INFLUENZA AVIÁRIA Luciano Doretto Júnior Médico Veterinário, MSc, PhD HISTÓRICO A forma altamente patogênica da IA foi inicialmente conhecida como “Peste Aviária” (fowl plague). Foi diagnosticada pela primeira vez na Itália no ano de 1878. Porém, o agente causal foi definido como sendo um vírus, em 1901 e somente em 1955, foi demostrado ser um influenzavírus tipo A. A Influenza Aviária altamente patogênica (HPAI) faz parte da lista A do código zoosanitário internacional do Escritório Internacional de Epizootias (OIE). Sua inclusão não ocorreu somente porque trata-se de uma doença infecciosa cuja taxa de mortalidade pode chegar a 100%, mas também pelo impácto econômico que pode ocorrer devido as restrições comerciais e o embargo imposto aos países onde tem ocorrido surtos da doença. Ambas estirpes do vírus da IA, de média e ou alta patogenicidade, tem sido isoladas em surtos da doença e são responsáveis por grandes perdas econômicas. Nos Estados Unidos a forma patogênica foi reconhecida pela primeira vez em 1924- 25. A maior epidemia da forma altamente patogênica da IA ocorreu nos EUA em 1983-84 e levou pelo menos dois anos para ser erradicada. Nesse episódio, somou-se um gasto de no mínimo US$ 70 milhões e um sacrifício de aproximadamente 17 milhões de aves. Os EUA não tem tido surtos de IA altamente patogênica desde 1986, embora desafios com estirpes menos patogênicas tem ocorrido e causado perdas significantes na indústria avícola. O Brasil ainda é considerado livre da IA. Entretanto, para conseguir manter esse perfil, muito trabalho deverá ser feito. Hoje, um surto de HPAI pode ser um desastre para a indústria avícola de qualquer país. TAXONOMIA Família: Orthomyxoviridae Ordem: Orthomyxovirus Gênero: Influenza Vírus Tipo A: Acomete humanos, suínos, eqüínos e aves Tipo B: Acomete somente humanos Tipo C: Acomete somente humanos Os vírus da IA tipo A são divididos em subtipos de acordo com a sua antigenicidade, que é determinada por duas glicoproteínas, localizadas na superfície viral, a hemaglutinina (H ou HA) e a neuraminidase (N ou NA). Atualmente são conhecidos 15 tipos de hemaglutininas e 9 de neuraminidases. Portanto, os vírus podem ser caracterizados com diferentes combinações. As estirpes altamente patogênicas que acometem aves tem sido representadas principalmente pelos subtipos H5 e H7. O nome de estirpes do vírus da IA isolados deve incluir: Tipo do vírus (A, B ou C), hospedeiro, origem geográfica, número do registro no laboratório de isolamento, ano de isolamento e descrição antigênica escrita entre parenteses. Ex.: A/ turkey/1/68 (H8N4). EPIDEMIOLOGIA O vírus da IA teoriamente apresenta-se distribuído por todo mundo. Entretanto não estábem definido a relação entre as aves silvestres, consideradas reservatórios e os subtipos do vírus da IA. Aves aquáticas migratórias são consideradas importantes reservatórios dos vírus da IA e na maioria dos casos, essas aves foram as responsáveis pelo início dos surtos da doença em todo mundo. O vírus é excretado através do trato respiratório, conjuntiva e fezes. As formas de transmissão incluem contato direto entre aves infectadas e aves susceptíveis, e o contato indireto, incluindo aerossois, fezes, ou a presença do vírus em fômites contaminados. Os vírus podem ser facilmente transportados de uma área para outra através de veículos contaminados, pessoas, equipamentos e movimento de aves contaminadas. Não existe comprovação da transmissão vertical, entretanto ovos de galinhas infectadas podem apresentar-se como fontes de contaminação durante o nascimento. Para uma exposição mais detalhada, existe pelo menos quatro categorias de animais com potencial fonte de infecção para aves domésticas, sendo: 1. Aves Silvestres O primeiro isolamento de um vírus de IA em aves silvestres, foi do subtipo H5N3, em 1961, de uma espécie de ave aquática (Sterna hirundo), na África do Sul. Entretanto, somente em meados da década de 70, é que a pesquisa do vírus da IA em aves silvestres teve início. Hoje, o vírus já foi isolado de 90 espécies de aves, pertencentes a 12 das 50 ordens de aves existente. A orden Anseriforme, representada principalmente pelos palmípedes aquáticos, é considerado o reservatório mais importante do vírus da IA. Estudos realizados no Canadá, mostraram que 60% dos patos, que viviam nos lagos da região de Alberta, estavam