no qual o Estado
detinha o controle das organizações sindicais brasileiras.
Algumas organizações se destacaram, tais como a UNE (União
Nacional dos Estudantes), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a
ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e setores progressistas da
Igreja Católica na luta pela democratização do país. O movimento
político de reivindicações se destacava tanto nas lutas pela concessão
de direitos
trabalhistas
como reposição
salarial,
direito
a greve,
liberdade, autonomia sindical e melhores condições de trabalho, quanto
nos assuntos de interesse social, ou seja, para população em geral, tais
como: divida externa, a privatizações das empresas estatais, entre
outros. Estes momentos político fortaleceram os movimentos sociais
fazendo surgir uma mobilização pelo voto direto e universal.
Como afirmamos anteriormente o serviço social tem o surgimento
marcado pela consolidação do sistema capitalista e o afloramento da
questão social, esta tem uma relação com o serviço social desde sua
gênese e dá base a sua intervenção toda via não aparece de imediato
nesta relação, pois as conexões genéticas do serviço social profissional
72
não se entretece com a questão social, mas com suas particularidades
no âmbito da sociedade burguesa fundada na organização monopólica
(Netto, 2000, 18).
Historicamente o serviço social assume frente a classe trabalhadora
um compromisso na ampliação de direitos desta, frente a classe
dominante, através da participação política e cívica, engajamento frente
aos movimentos sociais e na produção de uma literatura critica. Esse
movimento iniciado nos anos 70 contribui para que os assistentes sociais
compreendessem o significado social da profissão, seus valores e as
teorias que orientavam a pratica profissional.
Os projetos coletivos encontram-se também os que dizem respeito
às profissões, “não a qualquer profissão, mas àquelas que, reguladas
juridicamente, supõe uma formação teórica e/ou técnico interventiva, em
geral nível acadêmico-superior” (Netto, 1999, 95)
No quadro da renovação do serviço social brasileiro, a partir dos
anos 60, quando do movimento de reconceituação, desponta a dimensão
política, ou seja, as bases para construção de uma trajetória de ruptura
com o pensamento conservador e o desafio coletivo de explicitar um
novo significado da profissão na sociedade, a partir de um processo de
maturação acadêmica com referencia na teoria social crítica.
Essa dimensão não pode ser confundida com a perspectiva
partidária,
apesar
dos
partidos
políticos
se
apresentarem
como
instituições indispensáveis para a organização democrática da vida
social.
73
No serviço social a dimensão política passa por uma compreensão e
aprofundamento teórico no interior da tradição marxista a partir da
década de 80. Quando as analises partem de uma mesma perspectiva
teórico-política e fornecem elementos substantivos e que os referenciais
sócio-históricos
tornam
imprescindíveis
para
decifrar
os
projetos
coletivos como expressão de sociabilidade.
Os projetos profissionais apresentam a auto-imagem de uma
profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente,
delimitam e priorizam os seus objetivos e funções, formulam
os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para seu
exercício. (Netto, 1999, 95)
Os componentes estruturais, conjunturais, sociais, econômicos,
políticos e culturais são preponderantes para a construção dos projetos
profissionais, pois estes devem analisar continuamente a realidade
social a fim de que as suas ações possam efetivamente ter impacto na
sociedade.
A
modernidade
traz a
disputa dos projetos
societários
e a
internacionalização dos direitos, e, na arena da sociedade movimentada
pelo capital, a desigualdade desafia a liberdade. Indissociável deste
processo, os projetos coletivos conjugam-se aos projetos societários,
nem sempre em perfeita harmonia, pois, como afirma Netto (1999), é
possível que o projeto societário hegemônico seja contestado por
projetos profissionais que conquistem hegemonia.
Os projetos profissionais requerem, além disso, uma base teóricooperativa, investigativa e de sistematização de saberes profissionais
advindos do acumulo teórico e intelectual dos profissionais, ainda é
74
necessário que se tenha em sua base uma categoria fortemente
organizada e articulada com organizações e instituições sociais privadas
e
publicas.
Essa
organização
pressupõe
o
envolvimento
dos
profissionais, pesquisadores, docentes e estudantes da área.
O mesmo autor aponta aspectos e elementos que emergem da
própria fundamentação teórico-filosófica e histórica da profissão. As
premissas para a abordagem da construção do projeto profissional do
serviço social na sociedade brasileira instiga a retrospectiva de alguns
aspectos fundamentais, os quais conjugam as transformações da
sociedade e o movimento que lhe é próprio no cenário histórico social.
No Brasil a organização da categoria compreende o conjunto
CFESS/CRESS (Conselho Federal de Serviço Social e os Conselhos
Regionais de Serviço Social), a ABEPSS (Associação de Ensino e
Pesquisa em Serviço Social), a ENESSO (Executiva Nacional de
Estudantes de Serviço Social) e os sindicatos e demais associações dos
assistentes sociais.
Os projetos profissionais se renovam e se modificam levando em
consideração a dinâmica das estruturas da sociedade, as resposta às
alterações no sistema de necessidade sociais sobre as quais a profissão
opera às transformações econômicas, históricas e culturais como ainda
as transformações ocorridas na sociedade.
As dimensões política e ética dão sustentação a um projeto
profissional e têm natureza diferenciada, pois se constituem mediações,
pressupõe autonomia embora haja uma articulação entre ambas. No
75
caso do projeto ético-político do serviço social a dimensão ética tem sua
objetivação ontológica no Código de Ética (1993).
À diversidade de concepções e direções numa categoria profissional
com relação à construção de um projeto profissional, as pessoas que
compõe a profissão são necessariamente diferentes – têm origens,
expectativas,
motivações,
condições
intelectuais
distintas.
