CADERNO DIDÁTICO III 1 período PEDAGOGIA Guia Estudantdo e EDITO RA M E UN L H O Univers idade RES IVERS Abril IDADE Pedag Estadu al de M ontes S 2008 ogia Claros - Cam pus M ontes Claros 1º PERÍODO LÍNGUA PORTUGUESA AUTORES Érica Karine Ramos Queiroz Doutora em Lingüística pela Universidade Estadual de Campinas Unicamp, especialista em Educação e graduada em Letras pela Universidade Federal de Viçosa - UFV. Atualmente é coordenadora de Pesquisa do ISEMOC-CRECIH/SOEBRAS e professora do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Nely Rachel Veloso Lauton Especialista em Redação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/Minas, graduada em Língua e Literatura Francesa pela Associação de Cultura Franco-brasileira e graduada em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Pollyanne Bicalho Ribeiro Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/Minas, mestre em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos, graduada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e graduada em Direito pelo Centro Universitário Fumec. Atualmente é consultora da Consultoria Técnica Educacional e professora da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes e da Faculdade da Cidade de Santa Luzia. Sandra Ramos de Oliveira Especialista em Linguística Aplicada ao Ensino de Português pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Atualmente é professora da Unimontes e professora do Instituto Superior de Educação Isemoc. Waneuza Soares Eulálio Especialista em Linguística Aplicada ao Ensino da Língua Materna pelas Faculdades Unidas do Norte de Minas – Funorte, especialista em Alfabetização pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes e graduada em Letras - Português/Inglês pela Universidade Federal de Viçosa - UFV. Atualmente é professora da Unimontes e tutora a distância da Universidade Aberta do Brasil – UAB. É revisora da Revista Fronteiras do Sertão do Departamento de História. SUMÁRIO DA DISCIPLINA Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Unidade I: Linguagem, língua, fala e gramática . . . . . . . . . . . . . . 16 1.1 Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 1.2 Conceitos básicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1.3 Funções da linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 1.4 Variações lingüísticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 1.5 Níveis de linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 1.6 Linguagem oral e linguagem escrita . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 1.7 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Unidade II: Leitura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 2.1 Caracterização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 2.2 Processos de leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 2.3 Fatores intervenientes no “ato de ler” . . . . . . . . . . . . . . . . 49 2.4 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 Unidade III: Texto e textualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 3.1 O que é texto? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 3.2 Fatores de textualidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 3.3 Produção de texto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 3.4 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 3.5 Vídeos sugeridos para debate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 Referências básicas, complementares e suplementares . . . . . . . . . 67 Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 APRESENTAÇÃO Prezado acadêmico, A disciplina “Língua Portuguesa” integra a grade curricular do 1º período do Curso de Licenciatura em Pedagogia, com 45 horas-aula. É sobre essa disciplina que vamos falar, inicialmente, pois é necessário que você compreenda a importância do conteúdo a ser estudado para tomar sua participação prazerosa e eficaz. O Michaelis: moderno dicionário da Língua Portuguesa registra os sinônimos “sustentáculo”, “base”, “alicerce” para o substantivo “fundamento”. Ora, estudar, então, “Língua Portuguesa” significa rever noções básicas de nossa língua materna, discutir e resgatar algumas regras, conceitos e definições que a sustentam. Além disso, o conhecimento da base de uma língua, de seu alicerce torna seu usuário mais competente, mais criativo no trato com as palavras; mais seguro e questionador no desempenho de suas atividades cotidianas e no convívio com seus pares. Compreender os fundamentos da língua – e não apenas conhecêlos – possibilita ao falante o desenvolvimento de diferentes habilidades, como: reconhecer informações, elaborar hipóteses, inferir, relacionar conceitos e fatos, desenvolver reflexões mais abrangentes, argumentar e defender idéias e, principalmente, possibilita-lhe ser um autor/leitor mais completo e consciente do uso das palavras. Na disciplina “Língua Portuguesa”, vamos ajudá-lo a compreender o funcionamento da Língua Portuguesa nos seguintes aspectos: 1. leitura: caracterização, processos, modos de leitura e fatores intervenientes no “ato de ler”; 2. concepções de língua, linguagem, fala, gramática e variedades lingüísticas; 3. o processo de comunicação; 4. funções da linguagem; 5. texto e fatores de textualidade; 6. tipos e gêneros textuais; e 7. produção textual. 374 UAB/Unimontes Apresentação Nossa intenção é ressaltar que o estudo da língua/linguagem é extremamente importante, pois é por meio da linguagem que interagimos com os outros, informando ou sendo informados, esclarecendo ou justificando nossas opiniões, modificando o ponto de vista de nossos interlocutores ou sendo modificados pelo ponto de vista deles. É pela linguagem que expressamos nossas certezas, nossas angústias, alegrias, tristezas, nossos conhecimentos e opiniões. É a linguagem que nos distingue e nos faz capazes de ver a vida com novos olhares, principalmente nesta nossa época de globalização, de quebra de tabus e preconceitos e de, sobretudo, estabelecimento de novos valores. O avanço tecnológico deste milênio reflete uma renovada estrutura social em que várias linguagens – verbais, não verbais – se entrecruzam, se misturam, se completam e se modificam sem cessar. Assim sendo, o conhecimento sobre o funcionamento da língua não deve ser algo mecânico e passivo. Pelo contrário, deve-se cruzar esse conhecimento com as várias possibilidades de linguagens do mundo atual: cinema, fotografia, pintura, charges, quadrinhos, informática, música etc., percebendo suas intenções comunicativas, contrastes e afinidades, desvelando os “entreditos”, as mensagens e ideologias subjacentes, enfim, estabelecendo todas as possíveis interlocuções. Pretendemos, pois, que você alcance os seguintes objetivos: 1. refletir sobre os fundamentos da Língua Portuguesa, percebendo-os como processo dinâmico de interação social, isto é, como forma de realizar ações, de agir e atuar sobre o outro por meio da linguagem; 2. melhorar a gramática de uso, substituindo incorreções e inadequações por normas da língua padrão; 3. elaborar textos adequados ao interlocutor e à situação comunicativa; e 4. ser leitor crítico e reflexivo. Neste primeiro período, nossa disciplina apresenta as seguintes unidades Unidade I 1. Linguagem, língua, fala e gramática 1.1. Conceitos básicos 1.2. Processos comunicativos 1.3. Funções da linguagem 1.4. Variações Lingüísticas 1.5. Níveis de fala 1.6. Linguagem oral e linguagem escrita 375 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Unidade II 1. Leitura 1.1. Caracterização 1.2. Processos de leitura 1.3. Fatores intervenientes no “ato de ler” Unidade III 1. Texto e Textualidade 1.1. O que é texto 1.2. Fatores de textualidade 1.3. Produção de texto Tipologia e Gêneros Textuais B GC GLOSSÁRIO A E ATIVIDADES F PARA REFLETIR DICAS Esperamos de você uma participação ativa, engajada e proveitosa para desenvolver suas potencialidades e realizar, com o devido mérito, seus estudos de graduação que lhe permitirão vencer barreiras intelectuais, profissionais e sociais. De nossa parte, desejamos-lhe sucesso e estamos juntos neste desafio, torcendo por você e a seu dispor. Seja bem-vindo aos estudos da “Língua Portuguesa”. Um abraço, Os autores 376 1 UNIDADE 1 LINGUAGEM, LÍNGUA, FALA E GRAMÁTICA 1.1 APRESENTAÇÃO Esta é a primeira unidade da disciplina Fundamentos da Língua Portuguesa e esperamos que você a inicie com muita vontade de ampliar os seus conhecimentos sobre a língua portuguesa. Então, vamos lá! O principal objetivo aqui, é que você reflita sobre a importância da linguagem para a comunicação humana e conheça os principais elementos que constituem o processo comunicativo. Ao ler o texto, temos a certeza de que você aprenderá os conceitos fundamentais de linguagem, língua, fala e de gramática, percebendo a relevância destes aspectos lingüísticos para que o processo comunicativo aconteça de maneira eficiente. Nesta unidade vamos estudar também as funções da linguagem que nos permitirão compreender como o emissor e o receptor se relacionam linguisticamente através de um canal que permite a interpretação de uma mensagem. Outro assunto de extrema relevância nesta unidade é a variação lingüística. Há muito tempo, na escola só se atribuía à língua as características de “certo” ou de “errado”. Hoje, porém com o conhecimento das diversas formas de se falar, já se considera também o diferente, ou seja, há usos da língua que são errados (aqueles que não estão de acordo com a organização que a língua nos possibilita) mas há também usos que, apesar de não estarem de acordo com essa organização, são apenas diferentes, não constituem erro. Bem, de acordo com o que propomos aqui, esta primeira unidade abordará os conceitos básicos de Linguagem, Língua, Fala e Gramática e terá as seguintes subunidades: 1.1 linguagem, língua, fala, gramática:conceitos básicos; 1.2 processos comunicativos; 1.3 funções da linguagem; 1.4 variação lingüística; 1.4.1 níveis de fala; 1.5 linguagem oral e linguagem escrita. É importante que você tenha sempre à mão um bom dicionário e que não se esqueça de que as atividades sugeridas, os glossários que complementam o texto e os pontos de reflexão apresentados são essenciais para que você compreenda satisfatoriamente o texto. Mãos à obra! Vamos começar a leitura. 377 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período B GC 1.2 CONCEITOS BÁSICOS GLOSSÁRIO O interesse pela linguagem é antigo e remonta ao séc. IV, a.C. quando os hindus estudaram sua língua com o objetivo de evitar que os textos sagrados, reunidos no Veda, sofressem modificações ao serem falados. Atualmente, a lingüística moderna define a linguagem como manifestação de algo mais específico: a língua. A linguagem pertence ao domínio individual e social, porque é propriedade inata ao ser humano e é social, porque só existe em sociedade. Sendo assim, a linguagem é compreendida como expressão do pensamento e veículo de comunicação social e pode referir-se à linguagem dos animais, à música, dança, pintura, mímica etc., assinalando que cada uma dessas linguagens tem suas especificidades de manifestação. O lingüista Ferdinand de Saussure, considerado o pai da lingüística moderna, separa a linguagem em Língua e Fala. A língua, para Saussure, é “um sistema de signos” – um conjunto de unidades que se relacionam dentro de um todo e é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo; não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis do contrato social estabelecido pelos membros da comunidade. A fala é um ato individual; resulta das combinações feitas pelo sujeito falante utilizando o código da língua; expressa-se pelos atos de fonação necessários à produção dessas combinações. Analisando o conceito de Saussure concluímos que: a língua é ampla, coletiva e está à disposição de todos os falantes da comunidade. A língua obedece a padrões criados pela própria comunidade, logo, um falante não pode modificá-la. Ela serve a toda a comunidade e não a um membro isolado. É a parte social da linguagem. A fala, ao contrário, é individual, representa o uso particular que se faz da língua. O falante tem a liberdade de buscar na língua os recursos que ela oferece e combinar esses recursos, conforme suas necessidades e intenções. E é por isso que a fala é individual e tem caráter dinâmico e a língua é coletiva e tem caráter mais fixo. A lingüística tem como objeto de estudo a linguagem verbal em uso, ou seja, para o lingüista interessa descrever e explicar os fatos de linguagem sem estabelecer juízo de valor do uso. A perspectiva de estudo da gramática tradicional é contrária à do lingüista, pois a gramática tem como finalidade ditar normas e prescrever os fatos de linguagem. A gramática não reconhece a diferença entre fala e escrita e considera a escrita como modelo de correção para a língua falada. A posição da gramática é normativa ao dizer o que é a língua e como deve ser, isto é, a gramática dita regras para o uso considerado correto da língua. Como falantes de uma língua, sabemos que a língua escrita não é modelo para a língua falada, pois a diferença entre essas duas 378 A E F Hindu: natural ou habitante da Índia. Veda: conjunto de textos sagrados da tradição religiosa e filosófica da Índia. a.C: antes de Cristo. B GC GLOSSÁRIO A E F Línguas naturais (Inglês, Português, Russo, Italiano, Chinês etc.) são sistemas de signos lingüísticos. Os signos lingüísticos são os elementos de significação (significante e significado) nos quais se baseiam as línguas. Para você entender melhor os conceitos de significante e significado, acompanhe esta exemplificação: O significante é o suporte para a idéia, é a seqüência de sons que se combinam nas palavras: flor, fleur, fiori, flower, kukka (em Português, Francês, Italiano, Inglês e Finlandês, respectivamente) e, significado é a idéia, o conteúdo. Observe que, em todas as línguas do exemplo, o significado é o mesmo: “flor”, parte da planta. Língua Portuguesa PARA REFLETIR O homem é um “animal político”. Assim afirma Aristóteles na sua obra Política, distinguindo o homem (único dotado de linguagem) dos outros animais (que possuem voz). Com a voz (“phone”), os animais exprimem dor e prazer; mas, com a palavra (“logos”), o homem exprime o bom e o mau, o justo e o injusto. UAB/Unimontes modalidades da linguagem se deve à sua organização e ao uso social. Para o lingüista não há uso melhor ou pior, rico ou pobre, visto que seu objetivo é descrever e não prescrever. De acordo com a lingüística, as línguas naturais são simplesmente diferentes e, desde que atendam às necessidades de comunicação entre seus falantes, já estão exercendo sua função: COMUNICAR. Os estudos sobre as línguas concluem que todas elas possuem um sistema de comunicação estruturado, complexo e muito desenvolvido. Outros estudos sobre a linguagem a consideram também como atividade, como ação que tem objetivo socialmente definido: o de estabelecer vínculos e compromissos anteriormente inexistentes. A linguagem é responsável pela interação entre os indivíduos, estabelecendo pactos interindividuais e exigindo respostas em forma de reações e comportamentos dos falantes. Estudar, então, a língua é buscar detectar os compromissos que se criam através da fala (ato individual) e buscar preencher as condições exigidas por uma situação de comunicação. Processos Comunicativos Ser um “animal político” significa, pois, compartilhar valores com outros indivíduos, o que torna possível a vida social, cívica e política dos homens. Exerça sua cidadania através, também, do uso da linguagem. Fonte: Folha de São Paulo – 05 de setembro de 2008. P. E 11 Figura 1: A língua se concretiza pela fala. 1.2.1 Importância da comunicação humana Como você sabe, na sociedade em que vivemos é de fundamental importância que saibamos comunicar de maneira clara e eficiente. Comunicação, pensamento e a própria vida são fatores que se complementam e até se misturam, já que estamos a todo tempo nos comunicando, ora através da fala, ora da escrita, de um gesto, de expressões faciais, sorrisos, da leitura de um texto, de um documento, de revistas e jornais etc. É preciso ter em mente que só através de uma comunicação clara, segura e objetiva podemos nos aprofundar nos níveis de conhecimento pessoal, tecnológico e social. A comunicação é o centro de todas as atividades humanas. Com certeza nada acontece sem que haja prévia comunicação. Comunicar bem não é só transmitir ou receber bem uma informação. COMUNICACÃO é uma troca de CONHECIMENTOS E DE ENTENDIMENTO e ninguém entende ninguém sem considerar além das palavras, sem considerar também as emoções, o contexto e a situação em que se tenta trocar 379 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período conhecimentos, idéias ou qualquer outra mensagem, seja ela verbal (que utiliza palavras) ou não-verbal (que se dá através de gestos, cores, imagens etc.). Para comunicar-se, o homem utiliza a linguagem que é o conjunto de símbolos significativos (léxico) somado a métodos também significativos de combiná-los (sintaxe). Esses símbolos são diferentes de um idioma para outro e foram escolhidos por acaso, variando de acordo com cada cultura. O homem inventou a linguagem para exprimir seus sentimentos, suas intenções e vontades, fazendo com que as pessoas interajam e convivam em sociedade. O que é comunicar? Se você pensar um pouco, vai perceber que COMUNICAR é estabelecer uma relação com alguma coisa ou alguém, transmitindo sinais através de um código que pode ser convencionado (linguagem humana) ou natural (sinais fisiológicos: dor, febre etc.). A comunicação deve acontecer de maneira lógica, clara e coerente, pois ela é a base das relações entre os homens que, a partir e através dela, se tornam agentes, influenciam o meio em que vivem e afetam as pessoas que estão à sua volta, o seu ambiente físico e a si mesmos, produzindo reações. Para que uma mensagem seja transmitida com sucesso, é preciso que o falante esteja atento a fatores, como habilidade comunicativa, atitude, nível de conhecimento do ouvinte e as posições ocupadas dentro do sistema sócio-cultural. Assim, ele deverá produzir uma mensagem adequada ao contexto, ao grupo social do receptor e ao momento em que ocorre a comunicação. Para uma mensagem que chame a atenção do receptor, o falante deverá utilizar signos que sejam do seu conhecimento e também do conhecimento do receptor que ficará interessado na informação. 1.2.3 O processo de Comunicação Processo de comunicação é o fenômeno que ocorre quando o emissor (a pessoa que fala, o codificador) emite uma mensagem (informação ou sinal) ao receptor (a pessoa que ouve ou decodificador), através de um canal (instrumento ou meio). O receptor interpretará a mensagem e, a partir daí, dará a resposta que demonstrará se as informações foram captadas (feedback), completando o processo de comunicação. Elementos da Comunicação 380 PARA REFLETIR Para ampliar seus conhecimentos sobre esse assunto, assista ao videodocumentário “Um buraco branco no tempo”, uma produção de Peter Russel, com base em uma obra romântica. Duração: 27 minutos. Veja sinopse do videodocumentário no fim deste caderno. B GC GLOSSÁRIO A E F Léxico: conjunto de vocábulos que formam uma língua (vocabulário). Sintaxe: estudo da combinação lógica das palavras em uma frase. Língua Portuguesa UAB/Unimontes PARA REFLETIR MENSAGEM Leia outros textos sobre comunicação e reflita sobre a importância deste aspecto para a vida humana. Pense no estreito laço que liga a comunicação à cultura e anote suas conclusões. CÓDIGO EMISSOR RECEPTOR CANAL Realidade Referente (contexto) ATIVIDADES Preste muita atenção aos comerciais transmitidos pelo rádio e pela televisão e verifique se eles atendem às condições apresentadas no texto que você acabou de ler (Chamam a atenção do receptor? Usam uma linguagem adequada? Estão de acordo com o canal onde são veiculados? Levam em consideração o momento e a situação em que o receptor está inserto?) No processo comunicativo são utilizados os elementos presentes no esquema anterior (código, mensagem, referente, emissor, receptor e canal). Conheça cada um deles: CÓDIGO: pode ser definido como qualquer conjunto de símbolos usados na transmissão e recepção de uma mensagem de maneira a ter significação para alguém, como as palavras de um idioma (língua); MENSAGEM: expressão de idéias (conteúdo transmitido por um emissor) através de uma forma determinada (tratamento) pelo emprego de um código; REFERENTE: é o contexto em que estão insertos o emissor e o receptor. É também o conjunto de atitudes e reações dos sujeitos envolvidos no processo de comunicação; EMISSOR ou EMITENTE: quem transmite uma idéia, emite; quem transforma a mensagem em código (uma pessoa, uma empresa, uma emissora de televisão, estação de rádio etc.); RECEPTOR, RECEBEDOR ou DESTINATÁRIO: pessoa que recebe, decodifica a mensagem (um indivíduo ou um grupo); e CANAL: é o meio através do qual fazemos uma mensagem chegar a outra pessoa, uma espécie de "veículo da mensagem", como as ondas sonoras, na linguagem oral (fala), ou um bilhete, na linguagem escrita, por exemplo. É muito importante escolher o canal capaz de transmitir sua mensagem com maior qualidade e há elementos que podem impedir a 381 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período eficiência comunicativa como: o RUÍDO: que é uma interferência indesejada na transmissão DICAS de uma mensagem (na fala pode ser um barulho e na escrita, um rabisco ou uma letra ilegível, por exemplo); a AMBIGÜIDADE, refere-se à desorganização da mensagem (período fragmentado, ordem inversa, inadequação vocabular etc.); e a REDUNDÂNCIA, que consiste na repetição desnecessária de palavras ou termos. Em síntese: Em uma sala de aula (referente), se o professor (emissor) expõe oralmente (canal) um assunto (mensagem), e o aluno (receptor) ouve com atenção, ele consegue dar resposta (feedback) ao ser questionado. Mas, quando há barulho, por exemplo, conversa paralela (ruído), a compreensão fica comprometida. Ao decodificar uma mensagem, você a está percebendo como um estímulo. Ao codificar uma nova mensagem, você está dando uma resposta ao estímulo, mostrando como ele foi percebido e interpretado por você. A comunicação compreende, na maioria das vezes, uma ação e uma reação, pois a ação do emissor afeta a reação do receptor e a reação do receptor afeta a subseqüente reação do emissor, tornando o processo circular. Às vezes, quando são utilizados dois canais simultâneos, a qualidade da mensagem aumenta (ver e ouvir, por exemplo, é melhor do que só ver ou só ouvir), mas se o falante não souber utilizar bem esses canais, ele pode prejudicar o sucesso da sua comunicação. Se um conferencista apresenta um trabalho usando um data-show, por exemplo, e não consegue combinar sua fala com as transparências apresentadas, ele pode tornar mais difícil a compreensão do conteúdo pelos expectadores). Sempre que comunicamos algo, pensamos no nosso receptor, em quem queremos atingir com o que dizemos, assim, tanto o emissor cria expectativas sobre o receptor quanto o receptor em relação ao emissor. Quando duas pessoas interagem, põem-se no lugar uma da outra, procurando perceber o mundo como a outra o percebe, tentando predizer a resposta da outra e esse processo possibilita o ideal da comunicação que é a interação humana. 1.3 FUNÇÕES DA LINGUAGEM Agora que você já trabalhou os Processos Comunicativos e já conhece as noções da Teoria da Comunicação, vamos fazer algumas considerações sobre as Funções da Linguagem. 382 O Filme “Nell”, do Diretor Michael Apted, é muito interessante para você analisar o importante papel desempenhado pela linguagem na comunicação humana. Nell é o nome da jovem que é encontrada em uma casa na floresta, onde vivia com sua mãe eremita. O médico que a encontra, após a morte da mãe, constata que ela se expressa em um dialeto próprio, evidenciando que até aquele momento ela não havia tido contado com outras pessoas. Intrigado com a descoberta e ao mesmo tempo encantado com a inocência e a pureza da moça, ele tenta ajudá-la a se integrar na sociedade. Assista ao filme e tente relacioná-lo aos conceitos estudados sobre “Processos Comunicativos” e “Funções da Linguagem”. Língua Portuguesa UAB/Unimontes Leia a seguinte tira humorística: A tira exemplifica uma situação de comunicação. Numa situação de comunicação há, pelo menos, duas pessoas interagindo por meio da Fonte: HOJE EM DIA, 7/9/2008 DICAS Para reforçar seu conhecimento sobre as funções da linguagem, acesse: www.portrasdasletras. com.br Figura 2: tira humorística linguagem: quem fala (locutor ou emissor) e aquele com quem se fala (interlocutor ou receptor). Tradicionalmente, o processo de comunicação verbal está baseado em seis elementos: o emissor, o receptor, a mensagem, o código, o canal e o referente. Tomando a tira como exemplo, vamos rever esses elementos: O emissor (locutor, remetente) é Helga, a esposa de Hagar; O receptor (interlocutor, destinatário) é Hagar; PARA REFLETIR A mensagem é representada pelas falas de Helga; trata-se de um alerta para que o marido se comporte bem e beba com moderação; O código é a língua portuguesa (linguagem verbal) usada por Helga e Hagar. O estudo das funções da linguagem é muito importante para percebermos diferenças e semelhanças entre os vários tipos de mensagem. Analisar como essas funções se organizam nos textos alheios, permite-nos perceber as finalidades que orientam a elaboração desses textos. Aplicando o conhecimento de funções da linguagem nos textos que produzimos, poderemos planejar o que escrevemos e fortalecer a eficácia e a expressividade das mensagens. O canal (contato) é o som produzido pelo código (língua oral); e O referente (contexto) é a situação ou contexto em que Helga e Hagar estão e é também o assunto da mensagem, isto é, o conjunto de atitudes e reações do emissor e do receptor. Repare que o casal está em uma reunião social e como Helga conhece bem o marido, mesmo estando de costas para ele, ela o alerta para que “tenha modos” e não se exceda com a bebida. A cada um desses seis elementos corresponde uma função da linguagem. De acordo com a Teoria da Comunicação, toda mensagem tem uma finalidade, uma intenção predominante que orienta sua produção. A mensagem pode ter a finalidade de informar, persuadir, provocar humor, emocionar etc. A partir dessas finalidades é que classificamos a função da linguagem predominante nos textos. Essas funções são: expressiva, conativa, referencial, fática, metalingüística e poética. 1.3.1 Funções expressiva (ou emotiva) 383 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período A função expressiva ou emotiva está centrada no emissor (remetente ou locutor) e expressa sua atitude, sua emoção, seu estado de espírito em relação ao que fala. Exemplificando Retrato Eu não tinha este rosto de hoje, Assim calmo, assim triste, assim magro, Nem estes olhos tão vazios, Nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, Tão paradas e frias e mortas; Eu não tinha este coração Que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, Tão simples, tão certa, tão fácil: Em que espelho ficou perdida a minha face? (Cecília Meireles) Observe que o poema está centrado na expressão dos sentimentos, emoções e estado de alma do “eu-lírico”. É um texto subjetivo, pessoal. Nele aparecem pronomes de primeira pessoa: “Eu não tinha”... “minha face”? São comuns também na função emotiva a presença de interjeições e pontuação marcada por exclamações e reticências. 1.3.2 Função Conativa (apelativa) A função conativa é aquela que está centrada no destinatário. Também chamada apelativa, essa função estimula o receptor a tomar uma atitude, tentando persuadi-lo, tentando influenciar seu comportamento. Observe a presença da função conativa neste folheto: 384 Língua Portuguesa UAB/Unimontes Figura 3: Volante distribuído a visitantes e consumidores do Montes Claros Shopping Center Você observou que a intenção principal é estimular o receptor a utilizar um serviço diferenciado de lavagem de carro. Para isso, o texto da propaganda emprega verbo no imperativo “Aguarde!”, que faz um apelo direto ao destinatário. Além disso, a mensagem tenta sensibilizá-lo quanto à questão do uso racional da água. Isso sinaliza que, se o receptor for uma pessoa com consciência social, ele buscará o serviço oferecido. 1.3.3 Função referencial (denotativa) Classificamos de referencial a função que tem por objetivo transmitir informações. Ela é também chamada denotativa, está centrada no contexto. A mensagem apresenta linguagem clara, direta, procurando traduzir a realidade objetivamente. O anúncio a seguir, com conteúdo essencialmente i n f o r m a t i v o , exemplifica a função referencial. Ao ler o anúncio, você percebe claramente seu objetivo: informar aos leitores do Jornal Hoje em Dia o que significa e de que se encarrega a Associação Mineira de Figura 4: Hoje em Dia (7-9-2008) 385 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Rádio e Televisão, AMIRT. A linguagem aponta para um significado único, não dando margem à dupla interpretação. A função referencial aparece em seus livros de estudos, livros técnicos e científicos, bulas de remédios, manuais de instruções etc. 1.3.4. Função Fática A função fática encontra-se centrada no contato (canal) e nela predomina o cuidado de estabelecer ou de manter a comunicação, isto é, manter o contato entre o emissor e o receptor. Nas conversas telefônicas, o tradicional “alô”, os cumprimentos habituais são maneiras de iniciar o contato com o recebedor. As frasesfeitas, os clichês de abertura de diálogos: “Olá, como vai?”, “Oi, tudo bem?”, têm também a finalidade de estabelecer contato. A função fática está representada por palavras, frases, ou expressões que denotam a necessidade ou o desejo de iniciar, manter ou cortar a comunicação. Exemplificando: In: ABAURRE et alli – Português. Língua e Literatura. São Paulo: Moderna, 2003 Figura 5: A função fática está bastante evidente nos quadrinhos. Observe o emprego de frases-feitas: “Romeu, há quanto tempo!”, “O que tem feito?” Essas frases não têm necessariamente um conteúdo informativo preciso, apenas pretendem criar condições para uma interação verbal. Outras expressões comuns à função fática também aparecem nas falas dos quadrinhos: E aí... Hem... Ih... Isso! Na verdade, nesse reencontro casual, os amigos nada disseram, apenas mantiveram um contato superficial. 386 Língua Portuguesa UAB/Unimontes 1.3.5 Função metalingüística A função metalingüística está centrada no próprio código, isto é, centrada na língua. O emissor usa a língua (código) para dar alguma explicação, fazer ressalvas, apresentar uma definição, um conceito etc. No fragmento a seguir, intitulado “Bisbilhotice”, de Luís Fernando Veríssimo, o autor define, primeiramente, a palavra “bisbilhotar” para, depois, introduzir o tema propriamente dito: discussão sobre o uso de grampos em telefones de magistrados e políticos brasileiros. Observe a função metalingüística no 1º parágrafo do artigo. Bisbilhotice “Bisbilhotar” vem, se não me falha o etimológico, do italiano “bisbigliare”, que não é bisbilhotar no nosso sentido, mas quase o seu oposto. Os sinônimos de “bisbigliare” no meu dicionário italiano são “mormorare”, “sussurrare”, “dire sottovoce”. Ou seja, o que se faz para evitar a bisbilhotice dos outros. Um bisbilhoteiro brasileiro e um “bisbigliatore” italiano, conforme o dicionário, não teriam diálogo, um tentando desesperadamente ouvir o que o outro murmura ou sussurra. O que aproximaria os dois seria o fato de que é tão difícil encontrar um italiano falando baixo quanto um brasileiro. O sottovoce não pegou em nenhum dos dois povos. E o que sempre agrava as crises brasileiras – como essa dos grampos, ou da bisbilhotice banalizada e oficializada – é que ninguém, do presidente ao gari, passando por ministros e comentaristas, se segura na hora de dizer bobagens. Se ao menos as dissessem sottovoce, o dano seria menor. (...) Veríssimo. HOJE EM DIA. 7/9/2008. P. 8 - PLURAL Os dicionários são obras de caráter metalingüístico, neles usa-se a língua (código lingüístico) para definir a própria língua. 1.3.6 Função poética A função poética enfatiza a mensagem. Se, ao ler um texto, você perceber que o objetivo da mensagem é mostrar um trabalho de elaboração da linguagem, então, você está diante da função poética. Anúncios publicitários (e políticos) recorrem freqüentemente à função poética da linguagem. Neles é comum um trabalho com o signo 387 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período lingüístico (rimas, jogo de palavras, neologismos, aliterações, assonâncias) com o objetivo de provocar algum efeito de sentido no receptor. A função poética não abrange somente a poesia, embora, na poesia, a função poética seja predominante e, em outras formas de expressão lingüística, ela seja acessória. Veja os exemplos de função poética nos textos abaixo: Nos versos de Drummond, o trabalho com a linguagem (criação B GC GLOSSÁRIO A E F Aliteração: repetição da mesma consoante no interior de um ou mais versos. “O meu tempo e o teu, amada, Transcendem qualquer medida. Além do amor, não há nada, Amar é o sumo da vida. (In: ANDRADE, Carlos Drummond de. Amar se aprende amando. São Paulo: Record, 1990) das rimas: amada/nada; medida/vida) produz efeito melódico. No texto de propaganda, percebe-se o jogo de palavras entre “dourados” e “cromados” para referir-se ao material empregado no “Quem com ferro fere, com ferro será ferido.” (provérbio) Assonância: repetição da mesma vogal no interior de um ou mais versos. Nos versos abaixo, há assonância das vogais a e o nasais. (REVISTA VEJA, 5/12/2007. p. 120) “E bamboleando em ronda dançam bandos tontos e bambos de pirilampos”. (Versos de Guilherme de Almeida) Figura 6 produto anunciado (moto) e remeter à idéia de liberdade propiciada pela moto, ícone dos anos dourados. Houve, portanto um trabalho intencional de linguagem. 1.4 VARIAÇÕES LINGÜÍSTICAS 388 Língua Portuguesa UAB/Unimontes “Há uma grande diferença se fala um deus ou um herói; se um velho amadurecido ou um jovem impetuoso na flor da idade; se uma matrona autoritária ou uma ama delicada; se um mercador errante ou um lavrador de pequeno campo fértil, [...]. (Horácio, Arte Poética) Após o estudo dos conceitos de língua, linguagem, fala, gramática e das funções da linguagem, será mais fácil e proveitoso trabalhar com as variações lingüísticas, pois são conteúdos intimamente relacionados. A língua é um valioso instrumento de ação social e seu uso, conforme seja adequado ou não, pode facilitar ou comprometer nosso relacionamento com as demais pessoas. Além disso, o uso individual da língua apresenta valores que vão além de nossa intenção de transmitir informações, idéias e pontos de vista. A escolha que fazemos das palavras, certas expressões que empregamos, nossas preferências por determinadas construções frasais têm o poder de revelar, de “denunciar” quem realmente somos, quais são nossas crenças, em que região do país nascemos, que nível social e de estudos possuímos, qual é nossa profissão, dentre muitos outros aspectos. Isso ocorre porque a língua é um sistema dinâmico, extremamente flexível, que se modela com naturalidade a diversos fatores que envolvem o falante, como religião, classe social, região geográfica, sexo, idade e a própria evolução histórica da língua e, ainda, o grau de formalidade/informalidade do contexto em que se dá a situação de fala ou Marcos Bagno é professor de lingüística da Universidade de Brasília (UnB), é um pesquisador que se dedica a criticar a idéia. Senso-comum, de que o brasileiro fala e escreve mal o próprio idioma. Essa visão atinge principalmente as camadas pobres da sociedade, por estarem distanciadas do padrão ensinado na escola. O preconceito lingüístico, porém, Figura 7: Marcos Bagno revela um outro preconceito: o social. “A língua, a maneira de falar, é apenas uma desculpa que as outras pessoas usam para discriminar, para excluir”, afirma Bagno. Mineiro de Cataguases, ele é autor de vários livros que desfazem mitos em torno do português falado e escrito no Brasil, como A Língua de Eulália (1997), Preconceito lingüístico – o que é, como se faz (1999), Português ou Brasileiro? (2002) e A norma oculta (2003). www.sergipe.com.br/balaiodenoticias/linguistica.htm 389 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período escrita. Nosso contato diário com outros falantes em ambientes diversos – rua, clube, escola, trabalho, restaurante etc. – confirma que não há uniformidade no uso da língua. As pessoas se expressam de maneiras diferentes e isso é perfeitamente natural no interior de uma mesma língua, como é o caso da Língua Portuguesa. Essas diferenças podem se manifestar em relação ao vocabulário, à pronúncia, à morfologia e à sintaxe. Elas aparecem fortemente ligadas ao falante e são justificadas por motivos culturais, sociais, históricos, religiosos, geográficos e outros. A essas diferenças no uso da língua dá-se o nome de Variações ou Variantes Lingüísticas. Antes de prosseguirmos no estudo das Variações Lingüísticas, é bom que se esclareça que não há uma “variedade” melhor ou pior, certa ou errada, elegante ou feia, de prestígio ou sem prestígio. Essas diferenças lingüísticas são como um distintivo dos indivíduos e grupos sociais e, por isso, elas são constituintes de sua identidade. Ora, eleger uma variedade lingüística como melhor significa desprezar as outras. Ao agirmos assim, expressamos um juízo de valor (nesse caso, inaceitável) e prejulgamos os falantes, usando essas diferenças lingüísticas naturais como pretexto para a discriminação social dos indivíduos. Portanto, todas as Variações Lingüísticas são perfeitamente adequadas à realidade do grupo social e do contexto em que surgiram, desde que permitam a interação verbal entre os indivíduos, isto é, desde que permitam aos indivíduos expressarem suas necessidades comunicativas e cognitivas. 1.4.1 Tipos de variações lingüísticas As variações lingüísticas ocorrem devido a fatores geográficos (diatópicos), sócio-culturais (diastráticos), históricos ou de época (diacrônicos) e contextuais (diafásicos). 1.4.1.1 Variação geográfica A variante lingüística mais evidente no Brasil é a geográfica. Essa variante se caracteriza, principalmente, pelo acento lingüístico (altura, timbre, intensidade do som), isto é, pela maneira de pronunciar as palavras. Os habitantes de cada região apresentam “melodias” frasais diferentes, desenvolvem formas de realização lingüística que lhes são próprias e os distinguem dos falantes de outras regiões. Ao conjunto de características comuns da pronúncia de cada região denomina-se “sotaque”: sotaque mineiro, sotaque goiano, sotaque nordestino etc. ou “dialeto” regional: dialeto mineiro, dialeto nordestino 390 Língua Portuguesa UAB/Unimontes etc. DICAS Os romances “O tempo e o Vento (de Érico Verissimo) e “Vidas Secas” (de Graciliano Ramos), por exemplo, são obras em que você encontra vocabulário típico da região geográfica em que o enredo se situa. Alguns aspectos fonéticos regionais bastante conhecidos dos brasileiros são, por exemplo, a pronúncia do “s” chiado do carioca; a abertura das vogais pelos nordestinos; a entoação particular dos gaúchos e o “r” bem marcado no interior de São Paulo. Exemplificando: A letra da música “Cuitelinho”, composta por Paulo Vanzolini, mostra uma variação regional, própria do espaço geográfico rural de alguns estados brasileiros. Nela, há também a influência da variação sócio-cultural, percebida no emprego de: “bera” por “beira”, “navaia” por “navalha”, “oio” por “olhos” (aspectos fonológicos) e “os oio se enche d'água por “os olhos se enchem d'água; “As garça dá...” por “As garças dão...” (aspecto morfológico). Observe, ainda, que o compositor “brinca” com as rimas para efeito melódico. B GC GLOSSÁRIO E A F Morfologia: Estudo do signo lingüístico reduzido à sua expressão mais simples (morfema) e a combinação entre esses morfemas formando unidades maiores como a palavra e o sintagma. Cuitelinho: Diminutivo de cuitelo. Nome popular dos beija-flores. A variação geográfica ocorre também no vocabulário, em Cuitelinho Cheguei na bera do porto Onde as onda se espaia. As garça dá meia volta, Senta na bera da praia. E o cuitelinho não gosta Figura 8: Cuitelinho Que o botão de rosa caia. Quando eu vim de minha terra, Despedi da parentaia. Eu entrei no Mato Grosso, Dei em terras paraguaia. Lá tinha revolução, Enfrentei fortes bataia. A tua saudade corta Como o aço de navaia. O coração fica aflito, Bate uma, a outra faia. E os oio se enche d'água Que até a vista se atrapaia. (In: Marcos Bagno. A língua de Eulália São Paulo: Contexto, 1997. p. 45-6.) 