A Internacional Socialista, suas origens e atuação contemporânea 4 A Internacional Socialista, suas origens e atuação contemporânea Kjeld Jakobsen 4 Publicado pela Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores - Brasil Equipe da Secretaria: Valter Pomar ([email protected]) Iriny Lopes - Secretária de Relações Internaconais do PT Partido dos Trabalhadores - Brasil Comissão Executiva Nacional (CEN) Integrantes da CEN para o biênio 2008/2009 (Direito a voto e voz) José Eduardo Dutra - Presidente, Maria de Fátima Bezerra - Vice-presidente, Humberto Costa - Vice-presidente, Rui Falcão - Vice-presidente, José E. Cardozo - Secretário Geral Nacional, João Vaccari Neto - Secretário Nacional de Planejamento e Finanças, André Luiz Vargas Ilário - Secretário Nacional de Comunicação, Paulo Frateschi, Secretário Nacional de Organização, Iriny Lopes - Secretário Nacional de Relações Internacionais, Geraldo Magela - Secretário Nacional de Assuntos Institucionais, Carlos Henrique Árabe - Secretário Nacional de Formação Política, Renato Simões - Secretário Nacional de Movimentos Populares, Jorge Coelho - Secretário Nacional de Mobilização, Fernando Ferro Líder na Câmara dos Deputados, Aloísio Mercadante - Líder no Senado, Benedita da Silva - Vogal,João Constantino Pavani Motta - Vogal, Marinete Pantoja de Lima - Vogal, Arlete Sampaio - Vogal, Virgílio Guimarães - Vogal, Maria do Carmo Lara - Vogal Membros observadores da CEN (Direito a voz sem direito a voto) João Felício - Secretário Sindical Nacional, Severine Macedo - Secretária Nacional da Juventude, Morgana Eneile - Secretária Nacional de Cultura, Júlio Barbosa - Secretário Nacional de Meio- Ambiente e Desenvolvimento, Laisy Moliére - Secreária Nacional de Mulheres, Cida Abreu - Secretaria Nacional de Combate ao Racismo A INTERNACIONAL SOCIALISTA, SUAS ORIGENS E ATUAÇÃO CONTEMPORÂNEA. “O movimento é tudo e o fim nada significa” (Eduard Bernstein, 1899) Introdução O presente texto se propõe a explorar a história da atuação internacional dos socialistas, desde a fundação da I Internacional dos Trabalhadores no século XIX, até a criação da atual Internacional Socialista (IS) pouco depois que terminou a Segunda Guerra Mundial, discutindo os principais eventos que ocorreram nesse meio tempo principalmente a atuação da IS após a crise do Sistema de Bretton Woods e a ascensão do neoliberalismo. A Internacional Socialista se fez presente no nosso continente no final dos anos 1970 e é nosso objetivo discutir também a sua atuação, em particular, com a ascensão de governos progressistas e de esquerda na América Latina. Este texto foi um subsídio pra a participação do PT no Congresso da IS em Atenas em 2008. Os dados citados são referentes a esta data. Atualizações podem ser vistas no Periscópio Internacional. HISTÓRIA DA ATUAÇÃO INTERNACIONAL DOS SOCIALISTAS ENTRE 1864 e 1950 A Internacional dos Trabalhadores No dia 28 de setembro de 1864 realizou-se em Londres um encontro de ativistas sindicais, anarquistas e socialistas que debateram a difícil situação da classe operária européia, diante das péssimas condições de trabalho impostas pela revolução industrial e do desemprego que afetava principalmente os trabalhadores do setor têxtil. A iniciativa surgiu exatamente a partir da necessidade de uma maior articulação dos trabalhadores deste setor industrial na Europa, pois ele se encontrava em crise devido à guerra civil americana, que impedia a importação da principal matéria prima, o algodão. A abertura do evento foi feita por Marx, onde ele lançou sua famosa conclamação de que “a emancipação da classe operária deve ser feita por ela mesma”!. Durante o encontro houve várias discussões sobre condições de trabalho na indústria e a necessidade da redução da jornada de trabalho, embora sem adotar qualquer decisão formal, exceto a criação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) que se tornou conhecida como a I Internacional. Nos dois primeiros congressos da AIT, respectivamente em Genebra e Lausanne na Suiça em 1866 e 1867, o assunto da redução da jornada de trabalho voltou à baila, com a proposta de fixação de uma jornada de oito horas diárias como sendo suficiente e a eliminação de todo trabalho noturno, salvo em atividades previstas pela lei. Em setembro de 1871, durante a guerra entre a Prússia e a França, onde a segunda seria derrotada, eclodiu a revolta da Comuna de Paris, onde os trabalhadores resistiriam e governariam a cidade durante aproximadamente três meses, na experiência que Marx denominaria de “assalto aos céus”, até que cerca de 30.000 cidadãos foram massacrados pelo exército francês. Esta derrota reduziria sobremaneira a influência dos ativistas franceses na I Internacional, ao mesmo tempo em que se agravaram as divergências internas sobre como derrubar a burguesia, opondo os anarquistas e Marx. Este considerava a classe operária como a classe capaz de protagonizar a revolução e assumir o poder do Estado, destruí-lo e criar a sociedade comunista. Os anarquistas, entre eles, Bakunin, denunciavam o Estado como opressor e defendiam que as classes mais exploradas, como os camponeses e outras, poderiam ser a força revolucionária. Além disso, Marx já defendia a socialização dos meios de produção e o planejamento centralizado, enquanto os anarquistas eram a favor de comunidades auto geridas. A visão marxista foi a que mais se desenvolveu no meio dos trabalhadores, principalmente nos países mais industrializados do norte da Europa, enquanto o anarquismo ainda conseguiu algum espaço nos países do sul do continente, mais atrasados quanto ao desenvolvimento econômico e industrial. O terceiro congresso da AIT se realizou em Haia na Holanda em 1872 e decidiu mudar a sede da I Internacional para New York, para escapar do ambiente repressivo na Europa daquele momento, o que na prática significou o fim da organização, cuja situação era agravada pela recessão econômica de 1873, que atingiu quase todos os países industrializados e afetou gravemente a organização operária devido ao desemprego. Em 1876, ocorreu o último congresso da AIT, já bastante esvaziado. Foi uma experiência que durou apenas nove anos em termos mais práticos e apenas reunia ativistas dos países industrializados da época. No entanto, deixou um legado importante, ao reconhecer a dimensão internacional da exploração dos trabalhadores e a necessidade de articular uma resposta igualmente internacional. Por ironia, o país escolhido para sediar a AIT em 1872, os EUA, nunca desenvolveram organizações socialistas verdadeiramente capazes de desafiar o sistema vigente e proporcionar transformações sociais. No entanto, foi lá que se levou adiante, em 1886, uma poderosa mobilização pela implantação da jornada de trabalho de oito horas, com muitas greves. Numa delas, que terminou em confronto com a polícia, houve a morte de alguns policiais, nunca devidamente esclarecida, que levou a forte repressão, bem como prisão e condenação à morte de vários ativistas sindicais em Chicago. Este fato inspirou, posteriormente, por iniciativa da II Internacional, a celebração mundial do Dia Primeiro de Maio, o Dia Internacional dos Trabalhadores, em homenagem aos ativistas executados, embora, ironicamente, esta data nunca viesse a ser comemorada nos Estados Unidos. A Segunda Internacional dos Trabalhadores A continuidade dos contatos entre os movimentos operários dos diversos países europeus amadureceu a idéia da criação de uma II Associação Internacional de Trabalhadores. Por ocasião da celebração dos cem anos da Revolução Francesa, em julho de 1889 reuniu-se em Paris um congresso operário socialista, com o intuito de criar uma nova organização para substituir a primeira AIT. Eram cerca de quatrocentos delegados de 19 países, quase todos comprometidos com as idéias marxistas e que declararam seu objetivo de emancipar os trabalhadores, abolir o trabalho assalariado, bem como criar uma sociedade onde todos os homens e mulheres, independente de seu sexo e nacionalidade, usufruirão da riqueza produzida pelo esforço de todos os trabalhadores (SASSOON, 1996). Entre os que assinaram esta declaração política, encontravam-se líderes de partidos socialistas em seus respectivos países, como August Bebel e Wilhelm Liebknecht da Alemanha, William Morris da Inglaterra, Victor Adler da Áustria, Georgii Plekhanov da Rússia, Pablo Iglesias da Espanha, Amilcare Cipriani da Itália, entre muitos outros. Engels ainda vivia, mas não chegou a participar uma vez que estava envolvido com a redação do último volume de “O Capital”, inconcluso após o falecimento de Marx. O funcionamento dessa Internacional foi particularmente marcado pelas questões das conquistas políticas e econômicas do proletariado na época e de como se posicionar frente ao imperialismo ascendente. No entanto, o posicionamento sobre estas questões nunca foi unânime, pois a expansão da organização operária, mesmo nos limites da Europa, não foi homogênea, acontecendo de forma diferente em cada região, dependendo da tradição sindical e partidária de cada país. Por exemplo: na Inglaterra, os sindicatos dos trabalhadores na indústria foram o veículo para estabelecer o Partido Trabalhista; na Alemanha, o partido social-democrata dirigia as organizações sindicais; na França, socialismo e sindicalismo se desenvolveram paralelamente. Apesar destas diferenças, na resolução aprovada constaram várias reivindicações e propostas que fizeram história, como o apoio à jornada de oito horas, abolição do trabalho infantil, igualdade de oportunidade de trabalho e salário entre homens e mulheres. Conforme já mencionado, a Internacional decidiu adotar o dia primeiro de maio como o “Dia dos Trabalhadores”, em homenagem aos mártires de Chicago e posteriormente adotou o dia 8 de março como o “Dia Internacional da Mulher”. Por fim, o congresso assinalou que os capitalistas governavam porque possuíam o poder político e diante disto, os trabalhadores deveriam disputar o poder nos países aonde possuíam o direito ao voto, apoiando os candidatos dos partidos socialistas; e onde não o tivessem, deveriam lutar por todos os meios para obter o sufrágio. O uso da força pela classe dominante para impedir esta evolução pacífica em direção a uma sociedade baseada na cooperação, isto é, o socialismo, deveria ser considerado um crime de lesa humanidade (SASSOON, 1996). Quando este congresso ocorreu, vários partidos socialistas já estavam estabelecidos e alguns inclusive