contaminados com o vírus da IA. 2. Ratitas O primeiro isolamento do vírus de IA em ratitas foi do subtipo H7N1, na África do Sul, em 1991, onde foi observado alta mortalidade em aves jovens. No entanto, o mesmo virion apresentou baixa patogenicidade para galinhas. Em 1994 o subtipo H5N9 foi isolado de avestruzes na África do Sul e de emus e casowar na Holanda. O subtipo H5N2 foi isolado de avestruzes no Zimbábue em 1995 e 1996 e também, no mesmo ano, em avestruzes importadas pela Holanda e Dinamarca . Na Dinamarca, o isolamento esteve associado à mortalidade de 32% das aves durante o período de 23 dias de quarentena. Essa mesma estirpe viral apresentou baixa patogenicidade para galinhas. O subtipo H9N2 foi isolado em avestruzes na África do Sul, no ano de 1995. Nos EUA, em vários episódios, o vírus da IA foi isolado de emas e emus, seguindo os subtipos: H3N2 em 1992, H4N2, H5N2 e H7N1 em 1993, H4N6, H5N9, e H10N4 em 1994, H7N3 em 1995 e H7N3 e H10N7 em 1996. Todas essas estirpes apresentaram baixa patogenicidade para galinhas. 3. Aves domésticas Durante o período de 1994 à 1999, em aves domésticas, a infecção com o subtipo H9 foi muito comum. Surtos com o subtipo H9N2, ocorreram em patos domésticos, galinhas e perus na Alemanha nos anos 1995, 1996 e 1998; em galinhas, na Itália em 1994 e 1996; em faisões, na Irlanda do Norte em 1997, em avestruzes na Africa do Sul em 1995; em perus nos EUA em 1995 e 1996; e em galinhas na Koréia em 1996. Recentemente o mesmo subtipo foi isolado em galinhas no Irã e no Paquistão. 3.1. Galinhas Na segunda metade do século XX, a notificação de surtos de IA em galinhas apresentou-se relativamente baixa, quando comparada em perus e patos. Assim sendo, deve-se levar em consideração que a população de galinhas é proporcionalmente muito maior no mundo inteiro. Por exemplo, nos EUA, a IA é considerada epizoótica em perus em alguns Estados, entretanto, em galinhas foi observado somente três surtos entre 1964 e 1982. Enquanto as autoridades “confiavam” na “baixa incidência” da doença em galinhas, o mundo inteiro foi surpreendido quando, entre 1983 e 1984, nos EUA, 12 dos 17 surtos de HPAI ocorreram em galinhas com foco inicial na Pensylvania e daí, a doença difundiu-se rapidamente para outros Estados vizinhos. Surtos semelhantes aos que ocorreram nos EUA, foram observados no México e no Paquistão em 1994 e 1995. O surto na Pensylvania iniciou em abril de 1983 e estava associado ao isolamento do subtipo H5N2 de baixa patogenicidade. Esse vírus se difundiu rapidamente no Estado da Pensylvania entre abril e setembro de 1983 causando sintomas respiratórios brandos e redução na produção de ovos em poedeiras. A taxa de mortalidade era considerada baixa, em torno de 0 a 15%. No entanto, em outubro de 1983, começou a ser observado surtos clássicos de HPAI com alta mortalidade. Os vírus isolados agora, também eram do subtipo H5N2, porém apresentava alta patogenicidade. Nesse momento, foi implantado um sistema rígido de vigilância, com interdição das áreas afetadas, mas no entanto o vírus se difundiu para vários Estados e o último foco foi registrado na Virginia em julho de 1984. Esse surto resultou no sacrifício de 17.000.000 aves, com um custo aproximado de US$ 70.000.000. O mundo presenciou outros surtos tão devastadores quanto o que ocorreu nos EUA, como no Paquistão, que iniciou em dezembro de 1994, no nordeste do país, possivelmente através de aves migratórias contaminadas com o subtipo H7N3, e esse difundiu-se rapidamente, em um raio de 100 km, acometendo 2.2 milhões de aves com índice de mortalidade entre 51 e 100%. Na Itália, foram relatados oito surtos em galinhas no período de 1997 a 1998, onde o subtipo H5N2 foi o responsável. Em Hong Kong, entre março e maio de 1997, foram notificados surtos de IA, onde o subtipo H5N1 estava envolvido. Nesse surto, foi observado índices de mortlidade variando entre 70 à 100%, inclusive com contaminação e morte de humanos. O plantel de galinhas foi dizimado, com o sacrifício de mais de um milhão de aves. 3.2. Perus Desde 1963, quando o primeiro surto de IA em perus foi notificado, a maioria dos países produtores de perus tem apresentado problemas com a doença. Nos EUA, desde 1964, surtos de IA em perus já foram notificados em 19 Estados diferentes. Na maioria desses, os surtos tem ocorrido