391 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período algumas estruturas frasais e nas designações diferentes para o mesmo significado, que uma palavra pode adquirir de uma região para outra. Assim é que usamos “mandioca”, “aipim” ou “macaxeira”; “pernilongo” ou “mosquito”, dependendo de nossa região de origem. Em Montes Claros, Minas Gerais, por exemplo, o objeto escolar onde se guardam lápis, borracha e canetas chama-se “estojo”, no Paraná é “penal” (de pena + al) estojo para guardar penas, lápis etc. Embora a palavra “penal” conste do dicionário como um regionalismo de Minas Gerais, ela não é usada entre os mineiros. E as variações geográficas se concretizam nas expressões típicas dos nordestinos: “OXENTE, BICHINHO (indicando admiração); VISSE? (ouviste), CABRA MACHO DA MULESTA (indivíduo corajoso, valentão); no “BAH, TCHÊ” dos gaúchos ou no uso freqüente do diminutivo pelos mineiros: “COITADINHO, TADINHO” (coitado) ou mesmo na redução desses diminutivos: “TADIN” (coitadinho), “BONZIN” (bonzinho) etc. Exemplificando: B GC GLOSSÁRIO A E F Apócrifo: não autêntico, falso, suposto Bombacha: calças largas, apertadas acima dos tornozelos por meio de botões; vestimenta típica do gaúcho campeiro. Pelego: Pele de carneiro com a lã. Abancar: tomar assento à banca ou à mesa. Marca: cada um dos passos ou Abaixo, apresentamos-lhe um texto de Luís Fernando Veríssimo, escritor gaúcho, como exemplo de variação geográfica. evoluções de uma dança. Observe o emprego de palavras e expressões peculiares aos falantes gaúchos nos diálogos encenados pelo analista e seu paciente. Charlar: tagarelar, falar à toa. Pereba: pequena ferida, sarna. 1.4.1.2 Variação sócio-cultural O Analista de Bagé Certas cidades não conseguem se livrar da reputação injusta que, por alguma razão, possuem. Algumas das pessoas mais sensíveis e menos grossas que eu conheço vêm de Bagé, assim como algumas das menos afetadas são de Pelotas. Mas não adianta. Estas histórias do psicanalista de Bagé são provavelmente apócrifas (como diria o próprio analista de Bagé, história apócrifa é mentira bem educada) mas, pensando bem, ele não poderia vir de outro lugar. Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão. — Buenas. Vá entrando e se abanque, índio velho. — O senhor quer que eu deite logo no divã? — Bom, se o amigo quiser dançar uma marca, antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente estendido e charlando que nem china da fronteira, pra não perder tempo nem dinheiro. — Certo, certo. Eu... 392 Língua Portuguesa UAB/Unimontes — Aceita um mate? — Um quê? Ah, não. Obrigado. — Pos desembucha. — Antes, eu queria saber. O senhor é freudiano? — Sou e sustento. Mais ortodoxo que reclame de xarope. — Certo. Bem. Acho que o meu problema é com a minha mãe — Outro. — Outro? — Complexo de Édipo. Dá mais que pereba em moleque. — E o senhor acha... DICAS — Eu acho uma pôca vergonha. — Mas... — Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê! O filme “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil”, de Carla Camurati, (1995) representa uma ótima oportunidade de se verificar as diferenças entre o modo de falar de portugueses e brasileiros. PARA REFLETIR Usou-se (pre)conceitos para salientar que, de acordo com a sociolingüística, todas as variações se correspondem, todas são adequadas às mais diferentes situações sociais de que participamos. Seja qual for a variante usada, ela possibilita que os membros de uma sociedade estabeleçam relações comunicativas, afetivas e humanas. Texto extraído do livro "O gigolô das palavras", L&PM Editores – Porto Alegre, 1982, pág. 78 As condições sociais influenciam decisivamente o modo de falar dos indivíduos. A idade, a experiência de vida do falante, seu grau de maturidade condicionam sua atuação lingüística. A variação sócio-cultural corresponde, principalmente, a diferenças que se percebem na fonologia (“muié” por “mulher”, “lâmpida” por “lâmpada”, “frecha” por “flecha”, “isquentá” por “esquentar”) e na morfologia (“nós vamu”, por “nós vamos, “as pessoa” por “as pessoas”). Exemplificando: Nos quadrinhos, para opor, humoristicamente, “céu” e “inferno”, o autor se vale da linguagem popular, com bastante criatividade. As variedades faladas pelos indivíduos de classe social menos www.portalimpacto.com.br Figura 9: Quadrinhos 393 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período favorecida são denominadas populares, enquanto as variedades cultas associam-se às classes de maior prestígio e servem de referência para a norma escrita. Existe, no Brasil, uma tendência à discriminação da variante popular, geralmente fundamentada nos (pre)conceitos de que seus falantes não dominam a norma padrão, usam seus próprios recursos para se comunicarem, cometem “erros” que viciam e empobrecem a língua Outros fatores responsáveis pelas variantes sócio-culturais são: a idade do falante, a classe social a que pertence, a raça, a religião, a profissão. Variações lingüísticas referentes ao sexo também ocorrem no Português. É mais comum às mulheres, por exemplo, o uso de diminutivos: “comidinha”, “nenenzinho”, “belezinha” e mais freqüente que os homens usem aumentativos: “amigão”, “Fernandão”, “partidão” (referindo-se a uma boa partida de futebol). Além desses exemplos, algumas palavras e expressões de nossa língua se destinam exclusivamente ao uso pelas mulheres (“obrigada”, “grata”, “eu mesma”, “eu própria”) e outras, apenas ao uso do sexo masculino (“obrigado”, “grato”, “eu mesmo”, “eu próprio”). No Brasil, a variação sócio-cultural é bastante evidente. Quanto mais cultura o cidadão tiver, mais bem estruturadas serão suas frases, mais rico seu vocabulário, ao contrário do falar das pessoas com pouco ou nenhum estudo. Um enfermeiro ou um técnico em enfermagem, por exemplo, dominam um vocabulário específico de sua área e são capazes de sustentar um diálogo eficiente com os demais profissionais com quem convivem. A profissão condiciona o falante ao uso de expressões típicas de sua área de atuação. Profissionais da área médica, por exemplo, têm gírias específicas com as quais interagem, mesmo à vista do paciente leigo no assunto, sem que este compreenda de que trata. Do vocabulário específico dos profissionais se formam as gírias, que facilitam a comunicação entre eles e os caracterizam. As gírias ligadas a profissões ou determinados grupos sociais (estudantes, capoeiristas, internautas) são denominadas “jargão”. A idade é outro fator que influencia as diferenças sócio-culturais São alguns exemplos de jargões médicos “Evoluir o paciente” (fazer anotações, descrições no prontuário); “CT de crânio” (tomografia computadorizada); “Bexigoma” (repleção ou distensão vesical. Gírias populares: Advogados usam “peticionar”; eu, sua professora de Português, uso “pedir” ou “solicitar”, porque, na minha profissão,“ não entro com uma ação perante o juiz. A gíria inexiste no dicionário) Vários fatores como a profissão, a idade, o sexo, a religião, dentre outros e o convívio no meio social determinam as escolhas e os hábitos lingüísticos das pessoas. bafafá: confusão; patavina: nada; araque: sem valor, mentira; arco da velha: muito antigo; etc. 394 PARA REFLETIR Você se importa com a impressão que causa nos outros, quando usa uma linguagem inadequada ao contexto? Língua Portuguesa DICAS UAB/Unimontes de adolescentes e idosos. Os jovens são, comumente, mais abertos a inovações lingüísticas advindas do avanço tecnológico, enquanto os idosos se mostram mais reservados a isso, são mais conservadores das estruturas e usos já internalizados. Para aprofundar seus conhecimentos sobre a variação sócio-cultural, sugerimos que você faça a leitura do livro: A Língua de Eulália – novela sociolingüística, de Marcos Bagno, editora Contexto, São Paulo. Todos os fatores mencionados comprovam que o uso da língua está subordinado ao nível social e cultural das pessoas. Nossa fala é o produto de tudo aquilo que nos fez chegar ao que somos hoje: o convívio com nossa família, com os amigos, os livros que lemos, os filmes a que assistimos, a religião que praticamos, nossas crenças e valores, enfim, é nossa experiência de vida que determina nossas escolhas e essas escolhas nos dão identidade. O enredo leva o leitor a um passeio prazeroso pela Sociolingüística – ciência ainda nova – e lhe permite uma compreensão mais ampla do papel das variantes sócio-culturais. Incluem-se, também, no âmbito das variações lingüísticas, aquelas denominadas históricas ou de época. 1.4.1.3 Variação histórica São variações que ocorrem por um processo natural de desenvolvimento e enriquecimento das línguas, ocasionado pelo avanço social, político, tecnológico, científico e cultural das sociedades. Assim é que algumas palavras “envelhecem”, entram em desuso, passam a figurar apenas nos dicionários, porque aquilo que elas designavam também deixou de ser usado ou foi substituído por algo mais eficiente. É o caso, por exemplo, da palavra “escarradeira”. Se ela já foi utensílio de destaque na sala de visitas das famílias patriarcais (literalmente significando “cuspideira”, “vaso em que se escarra”), hoje essa palavra é inteiramente desconhecida das gerações mais jovens. Motivo? Desapareceram a casa grande e a senzala, logo, o hábito de se cuspir em vaso também desapareceu e, com ele, a palavra que o acompanhava. Algumas palavras e expressões, às vezes, mudam seu significado e outras mais antigas, ainda em uso, alteram sua grafia para acompanharem a evolução social. Essa mesma evolução social é responsável, em contrapartida, por um incontável número de palavras e expressões novas que invadem nosso cotidiano, cada vez mais repleto de tecnologias. As palavras em desuso são chamadas “arcaísmos” e as de criação recente são denominadas “neologismos”. Muitos escritores brasileiros desfrutam de sua liberdade de uso da língua para criar neologismos singulares que notabilizam seu estilo e enriquecem nossa literatura. Guimarães Rosa se destaca nesse trabalho. Observe um fragmento de seu estilo literário em que ele apresenta alguns neologismos. Os textos que analisaremos a seguir ilustram a variação histórica. 395 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período “Do demo? Não gloso. Senhor pergunte aos moradores. Em falso receio, desfalam no nome dele – dizem só: o Que-Diga. [...] Doideira. A fantasiação. E o respeito de dar a ele assim esses nomes de rebuço, é que é mesmo que ele forme forma, com as presenças.” (Do livro “Grande Sertão: Veredas”. João Guimarães Rosa. p. 26). Observe que as palavras “collyrio” e “Brazil” figuram nos dias atuais com a mesma acepção, mas com grafia diferente. À época da veiculação do texto I (em 1934), ele era conhecido como “reclame” (vindo do francês “réclame”), termo que também “envelheceu”. Atualmente, esse gênero textual é conhecido como: comercial, anúncio, propaganda (texto de propaganda). www.farmaciaviverbememcasa.com.br Figura 10: Redame (1934) e Embalagem atual do colírio (2008) É importante ressaltar, ainda, que o espaço rural ou urbano é também responsável por determinadas características da língua. A região rural, por sua localização mais afastada dos centros urbanos, tende a manter uma certa regularidade no uso da língua e é menos afeita a novidades lingüísticas. A região urbana, ao contrário, tende a ser mais flexível a essas novidades, à criação de nomes para designarem novas técnicas, aparelhos, remédios, doenças, veículos etc. e as incorpora com maior facilidade. Assim sendo, pode-se concluir que os falares urbanos são mais dinâmicos, pois refletem a velocidade das mudanças, os apelos e as exigências das grandes cidades. 1.4.1.4 Variações contextuais 396 Língua Portuguesa UAB/Unimontes Como o próprio termo indica, variações contextuais são decorrentes do contexto, ou seja, da situação de comunicação. Elas nascem do comportamento lingüístico do indivíduo. Ora, por experiência pessoal, sabemos que há ambientes e situações que permitem o uso de uma linguagem bastante informal (um diálogo afetivo com uma criança), outros que requerem um nível mais formal de linguagem (apresentar um tema em um congresso científico). Um falante não utiliza a mesma variante em todas suas atividades lingüísticas. No ambiente familiar, por exemplo, em que as pessoas não estão preocupadas com uma comunicação dentro da norma padrão, o falante usará uma linguagem mais descontraída; no ambiente de trabalho, certamente utilizará uma linguagem mais técnica, específica de sua profissão; em algum evento social de caráter cerimonioso utilizará uma linguagem mais formal, diferentemente do que faria se estivesse assistindo a uma partida de futebol de seu time. Assim, o falante pode se permitir escolher a linguagem mais adequada à situação comunicativa e, mesmo sendo extremamente escolarizado e culto, nada o impede de usar uma gíria num bate-papo com amigos. Exemplificando: O texto em quadrinhos que apresentamos para exemplificação encena exatamente o que se acabou de afirmar no parágrafo acima. O quadrinista Angeli simula uma situação de poder exercida através da linguagem. O político (detentor do poder) usa uma linguagem formal, cerimoniosa e “postiça” para coagir o depoente (pessoa mais simples: roupas informais; frases curtas afirmativas, denotando respeito). O humor decorre da passagem inesperada da linguagem formal para a informal. Quando o político se sentiu ameaçado, deixou de lado a linguagem artificial e Fonte: In: Platão e Fiorin. Lições de texto: passou a exercer sua leitura e redação. SP: Ática. 2004 “autoridade” com uma linguagem infor mal e mesmo agressiva. Isso reforça, pois, a idéia de que a situação ou contexto em que se dá a comunicação condiciona o comportamento lingüístico do falante. Observe: 1 . 5 N Í V E I S LINGUAGEM D E Figura 11: Texto em quadrinhos 397 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Ate aqui, insistimos no fato de que não falamos sempre do mesmo jeito, de que podemos nos valer de diversas variantes lingüísticas, conforme a circunstância em que se dá a comunicação. Dessas possibilidades de uso da língua sur gem, conseqüentemente, diferentes tipos de linguagem, cada qual com suas especificidades. Essas variações de uso da língua por um mesmo falante recebem o nome de registros ou níveis de linguagem. Estudiosos da sociolingüística consideram que são três os níveis de linguagem: nível culto, familiar e popular. 1.5.1 Nível culto (formal) Correspondente à linguagem cuidada, com observância às normas da língua padrão, utilizado por falantes altamente escolarizados – intelectuais, diplomatas, cientistas, literatos. Empregado, principalmente, na forma escrita e em situações de maior formalidade. O vocabulário é amplo, apurado, preciso, as construções mais elaboradas. Exemplificando: O texto a seguir é parte da resposta de um profissional a alguém que pôs em dúvida a seriedade de seu trabalho. Apesar de ser um desabafo – desabafos geralmente são emocionais – o articulista mantém o tom da gravidade do assunto e usa a linguagem formal cujo vocabulário é objetivo, amplo e as estruturas frasais mais complexas. 1.5.1.1 Nível familiar (comum) Fala quem pode “[...] Todo o relato descrito pela senhora reclamante pode ser verificado diretamente e com precisão na central de regulação. Todas as ligações telefônicas e transmissões do Samu são gravadas: podem-se verificar os horários, que tipo de informação o solicitante passou, se houve um segundo telefonema, que tipo de ambulância compareceu, o momento exato de sua chegada, o que foi falado no rádio etc. A acusação de omissão de socorro (artigo 135 do Código Penal, 'deixar de prestar assistência...') feita pela reclamante é séria e deveria ser oficialmente protocolada por ela. Apesar disso, ela se contradiz ao relatar que o paciente em questão chegou a ser atendido. A reclamante desconhece que a ambulância enviada ao local é aquela que estiver mais próxima e disponível. Todas as unidades básicas (USB) dispõem de 398 Língua Portuguesa UAB/Unimontes desfibrilador automático, equipamento essencial ao atendimento da parada cardiorrespiratória ocorrida nesse caso. [...] A 'burocracia' citada por ela é extremamente simples (basta se identificar endereço da ocorrência, situação da vítima e seguir orientações do médico), mas deve ser explanada com o mínimo de clareza e educação pelo solicitante, sem agressões verbais à equipe do Samu, o que infelizmente ocorre freqüentemente. Desconhece que todo este sistema organizado e hierarquizado é pioneiro no Brasil. O seu modelo e os protocolos seguidos por ele são adaptados de países como a França e Estados Unidos. Esta estrutura possibilita que uma sala de emergência seja montada na Savassi ou em Ribeirão das Neves, na rua ou em domicílio, em casa ou no 10º andar, dentro da favela ou na estrada e dentro do carro. [...]” (Jornal Estado de Minas, 4 de setembro/2008. P. 2 Caderno Cultura. Texto fragmentado). ATIVIDADES Aproveite as oportunidades de situações de fala em seu dia-a-dia para verificar a riqueza de contrastes que cada situação oferece. Faça um registro de palavras, ou expressões, “estranhas” a seus ouvidos, termos regionais, gírias, jargões profissionais e tudo que você julgar interessante do ponto de vista lingüístico. Escreva, após, um texto empregando essas palavras de modo bem criativo. Representa a linguagem que foge às formalidades e aos requintes gramaticais. Pode servir tanto à utilização oral como à escrita. Caracteriza-se por construções gramaticais mais simples, incluindo frases freqüentemente curtas e coordenadas, repetições. É um registro intermediário das categorias culta e popular. Caracteriza, geralmente, o falante medianamente escolarizado. Exemplificando: Por onde passam, os brasileiros deixam marcas – para as boas e más línguas. Na Inglaterra não deve ser diferente. Acredito até que, logo, logo, em vez do chá das cinco, a realeza vai é entrar no ritmo do pandeiro e do tamborim. (Estado de Minas, 5 de setembro/2008. P. 36 – Texto fragmentado). 1.5.1.2 Nível popular Esse registro constitui uma variante informal de menor prestígio, se comparado ao registro familiar. Representa um ato de fala mais descontraído, espontâneo, concreto e subjetivo. Distancia-se das normas gramaticais, o vocabulário é restrito, aparecem redundâncias e gírias. Caracteriza o falante com baixo ou nenhum grau de escolaridade. Nessa modalidade popular, aparece também o registro vulgar em que se empregam termos chulos e obscenos. 399 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Exemplificando: “Eu acho que a gente tem de colocar no poder quem ajuda a gente. Coloco meus filhos e os vizinhos pra ajudar também. Não tô passando fome por causa do benefício que ele me dá”, considera ela, que também afirma nunca ter visto rosto do ministro. (Caderno Distrito Federal, HOJE EM DIA, p. 7, fragmento, 24 agosto 2008). As discussões sobre as variações lingüísticas que fizemos até aqui confirmam que diversos fatores envolvem o processo de comunicação, condicionando as escolhas lingüísticas do falante. É essa mobilidade da língua que permite a seu usuário realizar com eficiência seus atos de fala e escrita. Portanto, prezado aluno, você que inicia seus estudos das línguas e linguagens, lembre-se de que o conhecimento das variações lingüísticas é, também, um conhecimento cientificamente fundamentado nas relações humanas. Compreender, realmente, as variações lingüísticas, fato concreto em nosso Português, possibilitará que você seja um falante mais cuidadoso, mais humano, capaz de compreender seu semelhante e ser compreendido, exercitando sua consciência crítica e cidadã. Assim sendo, ao usar a língua, ajustando-a às especificidades da situação de comunicação, você demonstrará bom-senso, maturidade intelectual e capacidade crítica nos processos de leitura e de produção de textos. 1.6 LINGUAGEM ORAL E LINGUAGEM ESCRITA Nesta subunidade, vamos conversar sobre a distinção entre linguagem oral e linguagem escrita. Temos alguns esclarecimentos a fazer, pois, geralmente, as pessoas não distinguem bem essas duas modalidades principais da língua portuguesa. Já apresentamos, no item 1.5., os níveis de linguagem e vamos recorrer a eles, aqui, para início de conversa. As modalidades oral e escrita do Português não apresentam as formas, os recursos expressivos ou a gramaticalidade idênticas. Independente da utilização de um mesmo nível de linguagem para a comunicação oral ou escrita, cada comunicação apresentará suas especificidades, suas características peculiares. Então, vamos lá! Há, realmente, diferenças marcantes entre fala e escrita, pois cada modalidade está diretamente relacionada a um contexto sociocultural, a um propósito definido, a particularidades lingüísticas do falante. 1.6.1 Linguagem oral 400 ATIVIDADES Preste atenção a situações de interlocução entre as pessoas nos ambientes que você freqüenta. Você é capaz de caracterizar um falante desconhecido pela linguagem que ele usa? Habitue-se a fazer essa análise e você verá como é enriquecedor (e também interessante) perceber o outro pelo uso da língua. Língua Portuguesa PARA REFLETIR Não há oposição irredutível entre a linguagem falada e a escrita, mas “uma interação, que admite graus diversos de influência da língua falada na língua escrita.” (in A Língua Portuguesa e a unidade do Brasil, de Barbosa Lima Sobrinho, editora José Olympio). UAB/Unimontes A linguagem oral é espontânea, livre e informal. Essas características se justificam porque, na comunicação oral, há o contato direto dos interlocutores e pode-se contar também com recursos extralingüísticos: gestos, expressões faciais e corporais, postura etc. Também, estando em um mesmo ambiente, os falantes podem recorrer a objetos desse ambiente para facilitar a comunicação de suas idéias, de informações ou emoções. É por isso que se diz que a linguagem oral é mais criativa. Ela não se prende inteiramente às regras gramaticais, seu vocabulário é mais reduzido e constantemente renovado. Exemplificando : 1.6.2 Linguagem escrita Contraponto Animador de auditório Surfando em índices de aprovação sempre acima dos 70% em Pernambuco, Lula se soltou durante a inauguração de um campus da Universidade Federal Vale do São Francisco, ontem, em Petrolina. O presidente criticou a “elite” que se forma “no exterior” e vai à praia de Boa Viagem. Ao lado de uma aluna de psicologia, perguntou: Você tem namorado, Janaína? Diante da negativa da moça, emendou: ATIVIDADES “... a língua escrita, ou melhor, a linguagem literária se nutre da linguagem falada, sob pena de se tornar língua morta, como sucedeu com o latim...” (Lima Sobrinho) O que você infere sobre a língua falada, a partir dessa afirmativa? Escreva suas conclusões. Já que você não tem namorado, eu vou lhe dar um beijo mais carinhoso... E, sem medo de ser feliz, tascou um beijo na bochecha da universitária, para delírio da platéia. FOLHA DE S. PAULO, sexta-feira, 5 de setembro de 2008. p.A4 A linguagem escrita é mais elaborada, cuidada, é presa às regras da gramática e ao padrão considerado culto. Apresenta vocabulário apurado e preciso. É importante ressaltar que, na comunicação escrita, locutor e interlocutor estão a distância, o contato ente eles é indireto. Assim, a linguagem escrita é mais conservadora em sua constituição, é mais refletida, exige maior esforço de elaboração por parte do falante, que deve “cumprir”, eficientemente, suas intenções comunicativas com um interlocutor “ausente”. Apesar de apresentarem essas diferenciações básicas, tanto a linguagem oral como a escrita apresenta níveis ou registros. Lembra-se de que já estudamos os níveis ou registros de fala? Então, situações formais, 401 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período seja falando ou escrevendo, exigem maiores cuidados de pronúncia e de escrita. Em situações informais, a expressão lingüística se adapta também ao grau de formalidade ou informalidade (em família, no trabalho, na igreja, na escola) e as preocupações com a correção gramatical tornam-se menos rigorosas. Imagine, por exemplo, se você falaria com seus amigos durante um churrasco na casa de um deles, do mesmo modo como falaria a acionistas de uma empresa durante uma reunião de negócios. É claro que não! O mesmo ocorre com a comunicação escrita: uma mensagem pessoal e afetiva para um amigo apresentará traços informais, subjetivos; para o diretor de uma empresa terá, sem dúvida, uma linguagem mais elaborada, mais neutra e objetiva. Exemplificando: Para que você possa analisar melhor as características entre fala (linguagem oral) e escrita (linguagem escrita), apresentamos-lhe o Afra Balazina da reportagem local O sistema de monitoramento independente do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) aponta queda na taxa de desmatamento da floresta amazônica em 2008, em comparação com o pe-ríodo anterior. A avaliação ocorre poucos dias após o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostrar aumento do desflorestamento na região. . FOLHA DE S. PAULO, sexta-feira, 5 de setembro de 2008 p. A16 seguinte quadro comparativo: Finalmente, é bom relembrar que só há interação quando o falante ajusta sua linguagem ao destinatário. Nosso português é uma língua riquíssima e oferece múltiplas possibilidades de recursos e usos. Cabe, pois, ao falante a escolha adequada desses recursos para garantir uma comunicação eficiente. No entanto, mesmo que você saiba que não se pode estigmatizar o ato de fala do indivíduo socialmente desfavorecido, nossa sociedade valoriza o domínio da língua escrita, pois ela é fundamental para a compreensão da informação tecnológica e científica, para a promoção do indivíduo e para a transformação social. 402 Língua Portuguesa UAB/Unimontes compreensão da informação tecnológica e científica, para a promoção do indivíduo e para a transformação social. Quadro 1 LINGUAGEM ORAL LINGUAGEM ESCRITA 1. SITUAÇÃO / CONTEXTO Locutor e interlocutor Locutor e interlocutor a frente a frente distância ISSO POSSIBILITA : ISSO IMPOSSIBILITA : perceber de imediato as reações do interlocutor redirecionar a mensagem a partir das reações do interlocutor reformulação simultânea da mensagem, tanto pelo locutor como pelo interlocutor. perceber de imediato as reações do leitor redirecionar a mensagem a partir das reações do leitor reformulação da mensagem, pois sua produção foi anterior 2. CARACTERÍSTICAS Vocabulário espontâneo, res - Vocabulário formal, amplo, trito, repetições de palavras. mais apurado. Emprego de gírias, neologismos. Emprego de termos técnicos Liberdade na colocação dos pronomes (Me empreste o lápis). Rigor na colocação pronominal (Empreste -me o lápis) Frases incompletas, com implícitos e subentendidos. Frases completas, com clareza das idéias. Emprego de formas contraídas (cê, pra) e omissão de palavras no interior das frases. Frases construídas com rigor gramatical, sem omissões e ambigüidades. Uso de orações coordenadas e subordinadas, mais elabo radas. Emprego maior de pronomes relativos. Uso de frases criativas e expressivas. Neutralidade, objetividade. Maior freqüência de ora ções curtas e orações coordena-das. Ausência de pronomes relati vos (onde, cujo). Presença de clichês, cha -vões, frases feitas, provérbios. Subjetividade, emotividade (interjeições, diminutivos, aumentativos). 403 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período REFERÊNCIAS ANTUNES, I. Aula de português: encontros e interação. São Paulo: Parábola, 2004. BENTES, A. C. & MUSSALIN, Fernanda.(orgs). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. FIORIN, José Luís. Teorias do discurso e ensino da leitura e da redação. In: Gragoatá. n.1 (2. sem. 1996). Niterói: EDUFF, 1996. PETTER, Margarida. Linguagem, língua e lingüística. In: FIORIN, José Luiz (org). Introdução à lingüística. São Paulo: Contexto, 2005. 404 2 Língua Portuguesa UAB/Unimontes UNIDADE 2 LEITURA APRESENTAÇÃO Como já dizia Rubem Alves, “Pelo poder da palavra ela pode agora navegar nas nuvens, visitar as estrelas, entrar no corpo de animais, fluir com a seiva das plantas, investigar a imaginação da matéria, mergulhar no fundo de rios e de mares, andar por mundos que há muito deixaram de existir, assentar-se dentro de pirâmides e de catedrais góticas, ouvir corais gregorianos, ver os homens trabalhando e amando, ler as canções que escreveram, aprender das loucuras do poder, passear pelos espaços de literatura, da arte, da filosofia, dos números, lugares onde seu corpo nunca poderia ir sozinho... Corpo espelho do universo! Tudo cabe dentro dele!” Esperamos que nesta unidade, você possa compreender a importância da leitura em nossa vida cotidiana e apreenda as maravilhas de se inserir neste mundo tão rico. Avante!!! Nas subunidades: 2.2 Caracterização 2.3 Processos de leitura 2.4 Fatores intervenientes no “ato de ler”, procuramos mostrar que LER significa DECODIFICAR, INTERPRETAR, CONHECER e, para que o processo de leitura se dê satisfatoriamente, é necessário que o leitor interaja com o texto, buscando retirar informações que lhe possibilitem construir seu significado através das estratégias de leitura. Iniciemos então essa nova jornada. Boa leitura! LEITURA Como já dizia Rubem Alves, “Pelo poder da palavra ela pode agora navegar nas nuvens, visitar as estrelas, entrar no corpo de animais, fluir com a seiva das plantas, investigar a imaginação da matéria, mergulhar no fundo de rios e de mares, andar por mundos que há muito deixaram de existir, assentar-se dentro de pirâmides e de catedrais góticas, ouvir corais gregorianos, ver os homens trabalhando e amando, ler as canções que escreveram, aprender das loucuras do poder, passear pelos espaços de literatura, da arte, da filosofia, dos números, lugares onde seu corpo nunca poderia ir sozinho... Corpo espelho do universo! Tudo cabe dentro dele!” Esperamos que, nesta unidade, você possa compreender a importância da leitura em nossa vida cotidiana e apreenda as maravilhas de se inserir neste mundo tão rico. Avante!!! 405 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período 2.1 CARACTERIZAÇÃO O ato de ler caracteriza-se pelo processo de construir significados a partir de um texto. Esse processo se torna possível por causa da interação entre os elementos textuais e os conhecimentos do leitor. Quanto maior essa interação, maiores as possibilidades de sucesso na leitura. Um texto é uma unidade básica de comunicação que possui vários sentidos (é polissêmico), permitindo assim que cada leitor possa ter uma interpretação de acordo com o seu conhecimento de mundo. É claro que essa interpretação será limitada pelos aspectos formais que o compõem, como o vocabulário, a combinação das palavras na frase e a escolha dos tempos verbais que não permitirão que o leitor fuja dos limites do texto. Não é qualquer sentido que pode ser dado a qualquer texto. Há um limite a ser respeitado. 2.2 PROCESSOS DE LEITURA Pretendemos nesta subunidade ressaltar a importância do conhecimento prévio para o processo de leitura. Acreditamos que o presente estudo possa contribuir para a prática educativa à medida que visa propor questões para um melhor aperfeiçoamento da habilidade de leitura em esferas formativas. Todo e qualquer processo de aprendizagem envolve troca de conhecimentos e, portanto, interação. Ocorre que ter ou não ter conhecimento prévio. A palavra “ler” advém do Latim “Legere” e significa ler, colher. Ler significa colher conhecimentos, sendo que quanto mais eficiente for a leitura do indivíduo, maior será sua capacidade de adquirir conhecimento sobre o meio que o cerca e relacionar-se com esse meio de maneira significativa. Nesse sentido, o ato de ler não pode ser entendido como a ação de juntar palavras, como um processo mecânico de decodificação. A prática de leitura vai, além disso, trata-se da associação de idéias, da produção de sentidos, o que, por sua vez, requer, impreterivelmente, uma dinâmica interacional para que de fato ela ocorra. Conforme Kleiman (2004), o conhecimento prévio é elemento indispensável para a compreensão de todo e qualquer texto. A referida autora menciona que tal concepção abarca três tipos de conhecimento: o conhecimento de mundo, o conhecimento lingüístico e o conhecimento textual. Prossigamos, então, expondo os conceitos desses conhecimentos e estabelecendo uma relação de cada um deles com a leitura. O conhecimento lingüístico consiste em um aprendizado natural da fala de uma determinada língua, como, por exemplo, a Língua 406 Língua Portuguesa UAB/Unimontes Portuguesa. Diz respeito ao ato de pronunciar, conhecer o vocabulário, as regras da língua e o uso desta língua; desempenha papel no processamento de construção de significados para o texto. Exemplificando: Observando o diálogo entre duas pessoas: Bom-dia! O Senhor poderia me informar as horas por obséquio? O quê? O Senhor por acaso quer levar uma surra? Está me estranhando? No exemplo, percebemos que não houve compreensão devido ao fato de o falante da língua não dominar o vocabulário necessário para o completo entendimento. Denomina-se conhecimento textual para um conjunto de noções e conceitos sobre o texto, importantes para a sua compreensão, ou seja, trata-se do entendimento da estrutura composicional do texto, do seu funcionamento. Quanto mais conhecimento se tem sobre o gênero colocado em foco maior a probabilidade de entendê-lo. Exemplificando Ao nos depararmos com um texto poético, por exemplo, já temos uma postura diferente em relação à sua leitura e interpretação do que quando lemos um texto científico. O conhecimento de mundo também pode ser denominado conhecimento enciclopédico, podendo ser adquirido formalmente ou informalmente. Abrange desde o domínio mais técnico até conhecimentos do cotidiano. Desse modo, situações do dia-a-dia, a todo momento, nos acrescentam informações que poderão nos auxiliar no processamento da leitura. Os tipos de conhecimentos suscitados constituem o conhecimento prévio sem o qual é impossível compreender textos e, conseqüentemente, atuar como um sujeito letrado nas esferas sociais. O conhecimento prévio pode ser entendido como modelos cognitivos e sociais do indivíduo adquiridos nas interações sociais, sendo que tal conhecimento é ativado e atualizado pela atividade comunicativa, abarcando, obviamente, as práticas de leitura e escrita. Para Smith (1989), conhecimento prévio também pode ser entendido como informação não visual. O autor defende que ele se encontra armazenado na mente humana, fazendo com que possamos captar o sentido das informações visuais quando lemos. Assim, todos os seres necessitam desse conhecimento para assimilar aquilo que lêem, para inferirem as informações suscitadas pelo texto, enfim, para produzir sentidos nas interações sociais. 407 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Ao ler um texto, é necessário, portanto, inferir diversas informações que não foram mencionadas explicitamente, mas que são relevantes para o entendimento da mensagem. Exemplificando: Considere a seguinte frase: Lula foi à Espanha a negócios. Não há necessidade de dizer de que Lula se trata, pois o leitor, provavelmente, inferirá Lula = Presidente da República. Assim, devido a inferência o escritor não tem que elucidar toda a informação no texto, ela favorece um processo de economia lingüística através do qual a leitura se opera também nas entrelinhas. Outra operação importante para a prática de leitura é a previsão. Trata-se das expectativas que o leitor traça ao se deparar com um texto. Na leitura, o leitor está constantemente fazendo previsões sobre o que é provável que apareça em um dado texto. Como exemplo, se encontrarmos em uma propaganda a seguinte seqüência: Marqux ux x nx sxrte e concoxxa ao Oxrocap. O leitor terá condições de prever “Marque um x na sorte e concorra ao Ourocap”. Baseado em nossa experiência lingüística, é possível prever a seqüência lexical sugerida. Tanto a operação de inferência quanto a de previsão facilitam a compreensão textual. E tanto a inferência quanto a previsão se processam em razão do conhecimento prévio. Desse modo, para que se forme um leitor eficiente necessário se faz a aquisição, apropriação de conhecimentos diversos engendrados nas esferas sociais. Mas não se pode esquecer que a habilidade da leitura só se adquire com a prática. Isto é: só se aprende a ler, lendo! Outra premissa que deve ser considerada, recorrendo aos dizeres do Ziraldo “Ler deve ser vendido como uma coisa prazerosa, em uma finalidade específica, ler é bom como respirar, como ouvir uma canção, como beijar a mulher amada”. (Estado de Minas – sexta-feira, 12 de setembro de 2003). Walty (1995, p. 25) reflete o processo de leitura a partir dos significados em torno da palavra ler, ou seja, ler significa contar, enumerar as letras; em seguida, significa colher e, por fim, roubar. A autora relaciona tais significados com os níveis de leitura. O primeiro nível diz respeito à decodificação, correspondente à alfabetização. O segundo nível diz respeito a retirar informações do texto, à tradicional interpretação de textos. Nesse caso, o leitor se prestaria a perceber o sentido do texto que já estaria estabelecido. O último significado consiste em apropriar-se das idéias do autor, ou seja, construir conhecimento à revelia do produtor do texto. O último significado está em consonância com a perspectiva do letramento, haja vista que o leitor se torna um co-autor corroborando para a produção de sentido. O leitor, visto sob a última perspectiva, tem autonomia para (re)criar significados a partir dos índices deixados na tessitura textual. 408 B GC GLOSSÁRIO A E F Inferência: ato ou efeito de inferir, de deduzir ou concluir algo pelo raciocínio. Língua Portuguesa UAB/Unimontes Ainda, consideramos que todo texto, entendido enquanto unidade básica de comunicação, é polissêmico porque é atravessado por várias vozes e vários sentidos. Isto quer dizer que um mesmo texto permite mais de uma interpretação porque neste ato de ler estão envolvidos a decodificação de símbolos gráficos e o conhecimento de mundo de cada leitor. Cabe ressaltar aqui que a leitura não pode ser qualquer uma porque o sistema lingüístico, ou seja, o léxico, a relação morfológica e sintática, regula os sentidos, não permitindo que sejam quaisquer sentidos. Sendo assim, lemos o tempo todo, de modo que o sujeito se vê sempre obrigado a interpretar. De acordo com o Dicionário Aurélio, ler é: 1- Passar a vista pelo escrito ou impresso para inteirar-se do seu conteúdo. 2. Pronunciar as palavras de um escrito ou impresso. 3. Estudar. Como podemos observar, ler é armazenar informações, desenvolver raciocínio, comunicar melhor, escrever melhor, compreender o mundo, interpretar, analisar os fatos de modo crítico, etc. Logo, a leitura é um processo através do qual se pode observar, perceber, descobrir e refletir sobre o mundo, interagindo com o seu semelhante através do uso funcional da linguagem. Aprender a ler é um processo social de construção de significados. Processo esse que possibilita: B GC GLOSSÁRIO E A F Prólogo: comentário feito pelo autor a respeito do tema discutido no livro e de sua experiência pessoal. acesso à produção cultural da humanidade e maior compreensão do mundo; interação com pessoas, acontecimentos e idéias; desenvolvimento do raciocínio lógico, da competência comunicativa e da capacidade de analisar criticamente e resolver problemas do dia a dia; e plena participação no mundo das letras e armazenamento de informações. Prefácio: escrito por terceiros ou pelo próprio autor, referindo-se ao tema abordado no livro e também sobre o autor do livro. Introdução: escrita pelo autor, refere-se ao livro e não ao tema como no prólogo. O ato da leitura exige do leitor conhecimento de mundo, conhecimento textual e conhecimento lingüístico, assim, à medida que captamos as imagens (palavras, números, sinais gráficos, etc.), encaminhamos essas informações para o nosso cérebro que vai percebêlas, interpretá-las e organizá-las de acordo com a bagagem cultural (conhecimentos de mundo) que possuímos. O conteúdo lido será assimilado e as informações lidas serão relacionadas ao nosso cotidiano, passando a fazer parte do nosso arquivo mental. Qual a importância de ler? Ler para quê? A interação estabelecida entre o leitor e o texto escrito é diferente da interação que se estabelece, entre duas pessoas quando conversam face a face, porque na conversa o falante não só pode utilizar palavras, como também gestos, repetições, expressões faciais e corporais, entonação da voz, etc. Já na leitura, o leitor está diante de palavras, escritas por um autor que não está presente para complementar às informações. Assim, é natural que o leitor forneça ao texto informações enquanto lê, preenchendo os espaços vazios. 409 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Quando alguém lê algo, entende mensagens diferentes porque, para entender, o leitor utiliza-se de suas capacidades já internalizadas e o conhecimento de mundo de cada um são diferentes. O ato de ler ativa uma série de ações na mente do leitor, por meio das quais ele extrai informações. Essas ações são denominadas estratégias de leitura e são utilizadas pelo leitor sem que ele se dê conta. Há uma relação recíproca entre usar uma estratégia de leitura e interpretar o texto, já que se emprega uma estratégia porque se está entendendo o texto e, em contrapartida, entende-se o texto porque se está aplicando a estratégia. A leitura é uma capacidade cerebral complexa que vai exigir do leitor mais do que uma simples decodificação dos sinais gráficos (escrita), exigirá um bom conhecimento da língua. Além de ler o texto propriamente dito, o leitor deverá estar atento às informações pré-textuais como o título do livro, o nome do autor, as informações bibliográficas, o índice e a introdução para ter uma primeira impressão e obter informações que possibilitarão uma leitura mais eficiente. Além dessas informações, o ato de ler exige a observação de outros fatores que veremos abaixo. 