encontravamse aptos para disputar o espaço eleitoral onde este existia. Este crescimento político normalmente acompanhou o desenvolvimento industrial dos seus respectivos países, embora a tendência nem sempre se confirmasse. Por exemplo, o Partido Socialista Português foi fundado em 1871 e é um dos mais antigos da Europa, embora a indústria de Portugal fosse quase inexistente na época. Nos EUA e Japão que despontavam como duas promissoras economias industriais no final do século XIX, não se desenvolveu uma tendência socialista com perspectiva de alcançar o poder. Na década de 1890 a Internacional decidiu excluir os anarquistas da organização, devido às divergências ideológicas quanto à ação política, pois para eles a Internacional não deveria participar de eleições, nem participar em qualquer cargo dos aparelhos estatais. No Congresso de Zurich, em 1893, foi aprovada uma resolução que praticamente excluiu da Internacional as organizações que não fossem partidárias das várias táticas, inclusive eleitorais, para conquistar o poder político pelo proletariado; e no congresso de Londres de 1896, por proposta de Liebknecht, os anarquistas foram definitivamente expulsos das fileiras da Internacional. Assim, no final do século XIX, o marxismo se consolidou como principal força política no interior do movimento operário europeu. Durante o período de existência da II Internacional, alguns partidos socialistas chegaram a apresentar um bom desempenho eleitoral, como o Partido Socialdemocrata Finlandês que obteve 43,1% dos votos em 1913; o Partido dos Trabalhadores Socialdemocratas da Suécia, que alcançou 36,5% em 1914; e o Partido Socialdemocrata Alemão (SPD) que obteve 34,8% em 1912, entre outros. Apesar desta ascensão do socialismo e dos ideais internacionalistas, havia muitas diferenças entre a realidade dos diferentes partidos, devido às diferenças na evolução do capitalismo em cada país e, consequentemente, na formação da classe trabalhadora, nas práticas democráticas e nas tendências partidárias, o que tornou difícil para a II Internacional funcionar de fato como um Partido Socialista Internacional. Ela se assemelhava mais a uma federação de partidos e na prática funcionava a partir da experiência nacional de cada partido filiado. Até 1905 não teve sequer uma secretaria geral e a única organicidade existente eram os congressos. Cada partido membro possuía muita autonomia e ninguém interferia nos assuntos do partido de outro país, mesmo quando certas práticas merecessem alguma avaliação. Foi somente neste ano, seis anos após a sua fundação, que foi estabelecido a Secretaria Socialista Permanente na cidade de Bruxelas, na Bélgica. Além das diferenças táticas existentes em função das distintas realidades históricas mencionadas, surgiu também um debate marcante entre as visões reformistas e as marxistas revolucionárias. O SPD alemão foi palco da acirrada controvérsia política e teórica em 1899, entre o revisionismo de Eduard Bernstein e a maioria do partido, liderado por August Bebel. Bernstein apregoava que o desenvolvimento do capitalismo não levava a monopolização crescente da economia, como afirmava Marx, mas à sua democratização, através do aumento do número de proprietários, graças à introdução das sociedades por ações. Esta tendência levaria a um fortalecimento das classes médias e não a sua redução, eliminando assim as previsões “catastróficas” de Marx sobre o choque inevitável entre burgueses e proletários. O desenvolvimento do capitalismo não levaria a crise, pois ele mesmo desenvolveria meios de controle através da melhor organização da produção e do planejamento O socialismo deixava de ser uma necessidade histórica para se transformar em uma possibilidade. Este tipo de concepção levou Bernstein a defender uma nova tática, que privilegiava a luta parlamentar e sindical. Segundo ele, seria através do voto que o trabalhador se elevaria “da condição social de proletário para aquela de cidadão”. A luta sindical por melhores condições de trabalho e salários seria o instrumento privilegiado para conduzir a sociedade capitalista, através de reformas econômicas, para o socialismo. Na verdade estas reformas já significariam a própria realização molecular da nova sociedade socialista. A tentativa da maioria do Partido Social Democrata Operário Russo de derrubar o czar e promover uma revolução em 1905, particularmente, por meio de uma greve geral, também suscitou grande debate no interior do SPD alemão e na II Internacional. Por meio de seu livro Greve de Massas, Partido e Sindicatos, Rosa Luxemburgo abriu um debate em 1906 sobre o papel fundamental do movimento de massa criticando tanto a opção preferencial dos reformistas pela ação parlamentar, quanto a defesa de Lênin da organização partidária para dirigir a revolução. Este debate gerou diversas posições e, por exemplo, os dirigentes sindicais alemães e alguns dirigentes do SPD rejeitaram a idéia de greve geral, pois para eles a greve servia para conquistar direitos e melhores salários. Outros dirigentes do mesmo SPD a admitiam somente em casos extremos como, por exemplo, para conquistar ou defender o sufrágio universal. A II Internacional condenava as guerras como conseqüências inevitáveis do sistema capitalista e avaliava que desapareceriam junto com o sistema. No entanto, a deflagração da Primeira Guerra Mundial representou o fim da organização pois, paradoxalmente, muitos Partidos Socialistas se engajaram nos esforços bélicos de seus respectivos países em nome da defesa da pátria, sendo os casos mais notórios os do SPD alemão, que votou a favor dos créditos de guerra solicitados ao parlamento pelo Kaiser Guilherme II e o de importantes dirigentes do Francês (SFIO), que integraram o governo que dirigiria a guerra contra a Alemanha. Este rompimento com o tradicional discurso anti-bélico dos socialistas, por parte dos setores majoritários dos partidos mais fortes naquele momento, além de implodir a II Internacional, bem como a tradicional solidariedade socialista e entre os povos, também revelou que a sua concepção de imperialismo e da relação dos estados nacionais com a construção do socialismo na prática era diferente daquela expressa nos congressos. Contudo, esta guerra não seria a primeira e única em que os interesses nacionais colocariam inclusive “Estados Socialistas” em lados opostos durante conflitos armados, como se assistiria posteriormente em 1969 quando houve, graves escaramuças na fronteira entre URSS e China; em 1978, quando tropas vietnamitas invadiram o Camboja e depuseram o “Khmer Vermelho” do poder e em seguida na guerra sino-vietnamita de 1979. A contradição entre os interesses dos Estados Nacionais governados por partidos sociais democratas ou das empresas multinacionais com origem nestes países e os direitos e interesses das populações e trabalhadores dos países em desenvolvimento também se manifestaria em inúmeras situações ao longo do século XX. Porém, durante a Primeira Guerra Mundial, alguns líderes socialistas que mantiveram os princípios contrários à guerra, se reuniram em 1915 em Zimmerwald e no ano seguinte em Kienthal, ambas cidades suíças. Eram poucos representantes, basicamente da Rússia, Alemanha, França, Itália e Bulgária e com pouca influência política naquele momento, mas registraram que havia outras visões do que a posição adotada anteriormente pelos dirigentes da maioria partidária. Rosa Luxemburgo, que compartilhava destas visões não pode comparecer porque se encontrava presa na Alemanha por suas atitudes antimilitaristas, mas Karl Liebknecht, outro importante dirigente socialista alemão, ainda conseguiu enviar uma carta saudando o evento. Pela delegação russa compareceram, entre outros, Lênin, Trotsky e Zinoviev, que pouco tempo depois cumpririam um papel fundamental no estabelecimento do primeiro governo proletário e socialista da história A Terceira Internacional A primeira revolução socialista do mundo ocorreu na Rússia em 1917, um pouco antes do fim da Primeira Guerra Mundial. Quando esta terminou em 1918, a Europa estava sendo varrida por uma onda revolucionária diante da insatisfação dos trabalhadores com os sacrifícios exigidos pela guerra e a crise econômica. Houve tentativas de implantar novos regimes socialistas nos moldes soviéticos em vários países como Alemanha, Hungria e outros que, no entanto, foram derrotados. No início de 1917, o czar russo Nicolau II renunciou ao poder forçado pela insatisfação popular e pela perda de apoio da burguesia russa e instaurou-se um governo dirigido pela Duma (Parlamento Russo) que deu continuidade à guerra. Diante da piora da situação do país, os revolucionários russos representados pelos Bolcheviques derrubaram o governo baseado na Duma no mês de outubro, em favor do governo dos soviets. Pouco depois, assinaram um acordo de paz com a Alemanha (Acordo de Brest-Litovsk), muito desfavorável para a Rússia. Porém, os motivos para assiná-lo foram o esgotamento econômico do país devido ao conflito, a falta de identificação dos revolucionários com a motivação da guerra e o início de uma guerra civil que opôs o “Exército Vermelho” dos Bolcheviques às forças leais ao czar e seus aliados (“Exército Branco”), que recebiam apoio material e financeiro da França, Inglaterra e outros. Foi um momento muito duro para a nascente República Soviética que, além desta guerra civil, tinha que enfrentar um verdadeiro caos na economia e a falta de produtos básicos. Milhões de russos morreram de fome e doenças nesta época. No início de 1919 realizaram-se dois congressos socialistas de características muito diferentes. Um deles ocorreu no mês de fevereiro, em Berna. e reuniu alguns dos tradicionais partidos socialistas com o propósito de reorganizar a II Internacional. O outro se realizou um mês depois, em Moscou, organizado pelo Partido Comunista da Rússia (bolchevique) com o objetivo de criar um movimento de apoio ao processo revolucionário em curso. A convocação deste segundo encontro foi extremamente difícil devido à guerra civil e ao isolamento em que a URSS se encontrava. Alguns delegados somente conseguiram chegar quando o evento havia terminado. Os participantes foram principalmente representantes de tendências internas mais à esquerda dos partidos social-democrata, insatisfeitos com os rumos reformistas adotados pela direção majoritária destes partidos, incluindo vários dos que haviam estado em Zimmerwald. Participaram do encontro em Moscou 35 organizações