esporadicamente. Entretanto, na Califórnia e em Minessota, onde existe uma alta concentração de granjas de perus, aliada à alta concentração de aves aquáticas migratórias, surtos de IA tem sido mais frequentes. No Canadá, foram notificados 63 surtos de IA em perus entre 1963 e 1971, e apenas seis surtos durante o período de 1971 a 1980. Essa redução foi atribuída às medidas de biosseguridade introduzidas naquele país. Na Inglaterra, surtos de IA em perus tem sido notificados em alguns episódios desde 1963. O ano de 1979 foi considerado excessão, quando 16 focos foram notificados. Entre 1963 e 1993, 17 dos focos notificados, ocorreram em regiões onde a presença de aves aquáticas migratórias era evidente. Em 1999, um subtipo H7N1 de baixa patogenicidade foi notificado na Itália causando sérios problemas em lotes de perus. Como ocorreu em outros surtos altas taxas de mortalidade foi observada na população de outras aves domésticas. 3.3. Outras aves domésticas Outras espécies de aves domésticas representam uma proporção muito pequena na maioria dos países. Entretanto, hoje, muitas espécies estão sendo criadas com finalidade comercial. O isolamento do vírus da IA já foi notificado em várias espécies, incluindo patos, marrecos, faisões, codornas, galinha d’Angola e várias espécies de gansos. 4. Mamíferos Existe evidência de que várias estirpes do vírus de IA de suínos tenham sido transmitidos naturalmente para perús. Recentemente, durante o surto de IA em Hong Kong (1997) foi confirmado a difusão do vírus da IA, subtipo H5N1, de galinhas para humanos, onde 18 casos foram notificados. PATOGENIA O período de incubação pode ser muito variado, de poucas horas a três dias em um indivíduo, porém pode se estender por até 14 dias em um lote. A replicação viral ocorre tanto no trato respiratório como no digestivo. A patogenicidade é uma propriedade da interação entre a espécie envolvida e a patogenicidade do vírus, e essa pode ser extremamente variada. Existem dois subtipos antigênicos considerados potencialmente patogênicos para galinhas: H5 e H7. Estirpes virais que apresentam-se patogênicos para uma espécie de aves, pode não ser necessariamente para outras. A base molecular de patogenicidade não está totalmente definida. No entanto, infecções com vírus de IA, podem apresentar complicações com infecções secundárias virais ou bacterianas. Existem alguns casos reportados na literatura, onde o vírus da IA foi isolado concomitante ao vírus da doença de Newcastle. Portanto, em diagnóstico de campo, esse fato merece atenção especial. SINAIS CLÍNICOS Os sinais clínicos da doença podem variar muito e estes dependem de alguns fatores, incluindo a espécie involvida, idade do hospedeiro, virulência do vírus, presença de imunidade e infecções concomitantes. Vírus altamente patogênicos podem causar infecções hiperagudas fatais. Neste caso, os sinais clínicos apresentados podem ser insignificantes. Na maioria dos surtos, os sinais são predominantemente aqueles observados em doenças respiratórias comuns, como espirros, corrimento nasal, lacrimejamento, sinusite, conjuntivite e queda na produção de ovos. Também podem ocorrer diarréia, edema da cabeça e da face e distúrbios nervosos. A morbidade e a mortalidade são variáveis, dependendo dos mesmos fatores que podem determinar o aparecimento dos sinais clínicos. Vírus de IA altamente patogênicos geralmente apresentam infecções severas, de curso muito rápido e a taxa de mortalidade pode frequentemente chegar a 100%. LESÕES Nem todos os vírus altamente patogênicos apresentam as mesmas lesões microscópicas. A base de diferenciação ainda não está bem definida. No momento de analisar as lesões, deve-se levar em conta que, um envolvimento bacteriano pode estar ocorrendo simultaneamente. Em aves infectadas são observados frequentemente cianose e edema da cabeça, vesículas e ulcerações na crista e barbela edema de patas, descoloração ou manchas brancas nas pernas, petéquias abdominais e em várias superfícies mucosas ou serosas e necrose ou hemorragia na mucosa do proventrículo e da moela. Em geral, infecções com vírus altamente patogênicos, resultam em edema, hiperemia, hemorragia e focos necróticos degenerativos em órgãos viscerais. Necrose do miocárdio e miocardite é um achado comum em infecções com algumas estirpes de vírus patogênicos. DIAGNÓSTICO Não existe