Não
exatamente por isso, mais por causa dessa diversidade de pensamentos
que nos projetos profissionais há campos de disputas e tensões. Para
tanto afirma Netto:
Por isto mesmo, a elaboração e afirmação (ou se quiser, a
construção) de um projeto profissional deve dar-se com a
nítida consciência de que o pluralismo é elemento factual da
vida social e da profissão mesma, cabendo o máximo
respeito a ele, respeito, aliais, que é um principio
democrático. (Netto, 1999, 96)
A afirmação de idéias, o debate, a discussão, divergências e
contradições são elementos próprios de afirmação e consolidação de um
projeto, o confronto de ideias dar-se-á mediante a interlocução e não por
mecanismos coercitivos e excludentes. Apesar de que sempre existirão
opiniões contrárias num mesmo projeto, a conquista da hegemonia não
será garantida.
Netto nos chama atenção no sentido de não confundirmos tolerância
intelectual com pluralismo, o verdadeiro debate de ideias “só pode ter
como terreno adequado o pluralismo que, por sua vez, supõe também o
respeito às hegemonias legitimamente conquistadas.”
76
A atenção se dá no sentido de que há naturalmente tensões entre
projetos societários e projetos profissionais, principalmente quando este
último contesta ou põe no debate questões, ligada aos interesses da
classe trabalhadora. Este enfrentamento, numa sociedade capitalista,
tem limites quando o projeto profissional crítico e avançado se depara
com
as
condições
institucionais
de
trabalho
marcadas
pela
reestruturação produtiva.
2.1. Projeto Profissional do serviço social
Entendemos o serviço social como uma profissão que se constitui a
partir
de
um
momento
histórico
determinado,
sustentada
pela
contradição que permeia o sistema capitalista (capital x trabalho) e seu
significado social, segundo Iamamoto (1992), se dá na vinculação que
esta profissão vai ter na sociedade capitalista, ou seja, na contradição
entre quem paga e quem demanda serviço.
O serviço social brasileiro surgiu como decorrência da divisão
sociotécnica do trabalho, e afirma-se como profissão que traz em seu
bojo uma dimensão teórico-metodológica e técnico-operativa, além de
assumir todas as implicações éticas e políticas. Sendo assim o
assistente social tem respaldado a sistematização dos debates sobre os
saberes que constrói aliado a um acervo intelectual herdado do
pensamento social critico.
77
Segundo Iamamoto (2001) na década de 1980 o serviço social atinge a
sua
maior
idade,
devido
ao
crescimento
do
mercado
editorial,
impulsionado pela pós-graduação e também pelo terreno fértil que a
produção acadêmica se colocava ultrapassando os muros profissionais
permitindo a interlocução teórica com outras áreas de maior tradição na
pesquisa social.
Essa condição de estar com uma produção teórica qualificada e
acumulada nas ultimas décadas proporcionou no seio da profissão um
embate mais forte com setores conservadores do serviço social, no que
se refere a interpretação teórico-metodológica.
A ABEPSS tem seu papel na construção do projeto profissional do
serviço social, como uma instituição formada visando o estabelecimento
de uma política de formação que desse unidade ao ensino de serviço
social no Brasil. Ao final da década de 60 quando a profissão de serviço
social vinha exigindo um projeto de formação profissional e quando na
década de 70 a profissão passa por um período de efervescência política
e intelectual, a ABEPSS protagoniza este debate sobre a formação do
assistente social brasileiro, articulando-o a conjuntura da sociedade
brasileira e embasada na teoria social critica. Para tanto, todo esse
movimento culminou com a redefinição do currículo mínimo dos cursos
de serviço social, aprovado pelo CNE em 1982.
No que se refere à dimensão ética houve um significativo avanço. O
código de ética constitui-se, democraticamente, direitos e deveres dos
assistentes sociais, segundo princípios e valores humanistas, além de se
tornar um guia para o exercício profissional. De acordo com Barroco:
78
Um código de ética representa uma exigência legal de
regulação formal da profissão e, como tal, é um instrumento
especifico de explicitação de deveres e direitos profissionais,
ou seja, refere-se a uma necessidade formal de legislar
sobre o comportamento dos profissionais (Barroco, 2001, 81)
Podemos destacar no campo ético-político o reconhecimento da
liberdade como valor ético central, com o reconhecimento da autonomia,
da emancipação e da expansão dos sujeitos sociais e seus direitos;
ainda a defesa intransigente dos direitos humanos; o aprofundamento e
a consolidação da democracia; o posicionamento a favor da equidade e
da justiça social; o empenho na eliminação de toda forma de preconceito
e discriminação, com a garantia do pluralismo e mais do que tudo o
compromisso com a qualidade dos serviços prestados, procurando a
articulação com outros profissionais r trabalhadores.
Outro
pilar da profissão
que
merece
destaque é
a Lei de
Regulamentação da Profissão a qual se apresenta e representa a defesa
da profissão na sociedade e situa-se como norte para a formação
acadêmica e as diretrizes curriculares propostas pela ABEPSS e
aprovadas pelo CNE.
São elementos fundamentais para o desenvolvimento do projeto
ético político, além da conjuntura favorecida pela democratização da vida
política brasileira, da qual o período de fim dos anos 80 proporcionava, a
organização política da categoria e seu acumulo teórico, especialmente
na tradição marxista, como também a composição do ethos profissional
fundado na dimensão normativa, expresso no Código de Ética.