de 22 países, a ampla maioria europeus, e esta iniciativa criou a Internacional Comunista (Comintern), também conhecida como a III Internacional. A avaliação corrente era que a revolução se expandiria com certa facilidade a outros países europeus, até porque se ela dera certo num país com o atraso econômico e a debilidade da classe operária como a Rússia, a probabilidade de ocorrer nos países europeus mais industrializados seria bem maior. Neste sentido, o papel do Comintern seria o de orientar este movimento e submeter os partidos membros, inclusive o PC Russo, à tarefa de construir a revolução mundial. O Comintern realizou seu segundo congresso um ano depois e aprovou uma resolução com 21 condições a serem seguidas dali por diante para se fundar um partido comunista e obter reconhecimento pela internacional. Os primeiros partidos comunistas europeus foram fundados em 1918 e incluíam o alemão, o austríaco, o húngaro, o grego, o holandês, entre outros. Praticamente todos nasceram de dissidências dos partidos socialistas e o maior de todos, desde o começo, era o Partido Comunista da Alemanha (KPD), que iniciou com mais de cem mil afiliados. A guerra civil russa terminou em 1921, a favor dos Bolcheviques. A pior parte da crise econômica fora superada e o Novo Plano Econômico (NEP) estava em execução. A futura União das Repúblicas Socialistas Soviéticas encontrava-se praticamente consolidada internamente e o governo soviético assinou acordos de paz com os países capitalistas ocidentais que, após o fim da Primeira Guerra haviam apoiado as forças contra-revolucionárias, além de um acordo comercial com a Inglaterra. Stálin tornou-se o Secretário Geral do PC Russo (bolchevique) em 1922. Lênin, um dos líderes mais importantes dos bolcheviques e da revolução, faleceu em 1924 após um período de incapacidade devido a um derrame. As tentativas revolucionárias na Europa Ocidental haviam sido derrotadas, ou pela repressão ou por meio de reformas ou ainda pelas duas coisas. Aliás, foi durante a década de 1920 que se lançou a base, em muitos países europeus, do que viria a ser o “Estado de Bem Estar Social” após o fim da Segunda Guerra Mundial. A política desenvolvida por Stalin e Bukharin e adotada pelo Comintern a partir de 1924, foi a teoria do desenvolvimento do socialismo em um só país, o que representava uma avaliação diferente daquela de 1919, quando se acreditava que a revolução européia era eminente. A revolução havia triunfado somente na Rússia. O esforço agora seria voltado para impedir o retorno das forças reacionárias e imperialistas à União Soviética e o horizonte da revolução nos demais países estava muito mais distante do que se imaginava apenas cinco anos atrás. Diante desta análise, o papel mais condizente à real capacidade dos Partidos Comunistas dos outros países, seria o de defender as conquistas da revolução soviética e todas estratégias adotadas dali em diante partiam desta premissa. Assim os partidos comunistas dos diferentes países tornaram-se “Seções da Terceira Internacional”. Esta visão unidirecional se fortaleceu com a crise econômica de 1929, ao colocar de um lado os países capitalistas em ruína e de outro o socialismo em ascensão na URSS (Bobbio, Mateucci e Pasquino, 2005). A Internacional “Dois e Meio” O resultado do congresso de Berna mencionado anteriormente foi a articulação de um grupo de partidos socialistas, principalmente dos países do norte da Europa, que haviam se mantido neutros durante a guerra e que tinham clareza quanto à sua estratégia de disputar o poder pela via eleitoral. Posteriormente aderiram novos partidos, como o Trabalhista Inglês, e uma sede foi estabelecida na Holanda. Houve ainda um terceiro grupo de partidos advindos de países que estiveram envolvidos na guerra e que no início da década de 1920 alcançaram sua liberdade de atuação. Era o caso de outros que também estiveram em Zimmerwald, além de socialistas austríacos, italianos e de alguns países balcânicos. Eles se articularam a partir de um encontro realizado em Viena e este grupo ficou conhecido como a Internacional de Viena ou a Internacional Dois e Meio. Essa associação considerava-se como o primeiro passo para a reorganização de uma Internacional ampla, mas em 1923, num congresso realizado em Hamburgo, uniu-se à Segunda Internacional revivida em Berna para formar a Internacional Trabalhista e Socialista que duraria até 1940. Algumas centrais sindicais relacionadas com estes partidos também se articularam para estabelecer uma coordenação sindical internacional que ficou conhecida como a “Internacional de Amsterdam” fazendo contraponto com a “Internacional Vermelha” com sede em Moscou e que articulava sindicatos influenciados pelas seções nacionais da III Internacional. Neste meio tempo, houve várias tentativas para que as articulações socialistas internacionais coordenassem suas iniciativas, porém, as diferenças políticas e o sectarismo eram muito grandes e a coordenação não funcionou. Já havia o histórico das diferenças entre as diferentes facções socialistas, que se apresentaram na prática principalmente frente a Primeira Guerra Mundial e a votação dos créditos para a guerra na Alemanha. Estas se agravaram quando o SPD assumiu o governo na Alemanha no final da guerra e seu principal dirigente, Friedrich Ebert, se tornou presidente do país quando o Imperador abdicou e a república foi proclamada. Ebert e seu ministro da defesa, Gustav Noske, consideravam os “Espartaquistas” – precursores do Partido Comunista Alemão – como seus principais adversários naquele momento. Reprimiram as tentativas revolucionárias que eles promoviam com mão de ferro e foram responsáveis pelos assassinatos de Rosa de Luxemburgo e Karl Liebknecht. Em resposta, o Comintern defendia uma estratégia para a atuação do movimento comunista mundial, que era a da constituição de Frentes Únicas, onde somente caberiam os partidos revolucionários puros. Por exemplo, de acordo com este critério, os social-democratas alemães eram considerados “social-fascistas” e os principais “inimigos da classe operária”. Foi somente depois da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha e deste adotar uma brutal política repressiva contra socialistas e comunistas, que a estratégia começou a mudar. A conquista do poder pelo Partido Nacional Socialista (Nazista) foi favorecida pela divisão eleitoral entre o SPD e o KPD na eleição de 1933, pois se estivessem unidos, a soma dos seus votos e cadeiras no Parlamento teriam impedido Hitler de se tornar Chanceler, pelo menos naquele momento. A partir de 1935, a política de Frente Única foi substituída pela de Frentes Populares Anti-fascistas, a exemplo do governo republicano na Espanha de 1936 a 1938, composto por socialistas e comunistas e o “Front Populaire” na França de 1936 a 1937, com o mesmo perfil. A Quarta Internacional Cabe ainda mencionar a IV Internacional que surgiu como uma articulação de partidos e agrupamentos políticos que se assumiram como “trotskistas”. Havia uma importante divergência política que era sobre a estratégia da revolução mundial entre Stálin e Trotsky,, que como já foi mencionado, acabou sendo a estratégia do socialismo em um só país, enquanto Trotsky era defensor da tese da “revolução permanente” até que o socialismo tivesse vencido em todos os países do mundo. A maioria dos membros do secretariado do Partido Comunista Russo (dominante no futuro PCUS) que haviam participado do início do governo revolucionário –Trotsky, Zinoviev, Kamenev e Bukharin – foram excluídos e eliminados sob diferentes circunstâncias, até que Stálin assumiu todo o poder em 1934. Trotsky foi para o exílio no exterior a partir de 1928 e acabou assassinado em 1940 no México por um agente stalinista. Porém, entre os membros do primeiro secretariado do PC da URSS ele foi o único, além de Lênin e do próprio Stalin, que deixou um legado e um grupo de seguidores. Trotsky e os militantes que o apoiavam avaliaram, a partir de algum momento nos anos 30, que a III Internacional seria incapaz de levar a revolução adiante devido à estratégia da revolução em um só país e à política conciliatória das Frentes Populares. Assim, decretaram o seu fracasso e propuseram a criação de uma nova Internacional, a Quarta, num congresso realizado em 1938, em Paris, com a participação de delegados de dez países. No entanto, os trotskistas nunca conseguiram manter a unidade da IV Internacional e tampouco construíram partidos ou organizações de massas com representatividade ao longo da história. Um brasileiro famoso e que aderiu ao trotskismo desde os anos 1930 foi o jornalista, crítico de arte e um dos fundadores do PT, Mario Pedrosa. A Segunda Guerra Mundial A década de 1930 foi também a de ascensão ao poder de vários regimes fascistas no mundo, além dos casos mais notórios como a Alemanha, Itália e Japão. Entre eles podemos citar Espanha, Portugal, Polônia e Hungria. Ao mesmo tempo, a política adotada pelas principais potências liberais frente à ascensão nazi-fascista era ambígua, uma vez que havia diversos e poderosos agrupamentos políticos nestes países que defendiam uma aliança entre os países de economia liberal com a Alemanha e Itália, para enfrentar e derrotar o regime soviético. As sucessivas anuências da Inglaterra e França quanto às pretensões territoriais de Hitler sobre a Áustria e a Tchecoslováquia somente fortaleciam esta percepção. Em 1939, para surpresa de todos, embora explicável diante desta ambigüidade, a URSS firmou um Pacto de Não Agressão com a Alemanha. Quando, no mesmo ano, a Alemanha invadiu a Polônia e a Segunda Guerra Mundial foi deflagrada, a URSS também ocupou a parte oriental deste país, além dos três países bálticos. Até 1941, uma vez vencida a resistência inicial dos demais países que foram invadidos e ocupados pelos alemães como a Bélgica, Holanda, Luxemburgo, França, Dinamarca, Noruega, Iugoslávia e Grécia, os invasores usualmente instalaram governos cooperativos, normalmente escolhidos entre os políticos de direita simpatizantes do nazismo. Entretanto, no caso da Dinamarca, durante os dois primeiros anos após a invasão, o governo era de coalizão com um primeiro-ministro social democrata. Embora alguma resistência interna à ocupação estivesse sendo articulada clandestinamente desde o início, como por exemplo na Iugoslávia, além de iniciativas tomadas por alguns governantes em exílio no exterior, como o general francês De Gaulle, os monarcas norueguês e holandês, bem