2.3 FATORES INTERVENIENTES NO “ATO DE LER” Existem alguns fatores que interferem diretamente no ato de ler e que são determinantes do sucesso na apreensão do sentido do texto. Para que se obtenha sucesso no processamento da leitura, é preciso que o leitor tenha atitude, esteja em um ambiente propício e tenha a seu alcance os objetos necessários. A atitude requer que o leitor tenha pensamentos positivos sobre o que vai ler, também requer que o leitor mantenha-se descansado, pois o cansaço não permite que as informações sejam armazenadas na mente. O ambiente deve ser adequado para que a leitura seja agradável, deve ser silencioso, confortável e bem iluminado. O leitor deve atentar também para a posição do corpo que deve ser adequada, deve escolher uma cadeira confortável e retirar estímulos que dispersem a sua atenção. Objetos necessários tais como lápis, dicionários, marca-textos, etc., devem ser colocados ao alcance das mãos para evitar a necessidade de se levantar e, assim, se dispersar. O recurso de sublinhar o texto durante a primeira leitura deve ser evitado, pois os aspectos sublinhados podem parecer mais importantes do que o texto como um todo, portanto, é bom evitar o uso destes objetos para que se realize uma leitura eficiente, devendo o leitor fazer chaves ou setas, quando necessário, fragmentando menos a leitura. 410 PARA REFLETIR Como é o seu comportamento enquanto leitor? Você volta no texto, freqüentemente, para compreender o conteúdo lido? Lê palavra por palavra? Lê em voz alta? Presta atenção em tudo ao seu redor, menos no texto? Movimenta a cabeça? Acompanha o texto lido com o dedo? Língua Portuguesa UAB/Unimontes 2.3.1 Estratégias para leitura eficiente ATIVIDADES apreensão do significado enquanto lê; O texto abaixo está na modalidade oral. Transcreva-o para a modalidade escrita da língua, fazendo as adequações necessárias. CAUSO MINEIRO leitura em grandes partes; usos de fontes de informações variadas tais como: ilustrações, sinais gráficos, etc.; inferências a partir do título, do subtítulo, do tipo ou gênero textual; inferência do sentido das palavras desconhecidas a partir do contexto, do seu conhecimento de mundo; e uso do dicionário como último recurso, porque a interrupção da leitura prejudica a interpretação, a correlação de sentidos. Sapassado era sessetembro, taveu na cuzinha tomanuma pincumel e cuzinhanum kidicarne cumastumate pra fazê uma macarronada cum galinhassada. Quascaí de susto quanduvi um barui vinde denduforno paricenum tidiguerra. A receita mandopô midipipoca denda galinha prassá. O forno isquentô, o miistorô e o fiofó da galinhispludiu! Nossinhora! Fiquei branco quineim um lidileite. Foi um trem doidimais! Quascaí dendapia! Fiquei sensabê doncovim, noncotô, proncovô... Ópcevê quilocura! Grazadeus ninguém simaxucô! Argumentos para respostas positivas às questões de reflexão. Os movimentos com a cabeça, o dedo, a vocalização durante a leitura são conhecidos como vícios de linguagem e prejudicam a leitura porque geram cansaço e isso o leitor não percebe de imediato. Ainda, pessoas que têm dificuldade de reter informação, memorizar o assunto, que não compreendem algumas palavras, geralmente, voltam muito na leitura e isso geralmente acentua a falta de informações retidas, porque incrementa a falta de memória e não explica o desconhecido que, muitas vezes, o próprio texto explica com o avanço das informações. Então, procure ler o conjunto de informações e não palavra por palavra. REFERÊNCIAS KLEIMAN, Ângela. Leitura: ensino e pesquisa. 2 a ed., São Paulo: Pontes, 1996. ________________. Oficina de leitura: teoria e prática. 5.ed. Campinas: Pontes, 1997. ________________. Texto & leitor: aspectos cognitivos da leitura. 7.ed. Campinas: Pontes, 2000. (In: CRUZ, Robson Luiz Trindade; HELLOU, Geórgia. Língua Portuguesa. São Paulo: Núcleo, 2005) 411 3 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período UNIDADE 3 TEXTO E TEXTUALIDADE APRESENTAÇÃO Nesta terceira unidade apresentamos a você as noções de texto e de textualidade. Nas subunidades: 3.1 O que é texto. 3.2 Fatores de textualidade. 3.3 Produção de texto. 3.3.1 Tipologia e Gêneros Textuais, apresentamos definições de grande relevância para o seu conhecimento sobre texto, sobre os fatores que fazem com que um texto seja realmente um texto, sobre a produção de textos e ainda apresentamos um quadro comparativo com a distinção entre tipos e gêneros textuais. TEXTO E TEXTUALIDADE Agora que vocês já entenderam algumas questões sobre leitura podemos conversar sobre a produção de texto. Fávero e Koch (2000: 25) salientam a existência de duas acepções segundo as quais podemos compreender o termo "texto". A primeira acepção. Texto, em sentido amplo, designando toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano (uma música, um filme, uma escultura, um poema, etc.) E a segunda acepção: [..] em se tratando de linguagem verbal, temos o discurso, atividade comunicativa de um sujeito, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (ou pelo locutor e interlocutor, no caso dos diálogos) e o evento de sua enunciação. É necessário considerar que essas duas acepções de texto nos permite compreender textos em sentido amplo, como esculturas, pinturas, músicas, desenhos e, ainda, textos em sentido estrito, textos escritos e falados. A partir da segunda acepção apresentada, as autoras (Fávero e Koch) pontuam que "O discurso é manifestado, lingüisticamente, por meio de textos (em sentido estrito). O texto consiste, então em qualquer passagem, falada ou escrita que forma um todo significativo, independente de sua extensão." Então, vocês podem dizer que um texto não se define pela quantidade de palavras empreendidas, e sim por sua textualidade, isto é, a possibilidade de que seja entendido como "unidade significativa global". 412 Língua Portuguesa UAB/Unimontes Nesse sentido, uma lista de itens a serem comprados no supermercado pode ser considerada um texto, o que já não ocorre com uma "lista de palavras iniciadas com ch", visto que essa não advém de uma real situação comunicativa. A produção de um bom texto exige atenção na escolha das palavras. É muito importante que o leitor tenha claro em mente o que se quer escrever, no entanto, isso só é possível se o leitor se posiciona como um leitor crítico para analisar sua obra minuciosamente. Para que o texto seja bem redigido e transmita claramente as idéias contidas nele, é preciso que se observem aspectos como: Clareza: o texto deve ser redigido em uma linguagem que possibilite ao leitor a compreensão daquilo que está sendo exposto, assim, deve-se utilizar uma linguagem impessoal, culta padrão. Concisão: o texto deve transmitir de forma objetiva, direta a sua idéia, sem rodeios. Deve ser escrito sem a utilização de palavras desnecessárias. Correção: o autor deve estar atento à norma culta da língua, evitando desvios de linguagem em relação à grafia, utilizando apenas palavras conhecidas. Elegância: o texto é escrito seguindo as qualidades acima descritas, tornando-se mais agradável aos olhos do leitor. Quanto mais limpo (sem rasuras), legível e claro estiver o texto, mais fácil será a sua compreensão. A língua, entendida como o conjunto de palavras e expressões usadas por um povo ou nação, mantém-se viva através de seu uso pelas pessoas envolvidas em processos interacionais. O uso, por sua vez, não se dá através de palavras ou expressões empregadas isoladamente. Ele se concretiza na PRODUÇÃO DE TEXTOS, na forma de textos orais ou escritos. Apesar de não ser tarefa muito complexa para o usuário da Língua distinguir entre um texto coerente e um conjunto de palavras ou expressões sem sentido, conceituar, definir precisamente os limites entre "texto" e "nãotexto" não é uma ação tão simples. 3.1 O QUE É TEXTO? PARA REFLETIR Para aprofundar sua compreensão sobre Produção Textual, perguntamos: o que é um texto? Quais as características que definem um texto? Por que o ensino da Língua Portuguesa deve se dar através de textos? No campo da lingüística, muito se tem discutido sobre o que se define como texto; essa discussão traz implicações para diversas áreas relacionadas à língua(gem), pois é através dela que nós, sujeitos sociais, nos relacionam e, por conseguinte, produzimos sentidos porque nós representamos o mundo através da linguagem. A partir dessa compreensão, podemos dizer que o texto é uma UNIDADE BÁSICA E SIGNIFICATIVA da atividade de linguagem, visto que o TEXTO é o elemento central da INTERAÇÃO SOCIAL, da COMUNICAÇÃO. E como o nosso principal objetivo, quer lendo ou escrevendo, é interagirmos socialmente, somente o texto nos servirá a esse 413 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período propósito. Expressões isoladas, sons no vazio, exercícios repetitivos de decodificação não cooperarão para o desenvolvimento da atividade de língua(gem) demandada pelas diversas práticas sociais das quais os sujeitos participam. Segundo Costa Val (1991), o texto deve ser entendido "como ocorrência lingüística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade sócio-comunicativa, semântica e formal". Confrontando essa definição com a apresentada por Koch e Fávero (2000), há um aspecto comum que se destaca: não é a extensão que caracteriza um texto. Nesse sentido, as palavras “Cuidado!” ou “Liberdade!” podem figurar como textos dependendo do contexto no qual elas são usadas. No entanto, determinadas redações escolares ou certos “textos” de cartilhas podem se apresentar tão-somente como um apanhado de enunciados sem unidade semântica. Ainda, vocês precisam saber que o texto reflete e refrata marcas peculiares à situação enunciativa na qual ele foi engendrado. Em outros termos, o texto expressa traços do sujeito que enuncia, representações sociais reiteradas nas esferas sociais, aspectos sócio-históricos que atravessam a prática comunicativa, implicações temporais e espaciais do contexto no qual se efetivou a interação verbal. E você pode concluir, então, que o texto materializa as condições de produção e os propósitos comunicativos traçados para a ação enunciativa. Por fim, para que um texto de fato se configure como tal deve possuir determinados traços elementares como, por exemplo, a intenção comunicativa, a unidade formal e de sentido, etc. A esse conjunto de traços que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma seqüência de frases, dá-se o nome de textualidade que discutiremos a seguir no item 1.2 Fatores de textualidade. Ao refletir sobre produção textual, podemos nos perguntar quais os fatores que interferem no sucesso ou não da produção textual. Podemos responder que podem ser fatores de motivação para a escrita, problemas dialetais, fator social, econômico, cultural, de alfabetização, intimidade com a escrita e com a leitura etc. Ainda, observamos como a linguagem visual é mais constante no nosso dia-a-dia e daí temos mais intimidade com a linguagem visual do que com a escrita. Para alguns (ou muitos) de nós, infelizmente, ver televisão e vídeo, jogar videogame, “bater papo” na internet é mais prazeroso que ler obras literárias, revistas informativas etc. 3.2 FATORES DE TEXTUALIDADE Após nossas discussões sobre o significado de texto e de leitura, vamos apresentar-lhe algumas noções de “textualidade”, isto é, os mecanismos responsáveis para que um texto faça sentido para seus interlocutores. Ora, só podemos considerar um texto como atividade de comunicação, quando há sucesso na interação verbal, quando a intenção 414 PARA REFLETIR Leia o que disse Paulo Freire sobre o ato de ler: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquela” (In: O que é leitura. Maria Helena Martins. Brasiliense – p. 9-10). A afirmativa de Paulo Freire nos ensina que precisamos de conhecimento prévio para o entendimento de um texto e esse entendimento sustenta e reforça a aquisição de novos conhecimentos. E você? Concorda que dependemos de nossa preparação, de nosso repertório cultural e do conhecimento de mundo para interagir com os diversos textos que circulam socialmente? Língua Portuguesa UAB/Unimontes comunicativa do locutor foi plenamente compreendida pelo interlocutor. Sendo assim, a textualidade de uma produção lingüística depende do recebedor (seus conhecimentos prévios, sua capacidade de pressuposição e inferência etc.) e do contexto em que se dá essa produção lingüística (o que pode fazer sentido em uma situação pode não fazê-lo em outra e viceversa). Observe a seguinte tira humorística: Fonte: Língua e Literatura. Volume Único. ABAURRE, Maria Luiza et alli. Moderna. p. 73 Figura 12: Tira humorística Para provocar humor, o locutor conta com o conhecimento prévio do interlocutor. Veja que os quadrinhos “brincam” com uma idéia que não aparece explicitamente neles, que não está registrada pelas palavras: a idéia de que alguém morreu. Se houve interação entre as amigas é porque elas possuíam conhecimento anterior sobre a pessoa falecida. O que se pode concluir da análise desses quadrinhos? A resposta é simples: em sua vida de leitor/ouvinte, você encontrará textos em que nem tudo que seja importante para a compreensão das idéias estará registrado, embora o locutor conte com seu entendimento (conhecimento prévio) para dar sentido ao texto. Por isso, é necessário que o leitor/ouvinte tenha determinadas habilidades para entender aquilo que lê ou ouve. Essas habilidades, por sua vez, abrangem alguns fatores que são responsáveis pela “textualidade”, isto é, características que fazem um texto ter sentido para seus interlocutores. Essas características são: coerência, coesão, intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade. 415 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Nesta unidade, desenvolveremos apenas as noções básicas dos fatores de textualidade, para que você se habitue, aos poucos, com o vocabulário específico e perceba o texto como um conjunto formado pela combinação harmoniosa desses fatores que lhe dão sentido. COERÊNCIA: refere-se ao sentido que um texto deve apresentar, isto é, as partes que o compõem devem-se ligar por uma continuidade de sentido, de modo que não apresente contradições de idéias, que não seja ilógico. COESÃO: é o mecanismo lingüístico responsável pela unidade formal do texto. É a coesão que estabelece a relação lógica entre uma palavra e outra, uma frase e outra e entre os parágrafos de um texto. INTENCIONALIDADE: é uma característica que mostra a atitude do locutor, sua intenção comunicativa, seu objetivo ao produzir o texto. ACEITABILIDADE: refere-se à atitude do interlocutor, suas expectativas em relação ao texto. SITUACIONALIDADE: é o fator responsável pela adequação do texto a um determinado ambiente (contexto) ou situação em que ocorre a comunicação. INFORMATIVIDADE: liga-se ao nível de informação (previsível ou imprevisível) contida no texto e sua capacidade ou não de satisfazer o interlocutor. INTERTEXTUALIDADE: ocorre quando o autor de um texto recorre a outros textos, de forma implícita ou explícita, repete expressões, enunciados ou trechos de outros autores. Para identificar essas “vozes”, o autor conta com o conhecimento prévio de seu interlocutor. A apresentação desses fatores de textualidade já deve ter dado ao você a idéia de como eles são importantes para a composição de um texto. E, uma vez que um texto bem estruturado está sempre entrelaçado por esses fatores compete, agora, a você utilizar esse conhecimento para produzir textos adequados ao interlocutor e ao contexto. 3.3 PRODUÇÃO DE TEXTO A humanidade não pára de evoluir. E com sua evolução, evolui também a linguagem (tanto oral quanto a escrita) utilizada por ela. Essa evolução é retratada pelos gêneros textuais que são usados nos mais variados contextos lingüísticos. É muito grande o número de gêneros textuais que existem em nossa sociedade e esse número vem aumentando cada dia mais devido ao avanço tecnológico, às necessidades do homem e às atividades sócio-culturais que possibilitam não só o surgimento de novos gêneros, mas também a adaptação de alguns já existentes e a evolução de muitos outros. Há muito tempo se discute a diferença entre "tipos de textos" e "gêneros textuais". Alguns teóricos classificam a dissertação, a narração e a 416 Língua Portuguesa UAB/Unimontes descrição como "modos de organização textual", diferenciando-os das nomenclaturas específicas que são consideradas "gêneros textuais". É importante que o professor conheça a diferença entre Gênero Textual e Tipologia Textual para que possa direcionar o seu trabalho no ensino de leitura, compreensão e produção de textos. É possível falarmos em gêneros variados que vão do bilhete, passando pelo cartão-postal, email, charge, cartaz, anedota, poema, manual de instruções, ofício, crônica, receita culinária, fábula e pelo telegrama até chegar ao texto científico, ao conto, etc. Conhecer os gêneros textuais torna mais fácil a leitura e o desenvolvimento da competência comunicativa do falante, uma vez que a linguagem é organizada como ação humana a partir das coisas do mundo. 3.3.1 Tipologia e gêneros textuais TIPO DE TEXTO é uma forma de construção escrita, definida pelas características lingüísticas que o compõem. Podemos afirmar que geralmente os tipos de textos abrangem um número muito pequeno de categorias conhecidas como: narração, descrição, argumentação, injunção e exposição. Já o GÊNERO TEXTUAL é a materialização dos tipos de textos que encontramos em nossa sociedade. É toda forma de texto que circula na sociedade e que tem uma função específica, se dirige a um público específico e possui características sociocomunicativas próprias. Com o objetivo de facilitar a compreensão de diversas teorias sobre esse assunto, criamos para você, tomando como base os estudos de Luiz Antônio Marcuschi (2002), o quadro ilustrativo a seguir: Quadro 2 GÊNEROS TEXTUAIS São os textos que encontramos no nosso dia -a-dia, que apr esentam características sócio -comunicativas definidas pelo estilo do autor, pela função a ser desempenhada pelo próprio texto, pela composição, pelo conteúdo e pelo c anal através do qual é veiculado. Bilhete Carta Carta eletrônica (e-mail) Bula Receita médica Receita culinária Telefonema Telegrama Conto Novela História em quadrinhos Manual de instrução Folha de cheque, etc. TIPOS DE TEXTOS Constituem uma seqüência d efinida pela forma como são escritos. Observa-se na sua produção aspectos sintáticos (organização das palavras na frase), lexicais (palavras escolhidas pelo autor), semânticos (relações lógicas, sentido) e morfológicos (tempos verbais, conjunções, etc.) Narração Descrição Injunção Exposição Dissertação 417 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período É preciso tomar muito cuidado também para não se confundir texto e discurso. O TEXTO é uma unidade sociocomunicativa concreta que se materializa em algum gênero textual e o DISCURSO é a ideologia que se manifesta através de algum texto ou prática comunicativa. Bronckart (1999, p. 75) chama de texto“ [...] toda a unidade de produção de linguagem situada, acabada e auto-suficiente (do ponto de vista da ação ou da comunicação)”. Com relação ao texto empírico o autor diz: [...] todo o texto empírico é o produto de uma ação de linguagem, é sua contraparte, seu correspondente verbal ou semiótico; todo texto empírico é realizado por meio de empréstimo de um gênero e, portanto, sempre pertence a um gênero; entretanto todo texto empírico também procede de uma adaptação do gênero-modelo aos valores atribuídos pelo agente à sua situação de ação e, daí, além de apresentar as características comuns ao gênero, também apresenta propriedades singulares, que definem seu estilo particular. Por isso, a produção de cada novo texto empírico contribui para a transformação histórica permanente das representações sociais, referentes não só aos gêneros de textos (intertextualidade), mas também à língua e às relações de pertinência entre textos e situações de ação.” (BRONCKART 1999 p.108). Há um outro campo lingüístico da atividade humana que é conhecido como DOMÍNIO DISCURSIVO. Segundo Marcuschi, esses domínios não são textos nem discursos, mas possibilitam o surgimento de discursos muito específicos, os GÊNEROS DISCURSIVOS como discurso religioso, discurso jurídico, discurso jornalístico, etc. já que as atividades religiosas ou jurídicas dão origem a vários gêneros não se limitando a um em particular. A partir dessas características específicas de um gênero textual (ou gênero discursivo) podemos tratar de aspectos da textualidade, tais como coerência e coesão textuais, a impessoalidade, as técnicas de argumentação e outros aspectos. A interação autor-texto-leitor, a pluralidade de discursos e as possibilidades de organização do universo através da linguagem são pontos relevantes na elaboração do conhecimento a partir de diferentes situações de interação. Por isso devemos estar cientes do papel que a linguagem desempenha no nosso dia a dia. O trabalho com a leitura, compreensão e a produção escrita em sala de aula deve ter como meta principal o desenvolvimento de habilidades que façam com que o aluno seja capaz de usar um número cada vez maior de recursos da língua (formais, fonológicos, sintáticos e semânticos) para produzir efeitos de sentido de forma adequada a cada situação de interação humana em que esteja inserto. De maneira geral, não há uma variação muito relevante na visão de alguns autores sobre as definições de tipos de textos e gêneros textuais. Dessa forma, apresentamos abaixo um quadro comparativo entre as idéias 418 B GC GLOSSÁRIO A E F Fonologia: Preocupa-se com os sons de uma língua, mas se preocupando com os aspectos interpretativos dos sons. Semântica: Preocupa-se com o significado das palavras na frase. Língua Portuguesa PARA REFLETIR Enquanto o número de gêneros textuais numa determinada sociedade é, em princípio, ilimitado, ampliando-se de acordo com a necessidade dos falantes e com os avanços socioculturais e tecnológicos, o número de modalidades discursivas é menor e de certa forma limitado. UAB/Unimontes de Marcuschi (1999) e Travaglia (2002) para o seu conhecimento: Quadro 3Todo gênero textual tem a sua funcionalidade no dia a dia. Uma TRAVAGLIA abordagem MARCUSCHI textual a partir dos gêneros está diretamente ligada ao ensino. Portanto, vale a pena considerar as discussões feitas por Marcuschi (1999), em todos os gêneros os fala em conjugação quando ele afirma que o trabalho em sala aula é uma tipos se realizam, às vezes,com o gênero tipológica ( de dificilmente o mesmo gênero são seus encontrados tipos usos ótima oportunidade de se se lidar com a língua em mais variados realiza em dois ou mais puros). cotidianos. É importante um maior conhecimento sobre o funcionamento e tipos. uso dos gêneros textuais para que se possa compreender produzir um textoe se define comobem um texto tanto essa no que diz respeito às suasdecaracterísticas estruturais chama miscelânea um tipo por uma de tipos presentes em um questão de dom inância, (elementos usados na elaboração do texto) como em relação às condições gênero de em função do tipo de sociais de produção (como ele funciona, o papel que desempenha na heterogeneidade interlocução que se sociedade). tipológica. pretende estabelecer e que se estabel ece, e não Para compreender melhor as definições de gênero textual, em função do espaço chama de apresentamos-lhe o quadro abaixo. Porém, antes de analisá-lo, conheça ocupado por um tipo na intertextualidade os termosintergêneros que o compõem: constituição desse texto. o fen ômeno de um textoDiscursivos ter aspecto-de Ambientes lugares ou instituições sociais onde se um gênero mas ter sido não fala de organizam formas de produção com estratégias de compreensão construído em o utro (um intertextualidade específicas em que ocorrem as atividades de linguagemmas (o fala Ambiente gênero assume a fu nção intergêneros, outro) acadêmico, . de político um intercâmbio de Discursivode escolar, jurídico, religioso, etc.). tipos ( um tipo ser em Eventos Discursivos - atividades de linguagem quepode ocorrem usado no lugar de outro traz a seguinte determinados ambientes discursivos através decriando gêneros textuais inados formados determ configuração teórica: por modalidades discursivas e seqüências efeitostextuais, de sentidoenvolvendo intertextualidade intergên eros impossíveis cominteragir outro com = um gênero com a função enunciadores determinados que objetivem especificamente dado tipo. de outro enunciatários reais. Modalidades Discursivas organização a) heterogeneidade tipológica =- formas de mostra o seguinte:lingüísticoum gênero com a presença discursivas que existem em número limitado como o narrar, o relatar, o de vários tipos. a) conjugação tipológ ica = um argumentar, o expor, o descrever, o instruir, etc. b) afirma que os gêneros não texto apresenta vários tipos Textuais -mas modos b) de organização que sãoSeqüências entidades naturais, intercâmbio linear de tipos = têm um como artefatos culturais construídos tipo usado no lugar de outro objetivo formar uma unidade textual coesa e coerente, capaz de expressar historicamente pelo ser lingüisticamente o efeito de sentido que as modalidades discursivas humano. Um gênero, para pretendem instaurar nauma interação entre os interlocutores de uma atividade ele, pode não ter determinada propriedade e de linguagem. ainda continuar sendo aquele Tipologia Textual é aquilo que SUPORTES TEXTUAIS - espaços físicos e materiais (livro, gênero. pode instaurar um modo de caderno, jornal, revista, computador, interação, etc.) ondeuma estãomaneira escritosdeos gêneros Tipologia Textual é um termo que interlocução segundo textuais. deve ser usado para desi gnar uma perspectivas que podem estar PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais. Obra de referência espécie de seqüência teoricam ente ligadas ao pr odutor do texto em para o desenvolvimento do processorelação ensinoao aprendizagem definida pela natureza lingüística objeto do dizerem sala de de sua composição. Em geral, os quanto ao f aula, elaborada e distribuída pelo governo federal azer/acontecer, ou tipos textuais abrangem as conhecer/saber, e quanto à categorias narração, inserção destes no tempo e/ou argumentação, exposição, no espaço. descrição e injunção (Swales, 1990; Adam, 1990; Bronckart, Cada perspectiva gerará um tipo 1999). de texto. Assim, a primeira perspectiva faz surgir os tipos O termo Tipologia Textual é usado descrição, dissertação, injunção 419 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período para designar uma espécie de seqüência teoricamente definida pela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Gênero Textual é definido pelo autor como uma noção vaga para os textos materializados encontrados no dia-a-dia e que apresentam características sóciocomunicativas definidas pelos conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. apresenta alguns exemplos de gêneros, mas não ressalta sua função social: telefonema, sermão, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio, etc. discute o conceito de Domínio Discursivo (grandes esferas da atividade humana em que os textos circulam, dando origem a discursos muito específicos: discurso jornalístico, discurso jurídico e discurso religioso). não faz alusão a uma tipologia do discurso. e narração. A segunda perspectiva faz com que surja o tipo argumentativo. A perspectiva da antecipação faz surgir o tipo preditivo. A do comprometimento dá origem a textos do mundo comentado (comprometimento) e do mundo narrado (não comprometimento) (Weirinch, 1968). Os textos do mundo narrado seriam enquadrados, de maneira geral, no tipo narração. Já os do mundo comentado ficariam no tipo dissertação. o Gênero Textual se caracteriza por exercer uma função social específica pressentida e vivenciada pelos usuários. Isso equivale dizer que, intuitivamente, sabemos qual gênero usar em momentos específicos de interação, de acordo com a função social dele. a escrita de um texto apresenta características que farão com que ele “funcione” de maneira diferente. Assim, escrever um e-mail para um amigo não é o mesmo que escrever um email para uma universidade, pedindo informações sobre um concurso público, por exemplo. dá ao gênero uma função social. Aparentemente diferencia Tipologia Textual de Gênero Textual a partir dessa “qualidade” que o gênero possui: aviso, comunicado, edital, informação, informe, citação (com a função social de dar conhecimento de algo a alguém); petição, memorial, 420 Língua Portuguesa UAB/Unimontes requerimento, abaixo-assinado (com a função social de pedir, solicitar); nota promissória, termo de compromisso e voto (com a função de prometer). fala do discurso jurídico e religioso, quando discute o que é para ele tipologia de discurso. Assim, ele mostra que as tipologias de discurso usarão critérios ligados às condições de produção e às diversas formações discursivas em que podem estar insertos. Citando Koch & Fávero, o autor fala que uma tipologia de discurso usaria critérios ligados à referência (institucional no caso do discurso político, religioso, jurídico; ideológica caso do discurso petista, de direita, de esquerda, cristão, etc.), a domínios de saber (discurso médico, lingüístico, filosófico, etc.), à interrelação entre elementos da exterioridade (discurso autoritário, polêmico, lúdico). discute a Espécie, definindoa e caracterizando-a por aspectos formais de estrutura e de superfície lingüística e/ou aspectos de conteúdo. Ele exemplifica dizendo que existem duas pertencentes ao tipo narrativo: a história e a não-história. A narrativa em prosa e narrativa em verso. No tipo descritivo ele mostra as Espécies objetiva x subjetiva, estática x dinâmica e comentadora x narradora. Mudando para gênero, ele apresenta a correspondência com as Espécies carta, telegrama, bilhete, ofício, etc. No gênero romance, ele mostra as Espécies romance histórico, regionalista, 421 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período fantástico, de ficção científica, policial, erótico, etc. Semelhante opinião entre os dois autores é notada quando falam que texto e discurso não devem ser encarados como iguais. Marcuschi considera o texto como uma entidade concreta realizada materialmente e corporificada em algum Gênero Textual. Discurso para ele é aquilo que um texto produz ao se manifestar em alguma instância discursiva. O discurso se realiza nos textos. Travaglia considera o discurso como a própria atividade comunicativa, a própria atividade produtora de sentidos para a interação comunicativa, regulada por uma exterioridade sóciohistórica-ideoló-gica. Texto é o resultado dessa atividade comunicativa. O texto, para ele, é visto como uma unidade lingüística concreta que é tomada pelos usuários da língua em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente de sua extensão. Travaglia afirma que distingue texto de discurso levando em conta que sua preocupação é com a tipologia de textos, e não de discursos. Já Marcuschi afirma que a definição que traz de texto e discurso é muito mais operacional do que formal. Por fim, podemos afirmar que muitos estudiosos da Lingüística Aplicada vêem o gênero como ponto de partida para quaisquer atividades relacionadas às práticas de escrita e leitura, isso porque, conforme Marcuschi (2000:25), “gêneros são formas verbais de ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de práticas sociais e em domínios discursivos específicos”. Desse modo, toda e qualquer prática comunicativa se calça em um ou outro gênero. Então, o gênero pode ser entendido como um fenômeno social à medida que cumpre a função de ordenar e estabilizar as práticas comunicativas. Daí pensar que sua natureza é ambivalente visto que deve, ao mesmo tempo, ser parâmetro e, portanto, relativamente estável, mas ser também maleáveis, dinâmicos e plásticos com o propósito de se adequarem ao evento enunciativo. Nesse quadro, Marcuschi (2000:22) 422 Língua Portuguesa UAB/Unimontes defende que os gêneros são “ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo”. A partir do conteúdo discutido nesta subunidade, compreendemos que estudar a língua através do gênero, ou seja, objetivando os aspectos lingüísticos, textuais e discursivos levando em consideração o gênero utilizado, é lidar com a língua de maneira autêntica, fidedigna ao seu funcionamento, ao seu uso nas interações sociais. Quadro 4 GÊNERO TEXTUAL MODALIDADE DISCURSIVA SUPORTE DO TEXTO AMBIENTE DISCURSIVO (INSTITUIÇÃO) INTERAÇÃO VERBAL ENUNCIADORES BULA Expor/Instruir Folheto, folder Indústria farmacêutica Indústria Consumidor CRÔNICA Expor / Argumentar Coluna de jornal/revista Mídia impressa jornal/revista Escritor - leitor de jornal/ revista ROMANCE , CONTO, NOVELA Narrar Livro Indústria literária Escritor-leitor RECEITA CULINÁRIA Instruir Livro, folheto, rádio, televisão Indústria de alimentos, livro, mídia impressa, jornal, revista, televisão Escritor, apresentador – ouvintes, leitores, telespectadores 423 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período REFERÊNCIAS BRONCKART, Jean Paul. Atividades de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo: Editora da PUC/SP, 1999. COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e Textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. FÁVERO, L. L. & KOCH, I. V. Lingüística Textual: introdução. São Paulo: Cortez, 1983. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva, MACHADO, Anna Rachel, BEZERRA, Maria Auxiliadora (org.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002. 424 Língua Portuguesa UAB/Unimontes VÍDEOS SUGERIDOS PARA DEBATE NELL Título Original: Nell País/Ano: EUA - 1994 Direção: Michael Apted Elenco: Jodie Foster, Liam Neeson, Natasha Richardson, Richard Libertini, Nick Searcy, Robin Mullins, Jeremy Davies, O'Neal Compton Duração: 115 min. Categoria: Drama Distribuidora VHS: Abril Figura 13 SINOPSE Uma jovem (Jodie Foster) é encontrada numa casa abandonada no meio de uma floresta, onde vivia com sua mãe eremita, morta há um bom tempo. Inicialmente tida como louca, ela é observada por um médico (Liam Neeson), que constata que a garota se expressa através de um dialeto próprio. À medida que estuda o estranho comportamento de sua paciente, ele chega a conclusão de que até aquele momento ela não havia tido contado com outras pessoas. Intrigado e fascinado pela inocência da jovem, ele decide tentar ajudá-la a se integrar na sociedade. A atuação de Foster lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz. O Buraco Branco no Tempo Palavras-chave: Meio Ambiente Produção: Peter Russell Duração: 27 minutos SINOPSE O autor tece sua combinação característica de física, psicologia e filosofia para desenhar um novo quadro da humanidade e dos tempos que estamos Figura 14 atravessando. No filme ele explora os padrões evolucionários que estão detrás de nosso desenvolvimento em contínua aceleração e pergunta: “por que é que uma espécie que é de tantas formas muito inteligente pode também se comportar de maneira que são aparentemente tão insanas?” Utilizando centenas de imagens que cobrem a extensão da criação, esta bela e comovente produção audiovisual mostra que a crise global que agora enfrentamos é, na sua raiz, uma crise de consciência. A próxima grande fronteira não é, na sua raiz, uma crise de consciência. A próxima grande fronteira não é o espaço exterior, senão o espaço interior. Nós poderíamos, ele conclui, estar no umbral de um momento para o qual a vida tem sido construída ao longo de bilhões de anos - um clímax evolucionário muito mais profundo do que a maioria de nós seque ousou imaginar. 425 RESUMO 1 - A linguagem é o maior veículo de comunicação social que homem possui, pois é através da linguagem que ele pode expressar seus pensamentos. 2 - O lingüista Ferdinand de Saussure é considerado o pai da lingüística moderna ao ter suas idéias publicadas na obra póstuma intitulada Curso de Lingüística Geral. Ele separa a linguagem em: Língua e Fala. 3 - A língua, para Saussure, é “um sistema de signos”. É ampla, coletiva e obedece a padrões criados pela própria comunidade. É a parte social da linguagem. 4 - A fala é individual e tem caráter dinâmico, sendo expressa pelos atos de fonação. 5 - A gramática (normativa) dita as regras que devem ser seguidas por uma comunidade lingüística no exercício da comunicação. 6 - Comunicação é a transmissão de sinais lógicos, claros e coerentes, através de um código que pode ser convencionado ou natural. 7 - Numa situação de comunicação há, no mínimpo, duas pessoas interagindo por meio da linguagem: o locutor ou emissor e o interlocutor ou receptor. 8 - O processo de comunicação verbal baseia-se em seis ele-mentos: o emissor, o receptor, a mensagem, o código, o canal e o referente. 9 De acordo com a Teoria da Comunicação, toda mensagem tem uma finalidade, uma intenção predominante que orienta sua produção. A mensagem pode ter a finalidade de informar, persuadir, provocar humor, emocionar etc. 10 - É a finalidade da mensagem que determina a função lingüística predominante em um texto. Essas funções são: expressiva ou emotiva (centrada no emissor, revela sentimentos. Uso de pronomes de 1.ª pessoa e verbos em 1.ª pessoa), conativa ou apelativa (centrada no receptor ou recebedor, acionando-o diretamente com o objetivo de estimulá-lo a tomar uma atitude. Uso de vocativos e verbos no modo imperativo.), referencial ou denotativa (centrada no contexto. Uso de linguagem mais direta, objetiva, com sentido único), fática (centrada no canal. Mostra o interesse do emissor de estabelecer, manter ou encerrar o contato. As frases são entremeadas de expressões consideradas clichês: olá!, Oi! Como vai? Até logo! Tchau!), metalingüística (centrada no código lingüístico, isto é, a língua é utilizada para dar alguma informação, apresentar um conceito, fazer ressalvas, etc.) e poética (centrada na mensagem. Há um trabalho intencional com a palavra, buscando efeitos criativos, inesperados, musicais.) 426 11 - Há fatores que interferem no uso da linguagem como a região, a cultura, a situação de comunicação e a histórica de um povo, possibilitando a variação lingüística. 12 - As variações lingüísticas podem ser classificadas como: REGIONAIS: diferenças ligadas à pronúncia e vocabulário próprios de uma região. Inclui os falares rurais (mais conservadores) e urbanos (mais dinâmicos). SÓCIO-CULTURAIS: variações determinadas por vários fatores, como: idade, nível de escolaridade, profissão, sexo, classe social, raça, religião. CONTEXTUAIS: variações ligadas ao falante por influência do assunto (o quanto o falante sabe sobre o assunto determina, conseqüentemente, sua facilidade ou dificuldade de expressão); da situação de interlocução (se o contexto é formal ou informal) e o grau de intimidade/formalidade entre os falantes. Destacam-se os registros: formal (nível culto, com utilização da língua - padrão/escrita) e informal ou coloquial (nível familiar comum e nível popular) gírias, termos chulos. HISTÓRICAS: também chamadas variações de época. São decorrentes de mudanças e avanços sociais, através dos tempos: arcaísmos (termos e construções em desuso), neologismos (criação de termos novos). 13 - Não há variação melhor ou pior que outra. Todas se equivalem, pois cumprem a intenção comunicativa do falante. Falar “diferente” não é falar “erradamente”. É necessário, porém, prestar atenção ao contexto, à situação de comunicação para empregar o registro adequado. A sociedade atual tende a prestigiar o nível culto da língua. 14 - Cada situação de comunicação apresenta suas características específicas. Se nos expressamos através da linguagem oral, utilizaremos uma linguagem mais livre, espontânea e informal e se nos expressamos através da linguagem escrita, nos preocuparemos em utilizar uma linguagem mais elaborada, com vocabulário apurado e preciso; uma linguagem presa às regras gramaticais e ao padrão culto da língua. 15 - A leitura é um instrumento necessário para a realização de novas aprendizagens porque proporciona a ampliação de horizontes e uma visão crítica da sociedade em que vivemos. 16 - O texto pode ser definido como uma unidade básica e significativa. É o elemento central da comunicação da interação social. 17 - Fatores de textualidade são os mecanismos responsáveis para que um texto faça sentido para seus interlocutores, como a coesão, a coerência, a intencionalidade, a aceitabilidade, a intertextualidade. 427 REFERÊNCIAS BÁSICA ANTUNES, I. Aula de português: encontros e interação. São Paulo: Parábola, 2004. BENTES, A. C. & MUSSALIN, Fernanda.(orgs). 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Introdução à lingüística. São Paulo: Contexto, 2005. ________________. Texto & leitor: aspectos cognitivos da leitura. 7.ed. Campinas: Pontes, 2000. COMPLEMENTAR BAGNO, Marcos. A Língua de Eulália. São Paulo: Contexto, 1997. CURY, Maria Zilda Ferreira et al. Tipos de textos, modos de leitura. Belo Horizonte, Formato, 2001. _______________. Discursos e leitura. 2.ed. São Paulo: Cortez; Campinas: Unicamp, 1987. 428 Língua Portuguesa UAB/Unimontes GERALDI, João Wanderley (org.) O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1999. KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática na escola. São Paulo: Contexto, 2001. ORLANDI, Eni P. Discurso e texto: formulação e circulação de sentidos. Campinas: Pontes, 2001. PAULINO, Graça et al. Tipos de textos, modos de leitura. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2001. RATHS, E. Louis. Ensinar a pensar. 2.ed. São Paulo: EPU, 1977. TRAVAGLIA, L. C. Um estudo textual-discursivo do verbo no português. Campinas, Tese de Doutorado / IEL / UNICAMP, 1991. SUPLEMENTAR ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. 