79
A constituição desse novo ethos se deu nos anos 80, procurando
estabelecer uma identidade moldada em posicionamentos éticos e
políticos vinculados a uma participação cívica e política, do trabalho e da
vivencia de novas necessidades e escolhas de valor com compromissos
voltados
a
classe
trabalhadora.
O
posicionamento
ético-político
assumido pelo serviço social impulsionou a renovação dos aportes
teóricos e metodológicos da profissão. A visão da profissão muda em
diversos aspectos, tais como na sua relação com a realidade, na
trajetória histórica e na sua relação com os empregados e usuários.
Consideramos que as mudanças na perspectiva profissional são
possíveis num contexto político democrático. A década de 1980 foi um
período fértil para a ruptura com o caráter conservador da profissão, mas
a quebra com a hegemonia da concepção conservadora do Serviço
Social é um processo que atravessa décadas e atinge sua maturidade,
nas produções teóricas brasileiras, na entrada de 1980 e 1990.
Com o advento do Movimento de Reconceituação, a direção teórica
e política do Serviço Social passam por mudanças, nos 80 e 90 este
processo de amadurecimento teórico, político e cultural experimentado
pela profissão intensificou-se, tornando possível a consolidação de uma
perspectiva crítica no meio profissional; tal amadurecimento teóricopolítico só foi possível porque parcelas significativas da categoria
profissional aproximaram-se do “marxismo de Marx” isto é, do próprio
legado de Marx e de marxistas fiéis a ele, como George Lukács.
A obra que resgata as ideias originais de Marx no serviço social é a
de Marilda Vilela Iamamoto e Raul de Carvalho, Relações Sociais e
80
Serviço Social no Brasil: uma interpretação histórico-metodológica18, os
autores analisam o serviço social sob a ótica das relações sociais
capitalistas.
A dimensão política da atividade profissional é explicitada pela sua
função na divisão social e técnica do trabalho, bem como a possibilidade
de rompimento com práticas reiterativas e burocratizadas que sempre
permearam o universo profissional. Nas palavras de Iamamoto:
(...) Parece-me que há algo que mobiliza a todos nós, ou
pelo menos a maioria da categoria: a busca de se atribuir à
prática profissional uma nova qualidade, portando novos
rumos tanto no âmbito da análise teórica da sociedade e da
profissão, em consonância com o movimento histórico
concreto da sociedade nacional, quanto no exercício da
prática cotidiana no âmbito do mercado de trabalho. (...) É
essa reavaliação da dimensão política da prática profissional
e de seu vinculo com a cidadania de classe e com o
aprofundamento da democratização ampla da vida social que
pode nos conduzir a novas luzes na efetivação de um
exercício profissional de nova qualidade, que contribuía para
o processo de construção de um novo bloco histórico na
sociedade, com a hegemonia daqueles que criam a riqueza e
dela não se apropriam. (Iamamoto, 2000: 123/130, grifos no
original )
Este processo de amadurecimento intelectual, político e cultural
culminou nos anos 90, com a construção do chamado projeto éticopolítico profissional; tal amadurecimento tem proporcionado uma ruptura
com conservadorismo profissional.
Esta ruptura não foi e nem é substantiva. Neste período, as
vanguardas
progressistas
puderam
lograr
maior
êxito
no
debate
Único clássico da literatura profissional (Netto, 2002) e que teve sua primeira publicação em 1982 e
está na 24ª edição.
18
81
profissional,
mas
o
ranço
conservador
da
profissão
mantém-se,
principalmente no âmbito da prática profissional, conforme nos afirma
Netto:
(...) Decorridos quinze anos dessa análise45, os termos da
questão foram alterados — mas o problema permanece em
aberto. Se amadureceu, no campo profissional, um vetor de
ruptura com o conservadorismo, ele ainda não consolidou
uma “nova legitimidade" para o Serviço Social junto às
classes subalternas (...). (Netto, 1996:108).
Portanto o debate a cerca do Projeto Ético Político Profissional
coloca-se em pauta no seio da categoria mais sistematicamente a partir
dos anos 90, nos marcos do novo Código de Ética (1993), das Diretrizes
Curriculares (1996) e a nova Lei que Regulamenta a Profissão (1993)
documentos os quais dão materialidade ao projeto profissional na esfera
institucional.
O projeto profissional é fruto de um acumulo histórico de lutas pela
construção de uma direção hegemônica no seio da categoria. A arena
em que se constituiu o projeto foi marcada por embates teóricos,
ideopolíticos, e de método de analise, mostrando o campo plural de
combate e recusa do ecletismo.19
O avanço da perspectiva da profissão, ao longo dos últimos 30
anos, culminou no projeto denominado “intenção de ruptura” (Netto,
1995) o qual se configurou em um processo de ruptura profissional com
o
19
conservadorismo.
O
legado
marxiano,
a
tradição
marxista,
as
Tentativa de conciliar interesses inconciliáveis em nome do pluralismo (Netto, 1999, 96)
82
diferentes
analises
teóricas
e
políticas
constituíram
referencias
consideráveis para a construção de um efetivo e permanente combate ao
pensamento único.
O
processo
profissional
e
a
de
ruptura
direção
com
o
conservadorismo,
sociopolítica
estabelecida
o
através
projeto
desse
processo, os quais têm como foco central os interesses da classe
trabalhadora, tem seu marco publico e coletivo no III CBAS20 –
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – em São Paulo (1979),
conhecido como o “congresso da virada”.
Pensar coletivamente a profissão e acoplar a luta da classe
trabalhadora em seus interesses imediatos assim como de construção da
democracia, exigiu um esforço da categoria no sentido de fundamentar o
projeto na teoria social marxiana e da tradição marxista, analisando a
partir
da
conjuntura
econômicas,
políticas
sociohistórica
e
culturais
no
nas
múltiplas
âmbito
das
determinações
contradições
e
interesses das classes sociais em disputa na sociedade brasileira.