como o governo polonês no exílio, na maioria dos países a resistência efetiva só se iniciou quando a Alemanha atacou a URSS em junho de 1941 e o Tratado de Não Agressão foi rompido. É importante registrar também a ação local de muitos socialistas e sindicalistas antes da guerra, que pressionaram seus respectivos governos a não aceitar a possibilidade de uma aliança liberal com Hitler para destruir a União Soviética. A resistência subterrânea contra as tropas alemãs nos países ocupados teve também a participação de setores socialistas, cristãos e monarquistas. Cresceu ainda mais à medida que a maré da guerra virou a favor das potências aliadas. Um marco importante foi o recuo do exército alemão diante de Moscou, ainda no final de 1941, embora o momento mais importante da virada somente ocorresse um ano depois, quando a resistência soviética em Stalingrado derrotou os atacantes alemães em fevereiro de 1943 e o Exército Vermelho aprisionou cerca de 200.000 soldados inimigos. Em vários países que não foram atacados diretamente pelas forças aliadas no final da guerra, como na Iugoslávia e Albânia, foram os grupos de resistência liderados pelos comunistas e dirigidos, respectivamente, por Josip Broz Tito e Enver Hoxha, que derrotaram os alemães. Por sua vez, quando o Exército Vermelho entrou na Tchecoslováquia, a resistência local já tinha o domínio da situação. Os EUA somente entraram na guerra a partir do bombardeio japonês a Pearl Harbor, em 1942. A partir de 1943, quando o prognóstico sobre o resultado do conflito já se mostrava favorável aos Aliados, iniciaram-se uma série de Conferências entre Inglaterra, URSS e EUA para discutir os rumos da política internacional após a guerra. A estratégia adotada por Stalin foi a de se mostrar o mais confiável possível e apresentar garantias que não possuía pretensões de exportar a revolução em direção à Europa, aproveitando-se da debilidade dos países em guerra. Para reforçar esta demonstração de que sua prioridade era derrotar o nazi-fascismo, adotou várias medidas, entre elas, a aproximação com o Vaticano e a Igreja Católica Ortodoxa, bem como a extinção do Comintern, embora, este já tivesse perdido sua importância com o início da guerra. O prestígio amealhado pelos comunistas no período da resistência lhes possibilitou participar em vários governos de reconstrução nacional ao término da guerra, como na França, Itália, Noruega, Dinamarca e outros. A conjuntura pós-guerra A cooperação entre os países aliados que venceram a guerra em 1945 – a Alemanha se rendeu em maio e o Japão em agosto – ainda durou pouco mais de dois anos, quando uma série de tensões entre EUA e seus aliados e a URSS deu início à chamada “Guerra Fria”, a partir de 1947. Mesmo assim, a partir das conversações iniciadas ainda durante a guerra, foi possível criar uma série de instituições mundiais para gerir variados aspectos das relações internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), aberta à participação de todos os países, independentemente de suas orientações ideológicas e as instituições de caráter econômico, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD) e o Acordo Geral de Comércio e Tarifas (GATT), aonde somente participariam os países capitalistas. Os países que adotaram os regimes do “socialismo real” acabaram se organizando em torno de instituições próprias, como o Pacto de Varsóvia que era sua aliança militar e do Comecon, que era seu fórum comercial. Em 1947, criaram o Cominform como uma espécie de Fórum de Informação dos Partidos Comunistas, com a participação dos PCs no poder nas democracias populares, além dos influentes PCI da Itália e PCF da França. Entretanto, diante das diferenças políticas que foram surgindo entre o PCUS e os partidos de outros países como, por exemplo, com Tito na Iugoslávia e Enver Hoxha na Albânia que buscavam rumos próprios para o socialismo nos Bálcãs e, posteriormente, os conflitos entre a URSS e a China, o Cominform se esvaziou. Ao final dos anos 1940 estavam estabelecidas as fronteiras entre os países que adotaram regimes de socialismo reais como URSS, Polônia, Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária, Iugoslávia, Albânia, Mongólia, China e Coréia do Norte e os países de regime capitalista. Com exceção da URSS, Mongólia, Albânia, Iugoslávia e a revolução chinesa de 1949, a ascensão dos PC's ao poder nos demais países foi conseqüência dos desdobramentos da Segunda Guerra Mundial. Os partidos sociail-democratas começaram paulatinamente a ascender ao poder em vários países da Europa Ocidental após o fim da guerra, como o Partido Trabalhista na Inglaterra entre 1945 e 1951 e o Partido dos Trabalhadores Socialdemocrata na Suécia. Quando não estavam no governo, geralmente representavam a segunda força política. A aliança que estabeleceram com os sindicatos e partidos ligados à democracia cristã permitiu a implantação de um abrangente “Estado de Bem Estar Social – Welfare State” na Europa Ocidental, consolidando algumas políticas governamentais iniciadas no período anterior à guerra. O “Welfare State” foi articulado com a consolidação e apogeu do “Fordismo”, um paradigma produtivo que gerou o período conhecido como “Os trintas anos dourados do capitalismo”, que perduraram até meados da década de 1970. Este período foi caracterizado por altas taxas de crescimento econômico, pleno emprego e a conquista de uma série de benefícios sociais, tais como a proteção à saúde, seguro desemprego, aposentadoria e maior acesso à educação para os trabalhadores europeus e de outros países industrializados fora do continente europeu, como a Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Estados Unidos, embora as políticas sociais neste último sempre tenham estado mais ao sabor da economia de mercado. Os sindicatos também se dividiram com o início da ‘II Guerra fria’. Em 1945 havia sido criada a Federação Sindical Mundial (FSM), reunindo as principais centrais sindicais ligadas às que existiam antes da guerra, como a “Internacional de Amsterdam” e a “Internacional Vermelha”. Porém, em 1948, as centrais sindicais dos países capitalistas, com exceção daquelas influenciadas pelos Partidos Comunistas, como a CGT francesa, a CGIL da Itália e algumas outras, se retiraram da FSM e criaram a Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (CIOSL). O divisor de águas foi o apoio da maioria dos sindicatos europeus ao Plano Marshall, apesar da oposição da URSS e dos PCs, que consideraram o plano uma intervenção do imperialismo americano na Europa. A maioria das centrais sindicais européias filiadas a CIOSL como a TUC da Inglaterra, a DGB da Alemanha, a OGB da Áustria, a FNV da Holanda e as LO's dos países escandinavos têm ligações estreitas com os partidos sociais democratas de seus respectivos países, e por conseqüência, a CIOSL também se aproximou dessa posição política enquanto a FSM passou a ser dirigida pelas centrais sindicais influenciadas pelos comunistas. Apesar de os partidos sociail-democratas assumirem o poder em vários países, se alinharem às instituições capitalistas e criticarem ferrenhamente o regime do socialismo real, vários deles ainda mantinham algumas concepções marxistas em seus estatutos e programas, como a apropriação dos meios de produção e a implantação da “ditadura do proletariado”. Estes conceitos foram removidos e o exemplo mais conhecido foi o Congresso de Bad Godesberg realizado pelo SPD alemão em 1959, quando os princípios marxistas de uma “economia socialista” e da “socialização dos meios de produção” foram excluídos de seu programa político. Na verdade a maioria dos partidos sociail-democratas europeus defendia a adesão de seus respectivos países a Comunidade Econômica Européia (CEE), cujo tratado de fundação – Tratado de Roma de 1957 – previa o funcionamento de uma “economia de mercado assentada na livre concorrência”. A social democracia européia atingiu o seu apogeu em termos de poder e governos em meados dos anos 1970. Nos anos 1974 e 1975, pela primeira e única vez na história do pós-guerra, havia primeiros ministros socialdemocratas em todos os países democráticos da Europa Ocidental: Inglaterra, Alemanha Ocidental, Áustria, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Noruega, Dinamarca, Suécia e Finlândia (ANDERSON & CAMILLER, 1996). O período do pós-guerra também foi marcado pelo processo de independência de colônias da Inglaterra, França, Bélgica e Holanda e, posteriormente, de Portugal e Espanha, na Ásia, África e Caribe. Em quase todos os casos, houve lideranças políticas locais, socialistas ou no mínimo progressistas, envolvidos com o processo, como foi o caso de Gandhi na Índia, Sukarno na Indonésia, Patrice Lumumba no Congo, entre outros. Em muitos casos, a independência foi fruto de lutas armadas dirigidas por líderes socialistas como Ho Chi Min no Vietnã, Ahmed Ben Bella na Argélia, Agostinho Neto em Angola, Samora Machel em Moçambique, Amílcar Cabral em Guiné Bissau, além das revoluções socialistas como a chinesa dirigida por Mao Tse Tung, a cubana por Fidel Castro, a Revolução Sandinista na Nicarágua, entre outras. Cabe ainda uma menção especial à luta contra os regimes racistas da antiga Rodésia, hoje Zimbabwe, por organizações guerrilheiras de esquerda e da África do Sul, onde o regime era conhecido como apartheid. A Rodésia era uma colônia britânica onde os grandes proprietários rurais brancos, que representavam 5% da população, tinham 70% da terra e declararam sua independência em 1965. O primeiro ministro Ian Smith liderou um governo segregacionista e que enfrentou um movimento guerrilheiro de libertação, liderado principalmente por Robert Mugabe, que chegou a presidência do país em 1980, já denominado Zimbabwe, cargo que ocupa até hoje. Na África do Sul houve longos anos de mobilização política e luta armada dirigida pelo Congresso Nacional Africano (CNA), o Partido Comunista da África do Sul (PCAS), os sindicatos, entre outros, até que ocorressem as primeiras eleições amplas e livres em 1994, quando Nelson Mandela foi eleito presidente. Alguns destes dirigentes nacionalistas se preocuparam em resistir às pressões das grandes potências e manter sua 39 independência, bem como defender seus interesses sem a necessidade de se alinharem ao bloco capitalista ocidental ou ao bloco hegemonizado pela União Soviética. Desta forma surgiu o Movimento dos Países Não Alinhados (MPNA), a partir da Conferência Ásia – África, convocada pelos governos da Birmânia, Ceilão, Índia, Indonésia e Paquistão, realizada em 1955 em Bandung na Indonésia, com o propósito de discutir questões comuns e uma política internacional conjunta destes países que há pouco haviam alcançado a independência. Os convidados para a Conferência de Bandung foram escolhidos devido à sua localização geográfica regional, mas no caso da primeira conferência do MPNA realizado em Belgrado na Iugoslávia em 1961, os critérios para ser convidado eram possuir uma política externa independente, baseada na coexistência entre Estados de diferentes sistemas políticos e sociais; apoio aos movimentos de independência nacional; não ser membro de alianças militares multilaterais estabelecidas no marco dos conflitos entre as grandes potências; a eventual existência 40 de tratados de defesa com alguma das grandes potências também não poderia ter sido efetuada no contexto destes conflitos e o mesmo se aplicaria no caso da existência de bases militares de uma grande potência no território do país em questão. Vinte e cinco países compareceram a I Conferência do MPNA, entre eles países com governos socialistas como a Iugoslávia, embora o movimento nunca tenha possuído este caráter ideológico. A XIV Conferência, a mais recente, realizou-se em setembro de 2006 na cidade de Havana em Cuba e o MPNA conta hoje com a participação de 117 membros. 