3.ed. Campinas: Papirus, 2000. _____________ A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola editorial, 2003. BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. Martins Fontes: São Paulo, 1994. COSTA VAL, Maria da Graça. Texto, Textualidade e Textualização. Pedagogia cidadã. In: Cadernos de língua Portuguesa. São Paulo: UNESP, v1, p. 113-124, 2004. FÁVERO, L. L. & KOCH, I. V. Lingüística Textual: o que é e como se faz. Recife: UFPE/Mestrado em Letras e Lingüística, 1983. FÁVERO, L. L. & KOCH, I. V. Contribuição a uma tipologia textual. In: Letras & Letras. Vol. 03, nº 01. Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlândia. pp. 3-10, 1987. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 11.ed. São Paulo: Cortez, 2001. KOCH, Ingedore G. Villaça e TRAVAGLIA,L.C. Texto e coerência. São Paulo:Cortez, 2001. _____________ Português ou Brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2002. _____________ Preconceito Lingüístico. O que é. Como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 2002. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6.ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. 429 ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM - AA QUESTÃO 01 Analise o seguinte texto de Millôr: Figura 15: Da leitura global do texto, podem-se inferir as seguintes características, EXCETO: A) ( ) A realidade retratada limita-se à cidade do Rio de Janeiro. B) ( ) A linguagem não-verbal fortalece a denúncia apresentada pela linguagem verbal. C) ( ) A referência ao Rio de Janeiro se dá pela alusão a uma conhecida música popular. D) ( ) O emissor “brinca” com a definição de cidadão, deixando claro um trabalho intencional com a mensagem. QUESTÃO 02 430 Língua Portuguesa UAB/Unimontes Considere as definições sobre gêneros textuais e assinale a INCORRETA. A)( ) A receita culinária é uma comunicação breve que se estabelece entre emissor e receptor, caracterizada pelo emprego do nível popular. B)( ) A narrativa refere-se ao relato de uma história em que atuam personagens em um espaço e tempo determinados. C)( ) O manual é um texto instrucional cuja finalidade é orientar sobre o funcionamento de um aparelho, regras de um jogo etc. D)( ) O bilhete caracteriza-se pela linguagem informal com a qual se transmite uma mensagem simples e objetiva a amigos, familiares etc. QUESTÃO 03 Leia o seguinte texto com atenção e marque, após, sua resposta. No texto, a característica que NÃO pode ser comprovada é: O mundo gera 50 milhões de toneladas de resíduos eletrônicos por ano. É um questão ambiental que merece total atenção da sociedade. Por isso, a Vivo lançou ainda em 2006 um pioneiro programa de Reciclagem de celulares, baterias e acessórios sem utilidade.Mais de 500 mil itens já foram coletados. O objetivo agora é maior. O programa foi ampliado para todas as lojas e revendedores Vivo. São mais de 3.400 pontos de coleta para você reciclar. Recicle. Você faz bem ao planeta e ainda gera recursos para projetos socioambientais. Acesse www.vivo.com.br/recicleseucelular. A)( ) A função predominante é a expressiva, exemplificada pelo uso de pronome e formas verbais de 1ª pessoa. B)( ) Trata-se de um texto publicitário que se serve do tema ambiental para promover seu produto. C)( ) A mensagem tem o propósito de estimular o leitor a participar do programa anunciado. D)( ) Emprego das funções referencial e conativa da linguagem. QUESTÃO 04 Observe as falas dos quadrinhos. A respeito das falas, assinale a alternativa INCORRETA. A)( ) Atestam a dificuldade de expressão lingüística dos falantes. Fonte: HOJE EM DIA – 07/09/2008 B)( ) O r egistr o de linguagem utilizado é informal. C)( ) Estão adequadas ao contexto em que ocorrem. D)( ) Denotam familiaridade entre os falantes. QUESTÃO 05 Discutimos que, quanto maior a Figura 16: Quadrinhos 431 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período interação entre os elementos textuais e o conhecimento do leitor, maior a possibilidade de compreensão e interpretação de um texto. Com base nessa afirmativa, leia os trechos de uma música e assinale (V) para as alternativas verdadeiras e (F) para as falsas: A) ( ) Alguns leitores podem apresentar falha na compreensão do texto, pois o seu conhecimento lingüístico pode não ser suficiente. Soy loco por ti, América (Gilberto Gil/Capinan) Soy loco por ti, América Yo voy traer una mujer playera El nombre del hombre muerto Que su nombre sea Marti Ya no se puede decirlo, quién sabe? Que su nombre sea Marti Antes que o dia arrebente Soy loco por ti de amores Antes que o dia arrebente Tenga como colores la espuma blanca El nombre del hombre muerto de Latinoamérica Y el cielo como bandera Antes que a definitiva noite se espalhe Y el cielo como bandera em Latino América Soy loco por ti, América El nome del hombre es pueblo Soy loco por ti de amores (...) El nome del hombre es pueblo (...) B) ( ) O conhecimento lingüístico de um falante apenas da Língua Portuguesa é suficiente para a compreensão do texto. C) ( ) O conhecimento lingüístico é um componente básico do conhecimento prévio , mas o leitor, apresentando o conhecimento de mundo, poderá compreender o texto. D) ( ) Apenas o falante nativo da Língua Espanhola conseguirá compreender o texto. QUESTÃO 06 A leitura é um processo através do qual se pode observar, perceber, descobrir e refletir sobre o mundo. Podemos ler textos verbais e também 432 Língua Portuguesa UAB/Unimontes não-verbais. Leia a charge abaixo e, de acordo com as nossas discussões, marque somente a alternativa incorreta. A) ( ) Podemos afirmar que quem não possui um conhecimento de mundo sobre os símbolos apresentados, não compreenderá a crítica abordada na charge. Fonte: Laerte, Folha de São Paulo Figura 17 B) ( ) Ler é um processo social de construção de significados e só conseguiremos compreender a crítica apresentada na charge através dessa construção dos significados de cada figura feminina apresentada. C) ( ) Para que ocorra uma leitura eficiente, é necessário apenas a simples decodificação dos sinais gráficos. Na charge, basta apenas decodificar os símbolos apresentados para interpretar a crítica abordada. D) ( ) O chargista critica o fato da Justiça e da Verdade receberem patrocínio e só a Sabedoria estar a procura de patrocínio. Leia o texto abaixo e responda às questões 7, 8 e 9: QUESTÃO 07: A interpretação INCORRETA sobre as características psicológicas da moça é: 433 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período A)( ) Demonstra ser otimista frente às adversidades da vida. B)( ) Possui uma baixa auto-estima. C)( ) É supersticiosa. D)( ) Acredita que todas as suas conquistas são mais árduas do que as das outras pessoas. QUESTÃO 08: Faça uma análise lingüística do texto e assinale a questão em que se faz o uso específico da língua falada: A)( ) Encontrou-o pela primeira vez quando foi coroada princesa no baile... B)( ) Antes não desse, diria depois à rainha... C)( ) ... acho que vou amar ele para sempre. D) ( ) Ao que ela respondeu... QUESTÃO 09 Faça uma releitura do texto e formule algumas hipóteses para o desinteresse repentino do pretendente. ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ QUESTÃO 10 “Diego Hipólyto era um dos favoritos à medalha de ouro e assombrou os brasileiros ao cair.” Esse trecho continuará com o mesmo sentido se substituirmos o e por: A)( ) porque B)( ) embora C)( ) no entanto D)( ) por isso QUESTÃO 11 Observe o anúncio e faça o que se pede: O anúncio pertence a qual tipologia textual? 434 Língua Portuguesa UAB/Unimontes A)( ) Publicitário B)( ) Literário C)( ) Instrucional Fonte: Atrevida, ano II, nº 8 Figura 18 D)( ) Enumerativo Leia o texto abaixo: QUESTÃO 12 O texto que você leu é uma notícia. Marque apenas a opção em que Faltam também boas condições de trabalho Brasília. O Ministério da Educação (MEC) considera o piso salarial nacional dos professores – R$ 950 mensais, a partir de 2010 – um passo importante para tornar o magistério mais atraente. Sancionada em julho pelo presidente Lula, a lei do piso vem sendo contestada por governantes e prefeitos. Eles negociam com o governo o fim da exigência de que um terço das horas de trabalho seja reservado para atividades extraclasse, como preparação de aulas e a correção de provas. Para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do MEC encarregado de melhorar a formação dos professores brasileiros, é preciso valorizar o magistério. Isso significa pagar melhores salários e garantir boas condições de trabalho, segundo a coordenadorageral de Programas de Apoio à Formação e Capacitação dos 435 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Docentes da Educação Básica, Helena de Freitas. Ela destaca a importância do tempo reservado às atividades extraclasses. “Junto com o piso, temos que olhar para a condição do trabalho docente na escola pública, ou seja, fortalecer a política de concentração do professor em uma escola, com jornada integral e dedicação exclusiva a uma escola, com tempo para o estudo, para planejamento e avaliação de seu trabalho. O tempo. Ano 12. Nº 4270 – Domingo, 24/8/2008 aparecem apenas as características desse tipo de texto. A)( ) Traz informações. O texto deve ser claro, objetivo, impessoal e fazer o uso da norma padrão da língua. B)( ) Tem como objetivo veicular informações científicas. Apresenta linguagem com terminologia científica de alguma área de conhecimento. C)( ) Ensina a fazer, traz instruções bem definidas. D)( ) Tem o objetivo de expressarmos-nos pessoalmente, para nos distrair, desenvolver a sensibilidade, partilhar emoções. QUESTÃO 13 Leia o texto instrucional abaixo e responda às questões propostas: Marque somente a alternativa incorreta. Em relação ao texto instrucional podemos afirmar: RECEITA DE BOLO DE CHOCOLATE MOLHADINHO Ingredientes 2 xícaras de farinha de trigo 2 xícaras de açúcar 1 xícara de leite 6 colheres de sopa cheias de chocolate em pó 1 colher de sopa de fermento em pó 6 ovos 76 Modo de Preparar 1) Bata as claras em neve, acrescente as gemas e bata novamente, coloque o açúcar e bata outra vez. 2) Coloque a farinha, o chocolate em pó, o fermento, o leite e bata novamente. 3) Untar um tabuleiro e colocar para assar por aproximadamente 40 minutos em forno médio. 436 Língua Portuguesa UAB/Unimontes 4) Enquanto o bolo assa faça a cobertura com 2 colheres de chocolate em pó, 1 colher de margarina, meio copo de leite e leve ao fogo até começar a ferver. 76 5) Jogue quente sobre o bolo já assado. É só saborear! A)( ) Tem por objetivo expor, divulgar informações. B)( ) É um tipo de texto informativo. C)( ) Fornece-nos instruções, com o uso de uma linguagem clara e objetiva. D)( ) Apresenta frases exclamativas e faz uso do vocativo. QUESTÃO 14 Observe o seguinte anúncio publicitário: A única função da linguagem que NÃO está presente no anúncio é: Figura 19 A) ( ) Expressiva. B) ( ) Referencial. C) ( ) Conativa. D) ( ) Poética. QUESTÃO 15 Observe a charge abaixo. A charge é um gênero textual que pode ter 437 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período apenas imagens ou imagens e palavras. Geralmente seu objetivo é a crítica através do humor, principalmente a crítica social ou política. O autor da charge faz uma comparação entre uma modalidade esportiva e a corrupção de políticos. Explique em que se baseia o humor da charge. ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ 438 1º PERÍODO SOCIOLOGIA GERAL AUTORES Daniel Coelho de Oliveira Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Atualmente é professor do Departamento de Política e Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Lúcio Flavio Ferreira Costa Especialista em Sociologia pela Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais - PUCMinas. Atualmente é professor do Departamento de Política e Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Maria Ângela Figueiredo Braga Doutoranda em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Atualmente é professora do Departamento de Política e Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Maria da Luz Alves Ferreira Doutora em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Atualmente é professora do Departamento de Política e Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Maria Railma Alves Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Atualmente é professora do Departamento de Política e Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Rômulo Soares Barbosa Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Atualmente é professora do Departamento de Política e Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. SUMÁRIO Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 Unidade I: O surgimento e a consolidação da sociologia . . . . . . . . 87 1.1 Sociologia: aspecto conceitual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 1.2 O contexto do surgimento da Sociologia. . . . . . . . . . . . . . . 88 1.3 A Sociologia como Ciência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 1.4 O Positivismo como uma primeira Sociologia . . . . . . . . . . . 91 1.5 Os autores clássicos da Sociologia e a diversidade na explicação da vida social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 1.6 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 1.7 Vídeos sugeridos para debate. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 Unidade II: A sociologia de Karl Marx . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 2.1 O contexto geral da obra de Karl Marx. . . . . . . . . . . . . . . . 98 2.2 Papel do cientista, objeto e método de análise . . . . . . . . . . 98 2.3 A Teoria dos modos de produção social . . . . . . . . . . . . . . 102 2.4 A divisão social do trabalho e classes sociais. . . . . . . . . . . 106 2.5 A análise da sociedade capitalista . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 2.6 Luta de classes, mercadoria e mais-valia . . . . . . . . . . . . . 113 2.7 Conceitos de alienação e ideologia . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 2.8 Atualidades do marxismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 2.9 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 2.10 Vídeos sugeridos para debate. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 Unidade III: A sociologia de Émile Durkheim . . . . . . . . . . . . . . . . 119 3.1 Vida e obra do autor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 3.2 Diálogo com o positivismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 3.3 Instituições Sociais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 3.4 Patologia Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 3.5 Fatos Sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 3.6 Mudança Social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126 3.7 Socialização e Educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 3.8 Divisão do Trabalho Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 3.9 Tipos de Solidariedade Social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 3.10 Considerações sobre o método: a objetividade dos fatos sociais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 3.11 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134 3.12 Vídeos sugeridos para debate. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 Unidade IV: A sociologia de Max Weber . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136 4.1 Biografia de Max Weber . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 4.2 Contexto histórico do pensamento weberiano . . . . . . . . . . 138 4.3 Indivíduo e sociedade na perspectiva weberiana . . . . . . . 140 4.4 Especificidade das Pedagogia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 4.5 Subjetividade e objetividade do conhecimento . . . . . . . . . 143 4.6 O que é tipo ideal? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 4.7 Tipos puros de ação social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146 4.8 As relações sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 4.9 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 4.10 Vídeos sugeridos para debate. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 Referências básica, complementar e suplementar . . . . . . . . . . . . 159 Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163 APRESENTAÇÃO Vamos lá! Esta é a disciplina intitulada Sociologia Geral. Em nossa disciplina vamos falar muito das atividades que os homens realizam bem como das relações sociais. Os homens agem uns com os outros. Por meio da convivência, estabelecem relações sociais. Já reparou? Dia e noite estamos produzindo e interagindo com algum objetivo social, político, econômico e cultural. Dessa imensa produção da vida social resultam as relações sociais, produto das interações dos homens, de suas comunidades, de conhecidos ou desconhecidos, de familiares ou colegas de trabalho, de membros de religiões, enfim, homens que próximos ou distantes estão fazendo a história social. Discutindo a ementa da disciplina percebemos que são esses temas que a Sociologia Geral trata, pois propõe estudar os fatos históricos que contextualizam o surgimento da Sociologia e os principais aspectos da metodologia e teoria social de Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. São apresentadas as formas e posturas dos clássicos quanto à análise da realidade social e os pressupostos teóricos e metodológicos para observação e análise da realidade pelas ciências sociais. E, ainda, o estudo do homem e o universo sócio-cultural, analisando as inter-relações entre os diversos fenômenos sociais. A disciplina Sociologia Geral objetiva, primordialmente, desenvolver um “olhar sociológico”, que possibilite a compreensão da complexidade do contexto social no qual se inserem os indivíduos e as organizações sociais. Nesta disciplina buscamos apresentar a Sociologia como parte das Pedagogia, enfocando o contexto histórico do seu surgimento, com seus principais autores que, inicialmente, propuseram seu objeto de estudo e métodos de análise. Com os autores clássicos, Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx, buscaremos os fundamentos teóricos para análise da vida social. As informações abordadas serão fundamentais na discussão dos principais conceitos elaborados pela Sociologia, tais como: estrutura social, organização social, instituição social, grupos sociais, socialização, classes sociais e estratificação. É desejável que você discuta os conceitos básicos de Sociologia Geral, conheça as principais escolas/teorias e sua localização na história. É indiscutível que o conhecimento científico estimula a atitude crítica e, por isso mesmo, em boa medida, contribui para o exercício da cidadania nas sociedades contemporâneas. Ao proceder assim, a 444 Sociologia Geral UAB/Unimontes Sociologia oferece à sociedade: políticos, organizações civis, movimentos sociais, minorias, enfim, aos atores sociais elementos para melhor compreensão crítica da sua realidade histórica. A disciplina tem como objetivos: Discutir os pressupostos conceituais sobre a análise da vida social e compreender as estratégias adotadas pelos sociólogos para a construção de explicações e interpretações sobre os fenômenos sociais; Distinguir as concepções teóricas de realidades sociais, contrapondo e desenvolvendo uma nova visão científica, de natureza sociológica, das práticas da vida cotidiana; Compreender as distinções conceituais e as atitudes necessárias ao conhecimento mais objetivo da realidade social; Distinguir as diferenças teórico-práticas entre os problemas sociais e o que os sociólogos chamam de problema sociológico. Significativamente, você vai perceber que a Sociologia é muito importante para a investigação do processo educacional nas sociedades modernas. É importante explicitar, nesta disciplina, que o conhecimento sociológico habilita o educador a compreender a sociedade, seus grupos e instituições sociais. Assim, você, acadêmico de Pedagogia, deverá ter em mente que a disciplina é muito importante para sua formação humanística/ artística/científica e para maior compreensão da organização social e do processo educativo. A disciplina Sociologia Geral, para este curso, procura fortalecer a discussão sobre o objeto e o método dos três teóricos clássicos, Marx, Durkheim e Weber, com o objetivo de delinear pontos importantes de suas abordagens, diferenças analíticas, estabelecendo possíveis comparações, no que diz respeito às temáticas trabalhadas pelos autores. As discussões realizadas pelos autores são de fundamental importância para a compreensão das demais teorias, principalemente sobre questões pedagógicas. Esta disciplina tem quatro unidades, e cada unidade está dividida em tópicos ou subunidades. UNIDADE 1 – O surgimento e a consolidação da Sociologia UNIDADE 2 – A Sociologia de Karl Marx UNIDADE 3 – A Sociologia de Émile Durkheim UNIDADE 4 – A Sociologia de Max Weber O texto está estruturado a partir do desenvolvimento das unidades e subunidades. Você deverá perceber que as questões para discussão e reflexão são muito importantes, e acompanham o texto, bem como as sugestões para transitar do ambiente de aprendizagem ao fórum, para acessar bibliotecas virtuais na web, etc. As sugestões e dicas estão 445 Caderno DidáticoI I - 1º Período Pedagogia localizadas junto ao texto. A leitura dos textos complementares indicados também é importante, pois indicam os possíveis desenvolvimentos e ampliações para o estudo e a discussão. São recursos que podem ser explorados de maneira eficaz por você, pois buscam promover atividades de observação e de investigação que permitem desenvolver habilidades próprias da análise sociológica e exercitar a leitura e a interpretação de fenômenos sociais e culturais. Ao planejar esta disciplina consideramos que essas questões e sugestões seriam fundamentais, de forma a familiarizar o acadêmico, gradativamente, com a visão e procedimentos próprios da disciplina. Agora é com você. Explore tudo, abra espaços para a interação com os colegas, para o questionamento, para a leitura crítica do texto, bem como para atividades e leituras complementares. Bom estudo ! 446 1 UNIDADE 1 O SURGIMENTO E A CONSOLIDAÇÃO DA SOCIOLOGIA Esta é a primeira unidade da disciplina Sociologia Geral. Mãos à obra. O objetivo central é que você possa conhecer e discutir o contexto do surgimento da Sociologia e quais fatores contribuíram para o seu aparecimento. Certamente, ao ler o texto, você perceberá que tratava-se de um projeto que visava substituir a análise dos fenômenos sociais, a partir do senso comum pelo conhecimento científico. Objetiva-se que o acadêmico possa distinguir as concepções rotineiras de realidades sociais, de senso comum, e desenvolver uma nova visão científica, de natureza sociológica, das práticas da vida cotidiana. Após esta etapa, o texto apresenta uma breve apresentação dos fundadores da Sociologia, de forma que você conheça um pouco da vida e obra desses autores. Considerando nossa proposta de trabalho, esta primeira unidade abordará O SURGIMENTO E A CONSOLIDAÇÃO DA SOCIOLOGIA foi organizada com as seguintes sub-unidades: 1.1 Sociologia: aspecto conceitual. 1.2 O contexto do surgimento da Sociologia. 1.3 A Sociologia como Ciência. 1.4 O Positivismo como uma primeira Sociologia 1.5 Os autores clássicos da Sociologia e a diversidade na explicação da vida social Também integradas ao corpo do texto serão encontradas indicações para estimular o estudo e a apreensão dos temas, bem como aprofundar ou complementar os conhecimentos adquiridos. As indicações estão assim organizadas: para refletir, dicas de estudo, espaço de cinema e glossário. A utilização de imagens e fotos elucidará as apresentações do temas – recursos importantes às análises científicas. 1.1 SOCIOLOGIA: ASPECTO CONCEITUAL A Sociologia é uma ciência que estuda o comportamento humano e os processos de interação social que interligam o indivíduo em associações, grupos e instituições sociais. Enquanto o indivíduo na sua singularidade é estudado pela Psicologia, a Sociologia estuda os fenômenos que ocorrem quando vários indivíduos se encontram em grupos de tamanhos diversos e interagem no seu interior. Os resultados da pesquisa sociológica não são de interesse apenas de sociólogos. Cobrindo todas as áreas do convívio humano – desde as relações na família até a organização das grandes empresas, o comportamento político na sociedade até o comportamento religioso –, a Sociologia pode vir a interessar, em diferentes graus de intensidade, a administradores, políticos, empresários, juristas, professores em geral, 448 Sociologia Geral UAB/Unimontes publicitários, jornalistas, planejadores, sacerdotes, mas também ao homem comum. Um dos maiores interessados na produção e sistematização do conhecimento sociológico é o Estado; no Brasil, ele é o principal financiador de pesquisas desta disciplina científica. 1.2 O CONTEXTO DO SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA Para entendermos os fatores que proporcionaram o surgimento e a consolidação das Pedagogia e da Sociologia, precisamos entender as transformações econômicas, políticas e culturais verificadas no século XVIII. A revolução industrial e a revolução francesa patrocinam a instalação definitiva da sociedade capitalista. Somente por volta de 1830, um século depois, surgiria a palavra Sociologia, fruto dos acontecimentos das duas revoluções citadas. Na revolução industrial ocorre a introdução da máquina a vapor e os aperfeiçoamentos dos métodos produtivos, determinando o triunfo das indústrias capitalistas. A concentração de capitais pela burguesia, que assume o controle de máquinas, terras e ferramentas, enfim dos meios de produção, proporciona também a transformação de massas humanas em trabalhadores assalariados. DICAS Fonte: http://www.eja.org.br/userfiles/ tecnologia_e_trabalho/texto10_imagem1.jpg Cada passo do desenvolvimento da Fonte: http://www.miriamsalles.info/cndvirtual2004/revindus/EX1182.jpg Para saber mais sobre as Revoluções Francesa e Industrial, acesse o site www.mundosites.net/histori ageral Setor de produção de tear de fábrica de rede São Bento, PB. Figura 1 Figura 2: Mulheres e crianças trabalhando em tecelagens inglesas. sociedade capitalista impulsionava a desintegração e o solapamento de instituições e costumes reinantes do antigo regime feudal, para constituirse em novas formas de organização social. As máquinas não somente destruíram os pequenos artesãos, mas também os obrigavam a forte disciplina, nova conduta no trabalho e novas relações de trabalho, até então desconhecidas. Em 80 anos (entre 1780 e 1860), a Inglaterra conseguiu mudar radicalmente sua face. Pequenas cidades passaram a grandes cidades produtoras e exportadoras. Essas bruscas transformações implicariam em nova organização social, ocorridas graças à transformação da atividade artesanal em manufatureira, e logo depois em fabril. Outra mudança 449 Caderno DidáticoI I - 1º Período Pedagogia importante ocorreu quando da emigração do campo para a cidade, onde mulheres e crianças foram introduzidas no mercado de trabalho, em jornadas de trabalho desumanas, recebendo salários de subsistência. Esses sujeitos constituíam mais da metade da força de trabalho industrial. Essas cidades se transformaram num verdadeiro caos, uma vez que sem condições para suportar um vertiginoso crescimento, deram lugar a toda sorte de problemas sociais, tais como surtos e epidemias de tifo e cólera, vícios, prostituição, criminalidade, infanticídio que dizimaram parte das suas populações. O fenômeno da revolução industrial determinou o aparecimento do proletariado e o papel hiistórico que ele desempenharia na sociedade capitalista. Seus efeitos catastróficos para a classe trabalhadora geraram sentimentos de revolta, externalizados com a destruição de máquinas, sabotagens, explosão de oficinas, roubos e outros crimes, que deram lugar à criação de associações livres e sindicatos que permitiram o diálogo de classes organizadas, cientes de seus interesses com os proprietários dos instrumentos de trabalho. O pensamento filosófico do século XVII (Iluminismo) contribuiu para popularizar os avanços do pensamento científico. “A teologia deixaria de ser a forma norteadora do pensamento. A autoridade em que se apoiava um dos alicerces da teologia cederia lugar a uma dúvida metódica que possibilitasse um conhecimento objetivo da realidade” (Francis Bacon, 1561-1626). O novo método de conhecimento (observação e experimentação) ampliaria infinitamente o poder do homem e deveria ser estendido e aplicado ao estudo da sociedade. O visível progresso das formas de pensar, fruto das novas maneiras de pensar e de viver contribuiria para afastar interpretações fundadas em superstições e crenças infundadas, abrindo espaço para a constituição de um saber científico sobre os fenômenos histórico-sociais. A burguesia, ao tomar o poder da antiga nobreza feudal, criou um Estado que assegurava sua autonomia diante da Igreja, além de incentivar e proteger a empresa capitalista. Aconteceu, aí, uma liquidação do regime antigo. O Estado confiscou propriedades da Igreja, suprimiu os votos monásticos e responsabilizou o Estado pela educação. Acabou com antigos privilégios de classe amparou e incentivou o empresário. A França, no início do século XIX, ia se tornando uma sociedade industrial. Mas o desenvolvimento acarretado por essa industrialização causava aos operários franceses miséria e desemprego. Com a industrialização francesa, conduzida pelo empresariado capitalista, repetem-se determinadas situações sociais vividas pela Inglaterra. A partir da terceira década do século XIX, intensificaram-se na sociedade francesa as crises econômicas e as lutas de classes. A contestação da ordem capitalista feita pela classe trabalhadora passa a ser reprimida, com violência, pelos empresários. No meio de toda essa confusão, pensadores imaginaram ser 450 PARA REFLETIR Para compreender melhor este contexto, sugerimos que você assista ao filme Danton, que retrata a Revolução Francesa. Confira a sinopse no final desta unidade. Sociologia Geral UAB/Unimontes necessário fundar uma nova ciência – a Sociologia - que permitisse reorganizar essa sociedade. O surgimento da Sociologia significou o apare-cimento da preocupação do homem com o seu mundo e a sua vida em grupo. Desencadeou-se, então, a preocupação com as regras que organizavam a vida social. Regras que pudessem ser observadas, medidas e comprovadas, capazes de dar ao homem explicações plausíveis, num mundo onde passou a imperar o racionalismo. Regras, enfim, que tornassem possível prever e controlar os fenômenos sociais. Portanto, o aparecimento da Sociologia significou que as questões concernentes às relações entre homens deixariam de ser apenas matéria religiosa e do senso comum: passaram a interessar, também, aos cientistas. 1.3 A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA DICAS O filme Germinal retrata as condições de vida da classe trabalhadora no séculoXIX. Assista-o e faça correlações com a matéria estudada. PARA REFLETIR O Movimento Ludista (século XIX) consistiu na invasão de fábricas e destruição das máquinas; significou um protesto com relação à maquina em substituição à mão-de-obra operária. A Sociologia somente começou a se consolidar enquanto ciência inspirando-se em rigorosos procedimentos de pesquisa, a partir das reflexões de Emile Durkheim (1864-1920). Só então, ela adquire forma e vem sendo aperfeiçoada até hoje. Como ciência, a Sociologia tem de obedecer aos mesmos princípios gerais válidos para todos os ramos do conhecimento científico, perseguindo um corpo de idéias logicamente estruturadas entre si. A Sociologia, portanto, pretende explicar o que acontece na sociedade, como um tipo de conhecimento garantido pela observação sistemática dos fatos, podendo transformar-se em instrumento de intervenção social. A Sociologia é, como toda ciência, predominantemente indutiva, isto é, parte da obser vação Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Luddite.jpg sistemática de casos particulares para chegar à formulação de generalizações sobre a vida social. Essa observação sistemática dos fatos é o cerne da teoria científica, é ela que em última estância confirma ou nega a qualidade cientifica de qualquer explicação da realidade. Um fator que edifica a Sociologia como ciência é a sua neutralidade valorativa, portanto a Sociologia não veio para julgar o que é bom ou mau na sociedade, não é normativa, não dita normas para a sociedade. A Sociologia estuda os Figura 3: Desenho publicado em 1812 mostrando trabalhadores comandados pelo lendário general valores e as normas que existem, de Ned Ludd destruindo uma tecelagem fato, na sociedade e tenta identificar as relações entre as esferas sociais e outras manifestações da vida social. Ela procura fazer isso sem julgar a 451 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia sociedade nem os homens e seus atos. O campo da Sociologia não é dizer como a sociedade deve ser, mas constatar e explicar como ela é. Sendo assim, enquanto sociólogo, e só enquanto tal, esse profissional deve fazer todo esforço que lhe for possível para que os seus valores morais não interfiram preconceituosamente na sua percepção e interpretação da sociedade. Como foi discutido, anteriormente, a Sociologia estuda manifestações da vida social, porém a atividade do sociólogo não compreende apenas formulações de hipóteses, observação, inferência de generalizações e elaboração de teorias, pois a realidade que está a nossa volta é complexa. Portanto, para estudar fenômenos é preciso, antes de tudo, classificá-los. Sem a percepção das partes não é possível entender a complexa teia de relações sociais que dá unidade a uma grande coletividade humana. Entretanto, a realidade é muito complexa para ser explicada em sua totalidade e a Sociologia não pretende explicar tudo o que acontece na sociedade. Todo conhecimento é seletivo, sendo senso comum ou científico, isto é, limitado a aspectos escolhidos. A Sociologia, portanto, não se ocupa de todas as regularidades observáveis na sociedade humana, mas apenas daquelas que têm origem nas relações sociais. 1.4 O POSITIVISMO COMO UMA PRIMEIRA SOCIOLOGIA O séc. XVIII torna-se conhecido como o século das Luzes, quando se difunde o iluminismo – caracterizado como “uma filosofia militante de critica à tradição cultural e institucional, seu programa é a difusão do uso da razão para dirigir o progresso da vida em todos os aspectos.” Visava também “estimular a luta da razão contra a autoridade, isto é, a luta da 'luz' contra as 'trevas'.'' (BINETTI, 1995, p. 605). Além dos iluministas, surgiram outros pensadores designados como socialistas utópicos ou positivistas. Saint-Simon (1760-1825) é um deles. Esse pensador acreditava que “a base da sociedade é a produção material, a divisão do trabalho e a propriedade.” Defende a criação de uma ciência do homem ou seja “uma ciência social 'positiva' [que] revelaria a leis do desenvolvimento da história, permitindo uma organização racional da sociedade”. Quanto à ciência que seria construída nomeoua de Fisiologia Social, pois ela deveria ocupar a “ação humana, transformadora do meio, e adotar o método positivo das ciências físicas”. (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002, p.18). Herdeiro intelectual de Saint-Simon, do qual tornou-se seu secretário, surge Auguste Comte (1798-1857) que será chamado de “pai” da Sociologia. Para dar conta de entender a importância de Auguste Comte para as ciências sociais é necessário remeter aos seus questionamentos “O que é ordem social? Como ela se constitui? Como ela se mantém? Como ela se 452 Sociologia Geral UAB/Unimontes transforma?” (FERNANDES, 2004, p.12). Essas questões demandavam uma resposta científica, e por isto a importância de Comte, que estruturará sua filosofia baseada na “idéia de que a sociedade só pode ser convenientemente reorganizada através de uma completa reforma intelectual do homem”. (GIANNOTTI; LEMOS, 1988, p. IX). Para tanto, Comte dedicou-se a três temas básicos para reflexão, sendo: a) a filosofia da história, também chamada de filosofia positiva ou pensamento positivo; b) classificação das ciências e c) Sociologia – incorporada mais tarde como religião positivista ou catecismo positivista. O primeiro tema da filosofia de Comte pode ser resumido na Lei dos Três Estados: o Teológico, o Metafísico, o Científico/Positivo. (...) a passagem necessária de todas as nossas especulações por três estados sucessivos; primeiro, o teológico; em que dominam francamente as ficções espontâneas, desprovidas de qualquer prova; depois, o estado metafísico, caracterizado sobretudo pela preponderância habitual das abstrações personificadas ou entidades; por fim, o estado positivo, sempre fundado numa exata apreciação da realidade exterior, habitual das personificadas ou entidades; por fim, o estado positivo, sempre fundado numa exata apreciação da realidade exterior. (COMTE, 1988, p. 59) B GC PARA REFLETIR E GLOSSÁRIO A Positivismo: movimento que busca o valor das ciências contra as posições de senso comum e filosóficas, ressaltando a experiência e a investigação científica como um único critério da verdade (FGV, 1986, p. 938) F Considerando que os três estados excluem-se mutuamente, é importante observar que no estado teológico, nota-se características em que o espírito humano guiará suas investigações “para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o tocam” ou seja os conhecimentos absolutos. No estado teológico a apresentação dos fenômenos se da a partir da produção da ação direta e contínua de “agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos” cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do universo”. Guarda-se no estado metafísico, a modificação do primeiro estado, em que “os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, (...) e concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados”. (COMTE, 1988, p. 4) E finalmente no estado positivo, o espírito humano adotará outra atitude, graças ao reconhecimento da “impossibilidade de obter noções absolutas”, o que indicará por parte do mesmo um comportamento em que “renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causa íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, fracas ao uso bem combinado do raciocínio e da observação.” (COMTE, 1988, p. 4). Em síntese Comte diz que os estados ou ordens são sucessivas, onde o teológico será substituído pelo metafísico e este será substituido pelo científico ou positivo. A vida social será explicada pela ciência, triunfando sobre todas as outras formas de pensamento. 453 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia O quadro a seguir sintetiza os três estados propostos por Comte. Quadro 1 Ordens Características do modo de Exemplos práticos pensamento TEOLÓGICA Predomina a imaginação ; as A evolução da ordem explicações são impostas pelos teológica: dogmas religiosos, ficções e Fetichismo mitos. Politeísmo em O segundo tema é a classificação das ciências,apresentadas A compreensão do mundo se Monoteísmo ordem crescente de importância, por Comte: astronomia, física, química, dá através das idéias de deuses biologia e Sociologia. Esta última é a mais importante e mais complexa das e espíritos. ciências, pois é responsável educação moral da esfera humanidade, METAFÍSICA Predomina pela a argumentação . Na política pela OU Ocorre a críticaComte filosófica, corresponderia a uma reforma intelectual do homem. lembra ainda que “é unicamente FILOSÓFICA na construção de uma substituição reis o pela observação eficaz aprofundada desses fatos que se pode dos atingir ordem a partir da crítica aos pelos juristas. conhecimento das Leis Lógicas”. (COMTE, 1988, p.10). dogmas religiosos e aos mitos, Podemosconseqüentemente destacar a Sociologia comoà o terceiro tema trabalhado levando dissolução doateológico. por Comte, que argumentava urgência e a importância da constituição da física social da Discute-se: seguinte forma: Natureza íntima das já agora que o espírito humano fundou a física celeste, a coisas. física terrestre, quer mecânica, quer química; a física Origem e destino. orgânica, seja vegetal, seja animal, resta-lhe, para terminar Abstrato no lugar do o sistema das ciências de observação, fundar a física concreto. social.” (COMTE, 1988, p. 9). CIENTÍFICA Predomina a Observação. A sociedade busca O pensador não só a importância, mas também para a OU A realidadeassinala é cientificamente respostas científicas evidência ciência social é aentão mais importante detodos todas,ossobretudo POSITIVAde que a concebida. Ocorre a para investigação do real, do ce rto, fenômenos. porque fornece o único elo, ao mesmo tempo lógico e cientifico que, de indubitável, do determinado ciência, a indústria, agora em diante,do comporta o conjunto de nossasAcontemplações reais. e do útil para a sociedade. a urbanização e o (idem, p. 43). A previsibilidade científica Estado representam o Ao analisar os com tiposo de movimentos vitais daelevado sociedade, dois ocorre desenvolvimento mais espírito dasópticas técnicas. evolutivoadaestática e a aspectos ou “duas fundamentais” se destacam: sociedade. dinâmica. Previsibilidade: ver A estática corresponde à ordem moral vigente na sociedade, ea (observar) para prever.industrialização, dinâmica do progresso, representado pela urbanização, etc. Ambos se complementam, mas é importante destacar que ORDEM e PROGRESSO são fundamentais se o primeiro regular o segundo; caso contrário teremos crises sociais e uma sociedade “doente”, debilitada de regras e valores morais capazes de garantir a coesão social. Com essa idéia, Comte propõe estudar as instituições sociais responsáveis pela ordem e pelo progresso, a estática e a dinâmica social, influenciando toda uma geração de intelectuais nos séculos XIX e XX. Comte preocupou-se também com a educação, propôs a “reforma geral da educação” – chamando atenção para “a necessidade de substituir nossa educação européia, ainda essencialmente teológica, metafísica e literária, por uma educação positiva, conforme ao espírito de nossa época e adaptada às necessidades da civilização moderna.” 