sinais clínicos e lesões patognomônicas na Influenza Aviária. Portanto, esses achados não são conclusivos. O isolamento viral e a sua identificação é o diagnóstico definitivo, portanto deve ser realizado. Para o isolamento viral pode-se proceder a colheita de secreções e excreções. Pode-se colher secreções do trato respiratório, suabes de traquéia, suabes de cloaca, fezes, e órgãos, como: traquéia, pulmão, sacos aéreos, ventrículo, proventrículo, coração, fígado, rins, baço, cérebro, entre outros. Esses materiais, após serem macerados, individuais ou em pool, e tratados com antibióticos, devem ser inoculados na cavidade corio-alantóide de ovos embrionados SPF (Specific Pathogen Free) com 9 a 10 dias de incubação para isolamento viral. A presença de um vírus de IA é demonstrada através da atividade hemaglutinante no líquido alantóide de ovos inoculados (apresentando embriões vivos ou mortos). Em seguida, deve-se identificar o microorganismo hemaglutinante. A atividade hemaglutinante pode estar relacionada a outro vírus ou bactéria hemaglutinante. Sendo confirmado o isolamento do vírus de IA, deve-se realizar a sua tipificação, para conhecer o subtipo que ele pertence: H e N. Ainda, deve-se realizar testes “in vivo” para avaliar a patogenicidade do vírus em questão. Para tanto, utiliza-se o teste de Índice de Patogenicidade Intravenosa (IVPI), onde aves SPF de seis semanas de idade são inoculadas por via intravenosa e a patogenicidade da estirpe vira é conhecida. Ainda, testes sorológicos são utilizados para detectar a presença de anticorpos em aves. Seguindo as metodologias internacionais, em todos os programas de vigilância epidemiológica deve-se utilizar o teste de Inibição da hemaglutinação (HI) para detectar anticorpos hemaglutinantes. O teste de imunodifusão dupla em gel de agar é utilizado para detectar anticorpos de nucleoproteína (NP). Em provas sorológicas, utilizando o teste de HI, com antissoros específicos,é possível identificar o subtipo do vírus em questão. Para avaliação sorológica, também pode-se utilizar ensáio imunoenzimático (ELISA), fixação de complemento, inibição da neuraminidase, hemólise radial simples e vírus neutralização. Em provas sorológicas, resultados positivos não são considerados definitivos, apenas demonstram o contato do antígeno com o animal. Portanto uma vigilância epidemiológica, incluindo provas de isolamento viral deve ser implementada. TRATAMENTO Como ocorre em outras viroses, não existe tratamento efetivo para a infecção de Influenza Aviária. Bom manejo, nutrição adequada e administração de antibióticos de amplo expectro podem ajudar a reduzir as perdas com infecções secundárias. PREVENÇÃO E CONTROLE Biosseguridade é a palavra chave. Deve-se implementar medidas para prevenir a introdução da infecção na granja. Evite visitas. Nenhuma ave deve ser introduzida após o lote ou o núcleo estar estabelecido. Deve-se prevenir a entrada de aves silvestres nos galpões da granja. Da mesma forma, deve-se evitar o contato com aves migratórias e aves exóticas. No Brasil, não existe vacina registrada no Ministério da Agricultura e portanto estas, não estão disponíveis no mercado. Vacinas experimentais, incluindo vacinas inativadas monovalentes e polivalentes, estão sendo testadas em vários países. Entretanto, aves vacinadas e desafiadas com vírus patogênicos, podem se infectar e eliminar vírus principalmente através das fezes, no entanto, estas aves não apresentam qualquer sintoma clínico. Se ocorrer um foco da doença, as ações devem ser tomadas o mais rápido possível, incluindo o isolamento voluntário do lote afetado. Deve-se evitar o trânsito de pessoas, equipamentos e veículos, pois estes são as principais formas de difusão da doença. E, se for identificado um vírus de alta patogenicidade, devese proceder o sacrifício imediato de todas as aves do lote, bem como os contatos e deve-se dar um destino adequado às carcaças. Após, deve-se realizar desinfecções eficientes e um vazio nas instalações, e posteriormente, aves SPF devem ser alojadas para servir de sentinelas. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ACLAND, H.M., et al. Lesions in broiler and layer chickens in an outbreak of highly pathogenic avian influenza virus infection. Vet. Pathol. 21: 564-69, 1984 ALEXANDER, D.J. 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