41 A INTERNACIONAL SOCIALISTA A PARTIR DE 1951 A política internacional socialdemocrata Os socialistas europeus não conseguiram adotar uma política externa consensual entre si e tampouco se diferenciar muito dos partidos de direita quanto aos principais temas internacionais nos primeiros anos após o término da Segunda Guerra Mundial. O início da guerra fria colocava três opções na mesa: próEUA, pró-URSS e neutralidade. A terceira alternativa foi defendida pelos partidos socialdemocratas da Suíça, Suécia, Finlândia, Áustria, Alemanha Ocidental e Itália, sendo que era uma posição compartilhada com outros partidos no caso dos quatro primeiros países, pois a neutralidade já era uma política tradicional no caso da Suíça e da Suécia. A Áustria e Finlândia adotaram esta posição menos por convicção ideológica e mais devido a sua proximidade geográfica com a URSS, a quem não queriam provocar. 42 A Finlândia sequer aceitou recursos do Plano Marshall, apesar de os socialdemocratas finlandeses serem os mais anti-comunistas de todos, por vários motivos, que incluíam a perda de uma parte de seu território na guerra com a União Soviética em 1940. Embora a Alemanha Ocidental e a Itália tivessem aderido ao Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aliança militar fundada em 1949 e coordenada pelos EUA, os respectivos partidos socialdemocratas, SPD e Partido Socialista Italiano (PSI), defendiam o neutralismo. O primeiro porque acreditava que isto facilitaria a reunificação alemã e o segundo devido à aliança eleitoral com o PCI. Posteriormente ambos mudariam de posição. Os partidos socialdemocratas da Dinamarca, Noruega e Islândia romperam com a tradicional solidariedade que havia entre os partidos nórdicos ao cumprirem um papel decisivo para a aprovação parlamentar do ingresso destes países na OTAN, motivados ideologicamente e também pela expectativa de ajuda americana para minorar as dificuldades econômicas que sofriam no período 43 de reconstrução de seus países. Da mesma forma, apesar do discurso pacifista, os trabalhistas ingleses e os socialistas franceses tiveram um papel fundamental para que a Inglaterra e a França se tornassem potências atômicas e também contribuíram para as tentativas de manutenção de ambos os impérios coloniais. O auge da violência contra os defensores da independência da Argélia foi quando socialistas franceses, como François Mitterand, participaram do governo e eles também apoiaram a intervenção militar contra o Egito durante a crise do Canal de Suez em 1956. Quando o Congresso da Internacional Socialista em Viena em 1957 adotou uma resolução condenando esta intervenção, a delegação francesa se retirou do congresso. Contudo havia setores minoritários no interior dos partidos socialdemocratas que defendiam o direito à autodeterminação das colônias, o não-alinhamento e que denunciavam os governos ditatoriais apoiados pelo EUA na América Latina e Ásia. Porém, a sua aflição era que o governo da URSS normalmente compartilhava destas 44 posições e os comunistas haviam se tornado bastante impopulares na Europa Ocidental no contexto da guerra fria, particularmente, após a invasão soviética da Hungria em 1956 (SASSOON, 1996). Esta situação se tornou menos tensa com a política de distensão (“détente”) entre EUA e URSS no final dos anos 1960, quando também começou a ficar claro que os americanos estavam cometendo um massacre de grandes proporções contra a população civil na guerra do Vietnã. Os partidos sociail democratas começaram a adotar posições mais favoráveis e solidárias com os países do Terceiro Mundo e condenar claramente a política externa americana. Durante uma manifestação contra a guerra do Vietnã no final de 1969, na Suécia, o representante do Partido Socialdemocrata Sueco, Sten Andersson expressou claramente a condenação à “guerra sem sentido dos EUA e o apoio à Frente de Libertação Nacional” (SASSOON, 1996). Aliás, naquela época eram geralmente os partidos social 45 democratas dos países escandinavos que manifestavam uma política de solidariedade mais avançada em direção ao Terceiro Mundo, como os apoios a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e ao Congresso Nacional Africano (CNA) mesmo com a opção destes pela luta armada. O SPD alemão, nesta mesma época, defendia uma política externa de aproximação com a URSS e os países da Europa do Leste (Ostpolitik) e articulava suas propostas econômicas e sociais para a Alemanha Ocidental com uma política externa mais pró-soviética, visando criar um ambiente que contribuísse para a reunificação alemã. Os trabalhistas ingleses, por sua vez, nunca conseguiram de fato romper os tradicionais laços com os Estados Unidos e nunca se opuseram à guerra do Vietnã. Estes laços eram a principal razão de fundo do presidente francês Charles de Gaulle de centro-direita para vetar o ingresso da Inglaterra na CEE e preservar seu próprio espaço como potência.Ele julgava que a política externa autônoma da França seria enfraquecida se este novo membro da Comunidade se 46 somasse aos demais governos socialdemocratas dos pequenos países que já eram membros, como a Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Dinamarca, em sua opinião, sempre propensos a apoiar os americanos, sem mencionar a Itália governada pelos democratas cristãos e fortemente pró-EUA. Embora o governo inglês tomasse a iniciativa de solicitar seu ingresso na CEE, o Partido Trabalhista sempre esteve dividido internamente em torno desta questão, quando o ingresso foi vetado e mesmo depois quando foi consumado. No entanto, por mais que os partidos socialdemocratas se aproximassem entre si na política externa, principalmente, quando ficaram mais fortes em meados dos anos 1970, a questão nacional sempre se sobrepôs. Os acontecimentos de maio de 1968; a mobilização estudantil; as greves e a ascensão de novos valores políticos como o feminismo; a teoria da dependência e as questões ambientais trouxeram novos elementos para a agenda socialdemocrata internacional. 47 A Internacional Socialista (IS) Os partidos socialdemocratas tomaram a iniciativa em 1951 de fundar a Internacional Socialista (IS), num congresso realizado na cidade de Frankfurt na Alemanha e a reivindicaram como a organização herdeira da II Internacional, embora a rigor se tratasse mais de uma instância de coordenação política e troca de informações entre os partidos social democratas da Europa. Em sua declaração de princípios, “Objetivos e Tarefas do Socialismo Democrático”, a rigor uma declaração ideológica apresentada pelos trabalhistas ingleses e socialdemocratas escandinavos (SASSOON, 1996), a IS aderiu ao "socialismo democrático", reconhecendo as raízes da sua existência no movimento operário, nas formas associativas de assistência mútua e de solidariedade que marcaram o início da organização dos trabalhadores e nas diversas tradições humanistas. Na prática, a IS sempre foi favorável ao reformismo democrático e era profundamente anti-comunista. As tentativas dos socialistas do sul da Europa, como os 48 e italianos, de inserir alguma terminologia marxista na Declaração de Princípios foram rechaçadas. Era voz corrente que o socialismo democrático se situava entre o capitalismo e a ditadura e alguns até argumentavam que o capitalismo era o melhor sistema, pois permitia o desenvolvimento de direitos políticos, ao contrário dos regimes comunistas de partido único. Partidos Socialistas como o PSI italiano não puderam se filiar enquanto estiveram aliados ao PCI. A Declaração era também anti-colonialista, apesar das contradições com as práticas de alguns de seus membros, como o Labour Party inglês e os socialistas franceses, conforme já mencionado. A IS não propunha um modelo político prático, mas sim uma forma de atuação que permite que cada partido político filiado encontre meios de contribuir para inúmeras questões que, no mundo contemporâneo, afligem a humanidade. Ela possuía poucos membros fora da Europa, até que se abriu para a filiação a partidos de outros continentes 49 durante a presidência de Willy Brandt entre 1976 e 1992. A IS possui três categorias de filiação: efetiva com direito a voz e voto, consultiva com direito a voz e a categoria de observador. Atualmente possui 159 partidos filiados em todo o mundo, 56 dos quais exercem funções governativas nos respectivos países. A sede da organização fica em Londres e a sua Web é www.socialistinternational.org. A social-democracia européia entrou em retrocesso político e perdeu muitas eleições no final da década de 1970, devido à crise do Sistema de Bretton Woods, à alta dos preços do petróleo, mudanças no paradigma produtivo e à incapacidade de sustentar o “welfare state” nos mesmos níveis de antes. A derrota dos trabalhistas ingleses, em 1979, e a subida da conservadora Margareth Thacher ao poder, seguida por Ronald Reagan nos Estados Unidos em 1981 e Helmuth Kohl na Alemanha Federal, em 1982, entre outros, transformou as visões econômicas liberais e o conceito de “Estado Mínimo” em programas de governo, solapando o reformismo socialdemocrata, bem como acirrando a 50 disputa