454 Sociologia Geral UAB/Unimontes (COMTE, 1988, p.15). No Brasil a influência do positivismo ocorreu a partir da relação exercida da doutrina sobre o conhecimento e sobre a natureza do pensamento cientifico; influenciou também outras tendências políticas, além das políticas públicas e até a bandeira nacional com o lema ordem e progresso. Na verdade, o método positivista encontrou, em certa medida, condições culturais favoráveis para seu desenvolvimento não apenas na Europa, mas também em países de menor tradição cultural e carentes de ideologia para seus anseios de desenvolvimento, como ocorreu na América do Sul e sobretudo no Brasil. (GIANNOTTI e LEMOS, 1988, p. XIV) . 1.5 OS AUTORES CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA E A DIVERSIDADE NA EXPLICAÇÃO DA VIDA SOCIAL A Sociologia não é uma ciência de apenas uma orientação teórico-metodológica dominante. Ela traz diferentes estudos e diferentes caminhos para a explicação da realidade social. Assim, pode-se claramente observar que a Sociologia tem ao menos três linhas mestras explicativas, fundadas pelos seus autores clássicos. DICAS Weber propôs a Sociologia compreensiva. Para ele, as ciências humanas precisam compreender processos da experiência humana que são vivos, mutáveis, que precisam ser interpretados para que se extraia deles o seu sentido. Ai se fundamenta a análise sociológica (FGV, 1986, p. 1150). A primeira delas é corrente de explicação sociológica é dialética e crítica, iniciada por Karl Marx que mesmo não sendo um sociólogo, deu início a uma profícua linha de explicação sociológica. Também é possível encontrar a influência de Marx em várias outras áreas, tais como: filosofia e história, já que o conhecimento humano, em sua época, não estava fragmentado em diversas especialidades da forma como se encontra hoje. Teve participação como intelectual e como revolucionário no movimento operário. Juntos (Marx e o movimento operário) influenciaram outros movimentos durante o período em que o autor viveu. Atualmente é bastante difícil analisar a sociedade humana sem se referenciar, em maior ou menor grau, à produção de Karl Marx, mesmo que a pessoa não seja simpática à ideologia construída em torno do pensamento intelectual dele, principalmente em relação aos seus conceitos econômicos. A segunda corrente é a Positivista-Funcionalista, tendo como fundador Auguste Comte; seu principal expoente clássico é Émile Durkheim. Émile Durkheim (15 de abril de 1858 – 15 de novembro de 1917) é considerado um dos pais da Sociologia moderna. Foi o fundador da escola francesa de Sociologia. Combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica. É reconhecido como um dos melhores teóricos do conceito de coesão social. A Sociologia fortaleceu-se graças a Durkheim e seus seguidores. A terceira corrente sociológica tem seu maior expoente em Max Weber (ou Maximillian Carl Emil Weber – 21 de Abril de 1864 – 14 de Junho 455 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia de 1920). Além de jurista, era economista. Desenvolveu estudos de direito, Filosofia, História e Sociologia, constantemente interrompidos por uma doença renal que o acompanhou por toda a vida. Sua maior influência nos ramos da Sociologia foi o estudo das religiões, estabelecendo relações entre formações politicas e crenças religiosas. Essas três matrizes explicativas, originadas per esses três principais autores clássicos, originaram quase todos os posteriores desenvolvimentos da Sociologia, levando à sua consolidação como disciplina acadêmica já no início do século XX. DICAS Sociologia dialética e crítica: Marx utilizou o método dialético para explicar as mudanças importantes ocorridas na história da humanidade através dos tempos. Para ele, o movimento da história possui uma base material, econômica e obedece a um movimento da história possui uma base material, econômica e obedece a um movimento dialético. E conforme muda esta relação, mudam-se as leis, a cultura, a literatura, a educação e as artes. (FGV, 1986, p.723). B GC GLOSSÁRIO A E F Funcionalismo: corrente teórica que tem seu alicerce no método de investigação funcionalista que busca a explicação das instituições sociais e culturais em termos da sua função social, contribuição que estas têm para a manutenção da estrutura social. (FGV, 1986, p. 500) REFERÊNCIAS BINETI, Saffo Testoni. Iluminismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política –Vol. 1. Tradução: Ferreira, João (coord.).8. ed. Brasília: Editora UNB,1995. p. 605-611 COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva: Discurso Sobre o Conjunto do Positivismo; Catecismo Positivista. Tradução: GIANNOTTI, José Arthur; LEMOS, Miguel. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os Pensadores), p. 4361. 456 Sociologia Geral UAB/Unimontes FERNANDES, Florestan. A Herança Intelectual da Sociologia. In: Sociologia e Sociedade: Leituras de Introdução à Sociologia. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC Editora, 2004. P. 09 -17 GIANNOTTI, José Arthur; LEMOS, Miguel. Introdução In: COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva: Discurso Sobre o Conjunto do Positivismo; Catecismo Positivista. Tradução: GIANNOTTI, José Arthur; LEMOS, Miguel. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os Pensadores), p. 4361. MARTINS, Carlos Benedito. O que é Sociologia. 38. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos, 57), p. 08-98. QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos – Marx, Durkheim e Weber. 2. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. (Coleção Aprender), p. 09-26. VÍDEOS SUGERIDOS PARA DEBATE Danton O processo da revolução – é um filme produzido pela França, Polônia e Alemanha Ocidental em 1982. Direção: Andrzej Wajda. Elenco: Gérard Depardieu, Wojciech Pszniak. 131 min. Pole Vídeo. Gênero drama histórico. Após a Revolução Francesa, a França vive uma nova onda de terror. Danton, um dos líderes da revolução, enfrenta o governo na tentativa de mudar a situação. Confiando no apoio popular, ele entra em choque com Robespierre, seu antigo aliado, mas acaba sendo levado a julgamento. Germinal 1993. França/Bélgica/Itália.. Direção de Claude Berri. 170 min. A cena tem lugar no norte da França enquanto uma greve provocada pela redução dos sálarios. Além dos aspectos técnicos das extrações minerais e as condições de vida dos trabalhadores ineiros, Zola, autor do livro que deu origem ao filme, também descreve as condições de vida e o principio das organizações política e sindical da classe operária. 457 2 UNIDADE 2 A SOCIOLOGIA DE KARL MARX Caros acadêmicos, na primeira unidade vocês foram apresentados ao surgimento da Sociologia, com destaque para as condições históricas e as condições intelectuais que possibilitaram o surgimento da ciência da sociedade, bem como os principais autores das primeiras escolas do pensamento sociológico como: Auguste Comte, Saint-Simon, Owen, entre outros. Desses, somente August Comte foi apresentado. Nesta unidade vamos introduzi-lo ao pensamento de Karl Marx, um autor muito importante dentro das matrizes da Sociologia clássica, juntamente com Emile Durkheim e Max Weber. Fonte: http://blog.cancaonova.com/fatima hoje/files/2007/12/karl-marx.jpg Figura 4: Karl Marx. A Sociologia de Marx é, com certeza, uma das grandes contribuições para a compreensão da evolução das sociedades, desde as comunidades primitivas até o comunismo. Embora o objetivo do autor tenha sido fazer uma critica radical à sociedade capitalista, destacando seus antagonismos e contradições, ele nos presenteia com uma belíssima análise sociológica, mostrando como a sociedade se desenvolveu desde o seu início, as comunidades primitivas, passando pelo escravismo, pelo feudalismo, pelo capitalismo, pelo socialismo e finalmente pelo comunismo que, na visão do autor, era o maior grau de evolução da sociedade humana. Para facilitar a compreensão de vocês em relação ao autor, a unidade será dividida da seguinte maneira: 2.1 O contexto geral da obra de Karl Marx 2.2 Papel do cientista, objeto e método de análise a) Dialética 2.3 A Teoria dos modos de produção social 2.4 A divisão social do trabalho e classes sociais 2.5 A análise da sociedade capitalista 2.6 Luta de classes, mercadoria e mais-valia 2.7 Conceitos de alienação e ideologia 2.8 Atualidades do marxismo 458 Sociologia Geral UAB/Unimontes 2.1 O CONTEXTO GERAL DA OBRA DE KARL MARX Karl Marx, juntamente com Friedrich Engels (1820-1895), compõe a escola crítica que, como o próprio nome evidencia, ocupou-se de criticar radicalmente a sociedade capitalista, denunciando seus antagonismos e exploração de classes, na medida em que a classe dona dos meios de produção, historicamente expropriava a classe que não era dona dos meios de produção. Ao mesmo tempo, propunha como única possibilidade de realização para a sociedade humana a instauração de uma sociedade em que não houvesse nem classes e tampouco a exploração de uma classe sobre outra. Marx teve parte de sua formação intelectual na Alemanha, onde ingressou e concluiu seus estudos em Direito nas Universidades de Bonn e Berlim. Em 1841 defendeu sua tese de doutorado com apenas 23 anos de idade, na área de filosofia, com a tese As diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro, cuja temática versava sobre o materialismo na antigüidade grega. (COSTA, 1997). Paralelamente à produção intelectual, ele dedicou-se ao jornalismo; foi editor chefe de um jornal chamado a Gazeta Renana. Ao deixar esse cargo, intensificou seus estudos bem como a sua militância política e intelectual no eixo Paris-Bruxelas-Londres, cenários de grande parte da sua produção científica onde, juntamente com Engels, construiu uma obra monumental que objetivava analisar, criticar e lutar para a transformação radical da sociedade capitalista. Vale ressaltar que Engels quando estudante, adere a idéias de esquerda, o que o leva a aproximar-se de Marx. Engels foi um grande colaborador da obra de Marx, escrevendo com ele vários textos importantes, mas também publicando vários textos sozinho. O quadro sóciopolítico em que o referido autor viveu, tanto em sua juventude na Alemanha, quanto na sua passagem pelas capitais Paris, Bruxelas e Londres foi marcado por elementos importantes: 1) no âmbito político, o processo tardio de unificação liberal-burguesa vivido pela Alemanha a partir de 1830; 2) na esfera intelectual, a tradição filosófica alemã vinda de autores como Kant e Hegel, fomentadores de uma atitude antipositivista, expressas nas diferentes análises de Marx. A influência hegeliana na formação intelectual Marx impactou profundamente a estruturação do seu pensamento, assim como sua experiência de vida na França e na Inglaterra, países em que a industrialização estava em estágios mais avançados do que na Alemanha. (ARON, 2005). 2.2 PAPEL DO CIENTISTA, OBJETO E MÉTODO DE ANÁLISE Marx analisa a história das sociedades em diversas etapas dedesenvolvimento, e em especial a sociedade capitalista. Ele aborda o desenvolvimento histórico a partir de dois aspectos teórico-metodológicos: 459 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia a) o materialismo histórico; e a b) dialética. A dialética é a base filosófica do arcabouço teórico marxista. Através da dialética busca-se explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento representando uma explicação teórica avançada. Karl Marx, ao adotar como método de análise o materialismo histórico, propôs um instrumento eficaz para a leitura e caracterização da vida em sociedade e ainda, da prática social dos homens em todos os períodos históricos, das comunas primitivas até o capitalismo. O modo de pensar dialeticamente de Marx na verdade se transformou em uma crítica à dialética dos jovens hegelianos e de L. Feuerbach. Marx criticou estes últimos porque buscaram demonstrar a História como resultado das ideologias e também a presença de heróis. Já Marx enfatizou explicações sobre as formações sócio-econômicas e as relações de rodução como os fundamentos verdadeiros das sociedades. E por isto o nome materialismo histórico. Para ele existiam leis universais que regiam o desenvolvimento da história: As premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são bases reais que só podemos abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de existência, tanto as que eles já encontraram prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação. Estas bases são, pois verificáveis por via puramente empírica. A primeira condição de toda a história humana é, naturalmente, a existência de seres humanos vivos. A primeira situação a constatar é, portanto, a constituição corporal desses indivíduos e as relações que ela gera entre eles e o restante da natureza. Não podemos, naturalmente, fazer aqui um estudo mais profundo da própria constituição física do homem, nem das condições naturais que já vem prontas, condições geológicas, orográficas, hidrográficas, climáticas e outras. Toda a historiografia deve partir dessas bases naturais e de sua transformação pela ação dos homens, no curso da história. (MARX e ENGELS, 1992, p. 12-13). Para elaborar a teoria do Materialismo Histórico, Marx refletiu três fontes e recebeu influências que atuaram no desenvolvimento do seu pensamento: A filosofia idealista clássica alemã de Kant, Schelling, Fichte e de Hegel: após a leitura critica do idealismo de Hegel, Marx começou a assimilar uma aplicação própria do método dialético. O socialismo utópico francês e Inglês: Marx fez uma crítica aos seus principais representantes: Saint-Simon, Fourier, Proudhon e Owen na Inglaterra. Na perspectiva dele eram socialistas utópicos, mas aproveitou suas bases para elaboração da sua teoria do socialismo científico; A economia política clássica inglesa: da leitura da obra de Adam Smith, Marx elaborou a economia política burguesa fundada no pensamento econômico liberal. (ARON, 2005). 460 DICAS Sugerimos como de aprofundamento a leitura do livro A Ideologia Alemã, que representa a base do materialismo histórico, e ali Marx e Engels fazem as suas críticas aos outros pensadores idealistas alemães. Sociologia Geral UAB/Unimontes De acordo com essa perspectiva, “aplicada aos fenômenos historicamente produzidos, a ótica dialética cuida de apontar as contradições constitutivas da vida social que resulta de uma determinada ordem”. (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002, p. 65). Portanto, Marx era contrário a Hegel, que pressupunha que o pensamento era a “forma fenomenética da idéia”, defendendo o argumento de que “o pensamento era reflexo do movimento real, transplantado para o cérebro do homem”. (idem, p. 65). Em sua essência o capitalismo representa um sistema que mercantiliza as relações, as pessoas e também as coisas. Ele identificou no proletariado o sujeito capaz de realizar a grande mudança, ou seja, superar essa forma de sociedade. Neste contexto, o centro do pensamento de Karl Marx era a interpretação do regime capitalista enquanto contraditório, isto é, dominado pela luta de classes motor da história, sendo a luta de classes o objeto de análise do autor, que vincula a crítica da sociedade à ação política. Marx sustentava o argumento de que toda a história da sociedade humana era a história da luta de classes. Portanto, escravos e senhores, servos e senhores feudais, proletariado e burguesia estariam em luta constante, na medida em que historicamente a classe dominante – senhores de escravos, senhores feudais e burguesia – entravam em luta com a classe dominada para continuar com o seu domínio de classe. De acordo com os autores, os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes; em outras palavras, a classe que é o poder material dominante numa determinada sociedade é também o poder espiritual dominante. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe também dos meios da produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual está submetido também à classe dominante. Os pensamentos dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes; eles são essas relações materiais dominantes consideradas sob a forma de idéias, portanto a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; em outras palavras, são as idéias de sua dominação. (MARX e ENGELS, 1992, p. 47). Para Karl Marx a análise social do materialismo histórico considera que as relações materiais que os indivíduos estabelecem, o modo como produzem seus meios de vida formam a base de todas as suas outras relações sociais. Neste contexto, em todas as formações – política, econômica e social –, a posição dos indivíduos em relação à propriedade ou não dos meios de produção seria determinante de todas as demais relações sociais. Na visão do autor, o conhecimento e a ciência deviam assumir um papel político absolutamente crítico em relação ao capitalismo, devendo ser instrumento de compreensão e de transformação radical da sociedade. Portanto, os estudos não deviam concentrar-se na descrição, mas a análise 461 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia de como a sociedade é produzida, reproduzida ao longo da história e como os homens, ao longo de sua existência, vão sendo mercantilizados, e o capitalismo torna-se transparente; é desvendado por suas análises. Partindo desse pressuposto, o pensador defendia o argumento de Fonte: http://www.marxists.org/archive/marx/photo/art/marx-to-communist-league.jpg Figura 5: Marx discursando na primeira internacional. que o papel do cientista social seria o de participar ativamente dos atos de transformação da sociedade capitalista, através do desempenho de uma função política revolucionária, posicionando-se ao lado das lutas do proletariado, sendo um observador participante e militante. a) Dialética Marx trabalha em suas obras com o método dialético e o materialismo histórico. A dialética significava para os filósofos gregos antigos a arte de discutir ou a argumentação dialogada, e para Marx é pensar o movimento. Para Marx, pensar as mudanças naturais e sociais a partir da dialética é o mesmo que acreditar que no universo tudo é movimento e transformação. Para entendermos a dialética em Marx e Engels é preciso buscar a discussão em Hegel. Para este autor alemão a dialética aborda o movimento do espirito, e se realiza segundo um conjunto de três elementos inter-relacionados: A tese é a idéia inicial ou a afirmação de uma idéia; A antítese, a negação da tese (afirmação de uma idéia oposta, mas relacionada à tese) E a síntese, a negação da antítese, ou negação da negação. A síntese decorre da resolução desta contradição numa nova idéia que englobe elementos das duas anteriores. Isso significa que a tese é a uma nova unidade que pode ser negada, e no processo de negação torna-se antítese, resultando em mudanças que se tornarão uma síntese, ou uma nova tese. Esses são os elementos principais do sistema idealista hegeliano. Karl Marx, juntamente com Friedrich Engels, serão os fundadores do 462 PARA REFLETIR Nos primeiros anos da década de 1860, acontecimentos espetaculares ocorridos no cenário internacional fizeram com que lideranças sindicais e ativistas socialistas começassem a pensar em fundar uma organização que reunisse os sentimentos universais em favor da luta dos trabalhadores e das nações oprimidas. O resultado disso foi a criação da Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores em Londres, no ano de 1864. Sociologia Geral UAB/Unimontes materialismo dialético, o qual inverterá o sistema idealista hegeliano, postulando que não é o pensamento que determina as condições materiais, mas as condições materiais que determinam o pensamento. Aqui não partimos daquilo que os homens dizem, imaginam, crêem, nem muito menos de que são nas palavras, pensamento, imaginação e representação de outrem, para atingir finalmente os homens em carne e osso. Não, aqui partimos dos homens tomados em sua atividade real, segundo o seu processo real de vida, representando também o desenvolvimento dos reflexos e dos ecos ideológicos desse processo vital. (MARX e ENGELS, 1992, p. 51). Para Marx e Engels, a dialética é a ciência das leis gerais do movimento tanto do mundo exterior quanto do pensamento humano. A grande idéia fundamental é que o mundo não deve ser considerado como um conjunto de coisas acabadas, mas como um conjunto de processos em que as coisas, aparentemente estáveis, bem como seus reflexos mentais no nosso cérebro, os conceitos, passam por uma série ininterrupta de transformações. Aplicando esse princípio ao processo de produção da vida social e ao processo histórico, esses autores concluem que o homem, a partir do trabalho, realiza a produção das suas necessidades, e ao mesmo tempo cria a sociedade. Portanto, as transformações que o homem realiza (tanto materiais quanto de idéias) são partes de um processo dialético. De acordo com essa concepção, não são as idéias ou os valores que os seres humanos guardam que são as principais fontes da mudança social. Em vez disso, a mudança social é estimulada primeiramente por influências econômicas. (GIDDENS, 2005, p. 32) Portanto, os processos naturais e sociais não são coisas perfeitas e acabadas, estão em constante movimento, transformação, desenvolvimento e renovação e não em estagnação e imutabilidade. Logo, o mundo não pode ser Quadro 2 entendido como um conjunto de coisas pré-fabricadas, mas como um complexo Te se Síntesede análise e crítica de processos. Karl Marx fazAntítese da dialética um instrumento Sociedade feudal Transformações: Sociedade Capitalista social, com a finalidade não de interpretar o mundo, mas de transformá-lo. negação das instituições feudais 2.3 A TEORIA DOS MODOSDE PRODUÇÃO SOCIAL Marx aplicou a dialética na análise histórica, criando o materialismo histórico, ou uma teoria para explicar as sociedades. O materialismo histórico deve ser entendido como recurso metodológico para compreensão da história da humanidade, do seu desenvolvimento, de determinadas sociedades (formações sociais) em determinadas épocas históricas. As referências obrigatórias para se compreender como Marx trata do problema da evolução da sociedade são os livros Contribuição a Critica da Economia Política (1977), e A ideologia Alemã (1992). Essas obras são trabalhos preliminares de O Capital, e constituem-se nas mais sistemáticas tentativas de enfrentar o problema da evolução social da sociedade humana. Ambos são bastante citados por inúmeros cientistas sociais por apresentarem as 463 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia idéias centrais do que Marx denominou o “fio condutor” da análise do desenvolvimento histórico. A minha investigação desembocava no resultado de que tanto as relações jurídicas como as formas de Estado não podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evolução geral do espírito humano, mas se baseiam, pelo contrário, nas condições materiais de vida (...) O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos pode resumir-se assim: na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência. (MARX, 1977, p. 301). As forças produtivas materiais da sociedade e as relações de produção formam uma unidade. Essa unidade romperá quando as forças produtivas se desenvolverem e exigirem novas relações sociais de produção. Assim, uma época de revolução social surgirá. É preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais ocorridas nas condições econômicas de produção (...) e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas ideológicas em que os homens adquirem consciência desse conflito e lutam para resolvê-lo. (MARX, 1977, p. 302). Não se pode julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo. Não se pode julgar épocas históricas pela sua consciência. Deve-se explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter. Relações sociais de produção novas não surgirão antes que as condições materiais de existência destas relações se produzam e estejam desenvolvidas no seio da velha sociedade. (MARX, 1977, p. 302). Os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser classificados como épocas progressivas da formação econômica da sociedade. Envolvem forças produtivas e, por conseguinte, relações sociais de produção correspondentes a cada uma das épocas históricas. As relações de produção burguesas são a última forma contraditória do processo de produção social – contradição não individual – que nasce das condições de existência social dos indivíduos. No seio da 464 Sociologia Geral PARA REFLETIR Do comunismo primivito ao comunismo. Segundo Marx, a história da sociedade humana segue uma evolução balizada por cinco etapas importantes: a comunidade primitiva (não existe ainda a propriedade privada), o regime escravista (surge a dominação do homem sobre o homem), o regime feudal (o mais importante é a propriedade de terras e começam a ganhar vigor as forças produtivas), o capitalismo (propriedade privada dos meios de produção), o socialismo (socialização dos meios de produção) e, afinal, o comunismo) Fonte: LALLEMENT, 2003, p.119. UAB/Unimontes sociedade burguesa, as forças produtivas (antagônicas) se desenvolvem e criam ao mesmo tempo as condições materiais para solução deste antagonismo (MARX, 1977, p. 302). Marx e Engels iniciam a primeira parte do manifesto comunista com a seguinte frase: “A história de todas as sociedades que existiram até os nossos dias é a história da luta de classes." (1987). Ainda que Marx concentrasse grande parte de sua atenção no capitalismo e na sociedade moderna, ele também examinou como as sociedades haviam se desenvolvido ao longo do curso da história. De acordo com Marx, os sistemas sociais fazem a transição de um modo de produção a outro – algumas vezes gradualmente e algumas vezes através da revolução – como resultado de contradições em suas economias. Os conflitos de classes proporcionam a motivação para o desenvolvimento histórico – eles são o "motor da história". Na produção social de sua existência, os homens estabelecem relações determinadas necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. (MARX, 1983, p. 24). O mundo concreto para Marx é a contradição, uma unidade de múltiplas determinações. Para se compreender a sociedade faz-se necessário Quadro 3 entender as estruturas que determinam a ação humana. Como as formas de produção variam, Modosasderelações produçãosociais também se alteram, configurando sociedades num estágio histórico determinado: sociedade Primitivo Antigo Escravista Feudal Capitalista Socialista Comunista antiga, sociedade feudal, sociedade burguesa... A cada uma delas corresponde um estágio particular de desenvolvimento na história da humanidade. A preocupação do autor é estabelecer o mecanismo geral de todas as transformações sociais, bem como da formação de relações sociais de produção que correspondem a um estágio definido do desenvolvimento das forças produtivas materiais, o desenvolvimento periódico de conflito entre as forças produtivas e as relações de produção, as épocas de revolução social em que as relações de produção se ajustam novamente ao nível das forças produtivas. Karl Marx analisa o homem enquanto um animal social, que cria e recria sua existência servindo-se da natureza e transformando-a pelo trabalho. Ao transformar a matéria-prima em produtos manufaturados e/ou industrializados, o homem desenvolve a cooperação e uma divisão social do trabalho; esta, aliada ao excedente, possibilita a troca. Inicialmente, tanto a produção quanto a troca tem apenas a finalidade de uso, ou seja, a manutenção do produtor e de sua comunidade. 465 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia O autor se ocupa das relações que os homens estabelecem entre si, resultante da especialização do trabalho (troca). Essas relações se SUPERtornam cada vez mais sofisticadas, até que a invenção do dinheiro, a ESTRUTURA produção de mercadorias e a troca Todas permitam as formas a acumulação de capital. Ele destaca ainda quede a consciência dupla relação de trabalho-propriedade é social: Estado, leis, progressivamente rompida najustiça, medida idéiasem e que o homem afasta de sua costumes. relação primitiva com a natureza; tal relação assume a forma de uma progressiva separação entre o capital e o trabalho livre e as condições INFRA-ESTRUTURA objetivas de sua realização/separação entre os meios e os objetos de Relações Sociais de Produção + Forças Produtivas trabalho, conseqüentemente, a separação entre o trabalhador e a terra (Meios de Produção + Força de Trabalho como seu laboratório natural de trabalho. Essa separação se completa no capitalismo quando o trabalhador é reduzido a simples força de trabalho. Inversamente, a propriedade se reduz ao controle dos meios de produção inteiramente divorciados do trabalho, culminando na separação total entre o uso e a troca. Para Marx, o desenvolvimento econômico não pode ser visto simplesmente como um crescimento econômico e muito menos decompor-se numa variedade de fatores isolados (produtividade ou taxa de acumulação de capital), pois, segundo ele, as relações sociais de produção e as forças produtivas materiais não podem ser separadas. O exemplo que o autor dá é o estado de vários modos de produção précapitalista. Entende que é errado conceber o materialismo histórico como uma interpretação econômica ou sociológica da história. Em Marx é o conjunto das relações de produção, constituído pela estrutura econômica da sociedade, que representa a base concreta, a infraestrutura sobre a qual se constitui a superestrutura jurídica e política, que correspondem às formas de consciência social determinada. Para o autor, o modo de produção da vida material dos homens condiciona em geral todo o processo de vida social, política e intelectual. O Materialismo histórico nos permite, pela primeira vez, estudar com precisão, as condições sociais da vida das massas e as modificações destAs condições. Na sua visão, o marxismo abriu caminho para o estudo global e universal do processo de gênese do desenvolvimento e de declínio das formações econômicas e sociais. O exame do conjunto das tendências contraditórias, reduzindo-as às condições de existência e de produção claramente determinadas, das diversas classes da sociedade, e assim afastando o subjetivismo ao considerar que somos nós os “artífices da história”. (LÊNIN, 1980) 2.4 DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO E CLASSES SOCIAIS Na concepção de Marx, se o trabalho é condição de existência humana, a divisão do trabalho significou o surgimento da sociedade. Condicionado por suas necessidades, o homem desenvolveu 466 Sociologia Geral UAB/Unimontes determinadas atividades produtivas das quais emergiram relações sociais convergentes com os estágios históricos de desenvolvimento das forças produtivas e da divisão do trabalho. A mesma correspondência define todas as formas de idéias, de consciência, e de representações da vida social. Para Marx, o grau de desenvolvimento de uma sociedade somente pode ser percebido a partir do reconhecimento do grau de desenvolvimento atingido pelas forças produtivas, pela divisão do trabalho e pelas relações sociais moldadas em cada sociedade. Os homens são condicionados pelo desenvolvimento do modo de produção da vida material; conseqüentemente a formação das classes sociais em cada período histórico depende das relações sociais de produção. As relações sociais se desenvolvem na medida em que os homens procuram satisfazer suas necessidades materiais. Portanto, os homens são produtos das circunstâncias, pois criam e alteram suas bases de existência social, quando a ação humana pode alterar o conjunto das relações sociais. Nesse sentido, toda a história da humanidade deve partir da análise dos processos em que o homem transforma a natureza e ao mesmo tempo transforma a si mesmo. Não se trata apenas da existência física, mas da reprodução das suas condições de existência. Para Marx, o grau de desenvolvimento de uma sociedade somente pode ser percebido a partir do reconhecimento do grau de desenvolvimento atingido pelas forças produtivas, pela divisão do trabalho e pelas relações internas e externas que moldam suas estruturas. Os homens são condicionados pelo desenvolvimento determinado de suas forças produtivas materiais e pelas relações a elas correspondentes em todas as suas formas. A cada novo estágio de divisão do trabalho “alteramse as relações dos indivíduos entre si, no tocante às coisas, instrumentos e produtos de trabalho” (MARX e ENGELS, 1992, p. 47). A divisão social do trabalho existe em todos os tipos de sociedade e tem origem nas diferenças da fisiologia humana, diferenças estas que são usadas para favorecer determinados fins, dependendo das relações sociais predominantes na sociedade concreta. Isto é o reconhecimento de que diferentes grupos sociais têm especificidades quanto a suas formas de garantir a sobrevivência. O que implica em diferentes tipos de relações sociais estabelecidas em diferentes ambientes de produção das necessidades humanas. Neste sentido Marx estabelece as formas pelas quais a humanidade impulsionou a especialização da produção e portanto a divisão do trabalho. Em A Ideologia Alemã (1992), Marx identificou as etapas da divisão social do trabalho, correspondendo às distintas formas de propriedade: os estágios do desenvolvimento da divisão do trabalho têm seus respectivos correspondentes com as formas de propriedade. A primeira delas é a propriedade da tribo, e a divisão do trabalho 467 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia corresponde à extensão da divisão natural do trabalho. Na comunidade tribal, a divisão do trabalho se baseia primeiramente na diferença dos sexos, para em seguida tomar por base as diferenças das forças físicas entre os indivíduos de ambos os sexos. Esse tipo de propriedade era caracterizado por: estágio não desenvolvido da produção; as pessoas se alimentavam através da caça, da pesca e da criação de animais. A estrutura social baseia-se no desenvolvimento e na modificação do grupo de parentesco e na divisão interna do trabalho. Nesse modo de produção social, tudo que era produzido era de uso coletivo e as trocas entre as tribos e/ou bandos eram eqüitativas, ou seja, o que definia o valor de um produto era a necessidade de alguma pessoa. Com o avanço da sociedade e conseqüente aperfeiçoamento da produção, as pessoas começaram a produzir mais do que o necessário para sobreviver. A partir desse momento, as tribos e/ou bandos começaram a guerrear entre si para dominar o excedente da produção e os grupos vencedores transformavam os grupos vencidos em escravos. Em decorrência, surgem as classes sociais e a propriedade privada dos meios de produção. Essa nova realidade culmina com o surgimento da escravidão, que tem origem no aumento da população, incremento de relações externas, representadas pela guerra e pelo escambo. Ocorre também a separação do trabalho industrial e comercial do trabalho agrícola, bem como a distinção e a oposição entre a cidade e o campo. A segunda forma de propriedade é a propriedade antiga, comunal e propriedade do Estado, resultado da associação de tribos em uma cidade, por contrato e por conquista. A divisão do trabalho já demonstra a separação entre cidade e campo, o desenvolvimento da propriedade privada e das relações de classe entre cidadãos, guerreiros, coletores de impostos, o clero, os escravos, os trabalhadores livres, etc. Nota-se que do princípio do desenvolvimento da propriedade privada surge, pela primeira vez, as relações que reencontraremos na propriedade privada moderna. Fonte: http://www.eb23-cmdt-conceicao-silva.rcts.pt/sev/hgp/3.recolectores.jpg Figura 6: Nas comunidades primitivas, as pessoas viviam em bandos e tudo que era caçado ou coletado era apropriado por toda a comunidade. 468 Sociologia Geral DICAS Esta segunda forma de propriedade tem sua origem na formação das cidades pela união, por acordo ou conquistas de grupos tribais. Continua a existência da escravidão. A divisão social do trabalho já é bastante complexa entre a indústria e comércio exterior; entre homens livres e escravos. A sociedade romana, durante o império romano, representa o último estágio de desenvolvimento nessa fase de evolução. UAB/Unimontes Assim, a divisão do trabalho desenvolve-se, não mais como na primeira divisão sexual e depois natural, em virtude das disposições naturais. Para Marx, a divisão do trabalho só se torna efetivamente divisão social do trabalho a partir do momento em que se opera uma divisão entre trabalho material e intelectual. A distribuição de tarefas entre os indivíduos ou grupos é produto da sociedade e expressa as condições históricas e sociais de acordo com a posição que cada um deles ocupa na estrutura social e nas relações de propriedade. “Igualmente, a divisão do trabalho e propriedade privada são expressões idênticas: enuncia-se, na primeira, em relação à atividade, aquilo que se anuncia e, na segunda, em relação ao produto da atividade.” (MARX e ENGELS, 1992, 57). A terceira forma é a propriedade feudal ou por ordens. É caracterizada pelo trabalho servil, repousada sobre a classe dos camponeses avassalados, cuja estrutura da propriedade da terra reproduziu as estruturas sociais e de dominação da nobreza sobre os servos. As relações entre as classes no feudalismo reproduzem essa estrutura, acrescentando ainda o clero. Nos últimos séculos da vigência da sociedade feudal na Europa ocorre o surgimento das cidades, dos burgos, as oficinas com a “organização feudal das profissões”, reproduzindo quase que nas mesmas condições aquelas desigualdades existentes no campo. Com a revolução comercial, o surgimento das manufaturas, a divisão entre o comércio e a indústria acontece na medida em que as cidades proporcionam o desenvolvimento das relações de troca e intercâmbio entre elas. (MARX e ENGELS, 1992, 47-48). Na Propriedade feudal ou por estamentos, o ponto de partida da organização social era a Fonte: http://www.rosanevolpatto.trd.br/incas.gif área rural e não a cidade. Nesse cenário, havia os senhores feudais e suas propriedades de um lado, de outro, havia os servos, que constituíam a classe explorada. Nesse modo de produção social há o surgimento de uma divisão de trabalho paralela nas cidades, cuja forma básica de propriedade era o trabalho privado dos indivíduos, as guildas Figura 7: A divisão do trabalho na sociedade Inca. 469 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia Fonte: http://www.rosanevolpatto.trd.br/incas.gif Figura 8: Sociedade Inca. dos mestres e artesãos. Caracteriza-se ainda pelo surgimento do comércio. A divisão do trabalho era pouco desenvolvida no feudalismo, mas expressava-se principalmente na rígida separação dos vários “estamentos” (príncipes, nobres, clero e camponeses) na área rural, (mestres, oficiais, aprendizes e, eventualmente, a plebe de jornaleiros), nas cidades. Esse sistema baseava-se na grande extensão territorial e exigia unidades políticas relativamente grandes, no interesse da nobreza proprietária de terras e das cidades; as monarquias feudais, satisfazendo esta exigência, tornaram-se, assim, universais. Marx destaca um elemento importante nesse período de transição do feudalismo para o capitalismo, pois diz respeito à propriedade privada do trabalho, em que o produtor detém o controle sobre o processo de produção das ferramentas e sobre o produto. Com o assalariamento, nas oficinas e na indústria, o trabalho passa a ser propriedade social; o produtor vende sua força de trabalho para o capitalista. Assim, o trabalho torna-se abstrato, fonte de criação de valor. Por fim, o trabalho abstrato é dirigido para a produção de mercadorias, tornando-se trabalho alienado. A quarta forma de propriedade é a propriedade capitalista, quando a divisão do trabalho corresponde à divisão entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção (ou do capital). As duas principais classes sociais que se formam são burguesia e proletariado. A primeira é detentora do capital, a segunda é proprietária da força de trabalho que é vendida como mercadoria no sistema capitalista. Esse modelo dicotômico não é suficiente para posicionar todos os indivíduos de uma sociedade capitalista, pois cada vez mais seu desenvolvimento levou a grandes modificações econômicas e políticas em inúmeras sociedades, ocasionando sub-divisões no interior das classes sociais, principalmente nas “classes médias”. Se analisarmos um trecho do livro O Capital, de Marx, podemos verificar estas questões: É sempre na relação direta dos proprietários das condições de produção com os produtores diretos – relação da qual cada forma sempre corresponde, naturalmente, a determinada fase do desenvolvimento dos métodos de trabalho, e portanto a sua força produtiva social – que encontramos o segredo mais íntimo, o fundamento oculto de toda a estrutura social e, por conseguinte, da forma política das relações de soberania e de dependência, em suma, de cada forma específica de Estado. Isso não impede 470 Sociologia Geral UAB/Unimontes que a mesma base econômica – a mesma quanto às condições principais – possa, devido a inúmeras circunstâncias empíricas distintas, condições naturais, relações raciais, influências históricas externas etc., exibir infinitas variações e graduações em sua manifestação, que só podem ser entendidas mediante análise dessas circunstâncias empiricamente dadas. (MARX, 1999, p. 251-252). Num primeiro momento percebemos a definição que Marx faz das ATIVIDADES Faça uma análise do quadro destacando como se davam as relações de poder no feudalismo e como era a divisão social do trabalho. Fonte: VICENTINO; DORIGO. 