Impactos das Mudanças Climáticas na Saúde O Clima da Terra: Processos, Mudanças e Impactos Profa. Marcia Yamasoe A espécie humana demorou: 300 mil anos para atingir o primeiro bilhão 130 anos para somar o segundo bilhão 30 anos para somar o terceiro bilhão 15 anos para atingir o quarto bilhão 12 anos para atingir o quinto bilhão http://populationgrowth.org/you-choose-the-future-of-7-billion/ População Mundial Crescimento também devido ao: • declínio da taxa de mortalidade • Século passado: declínio entre países mais ricos e industrializados • Recentemente: avanços em saúde pública e medicina em países não desenvolvidos. População Mundial • O problema da urbanização – Superpopulação e, consequentemente, ressurgimento de doenças como tuberculose, meningite, pneumonia e diarreia. – Favelas: proliferação de vetores como pulgas, mosquitos, carrapatos, piolhos, ratos – contribuição ao aquecimento (ilhas de calor) População Mundial • O impacto das mudanças climáticas afetará principalmente: – Pessoas, grupos sociais ou étnicos que vivem em áreas de maior risco – Populações isoladas em florestas, vales, montanhas de difícil acesso (índios) – Analfabetos – Pessoas com necessidades especiais – Sem teto Aquecimento global Crimes Aumento da temperatura Estresse fisiológico (calor) Doenças respiratórias e inflamatórias Espécies de vetores Mudança na precipitação Efeitos relacionados à água Aumento de pestes de plantas Doenças causadas por vetores Diarreias Dieta e nutrição Desastres naturais Algumas doenças e o clima Clima mais frio • Osteoartrite • Tifo (aglomerações: prisões, exércitos) • Ergotismo (úmido) • Doenças respiratórias – resfriados, gripes (úmido) Clima mais quente e úmido • Treponematoses • Malária • Diarréias • Peste bubônica ou Peste Negra • Febre amarela • Dengue • Chikungunya • Zika História das doenças • Fortemente correlacionada aos estágios do desenvolvimento da civilização • Antes das cidades: guerra, fome e infecções induzidas por vetores. • Doenças de pele: espalhadas por contato e presença de vestimentas História das doenças • Treponematoses: espalhadas entre crianças com pouca vestimenta - climas mais quentes • Urbanização - doenças contagiosas, particularmente em locais altamente povoados. • Pragas apareceram durante o desenvolvimento das cidades estados mais prósperas há ~ 3mil anos História das doenças • Epidemia de Tifo (bactéria - piolho humano, pulgas de ratos ou gatos) em 430 AC em Atenas, devido à superpopulação, frio e miséria • Frio na Pequena Idade do Gelo + guerras na Europa: epidemias de tifo • Abertura de rotas comerciais: dispersão de novas doenças. Varíola (vírus): – Ásia em 50 DC – império romano em 165. ~ 35% da população não sobreviveu. – Nas Américas, 90% da população nativa foi exterminada. História das doenças • A peste bubônica em 543-547: Europa e Oriente Médio, espalhada pelas rotas comerciais dos romanos • E seguiu rotas similares no século XIV • Gripe: primeira pandemia global, nas novas rotas estabelecidas pelos europeus no século XVI • A febre amarela e a dengue foram introduzidas nas Américas via tráfico de escravos no século XVII As mudanças climáticas e as doenças infecciosas • A relação entre condições climáticas e doenças epidêmicas conhecida muito antes de conhecer o papel dos agentes infecciosos (final do século XIX). • Aristocracia romana: abrigos de montanha a cada verão para evitar a malária • Habitantes do sul da Ásia: culinária rica em curry provocava menos diarreia no auge do verão. Evidências históricas das mudanças climáticas • Segundo alguns historiadores, a Revolução Industrial teria acontecido ao final do século XIII • Entretanto, em 1250, alterações climáticas abruptas transformaram a Europa, com substanciais impactos sobre a agricultura, assentamentos e rotas comerciais via oceano Atlântico Norte. • Várias mortes foram provocadas por tempestades severas que também destruíram colheitas. • A fome provocou a morte de 10% da população Em consequência... • Contam-se histórias que: – na Irlanda, a população faminta esperava o término de funerais para assaltar os túmulos e poder se alimentar dos cadáveres – O canibalismo se tornou frequente na Europa – Os criminosos enforcados eram depois devorados pela população faminta que assistia a execução • As condições adversas perduraram por 150 anos (Fonte: Bryant, 1997 – Climate Process & Change) Peste Bubônica ou Peste Negra - calor • Um novo período de fome ocorreu entre 1420-1430 • A fraqueza causada pela fome intensificou a proliferação da Peste Bubônica ou Negra. • A mosca transmissora é mais ativa em temperaturas entre 20 a 32 ºC • Fortes chuvas e enchentes: pandemia de peste Negra na China, após período mais frio • A peste Negra e a fome reduziram a população chinesa pela metade entre 1200 e 1400. Ergotismo - frio • Trigo – temperaturas mais altas e pouca precipitação. • Centeio – melhor