política e militar com a URSS e seus aliados. Neste momento, até o poderoso e representativo Partido dos Trabalhadores Socialdemocratas Sueco esteve na oposição de 1976 a 1982, embora tenha ocorrido um fato político importante na Europa a partir de meados dos anos 1970, que foi a redemocratização da Espanha, Grécia e Portugal e a vinda para a cena política de seus respectivos partidos socialistas. Paradoxalmente, o declínio político socialdemocrata no continente europeu coincidiu com uma atuação mais incisiva da IS em nível mundial, particularmente, na América Latina, além da campanha que desenvolvia contra o “apartheid” na África do Sul e contra a ocupação israelense dos territórios árabes. O Congresso da IS realizado em 1976, em Genebra, e que elegeu Willy Brandt como seu presidente, também aprovou “uma ofensiva ao Terceiro Mundo” e no mesmo ano se realizou uma reunião de partidos social democratas europeus e latino americanos em Caracas, auspiciada pela “Acción Democratica” (AD) da Venezuela, para discutir a 51 “Solidariedade e Democracia Social” (ORIT, 2001). Já havia vários governantes socialdemocratas e progressistas no Caribe na década de 1970, como Michael Manley na Jamaica, Cheddi Jagan na Guyana, Errol Barrow em Barbados, James Mitchell em Saint Vincent que, inclusive, restabeleceram as relações diplomáticas de seus países com Cuba. Era o período de crescimento da luta pela redemocratização na maioria dos países da América Latina, quando o mundo se escandalizava com as revelações da violação sistemática dos direitos humanos e os crimes praticados pelas ditaduras militares, particularmente, na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e América Central. Além da AD venezuelana, outros partidos filiaram-se a IS a partir da manifestação de seu interesse no continente como o Partido de la Liberación Nacional (PLN) da Costa Rica, o Partido de la Revolución Dominicano (PRD), o Partido de la Revolución Democratica (PRD) do Panamá, o Movimiento de la Izquierda Revolucionaria (MIR) da 52 Bolívia, o Partido Aprista do Peru, o Movimiento Nacional Revolucionario (MNR) de El Salvador, o People's National Party (PNP) da Jamaica e o Barbados Labour Party (BLP). Com a reforma da lei partidária no Brasil em 1979, acabou o bipartidarismo estabelecido pela ditadura militar e novos partidos foram criados. Leonel Brizola havia cultivado contatos e relações pessoais com Willy Brandt e o dirigente do Partido Socialista Português, Mario Soares, ainda durante o seu exílio. No Congresso da IS em Viena, em 1979, foi aceita a filiação de seu Partido Democrático Trabalhista (PDT) com status de observador e que passou a membro efetivo em 1989. Até hoje é o único membro brasileiro. Em 1978 foi criado um grupo de trabalho coordenado por Michael Manley do PNP da Jamaica e José Francisco Peña Gómez, do PRD da República Dominicana, para elaborar propostas para discussão nas instâncias da IS que, por sua vez, realizou conferências em Vancouver no Canadá e em Portugal neste mesmo ano, para analisar a situação política da América Latina. A conferência realizada em 1980, em 53 Santo Domingo na República Dominicana, aprovou um plano de trabalho para a IS no continente e sua declaração política expressava forte condenação ao imperialismo e críticas ao novo modelo econômico implantado no cone sul com base no monetarismo dos “Chicago Boys”. Foi também neste período que a Fundação Friedrich Ebert do SPD alemão começou a abrir seus primeiros escritórios na América Latina, embora já viesse promovendo atividades no continente. Olof Palme, Primeiro Ministro da Suécia entre 1969 e 1976 e entre 1982 e 1986, quando foi assassinado, propôs a criação de uma Comissão Especial coordenada pelo Presidente da IS para elaborar um pacote de propostas para o desenvolvimento do Terceiro Mundo. Sua justificativa para isto partia de princípios “keynesianos”, no sentido de que isto contribuiria para o desenvolvimento econômico geral, pois o progresso dos países pobres permitiria o aumento do comércio dos países industrializados e um mundo mais rico e estável seria mais seguro também. Esta comissão se tornou conhecida como a 54 “Comissão Brandt” e funcionou entre 1977 e 1983. Um segundo momento importante na atuação da IS na América Latina foi o apoio dado à Revolução Sandinista na Nicarágua, vitoriosa em 1979 e que despertou grande sentimento de solidariedade no meio político social democrata na Europa, ainda mais diante das ações truculentas do governo Reagan dos EUA na América Central e no Caribe, como a invasão da pequena ilha da Granada em 1983. Carlos Andrés Perez da Venezuela e Oscar Arias da Costa Rica fizeram intermediações entre a guerrilha sandinista e o governo americano que apoiava a ditadura de Anastacio Somoza, bem como entre a Frente Farabundo Marti de Libertación Nacional (FMLN) de El Salvador e sucessivos governos de direita também apoiados pelos Estados Unidos. A Frente Sandinista de Libertación Nacional (FSLN) da Nicarágua é filiada a IS até hoje e o Movimiento Nacional Revolucionário (MNR) de El Salvador, que na época era dirigido por Guillermo Ungo e que ingressou na frente 55 política de apoio ao FMLN também se filiou, embora este partido se dissolvesse na década de 1990 pouco depois do falecimento de Ungo, um dos vice-presidentes da IS. Até o final dos anos 1980, a IS ainda mantinha um discurso crítico à política do FMI e às restrições monetárias que esta instituição defendia, bem como à política externa americana e inglesa. A resolução do Conselho da IS, reunido em 1987 em Roma, dizia que “O EUA e o Reino Unido substituíram o diálogo mundial inaugurado pela Comissão Brandt pelo monólogo universal. Se retiraram da UNESCO, não assinaram a Convenção sobre o Direito do Mar e atacam a UNCTAD. Nada fazem contra o apartheid na África do Sul e tampouco atuam para favorecer a independência da Namíbia” (Nueva Sociedad, 1987). Nesta mesma reunião foram discutidas resoluções sobre o desarmamento na América Central (El Salvador e Guatemala) e sobre as ditaduras ainda no poder no Chile e no Paraguai. Neste mesmo ano filiaram-se a IS o Partido Radical chileno e o Partido Revolucionário Febrerista 56 (PRF) do Paraguai. Durante grande parte da década de 1980 houve uma postura progressista da IS e de seus membros europeus em geral, bem como o fortalecimento político de seus filiados na América Latina. Brizola foi eleito governador do Rio de janeiro em 1982 e foram eleitos presidentes Raúl Alfonsin da Unión Cívica Radical (UCR) na Argentina em 1983, Daniel Ortega da FSLN na Nicarágua em 1984, Alan Garcia do Partido Aprista Peruano em 1985, Oscar Arias na Costa Rica em 1986 e Rodrigo Borja no Equador em 1988. A própria IS escolheu um latino-americano como secretário geral em 1989. Este foi Luis Ayala, ex-exilado chileno na Europa e que ocupa a função até hoje. Porém, a crise da dívida externa, hiperinflação, a pressão americana e a imposição de ajustes estruturais pelo FMI e Banco Mundial na maioria destes países provocaram profundas crises políticas no meio socialdemocrata latino americano. Carlos Andrés Perez, que voltou à presidência da Venezuela em 1989, tentou implementar um ajuste neoliberal 57 extremamente impopular e foi destituído em 1993, sendo preso e acusado de corrupção. Alan Garcia, que tentou limitar o pagamento da dívida externa peruana a 10% das exportações do país, terminou melancolicamente seu mandato em 1989, acossado pela alta inflação e pela guerrilha do Sendero Luminoso. Após a eleição do neoliberal Alberto Fujimori, Garcia foi para o exílio na Costa Rica devido à ameaça de prisão por corrupção. Em 2006, voltou à presidência do país e vem implementando um programa igualmente neoliberal. A Nicarágua viveu vários anos de conflitos internos devido à ação dos “contras” apoiados pelos EUA e Daniel Ortega perdeu a eleição presidencial em 1989, pois a população entendeu que a eleição da oposição de direita poderia promover a paz. Raúl Alfonsin na Argentina entregou o cargo ao seu sucessor, o neoliberal Carlos Menem, vários meses antes de terminar o mandato, também constrangido pela crise econômica. O MIR boliviano apoiou a eleição do ex-ditador militar 58 Hugo Banzer no segundo turno das eleições presidenciais em 1989. O grupo se cindiu e os dissidentes criaram o Movimiento Bolívia Libre (MBL), que participa do Foro de São Paulo. O MIR se retirou da IS e o MBL nunca ingressou. Os 21 membros efetivos da IS na América Latina e Caribe de hoje são: Partido Socialista e a UCR da Argentina; BLP de Barbados; PDT do Brasil; Partido Socialista e Partido Social Democrata Radical do Chile; Partido Liberal da Colômbia; Partido da Libertação Nacional da Costa Rica; Partido Democrático de Esquerda do Equador; PNP da Jamaica; PRI e PRD do México; FSLN da Nicarágua; PRD do Panamá; PRF do Paraguai; Partido Aprista do Peru; Partido da Independência de Porto Rico; PRD da República Dominicana; Partido Socialista e Partido Nuevo Espacio do Uruguai e AD da Venezuela. Há seis membros consultivos: Dominica Labor Party da Dominica; Convergência Social Democrata da Guatemala; Working People's Alliance da Guyana; Partido por um País Solidário do Paraguai; Unity Labor Party de St. Vincent & 59 e o MAS da Venezuela. O único membro observador é o Pólo Democrático Alternativo (PDA) da Colômbia. O seu critério ideológico para aceitação de novos filiados flexibilizou-se muito a partir do final dos anos 1980, principalmente se considerarmos alguns de seus partidos filiados na América Latina. Mesmo que se encontrem personalidades progressistas nas direções do Partido da Revolução Institucional (PRI) do México, UCR da Argentina e Partido Liberal da Colômbia, entre outros, estes partidos não se reivindicam socialistas, socialdemocratas ou trabalhistas. O pedido de filiação do PRI foi apresentado pelo secretário geral no mesmo momento em que o conselho da IS discutia o pedido do PRD do México, que nasceu de uma dissidência à esquerda do PRI. O atual presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, já foi filiado ao Partido Liberal e atualmente há uma minoria parlamentar deste partido que o apóia. Em julho de 1990, por iniciativa do Partido dos 60Trabalhadores (PT) do Brasil, realizou-se na cidade de São Paulo um “Encontro de Organizações e Partidos de Esquerda da América Latina e Caribe” para discutir a nova conjuntura a partir da débâcle dos regimes do socialismo real do Leste Europeu. Compareceram 48 partidos e