2005. Figura 9 relações entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção como deter minantes da for mação da estr utura social (e conseqüentemente das classes sociais). Mas ele aponta também que é possível encontrar complexidades em diferentes lugares e contextos, logo relações econômicas e políticas complexas podem gerar novas classes e frações de classes sociais em diferentes sociedades capitalistas. Este sempre foi e ainda é um importante ponto de debate para o marxismo: a configuração das classes sociais em diferentes sociedades, em diferentes contextos políticos, sociais, culturais e econômicos. A persistência da divisão do trabalho típica do capitalismo acontece por causa do domínio do capital sobre os produtores diretos. A divisão do trabalho é imposta aos indivíduos pela sociedade que eles mesmos criaram, pois no momento em que o trabalho é repartido cada um tem uma esfera de atividade exclusiva e determinada, que lhe é imposta e que não pode sair, devido às suas condições sociais de subsistência. Por outro lado, sua abolição somente ocorrerá com a abolição de todas as formas de propriedade privada. Uma vez abolida a base, a propriedade privada, e instaurada a regulamentação comunista da produção, que abole no homem o sentimento de estar diante de seu próprio produto como diante de uma coisa estranha, a força da relação da oferta e da procura é reduzida a zero e os homens retomam o seu poder, o intercâmbio, a produção, a sua modalidade de comportamento uns face aos outros. (MARX e ENGELS, 1992, p. 60). Marx analisou todas as formas de propriedade como formas analíticas da evolução cronológica e na quarta com o surgimento do proletariado, diz que a exploração não mais ocorre na forma grosseira da apropriação de homens (como escravos ou servos), mas na apropriação do 471 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia trabalho. Para o Capital, o trabalhador não é uma condição de produção, só o trabalho o é. Se este puder ser executado por máquinas, ou pela água ou ar, tudo bem. O capital se apropria não do trabalhador, mas de seu trabalho, e não diretamente, mas por meio de troca. Na perspectiva de Marx, a sociedade burguesa, emergindo do feudalismo, constitui a quarta forma de propriedade. A afirmativa de que as formações asiática, antiga, feudal e burguesa representavam etapas de progresso não implica, portanto, qualquer visão unilinear e simplista da história, nem resulta na opinião primária de que toda a história é progresso. Ele apenas reconhece que cada um desses sistemas cada vez mais se afasta, em aspectos cruciais, da situação primitiva do homem. O referido autor utilizou 03 fenômenos para explicar o desenvolvimento do capitalismo a partir do feudalismo: 1) uma estrutura social agrária que possibilite a libertação dos camponeses, num certo momento; 2) o desenvolvimento dos ofícios urbanos geradores da produção de mercadorias especializadas, independentes, não agrícola; 3) a acumulação de riqueza monetária derivada do comércio e da usura. Em síntese, Marx destacou a progressão de estágios históricos, que começou com primitivas sociedades comunais de caçadores e coletores e passou através de antigos sistemas escravistas e sistemas feudais baseados na divisão entre proprietários de terra e servos. O aparecimento de mercadores e artesãos marcou o início de uma classe comercial ou capitalista que veio para substituir a nobreza proprietária de terras. Em concordância com essa concepção de história, Marx argumentou que, da mesma forma que os capitalistas tinham se unido para depor a ordem feudal, os capitalistas também seriam suplantados e uma nova ordem seria instalada, o socialismo. Para Marx e Engels, a classe operária, engajada em sua luta contra a burguesia, era a força política que realizaria a destruição do capitalismo e uma transição para o socialismo. Pertencer a uma classe, porém, depende de conhecer sua própria condição e posição dentro do processo de produção, ampliando para uma identidade de interesses e daí Fonte: http://br.geocities.com/a_capitalismo_2.jpg Figura 10: A partir da Revolução Industrial ocorre profundas mudanças nos cenários urbanos. 472 Sociologia Geral UAB/Unimontes para a luta política, em partidos, sindicatos e movimentos sociais. Vejamos como essa discussão foi apresentada por Marx: Na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em condições econômicas que as separam umas das outras e opõem o seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade, estes milhões constituem uma classe. Mas na medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligação local e em que a similitude de seus interesses não cria entre eles comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem organização política, nessa medida não constituem uma classe. (MARX, 1977, p. 277). Uma classe só pode agir com êxito se adquirir consciência de si mesma da maneira prevista pela definição de transformar-se de classe em si para classe para si e se, ao contrário, isso não se realizar, sua ação política fracassará. Finalmente, pudemos perceber que a discussão de Marx sobre as classes sociais não é, pois, coisa ou idéia abstrata; as classes sociais se constroem, se fazem no cotidiano das experiências históricas, que acontecem nas atividades sociais, econômicas, políticas e culturais. Quando Marx fala, por exemplo, de “proletariado” e “burguesia”, esses termos têm para ele um sentido especifico e concreto conferido pela relação estrutural dessas duas classes dentro da sociedade capitalista. 2.5 A ANÁLISE DA SOCIEDADE CAPITALISTA Para Marx o ponto central na análise da sociedade moderna é a contradição. O conflito entre o proletariado e os capitalistas é o fato mais importante da sociedade moderna, o que revela a natureza essencial dessa sociedade, ao mesmo tempo em que permite prever o desenvolvimento histórico. Ele argumenta que é impossível separar o sociólogo do homem de ação, já que demonstrar o caráter antagônico do capitalismo leva irresistivelmente a anunciar a autodestruição do capitalismo e ao mesmo tempo incitar os homens a contribuir de alguma forma para a realização do destino já traçado (QUINTANEIRO; BARBOSA; GARDÊNIA, 2002). Por que a crítica ao capitalismo? De acordo com Marx, o capitalismo é inerentemente um sistema desigual, no qual as relações de classe são caracterizadas pelo conflito/antagonismo. Ainda que os detentores do capital e os trabalhadores sejam dependentes um do outro – os capitalistas precisam de mão-de-obra e os trabalhadores precisam de salários –, a dependência é altamente desequilibrada. 2.6 LUTA DE CLASSES, MERCADORIA E MAIS-VALIA A relação entre classes é de exploração, uma vez que os trabalhadores têm pouco ou nenhum controle sobre seu trabalho (são 473 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia alienados, separados), e os empregadores são capazes de gerar lucro ao se apropriarem do produto do trabalho dos operários. Isto é, o lucro capitalista é a mais-valia produzida pelo operário. Mas como se produz a mais-valia? Marx dá o seguinte exemplo: o trabalhador é contratado por 10 moedas para trabalhar em uma jornada de trabalho de 8 horas dia, mas ele produz mercadorias relativas a 20 moedas diariamente, gerando um excedente de trabalho diário de 10 moedas, que é a mais-valia. Quando somados milhares de trabalhadores temos uma imensa quantidade de mais-valia acumulada, gerando a profunda desigualdade econômica e social na sociedade capitalista. A força de trabalho é a mercadoria que possui a propriedade única de ser capaz de criar valor, ingrediente essencial para a produção capitalista e criação do lucro. O caráter contraditório do capitalismo se manifesta no fato de que o crescimento dos meios de produção, em vez de se traduzirem pela elevação do nível de vida dos trabalhadores, leva a um duplo processo de proletarização e pauperização. Marx vê o capitalismo como uma sociedade na qual a burguesia e o proletariado são classes sociais revolucionárias e antagônicas. A burguesia foi uma classe revolucionária porque fez a revolução que instaurou o capitalismo. O proletariado é revolucionário porque lutará para a destruição do regime capitalista. Para ele, toda a história humana, não só a do capitalismo, é a história da luta de classes. O capitalismo define a classe em si a partir do critério objetivo, ou seja, a posição que ocupa na produção e classe para si a partir do critério subjetivo, que envolve identidade e/ou pertencimento a uma determinada classe, assim é uma classe política, na medida em que é conceituada como grupo de pessoas que se organizam politicamente para defender seus interesses (QUINTANEIRO; BARBOSA; GARDÊNIA, 2002). Na perspectiva marxista a burguesia para afirmar-se como capitalista, precisa não só apropriar-se do produto do trabalho excedente (não pago/mais-valia), mas também reconhecer o produtor do trabalho excedente, a mais-valia, que aparece na sua consciência como lucro. Da mesma forma o proletário, para afirmar-se como tal, precisa não só de afirmar-se como produtor de mercadoria ou vendedor da força de trabalho, mas também reconhecer o proprietário dos meios de produção que se apropria do produto do trabalho não pago. Essas questões constituem-se em relações básicas de dependência, alienação e antagonismo, que fundam a existência e a consciência do proletariado e do capitalista (QUINTANEIRO; BARBOSA; GARDÊNIA, 2002). Marx acreditava que o conflito de classes, em função dos recursos econômicos, tornar-se-ia mais agudo com o passar do tempo, e com isso a inevitável revolução dos trabalhadores, que poderia acabar com o sistema capitalista, capaz de introduzir uma nova sociedade na qual não haveria classes – nem divisões entre ricos e pobres. A sociedade não seria mais dividida entre uma pequena classe, 474 B GC GLOSSÁRIO A E F Mais-valia: era definida por Marx com a diferença entre o valor necessário à sobrevivência do trabalhador e o excedente que produz e que é acumulado pelo capitalista. É a diferença entre o valor que ele produz e o valor da sua força de trabalho. PARA REFLETIR Para Marx a força de trabalho humana era uma mercadoria como qualquer outra, a única especificidade é que esta produz valor. Sociologia Geral UAB/Unimontes que monopoliza o poder econômico e político e uma grande massa de pessoas que pouco se beneficia da riqueza que seu trabalho cria. O novo sistema econômico se encontraria sob a propriedade estatal e uma sociedade mais humana e democrática do que esta que conhecemos no presente seria estabelecida. Marx acreditava que, na sociedade do futuro, a produção seria mais avançada e eficiente do que a produção sob o capitalismo. 2.7 CONCEITOS DE ALIENAÇÃO E IDEOLOGIA Alienação para Marx é a ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo ou grupo social se tornam alheios, estranhos, separados, enfim alienados aos resultados ou produtos de sua própria atividade produtiva. Alienação para Marx, nasce da forma como a força de trabalho é utilizada no sistema de produção capitalista, pois é uma mercadoria, cuja existência está orientada para a posse privada e para o mercado. Submete-se o trabalhador às relações capitalistas de produção, onde a intensidade do trabalho, a criação e o destino das mercadorias se tornam coisa, levando a alienação ao não reconhecimento do mundo real e das reais possibilidades humanas. O núcleo explicativo desse processo é a categoria de mais-valia, pois revela uma relação determinada de alienação e antagonismo, na qual se encadeiam e opõem operário e capitalista. O trabalhador troca com o capital o seu próprio trabalho, aliena-o. O preço que recebe é o valor dessa alienação. A Alienação é sempre alienação de si próprio, sendo não apenas um conceito, mas também um apelo à modificação revolucionária do mundo (desalienação). Dessa forma, Marx questiona a possibilidade do conhecimento do mundo real. Nesse sentido, podemos associar o conceito de alienação ao de ideologia. As idéias de toda ordem derivam do substrato material da história, e no capitalismo não é diferente. Para Marx, o desenvolvimento das idéias era subordinado, dependente, e estava sistematizado na ideologia – compêndio das ilusões através das quais os homens pensavam sua própria realidade de maneira enviesada, deformada, fantasmagórica. A ideologia para Marx é a consciência falsa, equivocada, da realidade, não deliberada, mas necessária ao pensamento de determinada classe social, a burguesia, sob determinadas condições de sua posição e funções em relação às demais classes. Toda produção de idéias, representações e formas de consciência social resulta das relações sociais de produção capitalistas. A permanência da alienação e sua legitimação através da ideologia garantem a reprodução do modo capitalista de produção. O processo de produção capitalista, considerado como um todo articulado ou como processo de reprodução, produz 475 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia por conseguinte não apenas a mercadoria, não apenas a mais-valia, mas produz e reproduz a própria relação capital, de um lado o capitalista, do outro o trabalhador assalariado. (MARX, 1977, p.161). Fonte: http://bp3.blogger.com/_U9c-kWSRqX4/R7IcPBUDh6I/AAAAAAAABzw /nkT4rOY4Q2A/s1600-h/trabalhador-engrenagens-~-IND022.jpg Figura 11: Em Marx a alienação ocorre no processo de produção, pois a força de trabalho torna-se uma mercadoria, mais uma peça da engrenagem da maquinaria. As idéias e representações são produções concretas de homens concretos, não dissociados da vida real, não existindo, portanto, autonomia da ordem moral, da política, da religião, e das leis, de uma sociedade qualquer. Os homens não agem sobre bases que não sejam os limites colocados pelo processo de desenvolvimento de suas forças Fonte: http://saladeaula.terapad.com/resources/2771/assets/images produtivas e pelo processo / /alienação.jpg vital de suas vidas. Mas Marx pensou o fim da alienação, quando o homem deveria ultrapassar todos os obstáculos da sociedade, enquanto ser concreto, e romper todos os obstáculos para o desenvolvimento do seu ser. O proletariado, uma classe desprovida de direitos e de bens, seria capaz de subverter a estrutura da sociedade moder na, e buscar a supressão de qualquer tipo de alienação através da revolução proletária e socialista. Figura 12: O homem alienado na sociedade capitalista não se reconhece no processo produtivo, na produção de mercadorias e de capital, como algo real. 476 Sociologia Geral DICAS Assista ao filme Tempos Modernos, dirigido por Charles Chaplin, e discuta com os colegas a inserção do trabalhador no mundo do trabalho na atualidade. (Ver sinopse ao final desta Unidade) UAB/Unimontes É preciso que a massa da humanidade que se encontra privada de propriedade e se ache em contradição com um mundo da riqueza e da cultura existente, faça a revolução contra o poder estabelecido. Uma vez abolida a base, a propriedade privada, e instaurada a regulamentação comunista da produção, que abole no homem o sentimento de estar diante de seu próprio produto como diante de uma coisa estranha, a força da relação da oferta e da procura é reduzida a zero e os homens retomam o seu poder, o intercâmbio, a produção, a sua modalidade de comportamento uns face aos outros. (MARX e ENGELS, 1992, p. 60). Os homens estão determinados em toda produção de idéias, das representações e da consciência à produção da vida material. “Os homens são condicionados pelo desenvolvimento determinado de suas forças produtivas e das relações a elas correspondentes, incluindo-se as mais amplas formas que estas possam tomar. A consciência jamais pode ser outra coisa que o Ser consciente e o Ser consciente é o seu processo real da vida”. (MARX; ENGELS, 1992, p. 50). 2.8 ATUALIDADES DO MARXISMO O trabalho de Marx teve um efeito de longo alcance no mundo do século XX. Até recentemente, mais de um terço da população mundial vivia em sociedades socialistas importantes no mundo como a União Soviética e os vários países da Europa Oriental, cujos governos afirmavam tinham inspiração das idéias de Marx. A análise da sociedade capitalista empreendida por Marx e Engels levou a observação empírica dos fenômenos econômicos, dirigidos principalmente para o entendimento do conjunto das relações sociais de produção, para daí estabelecer o elo entre as estruturas sociais, políticas e ideológicas da sociedade capitalista. A perspectiva teórica marxista encontrou ao longo da história inúmeros adeptos, como também fundamentou os partidos marxistas entre os operários, além de possibilitar aos intelectuais realizarem uma crítica da realidade e também influenciar suas atividades cientificas de um modo geral e, especificamente, a área das ciências humanas. Sua contribuição teórica ultrapassa a dimensão apenas da ciência, constituindo uma verdadeira ética humanista, que conclama a justiça e a igualdade dos homens. O autor consegue com sua obra estabelecer relações profundas entre a realidade e a filosofia, a realidade e a ciência. Ao se adotar a proposta teórica marxista, deve-se então abarcar além da simples aceitação do ideário comunista de uma sociedade sem classe e sem propriedade privada, a necessidade de seguir seus pressupostos teóricos, exercendo a crítica veemente do momento histórico em que se vive e buscar por meio dessa crítica uma posição ideológica e política coerente. 477 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia REFERÊNCIAS ARON, Raymond. O Marxismo de Marx. São Paulo: Arx, 2005. COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 1997. COSTA, Lúcio Flávio F. “A divisão do trabalho na perspectiva da Sociologia clássica”. Cadernos de Pedagogia. Unimontes,Departamento de Pedagogia, n° 02, ano 02, dez./96, p. 15-24. ELSTER, Jon. Marx Hoje. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. GIDDENS, Anthony. Capitalismo e moderna teoria social – Uma análise das obras de Marx, Durkheim e Max Weber. Lisboa: Editorial Presença, 1994. IANNI, Octávio (org.). Marx. São Paulo: Ática,1992. (Coleção Grandes Cientistas Sociais). 478 Sociologia Geral UAB/Unimontes LALLEMENT, Michel. História das idéias sociológicas: das origens a Max Weber. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. p.119. LENIN, Vladimir I. O que é o marxismo? Porto Alegre: Movimento, 1980. MARX, Karl. “Prefácio à contribuição à crítica da economia política”. In: MARX, K. e ENGELS, F. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, 1977. MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política do Capital. Tradução de Edgard Malagodi. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores) MARX, Karl; ENGELS, F. A ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1992. ________. O manifesto do partido comunista. Moscou: Edições Progresso, 1987. (várias outras edições). QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos – Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. (Coleção Aprender) VICENTINO, C.; DORIGO, G. História. São Paulo: Scipione, 2005 VÍDEOS SUGERIDOS PARA DEBATE GERMINAL. A cena tem lugar no norte da França, enquanto ocorre uma greve provocada pela redução dos salários. Além dos aspectos técnicos, da extração mineral e as condições de vida dos trabalhadores mineiros, Zola também descreve as condições de vida e o princípio das organizações política e sindical da classe operária. TEMPOS MODERNOS O filme conta a história de um operário e uma jovem. O operário é empregado em uma grande fábrica e desempenha um trabalho repetitivo de apertar parafusos. De tanto realizar essa tarefa, o operário tem problemas de stress e estafa. 479 3 UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM A unidade III desse caderno aborda a contribuição teórica de Émile Durkheim para a formação da Sociologia clássica. Como um dos fundadores da Sociologia, apresentaremos e discutiremos as principais noções, conceitos e análises desenvolvidas por Durkheim. Terá destaque o contexto de produção intelectual do autor, bem como seu campo de diálogo e suas heranças teórico-metodológicas. Trataremos do objeto da Sociologia de Durkheim, buscando compreender como sua construção se associa com a consolidação da Sociologia como ciência. Isto é, seu despojar-se da filosofia, o diálogo com o organicismo e o positivismo, e a afirmação como campo científico. Para entendermos a abordagem sociológica de Durkheim, discutiremos o conceito de Fatos Sociais. Também sua proposição metodológica central, de tratar os Fatos Sociais como Coisa. No entremeio objeto e método, apresentaremos alguns conceitos e noções desenvolvidas pelo autor, que são fundamentais para a compreensão do campo analítico construído por ele. Esta unidade está dividida da seguinte forma: 3.1 Vida e obra do autor 3.2 Diálogo com o positivismo 3.3 Instituições Sociais 3.4 Patologia Social 3.5 Fatos Sociais 3.6 Mudança Social 3.7 Socialização e Educação 3.8 Divisão do Trabalho Social 3.9 Tipos de Solidariedade Social 3.10 Considerações sobre o método: a objetividade dos fatos sociais 3.1 VIDA E OBRA DO AUTOR Nascido na Alsácia, região leste da França, Émile Durkheim (1858-1917) foi um dos fundadores do pensamento sociológico clássico. Influenciado pelo pensamento social positivista, desenvolvido por Auguste Comte (1798-1857). Principais obras: Da Divisão do Trabalho Social; As Regras do Método Sociológico; As Formas Elementares de Vida Religiosa; 480 Fonte: http://www.duplipensar.net/ images/ literatura/ durkheim1.jpg Figura 13: Émile Durkheim Sociologia Geral UAB/Unimontes Educação e Sociedade; Sociologia e Filosofia; Lições de Sociologia. Quadro 4Renato Ortiz (1989) afirma que os cursos oferecidos por Durkheim, durante o período em que lecionou em Bordeaux, serviram 1858 Nasce David Émile Durkheim 1879 ensaios a Cursa a École Normale a Supérieur como que permitiram ele desenvolver suas idéias. Haveria, 1882 assim, “lógicaPedagogia seqüencial nas primeiras publicações”: 1887 uma a Leciona e Ciência Social em Boudeaux Divisão do Trabalho Social (1893) estabelece o objeto da Publica artigos naARevue Philosophique Publica ElementosSociologia de Sociologia As Regras do Método Sociológico (1895) lança Publica Da Divisãoasdo Trabalho bases de umaSocial metodologia específica da nova ciência; O Publica As RegrasSuicídio do Método Sociológico (1895) aplica o método a um terreno considerado Publica A Proibição Incesto e pertencente suas Origens atédo então como à psicologia. Quando L'Année Edita a revista L’ Année Sociologique Sociologique é criada, em 1898, o pensamento 1897 Publica O Suicídio durkheimiano encontra-se definido; trata-se agora de 1898 Publica O Individualismo e os Intelectuais consolidar e expandir um conhecimento através de uma 1900 a Leciona na Sorbonne equipe de pesquisadores especializados no estudo de 1912 1902 Publica, em parceria com Marcel Mauss, Algumas Formas diferentes ramos da sociedade. (ORTIZ, 1989, Primitivas p. 06). de Classificação Deve-se a Durkheim a institucionalização da Sociologia como 1906 Publica A Determinação do Fato Moral disciplina acadêmica, com definiçãona rigorosa de teoria e de método. Para 1910 Cria a cátedra de Sociologia Sorbonne 1912 Publica As Formas Elementares de Vida Religiosa ele, 1917 Morre David Émile Durkheim a Sociedade é a finalidade eminente de toda atividade moral. De onde resulta: a) ao mesmo tempo em que ultrapassa as consciências individuais, lhes é imanente; b) tem todas as características de uma individualidade moral que impõe respeito. A Sociedade é um fim transcendente para as consciências individuais. 1902 1889 1893 1895 1896 A civilização resulta da cooperação dos homens associados durante sucessivas gerações; é, pois, uma obra essencialmente social. É a sociedade quem a faz, quem cuida dela e quem a transmite aos indivíduos. (DURKHEIM, 1994, p. 82-83). De acordo com essa perspectiva, seria possível compreender as sociedades, a partir da identificação e análise de suas leis gerais de funcionamento. “O social é, portanto, passível de uma leitura que possa dele retirar determinadas regularidades (leis) a serem estudadas por uma ciência particular.” (ORTIZ, 1989, p. 10). 3.2 DIÁLOGO COM O POSITIVISMO Os positivistas reconheciam que a natureza dos processos do mundo físico e do mundo social era diferente em sua essência. Entretanto, assim como a física estabeleceu as leis da mecânica, a ciência social deveria estabelecer as leis de funcionamento do mundo social. Dessa maneira, Auguste Comte construiu um pensamento fundado na noção de Física Social. Esta noção se constituirá como um embrião da Sociologia funcional-positivista de Durkheim. Além disso, a sociedade moderna era vista pelo positivismo como uma espécie de organismo, constituído por partes que cumprem funções específicas que, integradas mutuamente, asseguravam o funcionamento harmônico do corpo social. Herdando de Comte a idéia de que as sociedades modernas funcionam a partir de determinadas regras que orientam o modo de 481 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia pensar, agir e sentir dos indivíduos que as compõem é que Durkheim iniciará seus estudos sociológicos. Deriva dessa perspectiva, o conceito de Fato Social, que Durkheim desenvolverá. (Veremos isso adiante, em item especifico). Da ordem ou harmonia se garantiria a saúde do corpo social, e com isso, o seu progresso. Então, caberia a todos o cuidado com o bom funcionamento das partes que compõem a sociedade, em outras palavras, as instituições sociais. A Sociologia deveria se consolidar como ciência e, com rigor teórico-metodológico, fornecer as informações, realizar os estudos sobre a maneira como as sociedades funcionam. (Confira no Glossário da I Unidade o termo Funcionalismo). Assim, ela daria respostas às questões, tais como: quais são os organismos sociais em diferentes tipos de sociedades, como se interagem, como produzem e imprimem as maneiras de pensar e agir dos indivíduos? Nesse sentido, a família, a escola, a religião/igreja teriam funções fundamentais para garantir a socialização e a integração dos indivíduos na vida em sociedade. Os estudos sobre religião se encontram na obra As Formas Elementares de Vida Religiosa, publicada em 1912. Nessa abordagem, Durkheim procura situar a questão das religiões primitivas, como elemento analítico de sua Sociologia do conhecimento humano. Não obstante, de maneira geral, Durkheim construirá uma abordagem teórica e metodológica que tem como foco a perspectiva de que as sociedades modernas e/ou não modernas, isto é, tanto a Europa industrial quanto sociedades indígenas das Américas se estruturam, a partir do ordenamento funcional entre instituições. Os indivíduos que participam dessas sociedades, ao longo do seu ciclo de vida, têm suas práticas, pensamentos e sentimentos moldados coercitivamente pelas instituições. O conceito de Fato Social, que estudaremos detalhadamente nessa unidade, permitirá entendermos essa proposta analítica de Émile Durkheim. Todos os pensadores fundamentais da Sociologia clássica tiveram como preocupação central a análise e entendimento das transformações que ocorriam na Europa dos séculos XVIII e XIX. Ou seja, a industrialização como eixo do processo produtivo e a as cidades consolidadas como espaço de organização da vida social. Esse cenário que se torna visível a todos, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, e suas conseqüências, em termos de rearranjos econômicos, sociais e culturais, esteve na base da análise sociológica de Émile Durkheim. Como já vimos anteriormente, influenciado pela perspectiva positivista, Durkheim procurará entender a complexidade da Europa moderna, propondo uma Sociologia que concentra os esforços analíticos na tentativa de responder questões relativas às regras de funcionamento das sociedades. 482 B GC GLOSSÁRIO A E F Organicismo: em Sociologia, quer dizer que existe uma doutrina que assimila a sociedade aos seres vivos e tende a aplicar aos fatos sociais as leis e teorias biológicas. Sociologia Geral UAB/Unimontes Nesse sentido, é importante perguntar o que é uma sociedade? Durkheim afirmou que a sociedade deve ser compreendida como um corpo social. Para a Biologia, o corpo humano é produto de uma complexa relação entre órgãos e tecidos, que cumprem funções específicas e mutuamente dependentes. Não adianta o coração cumprir bem sua função de bombeamento do sangue, se o pulmão estiver comprometido, doente. Certamente, o corpo como um todo padecerá. Tomando de empréstimo esse raciocínio e também a noção positivista de que as sociedades são regidas por determinadas lógicas que podem ser compreendidas pelo pensador social, Durkheim desenvolverá a idéia herdada de corpo social. Mas de que maneira? O corpo social é composto por um conjunto de órgãos ou organismos sociais. Durkheim herda essa noção do organicismo. Para ele, as instituições sociais seriam esses organismos, que teriam funções específicas. Portanto, ao sociólogo caberia a missão de identificar as instituições sociais presentes em variadas sociedades e, principalmente, quais as suas funções. Isto é, qual a razão de sua existência? Qual a sua serventia? Quais as suas atribuições? 3.3 INSTITUIÇÕES SOCIAIS De onde vêm as instituições? Como elas emergem? As instituições sociais não são naturais. Elas não são criações divinas. Ao contrário, as instituições são criações da vida em sociedade ao longo da história humana. As instituições sociais expressam as representações de que as sociedades têm e constroem sobre si mesmas, sobre seus membros, e sobre as coisas com as quais se estabelecem relações. Durkheim desenvolveu o conceito de Representação Social, que estudaremos mais adiante, para dar conta dessa análise. PARA REFLETIR As formas de agir, de pensar e de sentir são fatos sociais para Durkheim. Têm uma vida própria, são coercitivos e por isto se impõem a todos, de geração em geração os costumes são repassados. Nesse sentido, as instituições sociais, ao serem guardiãs das representações sociais, cumprem a função de organizar as práticas, pensamentos e sentidos da vida dos indivíduos em sociedade. Quando se fala em instituições sociais, Durkheim está se referindo às estruturas sociais que têm dimensão material e também simbólica. A família, a escola, o governo, a polícia são alguns exemplos de instituições Fonte: http://www.institutover.org.br/imagens/pessoas.jpg Figura 14: Os grupos sociais são organizações da vida social e coletiva. 483 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia sociais. Sociedades não modernas, como as indígenas, por exemplo, são também compostas por instituições sociais. Assim, cabe ao sociólogo, identificá-las, caracterizá-las e entender suas atribuições para o funcionamento do corpo social. Em suma, as instituições sociais podem ser entendidas como um conjunto de regras e procedimentos socialmente definidos e aceitos pela sociedade. Assim, as instituições sociais objetivam manter a organização do corpo social. Ao estudar as instituições sociais, sua configuração e funções, Durkheim desenvolverá a noção de Morfologia Social. Ao identificá-la, o sociólogo poderia empreender uma de suas principais tarefas, a comparação entre as diversas sociedades. Influenciado pela leitura positivista que classificava as sociedades de acordo com a complexidade das formas de organização do corpo social, Durkheim considerava que todas as sociedades teriam sido derivadas da Horda. A horda seria “a forma social mais simples, igualitária, reduzida a um único segmento em que os indivíduos se assemelhavam aos átomos, isto é, se apresentavam justapostos e iguais.” (COSTA, 2005, p. 87). 3.4 PATOLOGIA SOCIAL As instituições sociais cumprem as funções que lhe são atribuídas por intermédio do consenso social ao longo da história de cada sociedade. Quando assim se encontram as dinâmicas institucionais, estamos diante Figura 15: Exemplo simplificado de Morfologia Social 484 Sociologia Geral UAB/Unimontes de um corpo social saudável. O contrário, seria considerado patologia social. O estado patológico se refere a situações “fora dos limites permitidos pela ordem social e pela moral vigente.” (COSTA, 2005, p. 86). Os limites do permitido são construções sociais. As instituições sociais são, em última instância, as responsáveis pela ordem, e por conseqüência da saúde do corpo social. Como já conhecemos a visão geral que Durkheim tinha da importância da Sociologia para o estudo das sociedades, da sua herança positivista, vamos, adiante, analisar o conceito de Fato Social. Tal conceito está no cerne do pensamento de Durkheim. Com ele, será possível definir, claramente, o objeto de estudo da Sociologia durkheimiana. É na obra intitulada As Regras do Método Sociológico, de 1895, que Durkheim tratará, rigorosamente, de seu campo de estudo e da reflexão sobre o como fazer, isto é, dos procedimentos metodológicos para a pesquisa em Sociologia, ou de como tratar os fatos sociais. 3.5 FATOS SOCIAIS Os Fatos Sociais constituem o objeto da Sociologia de Durkheim. O primeiro capítulo de As Regras do Método Sociológico é denominado por ele de “O que é um fato social?”. Ele o definirá da seguinte forma: É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais. (DURKHEIM, 1995, p. 13). Com essa definição, Durkheim estabelecia o que deveria ser o foco da análise sociológica, procurando diferenciá-la das ciências da natureza, bem como da psicologia e da filosofia. Os fatos sociais são maneiras de pensar, agir e sentir que possuem o atributo de generalidade, exterioridade e coercitividade sobre os indivíduos em determinada sociedade. Assim, ficava claro que as ações dos indivíduos são orientadas ou constrangidas por estruturas sociais, que ao nascer herdamos, independentemente de nossas vontades. É essa característica que faz com que os fatos sociais sejam exteriores aos indivíduos. Em outras palavras, eles pré-existem. São construções coletivas, que agem sobre os indivíduos. O caráter de coerção significa que os fatos sociais se impõem aos indivíduos, conformam suas ações e pensamentos. Para Costa, “a força coercitiva dos fatos sociais se torna evidente pelas 'sanções legais' ou 'espontâneas' a que o indivíduo está sujeito quando tenta rebelar-se contra ela.” (COSTA, 2005, p. 81). Os fatos sociais são formados pelas representações sociais. Isto é, 485 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia pelas maneiras de “como a sociedade vê a si mesma e ao mundo que a rodeia”. (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002, p. 18). Essas “formas de atuar e de pensar não são obra do indivíduo [...] emanam de um poder moral que o sobrepuja [...]” (DURKHEIM, 1994, p. 42). Com essa definição do objeto de análise, Durkheim constrói o campo de investigação científica da Sociologia, separando-o claramente das abordagens filosófica e psicológica. Ortiz (1989) definiu Durkheim como o arquiteto fundador da Sociologia. Os indivíduos não são portadores de uma ação que, em si mesma, encontra as razões do agir, do pensar e do sentir. Durkheim sugere uma abordagem sociológica que assuma o pressuposto de que a fonte explicativa da sociedade se encontra em estruturas coletivas, que conformam a vida individual. Os fatos sociais superam os “espíritos individuais, exatamente do mesmo modo como o todo supera as partes”. (DURKHEIM, 1994, p. 43). Ortiz (1989) afirmou que em O Suicídio, de 1897, Durkheim aplicou com rigor seu método, num campo analítico até então tido como da Psicologia. Nessa obra, ele demonstrou que uma atividade humana que seria, aparentemente, feito puro da consciência individual, isto é uma decisão eminentemente individual, é, na verdade, produto social. Em outras palavras, as causas do suicídio “são de natureza sociológica e não individual”. Durkheim procurou elaborar uma tipologia dos suicídios. Os suicídios egoísta, altruísta e anômico. O primeiro tipo estaria associado à desagregação social, à fragilização de vínculos morais, familiares, que levariam o indivíduo aos estados de melancolia, desamparo, depressão. O segundo teria por base a idéia de dever cumprido. O terceiro derivaria de um estado de ausência de regras e normas. Em todos os casos, ato suicida seria conseqüência do ordenamento social. Portanto, objeto de análise da Sociologia. 3.6 MUDANÇA SOCIAL Os fatos sociais são maneiras de pensar, agir e sentir, que extrapolam as consciências individuais, constituindo uma consciência coletiva, que exerce sobre aquelas uma coerção exterior. A exposição feita sobre os Fatos Sociais pode levar você, leitor, à impressão de que os indivíduos se encontram impotentes diante da força conformadora destes. No entanto, as regras, costumes, normas, leis, etc. mudam; as sociedades também mudam. O que somos hoje é bastante diferente do que éramos no século XIX, ou mesmo na primeira metade do século XX, ou talvez vinte anos atrás. As instituições sociais, erigidas para tornar fato aquilo que as sociedades compreendem e definem, ao longo da história, como o seu 486 Sociologia Geral UAB/Unimontes ordenamento comportamental (agir, pensar, sentir) são submetidas, cotidianamente, aos tensionamentos advindos da relação entre os “espíritos” dos indivíduos e as representações sociais. Durkheim reconhece o comportamento inovador, a gênese das instituições sociais. Porém, “essa ação transformadora é tanto mais difícil quanto maior o peso ou a centralidade que a regra, a crença ou a prática social que se quer modificar possuem na sociedade.” (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002, p. 21). A Sociologia de Durkheim foi bastante criticada por ser uma abordagem que privilegia o comportamento funcional das instituições sociais e a relação entre esse e as possibilidades de coesão e harmonia social. Ou ainda, os riscos que transformações nas regras, normas e leis que regem a vida em sociedade podem causar para a saúde social. Porém, como vimos, embora a ênfase na mudança social não seja o motor analítico de Durkheim, e os conflitos expressassem patologias sociais, não é possível dizer que sua abordagem não forneça elementos para pensar como as sociedades se transformam. Não devemos esquecer que a segunda metade do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX foram momentos de intensas transformações na Europa. As Regras do Método Sociológico, obra seminal do pensamento de Durkheim foi escrita em 1895, quando já se vivenciava intensamente na Inglaterra e, também na França, a consolidação de grandes centros urbanos e industriais. Mais ainda, ocorreria entre 1914 e 1918 a primeira grande Guerra Mundial. E em 1917 a insurreição comunista na Rússia. Imerso num ambiente de grandes conflitos e de mudanças estruturais com vistas à consolidação do capitalismo industrial na Europa, Durkheim viverá a perturbação analítica de responder à indagação: o que rege a organização das sociedades? Quais as lógicas e dinâmicas de seu funcionamento? O que faz com que se tenha coesão social e processo harmônicos? O que leva à patologia e à desagregação social ou à anomia? Ou qual é a ordem régia da mudança com coesão social? Vejamos que não são questionamentos simples. São, antes, inquietações profundas para um pensador como Durkheim. Para os nossos propósitos atuais, podemos conceber coesão social como o laço que permite aos indivíduos se interconectarem e formarem um grupo social ou uma sociedade. Por anomia, podemos compreender um estado de desagregação social, de tal intensidade, que reinaria a falta ou inexistência de normas e regras condutoras da vida em sociedade. O processo anômico se verificaria em três situações: a) crises industriais e comerciais; b) conflito entre capital e trabalho, desarmonia entre patrões e empregados; c) especialização extrema no interior da ciência. (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002). Mas retomemos então a indagação feita anteriormente. Como Durkheim entende a mudança social? 