Foi na conjuntura da transição democrática que o projeto de
intenção de ruptura se desenvolveu, projeto este que resultou em amplas
mobilizações sociais da classe trabalhadora no final dos anos 70.
Com
a
obra
emerge
a
apreensão
do
serviço
social
como
especialização do trabalho coletivo, inserido na divisão sócio-técnica do
trabalho e participe do processo de produção e reprodução das relações
20
Virada na direção política da profissão e por romper coletivamente com o conservadorismo e
assumido o compromisso com a classe trabalhadora.
83
sociais, configurando-se também como a primeira obra diretamente
inspirada no legado marxiano.
O combate ao conservadorismo tem origem na década de 70, com o
movimento de reconceituação no lastro das grandes mobilizações e lutas
sociais emerge o protagonismo das direções e vanguardas profissionais,
coletivamente
articulados
e
organizados.
A
vinculação
com
os
movimentos sociais torna-se determinante para a construção do projeto
profissional no inicio dos anos 90, com a profissão assumindo o
compromisso com a luta dos direitos sociais na conquista da liberdade,
da igualdade e de uma sociedade sem exploração de classe, sem
discriminação e opressão de gênero, raça, etnia na perspectiva de um
projeto de emancipação humana.
O projeto político profissional do serviço social apreende a profissão
como um produto histórico, constituído de forma coletiva na divisão
sociotécnica do trabalho, com um significado social e ideopolítico inscrito
no âmbito das relações sociais entre as classes e destas com o Estado.
Se nos anos 80 o projeto profissional apresentava um campo de
conquistas nos marcos das lutas sociais e democráticas no país, nos
anos 90 por outro lado a categoria presencia um avanço arrasador na
consolidação do neoliberalismo, bem como as profundas transformações
no mundo do trabalho através da reestruturação produtiva de acumulo
flexível e o reordenamento do Estado.
[...] a própria luta pela conquista e aprofundamento da
democratização da vida social – do Estado e da sociedade
no país, horizonte da socialização da política e da economia,
que gesta o alicerce sociopolítico o qual vem permitindo
tanto o deslocamento das interpretações modernizantes e
84
integradoras, de cunho estrutural funcionalista, da cena
principal do debate brasileiro, como a crescente liderança
intelectual e política que as análises de inspiração marxista,
na sua diferencialidade, passam a adquirir no palco do
debate do Serviço Social brasileiro. (IAMAMOTO apud
ORTIZ, 2007, 241).
No caso brasileiro as contra-reformas do Estado, segundo Behring,
na previdência social, no ensino superior, na legislação trabalhista e
sindical implantadas nos governos de FHC – Fernando Henrique Cardoso
– (1994-2002) e no governo Lula destruíram direitos sociais, trabalhistas
e sindicais legitimamente conquistados. Conduzindo a um aumento
considerável na precariedade das condições de vida e de trabalho,
aumentando o estado de miséria ao mesmo tempo em que ocorria a
diminuição nos postos de trabalho.
Para Netto, um combate ético, teórico, político e prático-social ao
neoliberalismo é em que está amparado o futuro do projeto ético-político
profissional (1995:15), portando a direção estratégica emancipadora do
projeto,
vinculada
aos
movimentos
sociais
que
detenham
uma
perspectiva emancipadora vai vislumbrar o futuro do projeto político
profissional.
A centralidade do projeto de ruptura com o conservadorismo estar
em compreender a relação entre o projeto profissional e o projeto
societário que propõe à de uma nova ordem social sem opressão social,
de gênero, etnia e raça trazendo para o centro do debate o protagonismo
da classe trabalhadora em ter na direção um projeto de ruptura com a
ordem burguesa, avançando para a tomada de poder político, supondo
uma organização classista.
85
O
reconhecimento
das
aspirações
e
demandas
das
massas
trabalhadoras deve estar expresso no projeto ético-político profissional,
“a um projeto societário que, antagônica ao das classes possuídas e
exploradas tem raízes efetivas na vida social dos brasileiros” (Netto
1999:106)
2.2 A organização da categoria e o PEPSS
No III CBAS, conhecido como o “congresso da virada” em 1979, a
organização política da categoria é disputada pelos setores de esquerda
da profissão que até então estavam organizados nas entidades sindicais
da categoria. Em meio a uma articulação política nacional esses
profissionais
disputaram
eleição
para
os
então
CRAS
(Conselho
Regional de Assistentes Sociais) – atualmente CRESS – buscando
avançar na democratização das entidades profissionais como também
estabelecer uma articulação com as diversas entidades da categoria dos
assistentes sociais.
Por meio de uma articulação política, os assistentes sociais
atuantes nos Sindicatos e APAS – Associação Profissional
dos Assistentes Sociais incentivaram, em todo território
nacional, a formação de chapas para disputar as eleições
dos CRAS, no sentido de avançar na democratização das
entidades profissionais e de estabelecer uma articulação
permanente entre as diversas entidades da categoria dos
assistentes sociais. (Abramides, 2006, 49)
A busca pela hegemonia do projeto de ruptura foi fruto da luta
política travada no primeiro lastro dos anos 80 que teve seu mote no
amadurecimento
teórico
necessário
aos
processos
de
formação
profissional. É nesse período que se constrói no debate com o
86
neotomismo21 o código de ética de 1986 que pela primeira vez no
interior da categoria (CFAS/CRAS) a perspectiva marxista se apresenta.