organizações de todo o continente e decidiu-se repetir este tipo de encontro, sempre com o espírito de debater e respeitar a autonomia e as posições políticas, ideológicas e culturais de cada participante, criando assim o Foro de São Paulo (FSP). Há sete membros da IS que também participam do FSP: o PS da Argentina, o PS do Chile, o PDA da Colômbia, o PRD do México, a FSLN da Nicarágua, o PRD da República Dominicana e o PS do Uruguai. Em janeiro de 2006, a liderança da Internacional Socialista passou do português Antônio Guterres para o grego George Papandreou. Guterres, ex-líder do Partido Socialista Português e antigo primeiro ministro, foi presidente da IS entre 1999 e 2005, até ser eleito para Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Sua substituição foi o principal ponto da agenda do Conselho 61 da Internacional Socialista, que ocorreu em Atenas naquela data. George Papandreou, líder dos socialistas gregos (PASOK), foi o nome proposto pela própria organização e foi o único candidato à eleição para o cargo. O português José Sócrates tornou-se um dos 25 vice-presidentes da Internacional Socialista, ao lado de figuras como o inglês Tony Blair, o espanhol José Luís Rodriguez Zapatero, e o alemão Gerhard Schroeder. A “terceira via” O sociólogo inglês Anthony Giddens, da Economic School de Londres apresentou formulações acadêmicas ao longo da década de 1990, onde propunha a reformulação de uma série de valores da social democracia, em particular a revisão sobre o tamanho e o papel do Estado. Em sua opinião, o Estado havia se tornado grande e burocrático demais e deveria reduzir-se. Seu papel deveria ser o de oferecer condições para o desenvolvimento de uma economia competitiva e o sucesso econômico deveria ser 62 combinado com o bem estar social. Portanto, os investimentos do Estado deveriam se voltar para as pessoas, infraestrutura, desenvolvimento e tecnologia. Os sindicatos também deveriam mudar a sua postura e defender a flexibilização das leis trabalhistas e do mercado de trabalho, para favorecer o aumento da competitividade. Este conjunto de propostas que, em resumo, combinava o liberalismo econômico com políticas sociais, para minorar o impacto social das políticas neoliberais hegemônicas naquele momento, ficou conhecida como a “terceira via” e encontrou diversos adeptos entre políticos e acadêmicos que tradicionalmente se apresentavam como socialdemocratas. Entre eles podemos mencionar Fernando Henrique Cardoso do Brasil, Romano Prodi da Itália, Gerhard Schroeder da Alemanha e Tony Blair do Reino Unido. Até Bill Clinton, presidente dos EUA que nunca se apresentou como socialdemocrata, circulava nos fóruns de debate sobre esta concepção. Na segunda metade dos anos 1990, os socialdemocratas estavam de volta ao poder em 13 dos 15 países da União 63 Européia, inclusive na Alemanha com Gerhard Schroeder, França com Leonel Jospin e Reino Unido com Tony Blair. A maioria deles administrou a crise econômica e as altas taxas de desemprego herdadas de seus antecessores conservadores, com medidas ortodoxas de ajuste fiscal e comércio internacional agressivo, além de adotar várias das recomendações de Giddens, que chegou a se tornar assessor de Blair. Na política externa, submeteram-se aos interesses americanos por diversas vezes, como na guerra contra a Sérvia devido à questão de Kosovo e na ocupação do Afeganistão, ambas pela OTAN. Isto jogou para um futuro longínquo a proposta de uma política européia de defesa própria no lugar da OTAN. No entanto, o único do grupo que acompanhou George Bush no ataque ao Iraque, em 2003, foi Tony Blair. Atualmente, há partidos socialdemocratas participando de governos na Europa em apenas nove países, incluindo o governo de coalizão liderado pela Democrata Cristã Angela Merkel na Alemanha e por Balkenende na 64 Holanda. Os outros sete países onde governa são Áustria, Bélgica, Islândia, Noruega, Espanha, Suíça e Inglaterra. Há prognósticos apontando para o retorno do Partido Conservador ao governo no Reino Unido em 2010. Portanto, a perspectiva de influenciar os rumos atuais da União Européia é pequena, pois Islândia, Noruega e Suíça não fazem parte dela. Um dos temas que tem ampliado a votação dos partidos de direita na Europa é a imigração, onde alguns deles têm defendido medidas extremamente draconianas para combater a chegada de imigrantes nos países europeus, como prisões sem julgamento e deportações. Vários partidos socialdemocratas têm incorporado estas idéias também e alguns que estão no governo como o PSOE na Espanha os têm aplicado na prática, embora a dimensão do número de imigrantes na Europa provenientes de países em desenvolvimento não chegue a 5% da população e sua contribuição econômica seja três vezes maior do que seu “custo social”. Em recente artigo sobre a xenofobia européia e a recusa da 65 maioria do eleitorado irlandês em submeter-se às novas regras políticas da União Européia, José Luis Fiori, apresentou uma visão extremamente pessimista sobre a socialdemocracia européia: “A terceira via já foi esquecida. O socialismo e a socialdemocracia são fantasmas do passado, sem identidade própria e num estado total de pasmaceira intelectual, enquanto cresce por todo lado, o nacionalismo de direita e o fascismo sob as mais diferentes formas de manifestação”. Na América Latina há uma ascensão de governos progressistas e de esquerda em vários países, mas os partidos filiados à IS participam de poucos deles. O PRD governa no Panamá e a FSLN na Nicarágua. O PS e PSDR do Chile participam do governo da “concertación” desde a redemocratização do país em 1990 e a presidente Michelle Bachelet é do partido Socialista. Os dois filiados no Uruguai fazem parte da Frente Ampla que está no governo. O PDT participa do governo Lula no Brasil e os dois filiados no Paraguai apoiaram o presidente recém eleito, 66 Fernando Lugo. Não participa ninguém da IS nos governos de Evo Morales na Bolívia e de Rafael Corrêa no Equador. A AD e o MAS na Venezuela fazem oposição ao presidente Hugo Chávez; a UCR e o PS na Argentina não apoiaram a eleição de Cristina Kirchner. Alan Garcia, do partido aprista peruano foi eleito presidente do Peru em 2006, mas desenvolve uma política conservadora e muito distante da verve autônoma que demonstrou durante seu primeiro mandato nos anos 1980. 67 CONCLUSÃO Se tomarmos a “Declaração de São Paulo”, cidade onde se realizou o XXII Congresso da IS em 2003, veremos que vários aspectos de seu conteúdo estão afinados com posicionamentos do PT e do governo Lula. Em particular a crítica ao Consenso de Washington, à mercantilização dos serviços públicos e ao unilateralismo dos EUA; na reivindicação de abertura dos mercados, principalmente agrícolas, dos países desenvolvidos, bem como reforma da ONU e das Instituições de Bretton Woods. Porém, a necessidade de conciliar posições e interesses muito diversos, devido às origens dos partidos ou do norte ou do sul, às diferenças culturais e às táticas eleitorais de momento, normalmente produz resoluções de pouca ênfase e praticidade. Além disso, também há posicionamentos da IS que se diferenciam muito das posições do PT, como a justificativa 68 para se opor ao bloqueio econômico contra Cuba: “A nossa oposição às sanções econômicas contra Cuba é baseada principalmente na necessidade de remover barreiras e facilitar uma transição pacífica em direção a uma democracia multipartidária naquele país” (Site da IS. Consulta em 16/06/2008). Ou seja, ainda existe um ranço anti-comunista que não leva em consideração o aspecto humanitário das conseqüências do bloqueio americano a Cuba e o direito à autodeterminação do povo cubano, goste-se de seu regime ou não. As condicionalidades embutidas neste tipo de declaração eliminam o seu caráter solidário e transformam uma resolução de solidariedade num reforço à atitude que se pretendia combater, no caso o bloqueio. Também se verifica extrema vigilância e má vontade contra o atual governo venezuelano, possivelmente, porque os partidos filiados a IS estão na oposição. A última menção a Venezuela criticava o fato de certo número de pessoas não ter recebido o registro de suas candidaturas para a eleição municipal que se aproxima. 69 Independentemente da avaliação sobre casos específicos é normal em qualquer país negar a candidatura a quem não cumprir os requisitos legais, tal como idade, prazos, não estar cumprindo pena, entre outros e não justifica a manifestação de uma entidade internacional do peso como a IS. Este último fato também está ligado à caracterização populista que a grande imprensa e algumas personalidades políticas fazem dos governantes progressistas da América Latina para desqualificar suas políticas, em particular, a tentativa de romper com o neoliberalismo e com a dependência dos países centrais, alguns governados por socialdemocratas. ‘Populismo’ e ‘demagogia’ neste tipo de concepção têm o mesmo significado, além de ser mencionado como algo fora de moda e que não funciona mais, ao comparar os atuais governantes Chávez, Lula, Kirchner e Evo Morales com Getúlio Vargas, Perón e outros que defenderam políticas desenvolvimentistas e nacionalistas na sua época. Como vivemos na era da globalização neoliberal, o retorno 70 de posições nacionalistas explícitas e da proposta de desenvolvimento a partir do Estado Nacional é tachado de populismo. Quando o “Plano Colômbia” foi adotado pelos EUA, há quase oito anos atrás, também houve a concessão de uma ajuda financeira da UE, que o grupo socialista (Partido Socialista Europeu – PSE) tentou condicionar no Parlamento Europeu a priorização de investimentos para aliviar o sofrimento da população colombiana deslocada e refugiada internamente devido ao conflito. No entanto, nunca mais se falou disto e os socialistas europeus têm, inclusive, demonstrado pouca consideração com os posicionamentos dos atores políticos da oposição ao governo colombiano como o PDA, por exemplo, que, inclusive, é membro observador da IS. Durante recente discussão no Parlamento Europeu sobre a libertação de reféns em mãos das FARC, o presidente do PDA Carlos Gavíria pediu o apoio do PSE a uma emenda que falava em acordo humanitário e paz na Colômbia. O pedido não teve o apoio do deputado alemão e presidente do PSE, Martin 71 Schultz, e conseqüentemente pela maioria do bloco socialista sob a alegação que isto fortaleceria as FARC. As diferenças políticas a serem enfrentados neste contexto não são apenas as diferenças ideológicas