487 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia As condutas individuais são conformadas pelas maneiras de pensar, agir e sentir que são suscetíveis de exercer coerção exterior; em outras palavras a ação individual é constrangida pelos Fatos Sociais, a mudança social reside na transformação destes. Se as instituições sociais regem a vida em sociedade, é também aí o foco da perspectiva de análise da mudança. Os Fatos Sociais que se expressam nas regras, normas, leis, acordos tácitos, tradições, costumes, ritos, expectativas de comportamento, etc. estão profundamente arraigados à prática institucional. A família, a escola, as leis/códigos do direito, o estado, dentre outras instituições, portam e são os guardiões das regras de funcionamento da vida social. Portanto, a mudança social só se efetiva a partir de mudanças nos fatos sociais, nas instituições sociais. É, então, produto da relação entre os indivíduos e as instituições sociais. De um lado, deriva do tensionamento, da coerção exercida pelos fatos sociais, por intermédio das instituições sociais e, de outro, dos “espíritos” ou consciências individuais. São mudanças que, para se consolidarem como tal, demandam tempo na história. Essa abordagem de Durkheim faz com que observemos nele muito mais um teórico do funcionamento social, no sentido da coesão social, do que propriamente um teórico da mudança social. Vem, principalmente, dessa perspectiva, a crítica de que Durkheim é um pensador conservador. Como Durkheim analisaria as transformações decorrentes das insurreições revolucionárias? O êxito de mudanças profundas ou radicais na estrutura das relações sociais estaria ancorado à capacidade de tais processos de imprimirem alterações nas maneiras de pensar, agir e sentir que exercem coerção sobre os indivíduos. Isto é, transformações no conteúdo funcional das instituições sociais. Dessa maneira, Durkheim acreditava que as revoluções eram muito mais suscetíveis de produzir patologias sociais e anomia; a desagregação social. Durkheim via no socialismo “apenas indicadores de um mal-estar social expresso em símbolos”. Ele rejeitava “as soluções para os problemas sociais propostas pelos grupos que se qualificavam socialistas”. (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002, p. 45). Para ele, essa abordagem concentrava nos aspectos econômicos da vida, inobservando sua dimensão moral. A mudança social estaria associada à noção de progresso. As sociedades evoluem, progridem e se complexificam. Não havia dúvida para Durkheim de que a Europa industrial da segunda metade do século XIX era profundamente distinta da Europa medieval. As relações mercantis, os processo produtivos, o campo normativo do direito, o Estado foram drasticamente mudados. Todavia, foram processos que levaram 488 B GC GLOSSÁRIO A E F Anomia: etimologicamente tem origem grega a+nomos, (a = ausência + nomos = lei, norma). Sociologia Geral UAB/Unimontes séculos para se consolidarem nas instituições sociais. O ordenamento funcional “saudável”, ou seja, não patológico da sociedade garantiria a coesão social, condição indispensável para o progresso. A socialização dos indivíduos, realizada principalmente pelas instituições família e escola é parte essencial desse processo. E o que significa socialização? 3.7 SOCIALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO Já vimos que, quando nascemos herdamos todo um complexo institucional, de representações sociais. Somos iniciados pela família e depois pela escola ao processo educacional. O que é educar? Durkheim escreve importantes textos sobre essa questão, reunidos e publicados no Brasil sob o título de Educação e Sociologia, em 1955. Para ele, a educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre aquelas não ainda amadurecidas para a vida social. Tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança particularmente se destina. A educação é a socialização da criança. (DURKHEIM, 1955, p. 06). Pois bem! Devemos perguntar qual a relação entre educação e o objeto de estudo ou a abordagem de Durkheim? Afinal é disso que estamos tratando nessa parte da Unidade III, deste Caderno. Se educar é socializar, e se socializar significa inculcar nos indivíduos aquilo que se espera, pela sociedade em geral e pelo seu meio de convívio mais direto, em termos de comportamento físico, intelectual e moral, Durkheim está propondo uma dimensão do processo social fundamental para a análise sociológica da vida em sociedade. Mais ainda, um elemento interpretativo essencial para o entendimento do funcionamento das relações sociais. Ah! Então uma Sociologia da socialização ou da educação é parte fundante do pensamento de Durkheim? Exatamente! Durante os primeiros anos de sua vida acadêmica, Durkheim lecionou a cadeira de Ciência da Educação na Sorbonne. E lá ele dizia com muita clareza “a educação é um fenômeno eminentemente social”. Não se trata, aqui, de adentrarmos na Sociologia da educação de Durkheim. Isso vocês estudarão em disciplina específica durante a Licenciatura em Pedagogia. Interessa-nos compreender que a análise do processo de socialização dos indivíduos é que permitiu a Durkheim, dentre outras coisas, estabelecer interconexões interpretativas entre os conceitos de Representações Sociais, Instituições Sociais e Consciência Individual. Embora o funcionamento das sociedades seja capturado por meio da análise de suas instituições sociais, de sua morfologia e fisiologia, 489 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia Durkheim reconhece que a sociedade é também composta por indivíduos em processo de socialização. Daí que a eficácia simbólica das instituições socializadoras, especialmente a família e a escola e a religião são objetos importantes de sua análise. Outra abordagem conceitual do pensamento sociológico de Durkheim, que tem relação direta com a questão educacional, é a Divisão do Trabalho Social. 3.8 DIVISÃO DO TRABALHO SOCIAL Por ora, é necessário apresentarmos essa perspectiva conceitual, dentro do quadro mais amplo do objeto sociológico de Durkheim. Antes, é preciso indagar sobre o que é trabalho? Todos os pensadores da Sociologia clássica, Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim tiveram a temática do trabalho e da divisão deste nas sociedades modernas e não modernas como preocupação central. Não poderia ser diferente, pois se organizava de maneira sólida na Europa do século XIX uma sociedade centrada no trabalho fabril. De maneira geral, a noção de trabalho para a Sociologia está relacionada ao processo de transformação da natureza para gerar produtos capazes de satisfazer as necessidades dos grupos sociais. Necessidades essas distintas, de acordo com o tempo e com o espaço. Isto é, cada sociedade ou grupos sociais em determinados momentos de sua história definem duas necessidades. Portanto, as necessidades são construções sociais. Assim, também os produtos gerados para a satisfação das necessidades, bem como a maneira de produzi-los são igualmente construções sociais. Ou seja, derivam da forma como as sociedades ou grupos se organizam para realizar trabalho. Organizar-se coletivamente para realizar trabalho significa dividirse individualmente e/ou em estratos sociais para o seu cumprimento. Então, todas as sociedades, todos os grupos humanos, em todos os momentos de suas histórias, a partir da Horda se dividiram para realizar trabalho. O conceito de Divisão do Trabalho Social refere-se ao processo de atribuição de funções produtivas entre os membros que compõem determinada sociedade. Mas como se dá essa divisão? É espontânea? É definida por alguém? Qual a sua força motriz? Responder a essas questões é parte da construção da episteme durkheimiana. Em outras palavras, do campo de conhecimento de Durkheim. Certamente, uma sociedade indígena ou tribal, que Durkheim denominou de não modernas, têm formas distintas das sociedades ditas 490 Sociologia Geral UAB/Unimontes modernas, para dividir o trabalho social, principalmente da Europa industrial. Uma das questões fundamentais para Durkheim era a morfologia social, como um instrumento rico para o exercício da comparação que, por sua vez, era uma das tarefas analíticas da ciência sociológica. Nessa perspectiva, o conceito de Divisão do Trabalho Social cumpriria essa função. Voltemos, então, à relação entre educação/socialização e Divisão do Trabalho Social. Isto é, das tarefas produtivas que a sociedade deve cumprir para gerar a satisfação de suas necessidades. Veja o que Durkheim nos diz nos seus escritos sobre educação, em relação à socialização e ao trabalho: O homem médio é eminentemente plástico; pode ser utilizado, com igual proveito, em funções muito diversas. Se, pois, o homem se especializa, e se se especializa sob tal forma ao invés de tal outra, não é por motivos que lhe sejam internos; ele não é, nesse ponto, levado pelas necessidades de sua natureza. É a sociedade que, para poder manter-se, tem necessidade de dividir o trabalho, entre seus membros, e de dividi-los de certo e determinado modo. Eis por que já prepara, por suas próprias mãos, por meio da educação, os trabalhadores especiais de que necessita. É, pois, por ela e para ela que a educação se diversifica. (DURKHEIM, 1955, p. 63). Portanto, o processo de socialização é também a geração de membros de uma sociedade capazes na execução de tarefas específicas. Isto é, a educação disciplina e organiza as forças necessárias para a produção de trabalho e a satisfação das necessidades sociais. A Divisão do Trabalho Social é, então, um conceito chave para Durkheim. Certamente, a Divisão do Trabalho Social – DTS – ocorre de forma distinta, de acordo com as características de cada sociedade, das mais simples às mais complexas. De acordo com Durkheim a divisão de tarefas na sociedade implica em fonte de criação de tipos específicos de solidariedade social. Isto é, se por um lado os membros de uma sociedade se dividem para realizar trabalho, por outro há laços sociais criados que permitem sua interdependência, tornando-os unidos como um grupo social. A solidariedade é algo que permite estarmos divididos, sermos indivíduos, e ao mesmo tempo, sermos um grupo social, um corpo social, uma sociedade. A solidariedade interconecta os membros de uma sociedade. Durkheim define, então, dois tipos de solidariedade social: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. 3.9 TIPOS DE SOLIDARIEDADE SOCIAL Ao indagar sobre o porquê e o como os grupos humanos não se 491 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia desintegram facilmente, ao contrário, lutam contra os riscos ou ameaças de desintegração, Durkheim desenvolverá o conceito de Solidariedade Social. Ela é o laço que une o indivíduo à sociedade. Coerente com a abordagem comparativa, que estabeleceu a Horda, como o organismo social menos complexo, do qual derivaria progressivamente todas as sociedades complexas, Durkheim definirá dois tipos de solidariedade social. Solidariedade Mecânica: típica de sociedades menos complexas. Seria uma solidariedade presente na Horda e em sociedades simples, ditas por ele “primitivas”. A integração indivíduo-sociedade se daria pelo sistema de crenças, sentimentos comuns, tradição, etc. Solidariedade Orgânica: típica de sociedades complexas; é derivada do processo de Divisão do Trabalho Social. A divisão do trabalho impõe a especialização de funções aos indivíduos. Essa individualização leva a uma aparente atomização dos membros que compõem o grupo social. Ao contrário, a especialização do trabalho leva à interdependência funcional. Quanto mais cada um tem uma função específica, mais dependente do outro estaremos para gerar os produtos necessários à satisfação de nossas necessidades. A industrialização dos processos produtivos, a urbanização e a consolidação da vida nas cidades fazem com que Durkheim compreenda a existência de um movimento geral em direção à coesão social baseada na Solidariedade Orgânica: o progresso. 3.10 CONSIDERAÇÕES SOBRE O MÉTODO: A OBJETIVIDADE DOS FATOS SOCIAIS Por método, de maneira geral, podemos compreender como a maneira ou o modo de produzir o conhecimento relativo à determinada ciência. São os caminhos, passos a serem dados, procedimentos a serem realizados, bem como a reflexão constante sobre sua razão de ser, sua potencialidade. Método está associado à noção de epistemologia. Em outras palavras, no como agir e no pensar sobre o como fazer. Durkheim define o método de sua Sociologia, de maneira muito clara, no segundo capítulo de As Regras do Método Sociológico, intitulado Regras Relativas à Observação dos Fatos Sociais. Logo no início ele diz: “A primeira regra e a mais fundamental é considerar os fatos sociais como coisas.” (DURKHEIM, 1995, p. 15). É fundamentalmente disso que trataremos neste item. Durkheim apresenta sua concepção de como tratar os fatos sociais, da seguinte maneira: O homem não pode viver em meio às coisas sem formar a respeito delas idéias, de acordo com as quais regula sua conduta. Acontece que, como essas noções estão mais próximas de nós e mais ao nosso alcance do que as realidades a que correspondem, tendemos naturalmente a 492 Sociologia Geral UAB/Unimontes substituir estas últimas por elas e a fazes delas a matéria mesma de nossas especulações. Em vez de observar as coisas, de descrevê-las, de compará-las, contentamo-nos então em tomar consciência de nossas idéias, em analisálas, em combiná-las. Em vez de uma ciência de realidades, não fazemos mais do que uma análise ideológica. (DURKHEIM, 1995, p. 16). De acordo com Ortiz (1989) a Sociologia como ciência positiva, feita por Durkheim, teve por imperativo a definição rigorosa do objeto e do método. Ao propor que os fatos sociais se apresentam como "coisas" para a observação, ele inverte a perspectiva anterior que tomava como premissa o que eles "deveriam ser". Fundar uma ciência "positiva" implicava partir da realidade, "afastar as pré-noções", o que impunha uma abordagem indutiva que a diferenciava do discurso filosófico. (ORTIZ, 1989, p. 09). Tratar os fatos sociais como coisa significa a tarefa metodológica do sociólogo de estranhamento daquilo que lhe é familiar. Quando utilizamos, cotidianamente, a palavra Coisa para identificarmos algum objeto, o fazemos para dar significado a algo que não conseguimos a priori estabelecer seus atributos. Quando possuímos, antecipadamente, o significado de determinado objeto, ou como prefere Durkheim, a idéia prévia sobre o real, assim indagamos e respondemos: O que é isto? Isto é um quadro negro; Isto é uma mesa, Isto é uma escola; Isto é um livro. Ao contrário, quando não possuímos em mente os atributos ou características definidoras do objeto em questão, podemos dizer que se trata de uma Coisa. Portanto, para Durkheim, a postura metodológica fundamental do sociólogo, é coisificar seu objeto de análise. Isto é, despojar-se das idéias, previamente estabelecidas em sua mente, acerca daquilo que é o seu objeto, os Fatos Sociais. Nas palavras de Durkheim: É preciso portanto considerar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós. (DURKHEIM, 1995, p. 28). Lendo agora essa proposição metodológica de Durkheim, e estudando a disciplina de Iniciação Científica, vocês devem estar se indagando: mas qual a relação entre tratar os fatos sociais como coisa e o pressuposto positivista de neutralidade da ciência? Durkheim não está advogando uma neutralidade do sociólogo. O que ele diz é que os fatos sociais possuem uma objetividade que deve ser atingida pela ciência sociológica. Concordando com que disse Ortiz (1989), estabelecer uma ciência positiva, tendo por base “afastar-se das pré-noções”, significava 493 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia delimitar o campo científico da Sociologia, separando-o, definitivamente, do campo filosófico. Para Ortiz (1989), embora Durkheim fosse herdeiro e admirador de Comte e Spencer, nem mesmo esses autores foram poupados da crítica. Durkheim os classificou como Filósofos. Isso significava associar suas análises ao campo investigativo com o qual Durkheim travava o embate. Foi em vão que Comte e Spencer proclamaram que os fatos sociais são fatos da natureza, que as ciências sociais são ciências da natureza. Quando, saindo dessas generalidades, eles aplicaram seus princípios, retornaram à concepção e ao método antigo. Para Comte, a evolução social consiste na realização da idéia de humanidade; Para Spencer, a sociedade nada mais é do que a realização da idéia de cooperação. (DURKHEIM, 1975, p. 95, apud ORTIZ, 1995, p. 10). O que Durkheim está defendendo é o imperativo da objetividade dos Fatos Sociais, diante das noções prévias que temos em mente sobre eles. A citação seguinte é indubitável, nesse sentido: O que nos é dado não é a idéia que os homens fazem do valor, pois ela é a inacessível; são os valores que se trocam realmente no curso das relações econômicas. Não é esta ou aquela concepção da idéia moral; é o conjunto das regras que determinam efetivamente a conduta. Não é a idéia do útil ou da riqueza; é toda a particularidade da organização econômica. (DURKHEIM, 1995, p. 28). Embora, contemporaneamente, seja inegável que as idéias préexistentes sejam elas de ordem moral, religiosa, estética, ideológica, etc, fazem parte do crivo analítico de qualquer sociólogo, é preciso localizar as proposições de Durkheim no seu tempo e no campo de debate entre a Sociologia e a Filosofia do século XIX. A noção de objetivação desenvolvida por Demo (1995), que analisa as inter-relações cognitivas entre ciência, senso comum e ideologia, de alguma maneira, herda as preocupações de Durkheim ao construir sua perspectiva metodológica. Certamente, Demo (1995) não está afirmando uma objetividade ontológica do campo de análise das Pedagogia. O que ele está apresentando é o conceito de Objetivação como um dos critérios de cientificidade. Isto é, como um atributo necessário à análise científica, para que esta seja valorada como tal. Em outras palavras, deve haver uma busca, nunca plenamente realizável, de objetividade analítica. Significa, portanto, uma vigilância constante sobre os níveis de senso comum e de ideologia presentes nos estudos científicos. Como já disse Durkheim, não há como vivermos em meio às coisas, sem formularmos idéias sobre elas. 494 Sociologia Geral UAB/Unimontes REFERÊNCIAS COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 2. ed. São Paulo: Editora Moderna, 2005. DEMO, Pedro. Metodologia Científica em Pedagogia. São Paulo: Altas, 1995. DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1995. DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1955. DURKHEIM, Émile. Sociologia e Filosofia. São Paulo: Ícone Editora, 1994. ORTIZ, Renato. Durkheim: arquiteto e herói fundador. Revista Brasileira de Pedagogia – ANPOCS, 4 (11), p. 5-22, outubro de 1989. QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos – Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. (Coleção Aprender) 495 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia VÍDEOS SUGERIDOS PARA DEBATE ENCONTRANDO FORRESTER O diretor Gus Van Sant (Gênio Indomável) conta a história do relacionamento entre um escritor e um garoto que adora basquete. Com Sean Connery e Anna Paquin. Jamal Wallace (Robert Brown) é um jovem adolescente que ganha uma bolsa de estudos em uma escola de elite de Manhattan, devido ao seu desempenho nos testes de seu antigo colégio no Bronx e também por jogar basquete muito bem. Após uma aposta com seus amigos, ele conhece William Forrester (Sean Connery), um talentoso e recluso escritor, com quem desenvolve uma profunda amizade. Percebendo talento para a escrita em Jamal, Forrester procura incentivá-lo para seguir esse caminho, mas termina recebendo de Jamal algumas boas lições de vida. O SEGREDO Ao longo da existência da humanidade, um grande segredo foi protegido a ferro e fogo. Homens e mulheres extraordinários o descobriram e não só alcançaram feitos incríveis, mas também mudaram o curso de nossa história. Platão, Da Vinci, Galileu, Thomas Edison, Beethoven, Napoleão, Abraham Lincoln e Einstein foram alguns dos grandes homens que controlavam a força desse mistério. E agora, após milhares de anos, o Segredo será revelado para todo o mundo! Pela primeira vez na História, importantes cientistas, autores e filósofos vão revelar o segredo que transformou profundamente a vida daqueles que o viveram. 496 4 UNIDADE 4 A SOCIOLOGIA DE MAX WEBER Caros acadêmicos, até o momento já foi apresentado para vocês o contexto de formação da Sociologia enquanto disciplina, além do referencial teórico de dois importantes autores: Émile Durkheim e Karl Marx. Na atual unidade abordaremos a teoria de outro ilustre pensador, o sociólogo alemão Max Weber. Cada um de vocês deve estar se perguntando, o que este novo teórico pode ajudar em sua formação acadêmica e pessoal? A teoria weberiana pode contribuir na formação de vocês em muitos aspectos. Primeiro por se tratar de um intelectual que nos ensinou que é necessário lidar diretamente com os problemas que estão à nossa volta. Sua motivação de pesquisar estava ligada a uma tentativa de compreender situações vivenciadas em seu país. O fato de procurar respostas para os problemas de sua realidade não tirou de Weber o rigor nas suas investigações científicas. Como poucos intelectuais, ele conseguiu separar o cientista e o político que havia dentro dele. A posição weberiana nos interessa, sobretudo, porque ela se diferencia dos dois primeiros clássicos da Sociologia apresentados nesta disciplina. Sua abordagem distancia-se de análises centradas em estruturas sociais; difere também do entendimento dialético da história. Weber se preocupa com o comportamento da ação humana. Não qualquer ação, mas uma ação que possui sentido; somente aquelas ações que tem o outro como referência. Através da teoria weberiana é possível entender ações cotidianas, presentes no seu ambiente familiar, na associação de bairro, ações do Estado, ou até mesmo um relacionamento amoroso que você vive no momento. A teoria weberiana nos permite verificar que as ações racionais, emotivas ou tradicionais podem ser compreendidas muito além do aspecto psicológicos. No nosso cotidiano, podemos observar que quando compartilhamos nossas ações, com várias pessoas estamos produzindo relações sociais. Certamente, a própria produção deste caderno significa compartilhar informações; há diversos personagens envolvidos neste projeto: eu que escrevo, o revisor que propõe alterações, e vocês que estarão lendo o material e compartilhando com cada um de nós a inconfundível sensação de descobrirumooutro universo de conhecimentos. Para melhor apresentarmos as idéias do autor, a unidade será dividida nos seguintes tópicos: 4.1 Biografia de Max Weber 4.2 Contexto histórico do pensamento weberiano 4.3 Indivíduo e sociedade na perspectiva weberiana 4.4 Especificidade das Pedagogia 4.5 Subjetividade e objetividade do conhecimento 497 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia 4.6 O que é tipo ideal? 4.7 Tipos puros de ação social DICAS 4.8 As relações sociais 4.1 BIOGRAFIA DE MAX WEBER Fonte: http://hangingodes.files.wordpress. com/2007/12/weber.jpg Max Weber nasceu no dia 21 de Abril de 1864, na cidade de Erfurt, na Alemanha. A influência da mãe, mulher culta e liberal, de fé protestante, e do pai jurista e político, permitiu ao jovem Weber crescer em um espaço que o transmitiu o rigor da formação protestante e o gosto pelo debate político. Em 1869, sua família muda-se para Berlim. A casa paterna era freqüentada por personalidades acadêmicas e políticas, a convivência em Figura 22: Max Weber um ambiente erudito e intelectual também contribuiu decisivamente para sua formação Em 1882, Weber se inscreveu no curso de Direito da Universidade de Heidelberg, período em que estudou outras disciplinas, como Filosofia, História e Economia. Somente no final da sua carreira ocorreu uma dedicação explícita à Sociologia, ainda que em seus primeiros trabalhos já apresentassem aspectos sociológicos. Seu doutoramento ocorreu em 1889, com uma tese sobre as companhias comerciais da Idade Média. No ano seguinte, volta para Berlim e atua como advogado. Nesse período também escreve um tratado de análise sociológica e econômica do Império Romano, intitulado “História das Instituições Agrárias”. Além de se dedicar à vida acadêmica, Weber participou ativamente da vida política alemã. Auxiliou na elaboração da Constituição da República de Weimar, em 1919. No mesmo ano, integrou o corpo de delegados que representaram a Alemanha durante o Tratado de Versalhes. Um intelectual que embora não tenha ocupado nenhum cargo político, esteve presente em todos os debates políticos do seu tempo. No outono de 1894, assume a cadeira de Economia da Universidade de Friburgo, onde trabalhou intensamente por dois anos, até se transferir para Universidade de Heidelberg. De volta à sua antiga casa, Weber tornou-se colega de seus ex-professores. Em 1898 começa a apresentar sintomas de esgotamento psíquico, crise que o afastou das atividades acadêmicas por praticamente cinco anos. Em 1903, recebe em Heidelberg o título de professor honorário, fato que o permitiu organizar livremente sua vida acadêmica. Weber sofrerá depressões agudas durante toda sua vida, mas conseguirá realizar em três períodos de quatro anos cada: 1903 a 1906, de 1911 a 1913, de 1916 a 1919 uma extraordinária produção intelectual. 498 Para aprofundar seu conhecimento sobre a história alemã, o site www.dw-world.de, da emissora internacional alemã Deutsche Welle (DW) possui uma ampla oferta de informações atualizadas em 30 diferentes idiomas. PARA REFLETIR Em 1919 as potências européias assinaram o Tratado de Versalhes, que encerrou oficialmente a Primeira Guerra Mundial. O Tratado impôs à Alemanha a perda de uma parte de seu território para nações vizinhas, todas as suas colônias, reconheceu a independência da Áustria, além de ser obrigada a restringir o tamanho do seu exército. A pintura de Wiliam Orpen representa a assinatura do Tratado. Sociologia Geral UAB/Unimontes Weber casa-se em 1893, com Marianne Schnitger, uma intelectual que participou ativamente do movimento feminista da época. Após morte sua morte, em 14 de Julho de 1920, ela organizou e publicou vários textos deixados pelo esposo e escreveu uma rica biografia de sua vida. 4.2 CONTEXTO HISTÓRICO DO PENSAMENTO WEBERIANO Logo de início, vocês já devem ter percebido que para entender o surgimento de uma nova disciplina, ou o pensamento de um autor, é necessário estudar os acontecimentos históricos, econômicos e socioculturais vivenciados durante o período de seu surgimento. No caso da obra de Max Weber não é diferente; sua postura crítica em relação à realidade sempre o levou a escrever contra alguém ou contra algum acontecimento do seu tempo. Na segunda metade do século XIX, países como a Inglaterra e a França já tinham realizado a unificação política e estavam em um estágio bem avançado no processo de industrialização. A região hoje pertencente à Alemanha era composta por várias cidades, reinos e ducados independentes. Portanto, o país estava fragmentado politicamente e não possuía um desenvolvimento industrial semelhante aos ingleses e franceses. Weber vivenciou em sua infância a unificação política alemã e o início do capitalismo industrial, sob a liderança de Otto von Bismarck, união que ocorreu graças ao apoio que os Junkers deram ao chanceler alemão. Os Junkers eram grandes proprietários de terra, da Prússia, estado mais importante do reino germânico. Porém, para o autor, a Alemanha pós-Bismarck não possuía nenhuma liderança política que pudesse transformá-la em uma grande nação. Os Junkers, tradicionais proprietários de terras e a classe trabalhadora eram incapazes de liderar tal processo. Na opinião de Weber, a burguesia deveria assumir a liderança das transformações econômicas já iniciadas na Alemanha, a fim de assegurar o fortalecimento do EstadoAlemão, em relação a outras potências européias. No final do século XIX, Weber defende abertamente os interesses imperialistas da Alemanha. Naquele momento histórico, o autor observou que o poder econômico e a direção política de uma nação nem sempre coincidem. Na Alemanha, os prussianos, grandes proprietários de terra, conduziam o processo político e a burguesia alemã detinha o poder econômico. Na perspectiva de Weber, era perigoso permanecer em uma posição intermediária, entre o agrarismo Junker e o industrialismo ocidental. É importante ressaltar que, embora acreditasse que o capitalismo industrial fosse uma premissa para alcançar o poderio nacional, defendia com veemência a democracia e a liberdade individual. A situação política e econômica russa também chamou a atenção 499 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia de Weber. Em 1905, após retornar de uma longa viajem aos Estados Unidos, se deparou com os acontecimentos da primeira revolução russa. Aprendeu russo, para acompanhar diariamente as notícias daquele país, além de manter contato permanente com intelectuais russos. Seus estudos tiveram como fruto dois ensaios sobre a situação vivenciada pela Rússia. Ao final da sua vida, em 1918, Weber pronuncia uma conferência em Viena a respeito do socialismo, onde faz duras críticas ao regime bolchevique. Em 1914, eclode na Europa a Primeira Guerra Mundial. Na opinião de Weber, a Guerra era fruto de rivalidades políticas e econômicas entre várias nações européias. A posição nacionalista faz com que Weber inicialmente acolha com entusiasmo o início do conflito. Porém, no seu decorrer, critica duramente as posições adotadas pelo governo alemão, razão que o fazer mudar de posicionamento e defender um entendimento diplomático para o fim da Guerra. Síntese Histórica 4.3 INDIVÍDUO E SOCIEDADE NA PERSPECTIVA WEBERIANA Quadro 5 Datas Dados Biográficos e Obras 1864 Vocês Nasce Max Weber em Erfurt viram anteriormente que(Turíngia) a Sociologia, para Durkheim, é 1882 Início dos estudos em Heidelberg: Direito, Economiadas uma ciência responsável por estudar a gênese e oHistória, funcionamento e Teologia. instituições sociais. Seu objeto empírico, o fato social, é externo aos 1883 Interrompe os estudos: serviço militar indivíduos a todos ou à maioria dos membros da sociedade. A 1884 e coercitivos Reinicia os estudos: Berlim e Göttingem 1890 a investigação sobre situação campesinato da partir da suaInicia teoria, é possível dizer quea todos nósdosomos influenciados por Prússia Oriental uma consciência coletiva, imperativa sobre as vontades individuais. Já 1889 Doutor em Direito com a tese sobre a história das empresas para Marx comerciais a históriamedievais da humanidade e vista como um confronto materialista, fundamentado no antagonismo de classes de interesses 1894 Professor de Economia Política em Fribourg 1896 Catedrático Heidelbergo detentor dos meios de produção diferentes. No sistema em capitalista, 1904domínio Escreve parte de Apossuidor ética protestante o espírito do exerce sobrea o1ªproletariado, de umaeúnica propriedade, capitalismo sua1905 força deEscreve trabalho. Há, portanto relações conflituosas entre classes a 2ª parte de A ética protestante e o espírito do sociais distintas. Em suma, sua teoria preocupa-se com as estruturas capitalismo 1908e comFunda a Associação Alemã de dos Sociologia sociais o desenvolvimento histórico processos produtivos. 1909 Começa a escrever Economia e Sociedade A perspectiva weberiana de observar o mundo se fundamenta na 1913 Escreve um ensaio sobre algumas categorias da Sociologia centralidadecompreensiva do indivíduo, ou seja, em atores sociais capazes de conduzir suas próprias ações. Na sua interpretação as regras sociais não pairam 1914 1919 Realiza mas conferências sobre: O aofício vocação eo sobre os indivíduos, são constituídas partirdadas ações científica de um conjunto ofício e a vocação do político de agentes sociais. Em carta a um amigo economista, ele reforça seu 1920 Weber morre em Munique posicionamento em relação aos objetivos de sua análise: 1922 Publicado Economia e Sociedade (...) se agora sou sociólogo 1923 Publicado História Geral da Economiaentão é essencialmente para pôr fimp.nesse Fonte: Quadro adaptado de Castro e Diasum (2001, 98-02).negócio de trabalhar com conceitos coletivos. 500 DICAS Sugestão de filme: Doutor Jivago O filme é baseado no romance de Boris Pasternak, de mesmo nome. Apresenta bons elementos para entender a revolução bolvhevique. (Ver sinopse no final desta unidade). Sociologia Geral UAB/Unimontes Em outras palavras: também a Sociologia somente pode ser implementada tomando-se como ponto de partida a ação do indivíduo. (COHN, 2006, p. 25-26). Ao dizer que o ponto de partida da Sociologia é a ação dos indivíduos, Weber não nega que a Sociologia deve se preocupar com os fenômenos coletivos. Estado, família, igreja, são entidades coletivas, nas quais os indivíduos executam várias ações. Considerar os indivíduos como unidades autônomas não significa dizer que as representações possam influenciar a conduta social de cada ator. Em alguns momentos das suas analises teóricas, Weber toma emprestado do Marxismo conceitos, como “infra-estrurtura” e “superestrutura”. Cohn (2006) salienta que o uso desses conceitos não significa adoção do referencial marxista, sua pretensão é somente a de realçar a importância dos fatores econômicos. Ou seja, de se posicionar a favor da visão materialista, em contraponto a interpretações idealistas bastante comuns na época. Por outro lado, se distancia do materialismo histórico, quando se recusa a acreditar que os processos históricos possuem um curso objetivo e determinado. Para perceber a ação humana, além dos aspectos exteriores, Weber recomenda a utilização do “método compreensivo”, através do qual é possível entender alguns elementos da vida que nos rodeia. Na sua visão, a Sociologia interpreta e compreende as ações sociais e, acima de tudo, explica suas causas, curso e conseqüências. A Sociologia interpretativa considera o indivíduo [Einzelindividuum] e seu ato como a unidade básica, como seu “átomo” – se nos permitirem pelo menos uma vez a comparação discutível. Nesta abordagem, o indivíduo é também o limite superior e o único portador de conduta significativa (...). Em geral, para a Sociologia, conceitos como 'Estado', 'associação', 'feudalismo' e outros semelhantes designam certas categorias de interação humana. Daí ser tarefa da Sociologia reduzir esses conceitos à ação 'compreensível', isto é, sem exceção aos atos dos indivíduos participantes. (WEBER, 1982, p. 74). A perspectiva sociológica compreensiva é uma possibilidade interpretativa entre inúmeras outras possíveis dentro da Sociologia. Vocês vão verificar que nesta vertente teórica parte-se do indivíduo para entender a realidade social. Tal concepção acredita que a unidade de análise para compreender a sociedade é a ação dos indivíduos, suas interações com o meio. Vocês devem ter observado que há uma aparente proximidade entre a Sociologia weberiana e a Psicologia. Contudo, o interesse do sociólogo passa diretamente pela análise interpretativa da ação social e não pela psicologia do indivíduo. Segundo Giddens (1990), provavelmente a Sociologia tenha mais a contribuir para a Psicologia do que o contrário, já que a conduta humana é condicionada por fatores socioculturais. Weber nos apresenta duas possibilidades de apreensão interpretativa da ação social, cada um dos tipos podem ser subdivididos 501 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia entre racional ou emotivo. Compreensão Direta – O entendimento do significado da ação ocorre através da observação direta. Um exemplo é a compreensão do significado da soma 2 + 2 = 4, todos nós sabemos de imediato o significado desta ação. Trata-se de uma compreensão racional direta. Já uma compreensão direta emocional, pode ser notada quando nos deparamos, por exemplo, com uma pessoa que se encontra extremamente melancólica, que transparece em sua face e no seu comportamento seu estado emocional. Compreensão Explicativa – Diferente da primeira, nesta categoria, procura-se entender os motivos que geraram a situação, interligando a atividade observada e o significado para seu agente. Em sua forma racional, presume-se que o agente vai utilizar alguns meios para atingir determinados fins. Ao se observar um agricultor desmatando uma floresta com um trator, pode-se presumir que ele irá realizar uma atividade agrícola naquela área. Há também condutas irracionais ou emocionais. Como é o caso de uma pessoa que se encontra chorando, pode-se acreditar que ela tenha passado por uma grande decepção. Deve-se levar em consideração que indivíduos podem executar ações semelhantes, levados por motivos diferentes. Desmatar uma área, por exemplo, não precisa, necessariamente, estar ligado à realização da atividade agrícola naquele espaço. Também há possibilidade de ocorrer motivações semelhantes, sem que formas concretas de comportamentos sejam iguais. Passar por uma grande decepção não leva todas as pessoas ao choro. Ou seja, Weber não procura negar as complexidade do caráter motivacional da ação humana. Para ele, a Sociologia tem o papel de saber lidar com a subjetividade no nível empírico. 4.4 ESPECIFICIDADE DAS CIÊNCIAS SOCIAIS O auto-esclarecimento e a produção de conhecimento são os principais motivos que norteiam a idéia de ciência weberiana. Cohn (2006) destaca que o propósito das ciências não é de propor fins para ação prática, ela não deve ensinar aquilo que se “deve”, mas o que se “pode” fazer. Mas, em toda ciência há pressuposições; através das descobertas elas são sempre ultrapassadas e superadas. Como vocês viram Weber sempre esteve preocupado com as questões do seu tempo; ele percebeu que nas Universidades alemãs havia ideologias estranhas à educação. O espírito crítico e a liberdade de pensamento estavam sendo ameaçados pela crescente política nacional socialista. Muitos professores estavam utilizando a cátedra como um palanque para discursos de inspiração fascista, na visão de Weber, postura prejudicial não só à prática da educação, mas também ao futuro da Alemanha. (BERLINCK, 2001). 502 Sociologia Geral DICAS Para saber mais sobre a política nacional socialista alemã. Ler o artigo de Herbet Marcuse no jornal eletrônico Le Monde Diplomatique “O que é o nacional-socialismo?”. Disponível em: www.diplo.uol.com.br/2000 -10,a1885. UAB/Unimontes Weber faz uma importante diferenciação entre os objetivos da ciência e da política, em seu trabalho denominado a Ciência como vocação. Conforme Berlinck (2001), há uma clara pretensão do autor em demonstrar que a prática científica permite o desenvolvimento de tecnologias para “controlar a vida”, o “desenvolvimento de métodos de pensamento”. Através da ciência, também é possível dizer que ela mesma permite indicar meios para atingir metas determinadas. Ou seja, a ciência contribui de forma prática para o desenvolvimento da racionalidade. Toda 'realização' científica suscita novas “perguntas': pede para ser 'ultrapassada' e superada. Quem desejar servir à ciência tem de resignar-se a tal fato. As obras científicas podem durar, sem dúvida, com 'satisfações', devido a sua qualidade artística, ou podem continuar importantes como meio de preparo. Não obstante, serão ultrapassadas cientificamente – repetimos – pois é esse o seu destino comum e, mais ainda nosso objetivo comum. Não podemos trabalhar sem a esperança de que outros avançarão mais do que nós. Por que alguém se dedica a alguma coisa que na realidade jamais chega, e jamais pode chegar, ao fim? (WEBER, 1982, p. 164.). Enquanto cientista, devemos levar em consideração que todo conhecimento sempre é parcial e suscetível de questionamentos. É previsível que nossa compreensão da realidade seja provisória e nos leve a realizar novas 'perguntas'. Ou seja, ninguém produz conhecimento definitivo e absoluto. Segundo Cohn (2006), a definição da postura do ideal do cientista é um dos objetivos de Weber de seus escritos sobre a vocação cientifica. Seus atos devem objetivar reconstruir fatos considerados significativos e analisá-los conforme o método científico. 4.5 SUBJETIVIDADE E OBJETIVIDADE DO CONHECIMENTO Como vocês perceberam, a Sociologia weberiana se interessa pela compreensão dos fenômenos sociais. Mas o que significa “compreender” em uma pesquisa sociológica? Para responder esta questão, deve-se destacar inicialmente que toda atividade humana possui um caráter subjetivo; diferente das ciências naturais e exatas, as ciências sociais não podem ignorar o aspecto subjetivo de seu objeto. O autor nos aponta que é impossível estabelecer um conhecimento cientifico, absoluto, neutro e livre de pressupostos. Entendese, assim, que o pesquisador não pode atingir uma visão global e isenta da realidade. A escolha de um determinado tema de pesquisa, por si só, aponta que dentro de um universo de inúmeras possibilidades, aquele problema é relevante. Mesmo assim, é possível selecionar os objetos de pesquisa, segundo critérios objetivos. Weber entende que a objetividade das ciências sociais ocorre quando os valores pessoais são incorporados conscientemente à pesquisa, 503 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia e controlado através de rigorosos procedimentos metodológicos. Por isso, a objetividade do conhecimento científico é garantida quando há a separação entre: “juízo de fato” e “juízo de valor”. Mas, como é possível diferenciar os dois tipos de julgamento? Se eu digo: “A Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) é uma universidade do Estado de Minas Gerais” estou fazendo uma constatação, realizando um julgamento de fato. Se no momento posterior eu qualifico minha afirmação: “A UNIMONTES é a melhor universidade de Minas Gerais, estou fazendo um julgamento de valor. Segundo Weber, o juízo de valor deve ser excluído do campo da ciência. Vemos que a atitude do cientista é essencial para se atingir a objetividade. Seu compromisso deve ter sempre como referência, proposições baseadas em fatos, isso não quer dizer que o cientista é indiferente ao mundo. QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA (2002) vêm nos lembrar que a incorporação dos valores à pesquisa e o seu controle através de procedimentos rigorosos de análise permite atribuir valor aos aspectos da realidade, e ordenar racionalmente a realidade empírica. Nem toda ação ou conduta social possui um significado objetivo. Atividades religiosas vivenciada por um grupo social, por exemplo, podem possuir significado subjetivo. Contudo, é possível através de métodos científicos obter uma compreensão racional do significado da ação entre o indivíduo e o outro indivíduo ou entre o indivíduo e o grupo. Se o sociólogo, em sua analise cientifica, pretende ultrapassar a uma mera descrição da realidade, Weber sugere a utilização de instrumentos metodológicos denominados tipos ideais. 