Até então a concepção ética vigente na profissão se apresentava em
descompasso com os avanços teóricos obtidos no meio acadêmico com
aproximação do legado marxiano o qual contribuiu progressivamente
para os fundamentos teórico-metodológicos da formação profissional.
A aproximação, ou melhor, os avanços político-organizativos da
categoria na esfera sindical estabeleceram um suporte necessário à
profissão, no sentido de orientação política, pois ainda era insuficiente o
acumulo filosófico que possibilitasse um discernimento aprofundado da
dimensão ética.
Segundo Barroco, a partir dos anos 90 o serviço social brasileiro
mostra
seu
amadurecimento
teórico-político
da
questão
ética,
construindo as bases necessárias para a legitimação de um novo código
de ética, superando uma visão legalista da ética formal. Nesta etapa
valorizou-se
os
valores,
princípios
e
fundamentos
otológico
possibilitando discernir a dimensão ética da dimensão política na
profissão.
A ABEPSS22 entidade que congrega as unidades de formação do
país, na esfera da graduação e pós-graduação de responsabilizou, a
21
É o movimento de retorno à filosofia tomista da Idade Media, resgatada à luz das tendências
intelectuais modernas e retomada especialmente a partir de 1879 por influencia da encíclica do Papa
Leão XII. Fonte Wikipédia
22
A ABESS foi criada em 1946, então denominada Associação Brasileira de Escolas de Serviço
Social, uma década após a instalação do primeiro curso de Serviço Social no Brasil, a Escola de
Serviço Social da PUC-SP. Esta importante entidade acadêmico-científica completou 63 anos em
87
nível de formação profissional, em fazer a articulação entre ensino,
pesquisa e extensão, acompanhadas por grandes discussões
[...] no sentido de adequar à formação profissional, em nível
de graduação, às novas condições postas seja pelo
enfrentamento, em marco democrático da questão social,
potenciada pela ditadura, seja pelas exigências intelectuais
que a massa critica em acumulação poderia atender. (Netto)
No sentido de redimensionar o ensino com capacidade de responder
as demandas emergentes da sociedade. Esse período foi acompanhado
pela proposta de revisão curricular proposta pela PUC – São Paulo, a
qual foi amplamente aderida pela comunidade acadêmica nacional.
A renovação do serviço social tem sua gênese a partir da segunda
metade da década de 70, quando da expansão do mercado de trabalho
profissional em consonância com o modelo econômico do país e o
crescimento político dos movimentos sociais, resultando na ampliação na
oferta dos cursos de serviço social, abrangendo respectivamente três
tendências, segundo Netto:
Perspectiva modernizadora;
A reatualização do conservadorismo;
O projeto de intenção de ruptura.
2009. Uma marca na trajetória da ABESS/ABEPSS tem sido o processo democrático expresso na
participação intensa dos sujeitos que constroem a formação profissional, com debates enraizados
nas unidades de formação acadêmica, nas regionais e no nível nacional. Tem sido assim, desde o
currículo mínimo de 1982 que significou a afirmação de uma nova direção social hegemônica no seio
acadêmico-profissional, o que se consolidou com a elaboração das Diretrizes Curriculares para o
Curso de Serviço Social, aprovada pela categoria em 1996 e aprimorada pela Comissão de
Especialistas em documento de 1999. fonte site da ABEPSS.
88
A perspectiva modernizadora está sistematizada nos documentos de
Araxá (1967) e Teresópolis (1971) concebendo ao serviço social um
conjunto de técnicas sociais que deveriam se operacionalizadas nos
marcos do desenvolvimento capitalista.
Expresso
através
da
fenomenologia 23,
a
reatualização
do
conservadorismo, tem na sua base teórica a rejeição ao positivismo24 e
a recusa do pensamento crítico dialético.
O projeto de intenção de ruptura, cuja concepção e prática teórica
tem como direção sociopolítica os interesses e direitos da classe
trabalhadora.
Sistematizações
e
construções
de
procedimentos
metodológicos e técnico-operativos, uma atitude mais investigativa, um
compromisso maior com os direitos e conquistas da classe trabalhadora
mostraram-se como avanços efetivos que a formação profissional trouxe
no âmbito do exercício profissional.
O movimento de intenção de ruptura, que buscava romper com o
tradicionalismo
da
profissão,
deu
inicio
a
trajetória
histórica
de
amadurecimento político, ético e teórico do serviço social que hoje se
materializa no projeto político da profissão.
O processo de renovação do serviço social, expresso na vertente de
ruptura com o conservadorismo, coincidiu com a crise do regime
ditatorial brasileiro conduzida por uma frente de oposicionistas de
setores descontentes da burguesia e que ganhou profundidade e
Filosoficamente a fenomenologia parte do estudo acerca do fenômeno puro e da essência livre de
acontecimentos pessoais e culturais.
24
Positivista/funcionalista - A inserção do funcionalismo no Serviço Social significa a importância de
técnicas que compõe a metodologia norte-americana, evidenciando-se no pós Segunda Guerra
Mundial e disseminação do ideário capitalista pós Guerra Fria para os países Latinos Americanos.
23
89
qualidade quando no segundo lastro da década de 70 a classe operaria
reapareceu
na
cena
política,
especialmente
os
metalúrgicos
das
indústrias de São Paulo mais especificamente do ABC Paulista.
O projeto de intenção de ruptura teve sua formação inicial na
experiência acadêmica realizada pela Escola de Serviço Social da
Universidade Católica de Minas Gerais. Conhecido como o método BH
desenvolvido entre os anos de 1972 e 1975 que teve como base o
legado do movimento de reconceituação latino-americano do serviço
social.