adaptado a invernos mais frios e cresce melhor em solo mais pobre. • Mas... centeio: condições especiais de colheita e estocagem para evitar o crescimento do fungo do centeio que causa o ergotismo • Sintomas: convulsões, alucinações, gangrena, enegrecimento e posterior perda de membros, abortos • Quantidades minúsculas de centeio contaminado assado em pães pode provocar a doença • Aumento das chuvas e temperaturas mais amenas: camponeses substituíram o trigo pelo centeio • Verões úmidos e frescos: problemas de armazenamento => ergotismo • O sistema de distribuição medieval:contaminação de vilas inteiras Doenças infecciosas relacionadas à contaminação da água • Ocorrem por contato direto com a água: bebida, atividades recreacionais ou ingestão de alimentos. • Podem ser provocadas por tratamento inadequado da água ou condições meteorológicas adversas • Exemplo: chuva afeta transporte e disseminação de agentes infecciosos / temperatura afeta crescimento e sobrevivência. Quatro principais tipos de ciclo de transmissão de doenças infecciosas Antroponoses Humanos AIDS, tuberculose, sarampo Humanos Transmissão indireta Humanos Malária, dengue, Vetor/veículo febre amarela Vetor/veículo Humanos Zoonoses Animais Animais Vetor/veículo Animais Raiva Humanos Vetor/veículo PesteAnimais bubônica, doença de Lyme Humanos • Os determinantes importantes na transmissão de doenças cujo ciclo dependem de vetores incluem: – A reprodução e a sobrevivência dos vetores; – a quantidade de picadas por vetor; – O período de incubação do patógeno no organismo vetor • Reprodução e sobrevivência de vetores, patógenos e hospedeiros: intervalo ótimo de condições climáticas - temperatura e precipitação: fatores mais importantes Malária • Uma das maiores preocupações em saúde pública • É provavelmente a doença induzida por vetor mais sensível a alterações climáticas de longo prazo • Varia sazonalmente em áreas altamente endêmicas • A relação entre a incidência de malária e eventos climáticos extremos tem sido estudada há vários anos, na India, por exemplo. • No século passado, a região irrigada por rios do Punjab sofreu epidemias periódicas de malária • Chuvas excessivas e alta umidade relativa provocadas pelas monções foram identificadas como a principal influência no aumento da proliferação e sobrevida dos mosquitos vetores • Análises recentes mostraram que o risco de epidemia de malária aumenta da ordem de 5 vezes um ano após um evento de El Niño Exemplos de como as mudanças ambientais afetam a ocorrência de várias doenças infecciosas nos humanos Mudanças ambientais Represas, canais, irrigação Exemplo de doenças Esquistossomose Malária Helmintíase Intensificação da agricultura Malária Urbanização, aglomerações urbanas Febre hemorrágica da Venezuela Cólera Dengue Leishmaniose cutânea Malária Desmatamento Reflorestamento Aquecimento dos oceanos Precipitação elevada Aumento; redução Leishmaniose visceral Doença de Lyme Maré vermelha Febre do vale de Rift Hantavírus Consequências Habitat do caramujo hospedeiro, contato humano Sítios de reprodução dos mosquitos Contato larval devido à umidade do solo Uso de inseticidas na lavoura: resistência do vetor Abundância de roedores, contato saneamento, higiene; contaminação da água Lixo nos corpos aquáticos sítios de reprodução do mosquito Aproximação da mosca vetor Sítios de reprodução dos mosquitos, imigração de pessoas suscetíveis. Contato com a mosca Carrapatos, exposição ao ar livre Reprodução de algas tóxicas Poças para a reprodução dos mosquitos Alimentos, habitat e abundância de roedores (Fonte: http://www.who.int/globalchange/environment/en/chapter6.pdf) Os mosquitos Aedes • 128 espécies – a maoria nativa da África, Ásia e Oceania • Foram transportados para outras partes do globo através de viagens humanas e se adaptaram rapidamente • Podem transmitir: Dengue, Chikungunya, febre amarela, Zika, entre outras • Algumas totalmente adaptadas às condições urbanas • reproduzem em água limpa ou com pouca quantidade de matéria orgânica. (Marcondes et al., 2016 – Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 49(1), 4-10) Os mosquitos Aedes • Atualmente são encontrados em várias partes do globo, particularmente nas regiões tropicais e subtropicais (A. aegypti) e Mediterrâneo (A. albopictus) • O A. aegypti é encontrado em toda a América, exceto Chile, em áreas urbanas – Fonte de alimentos: Humanos • O A. albopictus é geralmente encontrado em áreas rurais próximas das cidades – Fonte de alimentos: Aves, mamíferos e humanos (Demir e Kilic, 2016 – Folia Microbiol 61, 523-527) No Brasil • Dengue (tráfico de escravos), Chikungunya e Zika – epidemias geralmente ocorrem no verão, durante ou imediatamente após períodos chuvosos. • Chikungunya : Primeiro caso no Brasil em 2010 Zika vírus • Pela primeira vez : 1947 num macaco na Zika, uma floresta de Uganda • Primeiro caso humano: 1952 em