4.6 O QUE É TIPO IDEAL? Todos nós idealizamos algo em nossas vidas. Quando criança, alguns sonham em ser um super craque de futebol. Já muitas meninas sonham em casar com um homem perfeito. Na vida profissional, sonhamos com um emprego que atenda a todos nossos anseios. Cada um de nossos sonhos possui aspectos excepcionais, características dificilmente encontradas em uma pessoa, ou em um emprego. Ou seja, há em comum nos sonhos citados que todos eles possuem características que dificilmente são encontradas na realidade, ou seja, grande parte deles são utopias. Em muitas situações utilizamos as construções imaginárias de um super craque de futebol, do homem perfeito, ou emprego ideal para analisar a realidade empírica. Por exemplo, com o ideal de emprego perfeito, posso analisar o meu emprego atual. Através da construção imaginária de um homem perfeito, é possível compreender os demais. Podemos dizer que diariamente construímos inúmeras tipologias ideais. Todas as exemplificações acima nos ajudam a entender um importante recurso metodológico proposto por Weber. Para analisar a complexidade das relações sociais, Weber propõe 504 Sociologia Geral PARA REFLETIR Sugestão de filme: Macunaíma. O personagem Macunaíma, de Mário de Andrade, interpretado no cinema por Grande Otelo pode ser considerada a representação típica do malandro brasileiro. (Ver sinopse no final desta unidade). UAB/Unimontes a criação de um instrumento metodológico: tipo ideal. Não devemos entender tipo ideal, como a descrição de certa realidade. Nem tão pouco é uma hipótese, mas algo que contribui para a elucidação desta. Tipo ideal não deve ser considerado algo desejável. Podemos criar um tipo ideal de político corrupto, ou mesmo de um assassino. Trata-se de um instrumento que possui uma clara definição conceitual e nunca existirá na realidade concreta; seu papel é selecionar explicitamente a dimensão do objeto que será analisado e apresentar essa dimensão da forma mais pura possível. É importante destacar que existe uma diferença entre tipo ideal e demais conceitos descritivos. Os conceitos são utilizados para descrever e sintetizar as características comuns de fenômenos empíricos. Por outro lado, tipo ideal demarca unilateralmente certas características ou pontos de vista. Por meio da combinação de determinados elementos e da abstração, todo fenômeno descritivo pode ser transformado em um tipo ideal. Segundo Giddens (1990), a passagem dos conceitos descritivos para tipos ideais, ocorre quando passamos da classificação descritiva dos fenômenos para análise explicativa ou teórica desses mesmos fenômenos. Conforme QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA (2002), a construção tipológica ideal weberiana só pode existir como utopia, na forma de um modelo simplificado da realidade, onde alguns traços avaliados como relevantes são colocados em evidência para determinar relações de causalidade entre os fenômenos. Com esse instrumento o cientista social pode construir um modelo de interpretação e de investigação, que o guiará nos infinitos caminhos da realidade social. Podemos analisar a realidade a nossa volta a partir da construção de vários tipos ideais. Por exemplo, poderíamos criar um tipo ideal de Estado, de educação superior, de Igreja, de conduta profissional, até mesmo de professor ou aluno ideal. Na obra de Weber, encontraremos vários exemplos de aplicação dos tipos ideais. Um deles é a tipologia de dominação, que será aprofundada nas unidades subseqüentes do curso, mas sua apresentação neste momento se faz necessária para exemplificar a utilização dos tipos ideais. Partindo da idéia de que os tipos puros de dominação são “ferramentas” importantes para analisar meios de dominação estatais, o autor construiu três tipologias que permitem analisar o presente e passado do desenvolvimento dos sistemas políticos. Os três tipos são: o domínio de caráter racional, o domínio tradicional, vinculado às tradições e aos costumes, e o carismático, que remete ao valor pessoal. O domínio legal fundamenta-se na validade dos regulamentos estabelecidos, e na legitimidade do chefe amparado pela lei. A obediência não é a uma pessoa, mas a regra, os funcionários são de formação profissional, trabalham sobre o regime contratual, com pagamento fisco, a ascensão profissional acontece conforme as regras estabelecidas. O segundo tipo é a dominação tradicional, cujo tipo mais puro é o domínio patriarcal; sua associação é do tipo comunitária. A autoridade 505 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia que ocupa o lugar superior é referendada ou santificada pelos “súditos” a partir da tradição ou do costume. Estes não estão submetidos a regras impessoais com na dominação legal, mas à fidelidade da tradição. A carismática é um tipo peculiar de dominação, na qual existe certa entrega dos dominados à pessoa do chefe, devido aos seus dotes sobrenaturais, como o heroísmo e o poder intelectual. Seu tipo mais puro é a dominação do profeta ou do grande demagogo, a associação dominante é de caráter comunitário. Assim como na dominação carismática não existe o conceito racional de competência para nortear a escolha do quadro administrativo, nem o estamental de “privilégio”, escolh-se segundo o carisma e a vocação pessoal. Ao criar uma tipologia ideal de dominação, Weber consegue importante arcabouço teórico para analisar o Estado Alemão, que mesmo inserido num processo de racionalização administrativa, de burocratização crescente, não consegue desvincular da esfera do domínio tradicional, representados na figura dos Junkers. Após a unificação a Alemanha, morre Bismack, o principal líder. Weber provavelmente questionava se existiria uma minoria capaz de levar o processo de construção da nação alemã à frente, de onde surgiria essa figura; dos trabalhadores, da oligarquia tradicional ou da burguesia ascendente. 4.7 TIPOS PUROS DE AÇÃO SOCIAL Como vocês viram, a ação social é central na Sociologia weberiana, isso não quer dizer que a Sociologia se limita a ela; a ação social nada mais é do que seu elemento constitutivo. Também é importante lembrar que nem toda ação é objeto de análise da Sociologia. Weber (1999) ressalta que a conduta religiosa contemplativa, por exemplo, não se caracteriza como ação social, por que não está orientada pela ação do outro, ou seja, ação sem o caráter “social”. A ação social (incluindo tolerância ou omissão) orienta-se pelas ações dos outros, as quais podem ser ações passadas, presentes ou esperadas como sendo futuras (por exemplo: vingança por ataques futuros). Os 'outros' podem ser indivíduos e conhecidos ou até uma pluralidade de indivíduos indeterminados e inteiramente desconhecidos (o dinheiro, por exemplo, significa um bem de troca que o agente admite no comércio porque a sua ação está orientada pela expectativa de que muitos outros, embora indeterminados e desconhecidos, estejam dispostos também a aceitá-lo, por sua vez, numa troca futura). (WEBER, 2001, p. 415). Podemos entender que tudo que se encontra fora do plano analítico da ação social não pertence mais ao campo das Ciências Socais, mas filosófico. Segundo Nogueira (1999), o fenômeno na disciplina, reconhecido como efetivamente real são as ações sociais. Weber acredita 506 Sociologia Geral UAB/Unimontes que os problemas da Sociologia só devem ser tratados como tal, se puderem ser traduzidos no plano da análise concreta das ações sociais. Não foi seu objetivo construir uma teoria abstrata entre sujeitos e estruturas, ou determinar características subjetivas entre agentes e situações. Weber diz que toda ação social pode ser compreendida em quatro categorias: 1) Racional em relação a fins; 2) Racional com relação a valores 3) Afetiva; 4) Tradicional. São classificações que se aproximam da ação real, tipos ideais puros, construídos para auxiliar a pesquisa sociológica. Agir racionalmente com relação a fins, significa dizer que o agente disporá de todos os meios necessários para atingir um fim préestabelecido. Nesse caso, o agente calcula racionalmente quais os resultados prováveis de suas atitudes, mas sua ação individual tem como referência os sujeitos externos e objetos do mundo exterior. Um agente econômico é um exemplo clássico de um comportamento relacionado a fins; ao investir no mercado financeiro, seu objetivo último, é o lucro. Para alcançá-lo traça estratégias, que são a todo tempo recalculadas, a partir da atitude dos outros agentes que fazem parte do mercado. As atitudes deste agente não são condicionadas pela tradição, tão pouco por atitudes afetivas. Atitude com relação a valores é também um tipo de ação racional, porque previamente o agente estipula objetivos coerentes. O agente orienta suas atitudes segundo um ideal dominante, possui um comportamento fiel às suas convicções. Um indivíduo que acredita em uma crença religiosa pode seguir vários “mandamentos” como um ideal de vida, por exemplo: sendo honesto e não roubando, vivendo a castidade antes do casamento, não trabalhando no domingo, entre inúmeras outras condutas possíveis. Em suma, a relação racional em relação a valores possui como aspecto central a obediência a valores imperativos, que em certas situações podem ser considerados irracionais, pois almejam mais o caráter absoluto da própria ação, do que as conseqüências racionais. Ou seja, a importância não se encontra nos “fins”, mas na própria conduta. Ação afetiva compreende um conjunto de atitudes determinadas pela emoção. Assim como a ação racional em relação a valores, não há aqui uma busca por “resultados”. São exemplos de ações afetivas: a paixão por um time de futebol, o desejo e o carinho quando começa um relacionamento amoroso, ou a mágoa e o desespero no seu final. Portanto, atitudes dessa natureza estão ligadas a um universo de atitudes sentimentais, e não podem ser consideras racionais. Os hábitos e costumes condicionam a ação do tipo tradicional. São modos de condutas que obedecem a estímulos habituais. A tradição de escolher padrinhos para o casamento, ou para batizar o filho, pode ser definida como uma atitude tradicional. Quase todas as nossas atitudes cotidianas podem ser consideradas tradicionais. O ideal simbólico que 507 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia conduz essa ação segue uma conduta racional. Através da tipologia de ação social, criada por Weber, podemos analisar inúmeras práticas e condutas presentes em nossa sociedade. Certa atitude do nosso presidente da república pode ser analisada a partir de um tipo ideal de ação weberiano. Mas, não são raros os casos em que se faz necessário combinar elementos de vários tipos de ação para entender a realidade empírica. 4.8 AS RELAÇÕES SOCIAIS Relação Social pode ser definida como uma combinação de várias ações sociais. Reciprocamente, os agentes compartilham suas condutas sociais e produzem conteúdos significativos. Amizade, troca no mercado, amor sexual, conflito são citados por Weber (1991) como conteúdos de reciprocidade. Quando um ou mais indivíduos orientam suas condutas, de acordo com a expectativa de ação do outro ou de outros, nos deparamos com uma forma de relação social. Um choque entre dois ciclistas, por exemplo, é considerado um simples fenômeno natural. Porém, a tentativa de se desviarem antes da batida, ou a briga e manifestações que podem ocorrer após o choque, pode ser considerada uma relação social. É importante lembrar que o conceito de relações sociais não pode ser entendido como sinônimo de “solidariedade”, ao contrário, se refere à relação entre indivíduos. O que é importante identificar nas relações sociais, segundo QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA (2002), são as expectativas recíprocas de seu significado. Um indivíduo pode ser considerado: amigo, parente, assassino, vítima, desde que outro ou outros compartilhem com ele esse significado. Weber vem nos dizer que instituições como o Estado, a Igreja, o Matrimônio só existem sociologicamente, porque há ações sociais entre os participantes que são carregadas de sentido. Weber realiza uma leitura inovadora de instituições de “personalidade coletiva” da seguinte forma: Para a Sociologia, a realidade Estado não se compõe exclusiva ou justamente de seus elementos juridicamente relevantes. E, em todo, não existe para ela uma personalidade coletiva 'em ação'. Quando fala do 'Estado', da 'nação', ou das 'sociedades por ações' da 'familia', da 'corporação militar' ou de outras 'formações' semelhantes, refere-se meramente a determinado curso da ação social de indivíduos. (WEBER,1991, p. 09). Agrupamentos coletivos como, torcidas de futebol, associações, grupos religiosos possuem interesses que motivam racionalmente o grupo seja em relação a valores. Numa empresa capitalista os interesses são racionais em relação a fins. Além dos interesses racionais, há “conteúdos comunitários”, ou seja, sentimentos de pertencimento a comunidade. 508 Sociologia Geral UAB/Unimontes Nesses grupos, as condutas podem ser regulares, seja porque as atitudes individuais se repetem, ou porque muitos as fazem, dando sentido semelhante às suas condutas. Há, porém, no processo de racionalização da conduta, a possibilidade de o agente, dentro do grupo, tomar consciência de sua submissão e não aceitar a regularidade que o costume impõe à sua conduta. (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002). Weber (1991) destaca que toda relação social possui um conteúdo significativo, que pode variar ao longo do tempo. Por exemplo, quando dois partidos políticos pactuam um acordo de cooperação, não significa que posteriormente não haja conflito de interesses. A “nova” relação entre ambos criou “um novo conteúdo significativo”. Nesse caso, a relação social passou de cooperação para conflito. Os conteúdos significativos também podem ser pactuados. Quando dois partidos assinam um documento de cooperação, observa-se que há por parte de ambos uma promessa de conduta futura, que será durante todo tempo avaliada tendo com referência o comportamento do outro. Como todos vocês devem ter notado, Max Weber produziu uma teoria essencial para a formação da Sociologia enquanto disciplina científica. Aqui foram apresentados aspectos introdutórios de sua obra. Espero que este primeiro momento seja um convite para o contato direto com sua obra. Após o resumo dos principais pontos da unidade, apresentaremos uma bibliografia básica e outra complementar, que auxiliará na compreensão das formulações teóricas do autor. 509 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia REFERÊNCIAS CASTRO, Ana Maria de; DIAS, Edmundo Fernandes (org.). Introdução ao pensamento sociológico. São Paulo: Centauro Editora, 2001. COHN, G. Max Weber. 5. ed. São Paulo: Ática, 2006. p. 7-34. (Coleção Grandes Cientistas Sociais) GERTH, H. H.; WRIGHT MILLS, C. (org.). Ensaios de Sociologia. Trad. W. Dutra. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. p. 15-94. GIDDENS, Anthony. Política, Sociologia e Teoria Social: encontros com o pensamento social clássico e contemporâneo. São Paulo: Editora UNESP, 1998. ______. Capitalismo e Moderna Teoria Social. Lisboa: Editora Presença, 1990. NOGUEIRA, Claudio Marques. Considerações Sobre a Sociologia de Max Weber. Caderno de Filosofia e Ciências Humanas – Unicentro Newton Paiva, Ano VIII, nº 13, Belo Horizonte, outubro de 1999. QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos – Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. (Coleção Aprender) WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília: Editora UnB, 1991. Vol. 1. ______. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1982. ______. Metodologia das Pedagogia. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora da UNICAMP, 2001. VÍDEOS SUGERIDOS PARA DEBATE MACUNAÍMA 1976, Brasil. Macunaíma, uma adaptação da rapsódia de Mário de Andrade, é a história de um anti-herói, ou "um herói sem nenhum caráter", nascido no fundo da mata virgem. De preto vira branco, troca a mata pela cidade, onde vive incrívieis aventuras, sempre acompanhado de seus irmãos. Na cidade, segue um caminho zombeteiro, conhecendo e amando a guerrilheira Ci e enfrentando o vilão milionário, Venceslau Pietro Petrarca, para reconquistar o amuleto que herdara de Ci, o muirakitã. Vitorioso, Macuinaíma retorna à floresta carregado de eletrodomésticos inúteis, troféus da civilização. DR. JIVAGO 1965, EUA. O filme se desenvolve a partir dos relatos da vida de Yuri Zhivago (Omar Sharif), médico e poeta. Está temporalmente ambientado nos anos que antecederam, durante e depois da Revolução 510 Sociologia Geral UAB/Unimontes Russa. Yuri fica órfão ainda criança e vai para Moscou, onde é criado. Já adulto, se casa com a aristocrática Tonya (Geraldine Chaplin), mas tem um envolvimento com Lara (Julie Christie), uma enfermeira que se torna a grande paixão da sua vida. Lara, antes da revolução, tinha sido estuprada por Victor Komarovsky (Rod Steiger), um político sem escrúpulos que já tinha se envolvido com a mãe dela. Lara se casou com Pasha Strelnikoff (Tom Courtenay), que se torna um vingativo revolucionário. A história é narrada em flashback por Yevgraf de Zhivago (Alec Guiness), o meioirmão de Yuri, que procura a sua sobrinha, possivelmente filha de Jivago com Lara. Enquanto Strelnikoff representa o "mal", Yevgraf representa o "bom" elemento da Revolução Bolchevique. NÁUFRAGO 2000, EUA. Chuck Noland (Tom Hanks) é um inspetor da Federal Express (FedEx), multinacional encarregada de enviar cargas e correspondências, que tem por função checar vários escritórios da empresa pelo planeta. Porém, em uma de suas costumeiras viagens, ocorre um acidente que o deixa preso em uma ilha completamente deserta por 4 anos. Com sua noiva (Helen Hunt) e seus amigos imaginando que ele morrera no acidente, Chuck precisa lutar para sobreviver, tanto fisicamente quanto emocionalmente, a fim de que um dia consiga retornar à civilização. 511 RESUMO 1. A Sociologia é uma ciência que estuda o comportamento humano e os processos de interação social que interligam o indivíduo em associações, grupos e instituições sociais. 2. Os fatores que proporcionaram o surgimento e a consolidação das Pedagogia e da Sociologia são resultado de processos e de transformações econômicas, políticas e culturais verificadas no século 3. que XVIII. Exemplo das revoluções industrial e da revolução francesa, 4. patrocinaram a instalação definitiva da sociedade capitalista. 5. Pequenas cidades passaram a grandes cidades produtoras e exportadoras. Essas bruscas transformações implicariam em nova organização social, ocorrida graças à transformação da atividade artesanal em manufatureira, e logo depois em fabril. 6. A revolução industrial determinou o aparecimento de novas classes sociais: o proletariado e a burguesia. 7. No século XIX, pensadores imaginaram ser necessário fundar uma nova ciência – a Sociologia – que permitisse reorganizar a sociedade, que tornasse possível prever e controlar os fenômenos sociais. 8. A Sociologia pretende explicar o que acontece na sociedade, como um tipo de conhecimento garantido pela observação sistemática dos fatos, podendo transformar-se em instrumento de intervenção social. 9. O campo da Sociologia não é dizer como a sociedade deve ser, mas constatar e explicar como ela é. 10. Comte, pensador positivista do início do século XIX, diz que os estados ou ordens são sucessivas, onde o teológico será substituído pelo metafísico e este será substituido pelo científico ou positivo. A vida social será explicada pela ciência, triunfando sobre todas as outras formas de pensamento. 11. Comte classificou assim, em ordem crescente de importância, as ciências: astronomia, física, química, biologia e Sociologia. Esta última é a mais importante e mais complexa das ciências, pois é responsável pela educação moral da humanidade, pela reforma intelectual do homem. 12. A Sociologia não é uma ciência de apenas uma orientação teórico-metodológica dominante. Ela traz diferentes estudos e diferentes caminhos para a explicação da realidade social. 13. A Sociologia tem ao menos três linhas mestras explicativas, fundadas pelos seus autores clássicos, das quais podem se citar: a primeira 512 Sociologia Geral UAB/Unimontes Positivista-Funcionalista, que tem como fundador Auguste Comte; seu principal expoente clássico é Émile Durkheim. A segunda é a Sociologia compreensiva iniciada por Max Weber. A terceira, corrente de explicação sociológica é dialética e crítica, iniciada por Karl Marx. 14. Karl Marx (1818-1883) juntamente com Friedrich Engels (18201995), compõe a escola crítica que, como o próprio nome evidencia, ocupou-se de criticar radicalmente a sociedade capitalista, 15. Para elaborar a teoria do Materialismo Histórico, Marx refletiu três fontes e recebeu influências que atuaram no desenvolvimento do seu pensamento: A filosofia idealista clássica alemã com o método dialético; O socialismo utópico francês e Inglês, que aproveitou suas bases para elaboração da sua teoria do socialismo científico; e a economia política clássica inglesa para uma nova leitura da economia política burguesa fundada no pensamento econômico liberal. 16. Na visão de Marx, o conhecimento e a ciência deviam assumir um papel político absolutamente crítico em relação ao capitalismo, devendo ser instrumento de compreensão e de transformação radical da sociedade. 17. Partindo desse pressuposto, o pensador defendia o argumento de que o papel do cientista social seria o de participar ativamente dos atos de transformação da sociedade capitalista, através do desempenho de uma função política revolucionária, posicionando-se ao lado das lutas do proletariado, sendo um observador participante e militante. 18. Para Marx e Engels, a dialética é a ciência das leis gerais do movimento tanto do mundo exterior quanto do pensamento humano. A grande idéia fundamental é que o mundo não deve ser considerado como um conjunto de coisas acabadas, mas como um conjunto de processos em que as coisas, aparentemente estáveis, bem como seus reflexos mentais no nosso cérebro, os conceitos, passam por uma série ininterrupta de transformações. 19. Marx aplicou a dialética na análise histórica, criando o materialismo histórico, ou uma teoria para explicar as sociedades. 20. Para Marx é preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais ocorridas nas condições econômicas de produção e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas ideológicas em que os homens adquirem consciência desse conflito e lutam para resolvê-lo. 21. Não se pode julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo. Não se pode julgar épocas históricas pela sua consciência. Deve-se explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. 22. Em Marx é o conjunto das relações de produção, constituído pela estrutura econômica da sociedade, que representa a base concreta, a infraestrutura sobre a qual se constitui a superestrutura jurídica e política, que correspondem às formas de consciência social determinada. Para o autor, o modo de produção da vida material dos homens condiciona em 513 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia geral todo o processo de vida social, política e intelectual. 23. Os homens são produtos das circunstâncias, pois criam e alteram suas bases de existência social, quando a ação humana pode alterar o conjunto das relações sociais. 24. A distribuição de tarefas entre os indivíduos ou grupos é produto da sociedade e expressa as condições históricas e sociais de acordo com a posição que cada um deles ocupa na estrutura social e nas relações de propriedade. 25. A forma de propriedade capitalista, ocorre quando a divisão do trabalho corresponde à divisão entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção (ou do capital). As duas principais classes sociais que se formam são burguesia e proletariado. A primeira é detentora do capital, a segunda é proprietária da força de trabalho que é vendida como mercadoria no sistema capitalista. 26. A persistência da divisão do trabalho típica do capitalismo acontece por causa do domínio do capital sobre os produtores diretos. 27. Para Marx e Engels, a classe operária, engajada em sua luta contra a burguesia, era a força política que realizaria a destruição do capitalismo e uma transição para o socialismo. 28. Uma classe só pode agir com êxito se adquirir consciência de si mesma da maneira prevista pela definição de transformar-se de classe em si para classe para si e se, ao contrário, isso não se realizar, sua ação política fracassará. 29. A força de trabalho é a mercadoria que possui a propriedade única de ser capaz de criar valor, ingrediente essencial para a produção capitalista e criação do lucro. 30. Na perspectiva marxista a burguesia para afirmar-se como capitalista, precisa não só apropriar-se do produto do trabalho excedente (não pago/mais-valia), mas também reconhecer o produtor do trabalho excedente, a mais-valia, que aparece na sua consciência como lucro. 31. Alienação para Marx é a ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo ou grupo social se tornam alheios, estranhos, separados, enfim alienados aos resultados ou produtos de sua própria atividade produtiva. Alienação para Marx, nasce da forma como a força de trabalho é utilizada no sistema de produção capitalista, pois é uma mercadoria, 32. A ideologia para Marx é a consciência falsa, equivocada, da realidade, não deliberada, mas necessária ao pensamento de determinada classe social, a burguesia, sob determinadas condições de sua posição e funções em relação às demais classes. 33. Sua contribuição teórica ultrapassa a dimensão apenas da ciência, constituindo uma verdadeira ética humanista, que conclama a justiça e a igualdade dos homens. 34. Deve-se a Durkheim a institucionalização da Sociologia como disciplina acadêmica, com definição rigorosa de teoria e de método. 514 Sociologia Geral UAB/Unimontes 35. Herdando de Comte e do positivismo a idéia de que as sociedades modernas funcionam a partir de determinadas regras que orientam o modo de pensar, agir e sentir dos indivíduos que as compõem é que Durkheim iniciará seus estudos sociológicos. Deriva dessa perspectiva, o conceito de Fato Social, que Durkheim desenvolverá. 36. O bom funcionamento das partes que compõem a sociedade, em outras palavras, as instituições sociais, garantem a ordem ou harmonia social garantindo a saúde do corpo social, e com isso, o seu progresso. 37. Durkheim afirmou que a sociedade deve ser compreendida como um corpo social. 38. O corpo social é composto por um conjunto de órgãos ou organismos sociais. Durkheim herda essa noção do organicismo. Para ele, as instituições sociais seriam esses organismos, que teriam funções específicas. Portanto, ao sociólogo caberia a missão de identificar as instituições sociais presentes em variadas sociedades e, principalmente, quais as suas funções. 39. As instituições sociais não são naturais. Elas não são criações divinas. Ao contrário, as instituições são criações da vida em sociedade ao longo da história humana. 40. As instituições sociais podem ser entendidas como um conjunto de regras e procedimentos socialmente definidos e aceitos pela sociedade. 41. As instituições sociais cumprem as funções que lhe são atribuídas por intermédio do consenso social ao longo da história de cada sociedade. 42. Em Durkheim é fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais. 43. Os fatos sociais são formados pelas representações sociais. Isto é, pelas maneiras de como a sociedade vê a si mesma e ao mundo que a rodeia. 44. Os fatos sociais que se expressam nas regras, normas, leis, acordos tácitos, tradições, costumes, ritos, expectativas de comportamento, etc. estão profundamente arraigados à prática institucional. A família, a escola, as leis/códigos do direito, o estado, dentre outras instituições, portam e são os guardiões das regras de funcionamento da vida social. 45. Para Durkheim A mudança social estaria associada à noção de progresso. As sociedades evoluem, progridem e se complexificam. 46. O ordenamento funcional “saudável”, ou seja, não patológico da sociedade garantiria a coesão social, condição indispensável para o progresso. A socialização dos indivíduos, realizada principalmente pelas instituições família e escola é parte essencial desse processo. 47. O conceito de Divisão do Trabalho Social refere-se ao processo de 515 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia atribuição de funções produtivas entre os membros que compõem determinada sociedade. Isto é, das tarefas produtivas que a sociedade deve cumprir para gerar a satisfação de suas necessidades temos a importante relação entre educação e socialização na e para a divisão do trabalho social normal. 48. O processo de socialização é também a geração de membros de uma sociedade capazes na execução de tarefas específicas. Isto é, a educação disciplina e organiza as forças necessárias para a produção de trabalho e a satisfação das necessidades sociais. A Divisão do Trabalho Social é, então, um conceito chave para Durkheim. 49. Se por um lado os membros de uma sociedade se dividem para realizar trabalho, por outro há laços sociais criados que permitem sua interdependência, tornando-os unidos como um grupo social, isto é a solidariedade social. 50. Durkheim definirá dois tipos de solidariedade social: a mecânica e a orgânica. 51. Solidariedade Mecânica: típica de sociedades menos complexas. Seria uma solidariedade presente na Horda e em sociedades simples, ditas por ele “primitivas”. A integração indivíduo-sociedade se daria pelo sistema de crenças, sentimentos comuns, tradição, etc. 52. Solidariedade Orgânica: típica de sociedades complexas; é derivada do processo de Divisão do Trabalho Social. A divisão do trabalho impõe a especialização de funções aos indivíduos. Essa individualização leva a uma aparente atomização dos membros que compõem o grupo social. Ao contrário, a especialização do trabalho leva à interdependência funcional. Quanto mais cada um tem uma função específica, mais dependente do outro estaremos para gerar os produtos necessários à satisfação de nossas necessidades. 53. Por método, de maneira geral, podemos compreender como a maneira ou o modo de produzir o conhecimento relativo à determinada ciência. 54. Nas regras do método sociológico Durkheim propõe tratar os fatos sociais como coisa. Isto significa que a tarefa metodológica do sociólogo é de estranhamento daquilo que lhe é familiar. Quando utilizamos, cotidianamente, a palavra Coisa para identificarmos algum objeto, o fazemos para dar significado a algo que não conseguimos a priori estabelecer seus atributos. 55. Durkheim diz é que os fatos sociais possuem uma objetividade que deve ser atingida pela ciência sociológica. 56. Vimos que o ambiente familiar foi decisivo para a formação intelectual do jovem Weber; a ética protestante da mãe, e o ativismo político do pai foram essenciais na condução da teoria weberiana, ao longo da sua vida. Soma-se a isso o contato de Weber com ilustres intelectuais que freqüentavam sua casa. 57. A perspectiva weberiana de observar o mundo se fundamenta na 516 Sociologia Geral UAB/Unimontes centralidade do indivíduo, ou seja, em atores sociais capazes de conduzir suas próprias ações. Na sua interpretação as regras sociais não pairam sobre os indivíduos, mas são constituídas a partir das ações de um conjunto de agentes sociais. 58. Ao dizer que o ponto de partida da Sociologia é a ação dos indivíduos, Weber não nega que a Sociologia deve se preocupar com os fenômenos coletivos. 59. Weber recomenda a utilização do “método compreensivo”, através do qual é possível entender alguns elementos da vida que nos rodeia. Na sua visão, a Sociologia interpreta e compreende as ações sociais e, acima de tudo, explica suas causas, curso e conseqüências. 60. Há uma clara pretensão de Weber em demonstrar que a prática científica permite o desenvolvimento de tecnologias para “controlar a vida”, o “desenvolvimento de métodos de pensamento”. Através da ciência, também é possível dizer que ela mesma permite indicar meios para atingir metas determinadas. Ou seja, a ciência contribui de forma prática para o desenvolvimento da racionalidade. 61. Weber entende que a objetividade das ciências sociais ocorre quando os valores pessoais são incorporados conscientemente à pesquisa, e controlado através de rigorosos procedimentos metodológicos. 62. Para analisar a complexidade das relações sociais, Weber propõe a criação de um instrumento metodológico: tipo ideal. Trata-se de um instrumento que possui uma clara definição conceitual e nunca existirá na realidade concreta; seu papel é selecionar explicitamente a dimensão do objeto que será analisado e apresentar essa dimensão da forma mais pura possível. Com esse instrumento o cientista social pode construir um modelo de interpretação e de investigação, que o guiará nos infinitos caminhos da realidade social. Podemos analisar a realidade a nossa volta a partir da construção de vários tipos ideais. 63. A ação social é central na Sociologia weberiana. Ele define: A ação social (incluindo tolerância ou omissão) orienta-se pelas ações dos outros, as quais podem ser ações passadas, presentes ou esperadas como sendo futuras. Os 'outros' podem ser indivíduos e conhecidos ou até uma pluralidade de indivíduos indeterminados e inteiramente desconhecidos. 64. Weber diz que toda ação social pode ser compreendida em quatro categorias: 1) Racional em relação a fins; 2) Racional com relação a valores 3) Afetiva; 4) Tradicional. São classificações que se aproximam da ação real, tipos ideais puros, construídos para auxiliar a pesquisa sociológica. 65. Agir racionalmente com relação a fins, significa dizer que o agente disporá de todos os meios necessários para atingir um fim préestabelecido. 66. Atitude com relação a valores é também um tipo de ação racional, porque previamente o agente estipula objetivos coerentes. O agente orienta suas atitudes segundo um ideal dominante, possui um 517 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia comportamento fiel às suas convicções. 67. Ação afetiva compreende um conjunto de atitudes determinadas pela emoção. 68. Os hábitos e costumes condicionam a ação do tipo tradicional. São modos de condutas que obedecem a estímulos habituais. 69. Relação Social pode ser definida como uma combinação de várias ações sociais. Reciprocamente, os agentes compartilham suas condutas sociais e produzem conteúdos significativos. 70. Weber destaca que toda relação social possui um conteúdo significativo, que pode variar ao longo do tempo. Os conteúdos significativos também podem ser pactuados. 518 REFERÊNCIAS BÁSICA COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 2. ed. São Paulo: Editora Moderna, 2005. DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1995. MARX, Karl; ENGELS, F. A ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 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São Paulo: Cortez; Campinas: Editora da UNICAMP, 2001. 522 ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM - AA 1) Disserte sobre os a lei dos três estados de Comte e a evolução do conhecimento humano. ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ 2) Explique o conceito de Fatos Sociais e o que significa tratá-lo como coisa segundo o pensamento durkeimiano. ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ 3) Durkheim trabalhou sobre a questão da Divisão do Trabalho Social. Discuta a relação entre Divisão do Trabalho Social e Solidariedade, explicando as diferenças entre os dois tipos de solidariedade social. ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ 4) Qual a relação entre os conceitos de ideologia e de alienação em Marx? ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ 5) Cientistas das Universidades alemãs de Regensburg e Rostock realizaram um estudo sobre as características faciais que seduzem homens e mulheres. Ou seja, o “tipo ideal” de rosto feminino e masculino definido na pesquisa possui as seguintes características. 524 Sociologia Geral UAB/Unimontes AOpartir do considerado exemplo desexy tipotem: ideal deA mulher rosto masculino e feminino homem considerada sexy tem: pele morena; desenvolvido pelos cientistas alemães, e da leitura dos textos da unidade, pele bronzeada; cabeça estreita; descreva qual a utilidade da ferramenta metodológica weberiana, “tipo cabeça estreita; lábios cheios (não grossos) e ideal”? simétricos (o inferior igual ao pouca gordura nas ______________________________________________________________ superior); bochechas; sobrancelhas escuras e lábios grossos ______________________________________________________________ espessas; sobrancelhas escuras e ______________________________________________________________ finas; cílios fartos e escuros; ______________________________________________________________ cílios longos e fartos; a metade superior do rosto maior que a inferior; maçãs do rosto salientes; e suas principais maçãs altas (mais 6) A partir da do suarosto leitura sobre a sociologia weberiana perto dos olhos); nariz influências, analise e assinale as opções e marque (V)fino; para verdadeiro e (F) mandíbula e queixo ausência de olheiras; e para falso. proeminentes; pálpebras estreitas. pálpebras estreitas; de num rugasambiente entre o familiar laico, e seu distanciamento dos ( ) O ausência crescimento nariz e a boca, conhecidas debates políticos de sua época, permitiu dedicação exclusiva de Max como bigode; e Weber a produção acadêmica. chinês . Veja , 21/01/04. (Fonte: ) ARevista sociologia weberiana é considerada compreensiva, pois através dela é possível explicar todas as dimensões dos fenômenos sociais. ( ) A objetividade nas ciências sociais só é possível, quando o pesquisador abandona seus próprios valores e ideais, e adota critérios científicos rigorosos. ( ) Para Weber a realidade social é multidimensional, o pesquisador precisa criar instrumentos metodológicos ideais, para compreender as peculiaridades dos fenômenos sociais. 7) Sobre o significado do conceito de Relação Social na teoria weberiana, analise e assinale as opções e marque (V) para verdadeiro e (F) para falso. ( ) É a relação existente dentro das entidades coletivas, e exercem forte coerção sobre os indivíduos. ( ) Envolve a percepção de significado entre vários agentes, ou seja, a probabilidade de se compartilhar condutas sociais com o mesmo sentido. ( ) A Relação Social é produzida, unicamente a partir contradição de duas classes sociais em luta. ( ) Relação Social se caracteriza por sua natureza transitória ou duradoura, dependendo do contexto onde ocorre. ( ) O consentimento mútuo é um aspecto determinante para que exista a Relação Social. 8) A perspectiva metodológica da sociologia em Karl Marx é considerada como crítica, sendo correto afirmar que utiliza as seguintes categorias de análise: 525 Caderno Didático III - 1º Período Pedagogia ( ) Método compreensivo, ação social e ciência parcialmente neutra. ( ) Dialética, materialismo histórico, contradição. ( ) Método comparativo, fato social e ciência neutra. ( ) Juízos de valor, neutralidade axiológica e ciência neutra. 9) Faça a correspondência o modo de produção e os tipos de propriedade e divisão social do trabalho: 10) Sobre os conceitos de alienação e ideologia em Marx, analise e assinale as opções e marque (V) para verdadeiro e (F) para falso. ( ) Alienação para Marx é a ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo ou grupo social se tornam alheios, estranhos, separados, enfim alienados aos resultados ou produtos de sua própria atividade produtiva. ( ) A ideologia para Marx é a consciência da realidade, deliberada e necessária, correspondendo ao pensamento de cada uma das classes sociais. ( ) A Alienação é sempre alienação de si próprio, sendo não apenas um conceito, mas também um apelo à modificação revolucionária do mundo (desalienação). ( ) O proletariado, uma classe desprovida de direitos e de bens, mas imbuída de uma ideologia socialista, é capaz de subverter a estrutura da sociedade moderna, e buscar a supressão de qualquer tipo de alienação através da revolução proletária e socialista. 1 - Modo de produção primitivo ( ) Propriedade privada e a divisão do trabalho corresponde à divisão entre campo e cidade e entre homens livres e cativos. 2 - Modo de produção capitalista ( ) Propriedade por ordens e a divisão do trabalho corresponde à servidão no campo e artesão nas cidades. 3 - Modo de produção Feudal ( ) Propriedade privada e a divisão do trabalho corresponde à divisão entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção. 4 - Modo de produção escravista ( ) Propriedade comunal e a divisão do trabalho corresponde à extensão da divisão natural do trabalho. 526