Àquela época em Belo Horizonte havia importantes movimentos
sindicais e populares organizados que, segundo Netto, a cidade viva um
caldo cultural próprio a partir das lutas dos trabalhadores, das greves em
Contagem e dos movimentos da juventude da igreja católica. É nessa
efervescência política que um grupo de profissionais do serviço social
começa a criticar as praticas conservadoras da profissão, denominado
então de projeto de intenção de ruptura, que a principio parecia ser mais
um, de acordo com Netto:
À primeira vista, parecia que a emergência da intenção de
ruptura era algo episódico, marginal ao desenvolvimento do
serviço social no Brasil e destinado a nota de rodapé num
avultado compêndio da história da profissão nestas plagas.
(Netto 2001, 263)
Contudo a contribuição que o projeto de intenção de ruptura trouxe
para a formação profissional foi de profunda importância para a profissão
e está centrada na revisão curricular de 1982, reconhecida pelo CNE –
90
Conselho Nacional de Educação – como currículo mínimo aprovada na
convenção da ABEPSS em 1979, o qual buscava superar o serviço social
tradicional.
Ocorre então a necessidade de direcionar a formação profissional
para a criação de um novo perfil profissional dotado de competência
teórica-crítica.
De acordo com Iamamoto:
Os rumos assumidos pelo amplo debate efetuado na década
de 80 apontaram ainda, para o privilegio – ainda que não
exclusividade – de uma teoria social critica desveladora dos
fundamentos da produção e reprodução da ‘questão social’.
(2003, 185)
Às
respostas
profissionais
à
demanda
apresentada,
necessariamente precisava contemplar um perfil profissional que para
além de sua competência técnica-política, fosse capaz de encontrar
respostas
eficazes
e
que
contemplasse
forças
voltadas
para
o
fortalecimento na defesa da democracia, ou seja, um profissional
comprometido com os valores de liberdade, igualdade e justiça.
2.3. Construção do Projeto Ético Político do Serviço Social e suas
contradições
A postura assumida pelo serviço social nos anos 60, com a critica
ao tradicionalismo, a cerca de seus fundamentos e de sua pratica,
possibilitou mudanças, lutas e transformações não somente na profissão,
91
mas a própria conjuntura social permitiu a mudança também na
sociedade.
Nesta década a categoria se mostrou bastante produtiva com
questionamentos que colocavam em xeque os valores do pensamento
conservador, a ordem vigente, a hierarquia marcando essa época pelo
modo de pensar baseada na ética critica dos valores presentes na
sociedade.
Segundo Barroco (2001) a década de 60 promoveu, o surgimento de
projetos políticos coletivos, com o incentivo a participação cidadã com
direcionamentos anticapitalistas e revolucionários. Ela aponta ainda, a
aproximação da juventude com a Igreja apontando, segundo Barroco,
uma importante criação de uma nova militância que recusa a ordem
burguesa
e
se
vincula
ao
pensamento
cristão
e
o
marxismo,
possibilitando assim, na historia do serviço social com a Igreja Católica,
novas bases de legitimação e abrindo um campo maior de possibilidade
na construção do ethos profissional critico.
Gerando um conjunto diversificado de indagações e
respostas, tal movimento permite uma primeira aproximação
com um posicionamento ético-político potencialmente
negador do tradicionalismo profissional: a explicitação da
dimensão política da profissão e do compromisso éticopolítico com as lutas populares. (BARROCO, 2001,
p.107;108).
Essa efervescência política incidiu sobre as bases de sustentação
do
serviço
social
tradicional,
produzindo
pensamentos
críticos,
92
mobilizações e a politização de jovens profissional, especialmente os
ligados à Igreja Católica.
A postura critica de romper com o conservadorismo, a ditadura nos
países latinos, os movimentos revolucionários e os debates teóricometodológicos
permitiram,
ou
melhor,
alicerçaram
uma
primeira
experiência de ruptura, representada pelo método BH, já amplamente
discutido no capitulo I, e que segundo Netto (1991) fez-se no espaço
universitário
um
importante
local para
os
assistentes
sociais
se
dedicarem às pesquisas e a inserção nos campos de estágio.
Uma pluralidade de projetos profissionais foram apresentados frente a
dinâmica da ditadura versus os movimentos revolucionários, permitindo a
base de uma ideologia para a profissão. Neste momento o projeto
profissional apresentado tinha no seu discurso a defesa da ordem e
segurança nacional, em face ao temido e dito monstro do comunismo.
Nesta perspectiva, o clima favorecedor de rupturas coexiste
com reações conservadoras; isto é, nesse movimento entre a
construção do novo e a luta pela conservação do instituído,
que podemos situar as condições sócio-culturais para a
transformação ou conservação dos valores sociais inscritos
na ética profissional tradicional. (BARROCO, 2001, 112).
A abertura democrática no Brasil nos anos 80, e o movimento de
reconceituação da profissão na América Latina, proporcionaram o
amadurecimento teórico do serviço social resultando numa nova ética
profissional.
93
A vinculação e o compromisso do serviço social com a classe
trabalhadora proporcional mudanças no significado da profissão junto
aos trabalhadores, pois sempre fomos vistas por estes como a profissão
que legitima os interesses da classe burguesa e do Estado e com essa
nova postura o serviço social passa a lutar pela democratização do país,
assumindo o comprometimento efetivo com a classe trabalhadora,
através da participação na política e nos movimentos populares.
Os anos 80 mostraram-se como o ano de efervescência do serviço
social, possibilitando um salto qualitativo da profissão, nos anos 90 com
os muitos debates, seminários, encontros e oficinas resultaram as
diretrizes curriculares para os cursos de serviço social no Brasil.