de quem está mais à esquerda ou mais à direita ou mais ao centro, mas a superação das assimetrias entre o norte e o sul, bem como o resgate da verdadeira solidariedade socialista. Isto fica claro quando se discutem temas como o comércio internacional, mudanças climáticas, biocombustíveis, migração e conflitos regionais. Mesmo os socialdemocratas que têm maior sensibilidade quanto às necessidades dos países do sul cometem atos falhos. O Ministro de Relações Exteriores do ex-governo Prodi na Itália, Massimo D'Alema, da antiga DS, em entrevista concedida a Carta Capital em 2007, defendia que o Brasil deveria ter acesso ao mercado agrícola europeu para desenvolver nossa vantagem competitiva, uma vez que o mercado brasileiro era promissor para a exportação de bens industriais europeus. Esta opinião reflete a manutenção da relação de 72 dependência de sempre entre países industrializados e países fornecedores de produtos primários que, aliás, continua em jogo nas atuais negociações na OMC, nos acordos bilaterais como UE e Mercosul e nos Acordos de Parceria Econômica entre a UE e as ex-colônias européias na África, Caribe e Pacífico (ACP), que os partidos socialistas europeus não criticam. Sua única manifestação mais recente foi uma carta assinada por 50 deputados do PSE e da UE, pedindo ao atual Comissário Europeu, Francisco Durão Barroso, que exclua temas como propriedade intelectual, investimentos, serviços e compras governamentais da agenda de negociações. Apesar de representar uma boa iniciativa, ainda é pouco diante da dimensão estratégica e conseqüências dos acordos internacionais de comércio. Por exemplo, o acordo que a UE quer negociar com o Mercosul contém os mesmos temas e conteúdo que a Alca que tanto foi combatida na América Latina e não há manifestações ou 73 discussões quanto a isto, assim como tampouco há posicionamentos dos socialistas europeus contra os subsídios agrícolas ou tentativas de reduzir o orçamento da Política Agrícola Comum. Seria muito importante estabelecer um diálogo sobre o tema do comércio internacional entre os partidos socialdemocratas e de esquerda da Europa com suas contrapartes latinoamericanas. No entanto, a única preocupação do PSE até o momento tem sido quanto ao Sistema Geral de Preferências (SGP), que oferece tarifas mais baixas para as importações de produtos dos países em desenvolvimento, sem a necessidade de reciprocidade. Neste caso, têm atuado para impedir o acesso ao SGP dos países que violam direitos trabalhistas fundamentais e normas ambientais, o que pode parecer uma medida politicamente correta, mas que pode trazer mais danos do que benefícios, a depender de como ela é aplicada. Neste mister, conseguiram excluir a Belarus do SGP europeu, uma vez que se trata de um governo que viola o 74 máximo de direitos possível mas incluíram El Salvador porque o governo salvadorenho finalmente concordou em ratificar as Convenções 87 e 98 da OIT que tratam de liberdade sindical e direito à negociação coletiva. No entanto, do ponto de vista prático, a única diferença entre a situação real nestes dois países é que o governo de El Salvador se dispôs a conversar e o de Belarus, não. Dois outros temas interligados, onde as diferentes visões também partem das dificuldades de estabelecer relações norte – sul mais justas e equilibradas, são as mudanças climáticas e a produção de bio-combustíveis. Até o momento, não houve manifestações claras por parte da IS e de seus filiados, de que os países industrializados devam cortar mais emissões de CO2 do que os países em desenvolvimento e mudar seus padrões de consumo. A resolução aprovada sobre este tema no recente XXIII Congresso da IS em Atenas tampouco conseguiu superar esta dicotomia. Um dos argumentos ouvidos nos debates até o momento é que os países em desenvolvimento “não devem cometer os 75 mesmos erros que nós dos países industrializados cometemos”! Isto é, para não ampliar o aquecimento global e danificar ainda mais o meio ambiente, não devemos nos industrializar ou devemos encontrar outra forma de fazê-lo sem emitir CO2, fórmula que nenhum país desenvolvido encontrou até hoje. Tecnicamente é sabido que a emissão de CO2 parte principalmente da queima de combustíveis fósseis, em particular carvão e petróleo. Uma alternativa poderá ser a substituição de combustíveis fósseis por combustíveis vegetais, o que já vem sendo feito parcialmente, no caso dos países do norte, por etanol produzido a partir do milho. Há muitas controvérsias mal resolvidas sobre a eficácia de etanol produzido a partir do milho e os efeitos sobre a agricultura e pecuária para fins alimentares, porém vários políticos europeus, inclusive os socialdemocratas, têm defendido a reversão da meta de 10% de substituição de combustível fóssil por bio-combustível, para conter a alta dos preços dos alimentos. Embora a ampliação do uso do milho para fins de produção 76 de etanol possa até ter contribuído para os recentes aumentos dos preços dos alimentos, este é um fator secundário comparado com os efeitos dos preços do petróleo sobre os custos da colheita, transporte, fertilizantes, embalagens, entre outros, e da especulação com os estoques tão comum nestas horas ainda mais num ambiente liberalizado como o atual. Não tem havido disposição para discutir com mais profundidade o tema do etanol feito a partir da cana de açúcar e outros bio-combustíveis passíveis de serem produzidos nos países em desenvolvimento, bem como sua contribuição para a redução do aquecimento global. Entretanto, os temas mais sensíveis hoje nas relações norte – sul são a imigração e os conflitos armados. Particularmente o primeiro, com a recentíssima aprovação da “Diretriz de Retorno”, a nova legislação restritiva da União Européia, que permite a detenção de imigrantes por até 18 meses e a sua deportação compulsória inclusive para terceiros países. Esta lei foi aprovada por 367 votos a favor, 206 contra e 109 77 abstenções. Os “Verdes”, o GUE e 17 deputados socialistas votaram em bloco contra e a maioria do bloco socialista se absteve. Porém, a bancada do PSOE espanhol, com exceção de três deputados, bem como vários parlamentares do SPD alemão votaram a favor, totalizando 34 votos a favor da Diretriz. Houve várias emendas para abrandar a “Diretiva”, mas nenhuma foi aprovada e quando foi a voto uma delas, que propunha a rejeição da diretiva na íntegra, houve 538 votos contra a rejeição e 114 a favor, incluindo os mesmos 17 deputados socialistas que já haviam votado contra a ‘Diretiva’. Embora haja diferentes blocos partidários no interior do 1 parlamento europeu, a análise destes dois resultados demonstra que a maioria dos socialistas também queria uma lei contra os imigrantes, embora estivesse dividida entre a “Diretriz de Retorno” como foi apresentada ou algo mais suave. Do ponto de vista quantitativo, a questão migratória ainda é pouco significativa. Mesmo nos países mais procurados pelos imigrantes na Europa, como a Espanha e a França, não chegam a ultrapassar 5% da população. 1 Há oito diferentes blocos partidários supranacionais no Parlamento Europeu. O PSE é a articulação de deputados socialistas. Além deste grupo, existe também o Partido Popular Europeu/Democratas Europeus (PPE-DE) composto por democratas cristãos e liberais de 78 centro, a Esquerda Unida Européia (EUE), Verdes, etc. Porém, diante das mazelas que usualmente afligem estas sociedades como a queda na renda, desemprego, insegurança, entre outras, a direita novamente joga a cartada da xenofobia e tem ampliado sua votação com base nesta política, como se verificou a pouco nas eleições italianas. O debate preparatório ao XXIII Congresso da IS tratou o tema “migração” considerando a necessidade de priorizar os direitos humanos e condenou explicitamente a intenção do governo Bush de construir um muro na fronteira com o México. Porém, também tratou o tema de forma pragmática, ao argumentar a importância dos imigrantes no fortalecimento das economias européia e americana em particular e que uma política para conter a migração é ajudar os seus países de origem a se desenvolverem e gerar empregos. O Ministro da Justiça da Espanha, presente ao XXIII Congresso, argumentou que o “primeiro direito humano” é a pessoa poder permanecer no seu país de origem. A imigração foi outro tema do congresso, em que a 79 resolução foi diluída por falta de consenso devido à maneira como os partidos socialdemocratas europeus em geral vêm tratando o assunto. Eles estão propondo restrições cada vez maiores aos imigrantes e pressionando pela integração cultural a qualquer preço dos que já se encontram em solo europeu. Se já estavam se movendo para o centro político por meio da “terceira via” quanto ao seu programa econômico, agora dão alguns passos a mais para a direita no que tange às políticas sociais e redução da solidariedade, na tentativa de recuperar votos tradicionais que se deslocaram para os partidos da extrema direita. Esta tática pode representar um tiro pela culatra, pois o espaço político do debate da imigração já está ocupado e os votos socialdemocratas progressistas poderão migrar para a esquerda. O militarismo e os conflitos regionais são duas outras áreas em que a IS não consegue ir além da condenação ao terrorismo e da manifestação do apoio à paz e às soluções negociadas para os conflitos, conforme a resolução do XXIII Congresso sobre o assunto. 80 O presidente americano George Bush não teve apoio dos socialdemocratas europeus, com exceção de Tony Blair, para invadir o Iraque; mas teve o apoio anteriormente para bombardear e ocupar o Afeganistão por meio da OTAN. Este é um assunto que pouco se discutiu no Congresso, mesmo, diante do atoleiro que esta ocupação significa hoje e como os governos socialdemocratas lidarão com ele. A percepção de vários delegados ao XXIII Congresso foi a de que a IS poderia ter mais força do que demonstra, uma vez que muitos de seus filiados são partidos poderosos e estão no governo em diversos países do mundo. Porém, esta força tem sido mais retórica do que prática. 81 Referências bibliográficas ANDERSON, Perry e CAMILLER, Patrick (Org). Um mapa da esquerda na Europa Ocidental. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, Vol. I. Brasília: UNB, 2005. ORIT. El sindicato interamericano: 50 años, 1951 – 2001, de su acción social y política. Caracas: Talleres de Editorial Texto, 2001. SASSOON, Donald. One hundred years of socialism. Londres: Fontana Press, 1996. 82