A década de 90 marca para o serviço social a base de rompimento
com o conservadorismo, para a profissão constrói sua historia enquanto
ser social, tendo a liberdade como eixo orientador.
A conjuntura brasileira desta época manifesta a contra reforma do
Estado, sob orientação do Consenso de Washington, revelando mais
uma vez a opção política do serviço social pela classe trabalhadora.
Barroco (2003, 180) faz a seguinte referencia à este momento:
As condições sócio-econômicas e ideo-políticas dos anos
1990 atinge diretamente a classe trabalhadora, rebatendo
duplamente no Serviço Social, seus agentes são atingidos
como cidadãos e trabalhadores assalariados e como
profissionais viabilizadores de direitos sociais. A vertente
profissional que, nos anos de 1980, ganhou a legitimidade na
direção das entidades de profissionais e estudantes, na
organização sindical, no debate crítico, na produção inserida
na tradição marxista, na revisão curricular de 1982 e na
reelaboração do Código de Ética de 1986, defronta-se com o
94
desafio de responder à essa conjuntura, sem perder suas
conquistas.
A profissão além de ser atingida enquanto classe trabalhadora pelas
ofensivas, reformas e ajustes da sociedade capitalista é sujeita da
construção de um projeto coletivo viabilizando os direitos sociais.
A construção do projeto ético político do serviço social revela a
profundidade existente entre este e o projeto hegemônico de sociedade
vigente, pois exige do assistente social uma formação continuada, critica
e direcionada para o fim da exploração de classes. Apesar de o serviço
social não ter rompido efetivamente com as praticas conservadoras, pois
o projeto hegemônico da classe dominante contribui para a reformulação
das praticas tradicionais.
Diante disto alguns desafios se colocam para o serviço social, como:
a garantir a interlocução com os movimentos sociais de luta e defesa da
classe
trabalhadora,
profissional,
elaborar
manter
a
direção
estratégias
de
hegemônica
apreensão
pelo
do
projeto
conjunto
da
categoria dos fundamentos que norteiam o projeto ético político do
serviço
social.
A
contradição
de
construção
de
uma
sociedade
emancipada politicamente passa pelo reconhecimento destas questões.
A analise dessa situação não pode ser limitada ao serviço social,
pois estas questões são colocadas a partir da exigência de um debate
coletivo com um amplo confronto de ideias e posições a fim de que se
possa aparecer procedimentos abertos e democráticos que nos leva a
construção do projeto ético político, conforme Netto(2004).
95
O
projeto
conservador
dominante
impregnado
pelo
sistema
capitalista causa uma reestruturação política e ideológica conservadora
do capital passando por período de grande perda de rentabilidade e
governabilidade durante a década de 1970, conforme afirma Iamamoto: o
capital cria as condições históricas necessárias para a generalização de
sua lógica de mercantilização universal, submetendo aos seus domínios
e objetivos de acumulação o conjunto das relações sociais: a economia,
a política, a cultura.
O sistema capitalista na construção do seu projeto “culpa” as
conquistas
sociais,
pois
seu
caráter
conservador
expressa
as
desigualdades sociais como inerentes do sistema e que estas podem
causar gastos sociais excedentes. A intenção do Estado no atendimento
às necessidades sociais pouco é recomendada, transferido ao mercado e
a filantropia como alternativa dos direitos sociais.
Conforme já explicitado, o serviço social brasileiro teve na década
de 80 seus grandes avanços, tanto na formação profissional (Diretrizes
Curriculares) quanto na intervenção (Código de Ética e a Lei que
Regulamenta
a
profissão)
possibilitando
à
profissão
um
maior
amadurecimento e a efetivação desses avanços na década de 90.
Apesar da contra tendência do período de crise do sistema capitalista,
em que este não pode ser limite para intervenção profissional, pois é
justamente no enfretamento dos limites existentes no mundo do trabalho
que está a atuação dos assistentes sociais.
96
A luta pela efetivação dos direitos passa ser o discurso da profissão,
tornando-se uma prioridade na atuação, esta postura foi apreendida
através do amadurecimento teórico e critico da profissão.
Neste sentido o projeto ético político do serviço social direciona a
produção do conhecimento, a formação e a ação profissional. A
produção do conhecimento e formação através das diretrizes curriculares
implementas nas escolas de serviço social, através da elaboração de
projetos de pesquisa e extensão, dos espaços de formação no cotidiano
profissional e na ação profissional no fazer do assistente social quanto
este luta em prol da classe trabalhadora em detrimento de sistema
opressor e excludente.
97
CONCLUSÃO
Gostaríamos neste momento, tecer algumas considerações acerca
da temática em questão. Por entendermos que pesquisas na área social
se tratam de apreensões inacabadas, uma vez que a realidade está em
constante movimento, não é nossa pretensão realizar aqui conclusões
definitivas, mas, levantarmos algumas questões, que consideramos
pertinentes, e que poderão servir para estudos futuros.
Como já explicamos, os projetos profissionais apresentam a autoimagem da profissão e esses projetos são construídos coletivamente, de
acordo com Netto, o conjunto de membros dá efetividade à profissão,
tanto os profissionais que estão no cotidiano profissional, denominados
de “campo”, como os que estão “pensando” a profissão, ou seja,
pesquisadores, acadêmicos.
Não
há
especialmente
indivíduos
hegemonia
os
desta
projetos
na
construção
profissionais,
construção
são
coletiva
pois
diferentes
dos
projetos,
necessariamente
em
suas
os
origens,
concepções, situações, posições, ideologias, etc, configurando-se em um
espaço plural e um campo de tensões e lutas e que segundo Netto as
afirmações e consolidações de um projeto profissional em seu interior
não suprimi as divergências e contradições. O confronto de ideias, o
debate e as discussões surgem como mecanismo de minimizar as
tensões e de encontrar caminhos para a construção e consolidação do
projeto que se pretende para a profissão.
98
O debate em torno do projeto ético político do serviço social é
datado da segunda metade dos anos noventa. A própria construção do
projeto vinculado à profissão tem sua historia bem recente, neste
período a critica e o enfrentamento ao conservadorismo na profissão,
configurou os veios do projeto profissional da categoria, vinculado a um
determinado
projeto
societário
contrário
a
qualquer
forma
de
discriminação e exploração com vista à construção de uma nova
sociedade. A década de 90 foi marcada pela concretização dos diversos
avanços da profissão no campo da ética, da fiscalização do exercício e
da
formação
profissional.
Os
avanços
destacados
referem-se
às
elaborações teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticos.
A partir dos anos noventa assistimos o profundo amadurecimento do
serviço social. E muito se deve à consolidação da produção teórica,
apesar de na pratica não se encontrar respaldo, conforme Netto:
É no âmbito da pós-graduação, cujos primeiros frutos se
colhem na passagem da década de 70 à de 80, que vai
iniciar-se e, nos anos seguintes, consolidar-se a produção de
conhecimento do Serviço Social brasileiro, num processo em
que, pela primeira vez, a categoria principiou a sua
acumulação teórica. (...). Um balanço da produção mostra
que, apesar de muito desigual, ela engendrou uma massa
critica considerável, que permitiu à profissão estabelecer
uma interlocução fecunda com as ciências sociais e,
sobretudo, criar e revelar quadros intelectuais respeitados no
conjunto da categoria e, inclusive, em outras áreas de saber.
(...). (Netto, 1999:101/2).
Uma pesquisa realizada por Vasconcelos (2002), acerca do trabalho
do
assistente
social
no
setor
da
saúde,
demonstra
a
falta
de
compreensão e entendimento da direção social da profissão. Alguns
elementos contribuem para isso como a forma enviesada de apreensão
99
do marxismo na profissão, a complexidade da teoria social, pois esta
requer de seus interlocutores uma postura rigorosamente critica e
investigativa a fim de se compreender a realidade social em sua
totalidade e complexidade demandando uma solida formação acadêmica,
cultural e política que de acordo com Vasconcelos significa ter uma
formação e conhecimento político de alta complexidade exigindo no
cotidiano profissional ações com a incorporação de conhecimentos
distintos e amplos.
A reestruturação no mundo do trabalho e suas conseqüências para
os trabalhadores impuseram ao serviço social o fortalecimento de um
projeto com a direção social e política, isto significou para alem do
amadurecimento da profissão mais sua posição de resistência perante a
crise do capital. Para Netto tratou-se da formalização de um projeto ético
político para o serviço social:
[...] ainda as escolhas teóricas, ideológicas e políticas das
categorias e dos profissionais – por isto mesmo, a
contemporânea designação dos projetos profissionais como
projetos ético-políticos revela toda a sua razão de ser: uma
indicação ética só adquire efetividade histórico-concreta
quando se combina com uma direção político-profissional.
(1999, p. 99.)
Fica claro que o debate profissional dos anos 90, imprimiram ao
serviço social uma serie de novas demandas e exigências, além do
amadurecimento, uma construção de uma nova proposta de formação
que dessem respostas aos desafios e exigência contemporâneas.
Para que o projeto ético político do serviço social adquira
legitimidade na categoria é necessário sua objetivação na pratica
100
profissional, e isto ocorre quando os profissionais articulam os princípios
e valores do código de ética no seu exercício profissional, para tanto é
necessário criar estratégias para que estes princípios e valores sejam
hegemônicos no meio profissional.
Um dos maiores desafios que encontramos para efetivação do
projeto profissional é o nível de comprometimento posto pela categoria,
pois a exigência de uma forte organização política de cunho critico da
realidade é necessário para compreender o momento histórico e suas
complicações para o exercício profissional. Contudo não depende única
e
exclusivamente
do
comprometimento
individual,
mas
requer
o
envolvimento da categoria como um todo. Para se construir uma política
direcionada a consolidação de direitos dos usuários a efetivação do
projeto político profissional passa ser fundamental pois este dá a direção
social ao profissional a fim de que o mesmo não passe pela condição de
mero executor das ações mas transcenda o plano das intencionalidades.
Os limites para consolidação do projeto ético político do serviço
social se coloca mediante a sociedade capitalista, uma vez que este
projeto tem como horizonte a emancipação política e humana da
sociedade. Por as bases de sustentação do projeto político são
demandadas pela coletividade e não pela vontade individual; demanda
condições
políticas
e
teórico-metodológicas
que
permitam
a
concretização e condução de uma pratica concernente com a direção
social assumida pelo serviço social. O modelo de sociedade posto pelo
projeto hegemônico da sociedade burguesa é incompatível com o projeto
defendido pelo serviço social, o qual defende a democracia e o estado
101
de direito como meios para construção de uma sociedade que garanta a
autonomia e a igualdade entre os sujeitos sociais.
Por fim gostaríamos de registrar, que apesar dos limites nas
analises, a efetivação do projeto ético político do serviço social está
alicerçada em referenciais teóricos e metodológicos eu legitimam o
transito das questões éticas. E que somente o reconhecimento disto não
impede a concretização dos princípios estabelecidos no projeto.
102
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