Uganda • Dispersão rápida para outras partes da África • Primeira epidemia fora da África: 2007 na Micronésia • Fevereiro de 2016 - Casos reportados: 48 países, inclusive 14 da Europa • Não havia casos registrados no Brasil até maio de 2015. (Demir e Kilic, 2016 – Folia Microbiol 61, 523-527) Zika vírus • O Brasil é o país com o maior registro de epidemia: com no mínimo 440 mil casos • Suspeita de entrada no Brasil durante a Copa do Mundo • Mas, como não havia participantes do Pacífico, onde casos recentes de epidemia foram registrados, • Atribui-se ao Campeonato de canoagem de 2014. (Demir e Kilic, 2016 – Folia Microbiol 61, 523-527) • Mesmo que a disseminação entre continentes tenha sido causada pelas viagens do homem, • O aumento da temperatura e variações nos regimes de chuva podem ampliar as áreas endêmicas. Estresse fisiológico • Mudanças físicas no corpo humano devido a extremos de temperatura • Em baixas temperaturas, a evaporação pela pele e pulmões pode provocar resfriamento maior que a geração metabólica de calor • A taxa de resfriamento é intensificada pelo vento • Frio prolongado, evaporação e exposição ao vento podem provocar hipotermia, desorientação mental e rápida interrupção da circulação sanguínea das extremidades • Tempos frios também podem causar mortes, particularmente em idosos Estresse fisiológico • A sudorese auxilia na evaporação • Em altas temperaturas, pode gerar mais de um litro de água por hora, em condições extremas! • Taxa de sudorese maior que ½ litro/hora pode levar à fatiga das glândulas sudoríparas e rápida elevação da temperatura corporal • A sudorese prolongada, sem reposição adequada de sais minerais, pode provocar exaustão por calor, caracterizada por cansaço, náuseas, vômitos, vertigem, cãibras • Acima de 1litro/hora, pode ocorrer desidratação Estresse fisiológico • Pode haver falha no sistema circulatório, causando insolação • A insolação é mais provável caso a temperatura efetiva do ar seja maior que 33ºC e temperatura corporal acima de 40ºC. • Em geral, a taxa de mortalidade durante uma onda de calor é 6x maior para idosos com mais de 85 anos do que com 60 anos • Os bebês apresentam probabilidade de 5 a 10 vezes maior de óbitos que crianças mais velhas. • As ondas de calor vão aumentar com o aquecimento global Manchetes recentes vinculados ao estresse fisiológico • Mudança climática estimula ondas de calor na Europa, segundo cientistas – Em Bruxelas, jovens se reuniram para 'batalha de água‘. – Ondas de calor estão se tornando mais frequentes, mostram análises. http://g1.globo.com/natureza/noticia/2015/07/mudanca-climaticaestimula-ondas-de-calor-na-europa-segundo-cientistas.html • Onda de calor causa morte de 14 pessoas em uma semana no Japão – Mortes foram registradas entre 13 e 19 de julho, segundo o governo. – Mais de 6 mil pessoas receberam atendimento de urgência. http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/07/onda-de-calor-causamorte-de-14-pessoas-em-uma-semana-no-japao.html Doenças respiratórias • As mais comuns de todas as doenças • O resfriado comum atinge mais de 50% da população mundial todo ano • Gripes mais sérias podem atingir proporções pandêmicas conforme a imunidade da população se enfraquece com o tempo • Numa das mais graves gripes registradas, a de 1918-1919, da ordem de 20 milhões de pessoas morreram • A proliferação é intensificada por baixas temperaturas e altos valores de umidade relativa do ar, o que força contato humano mais próximo • Tais condições são menos prováveis num cenário de aquecimento global Doenças respiratórias • Fatores climáticos como as que favorecem o acúmulo da poluição do ar afetam a ocorrência e a intensificação de doenças respiratórias como asma e bronquite crônicos • Tais doenças são favorecidas pelo aumento da temperatura e da precipitação, fatores climáticos favoráveis em situação de aquecimento global. Eventos extremos • Eventos anormais com períodos muito irregulares de repetição • Enchentes, secas, tempestades, ondas de calor Eventos extremos de precipitação • Enchentes: – O pior desastre já documentado: China em 1332 • 7 milhões de pessoas morreram afogadas • 10 milhões de pessoas morreram de fome e doenças – Em 1938, novamente na China: • 1 milhão de pessoas morreram afogadas • ~ 11 milhões de pessoas morreram de fome – Alguns exemplos no Brasil: • Santa Catarina: 150 mortos em 2008 • Região Serrana, Rio de Janeiro: > 900 pessoas morreram em janeiro de 2011 – podem provocar rompimento de barragens – possibilitam a reprodução de vetores/hospedeiros de doenças infecciosas – Contaminação da água potável (Foto: http://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/dengue/doencas-da-chuva-saiba-protegersaude-em-periodos-de-enchentes-11045051.html) Eventos extremos de chuva em São Paulo (Tendência = ~ 5,5 mm/ano) (Referência: Silva Dias et al. 2013, Climate Change 116, 705-722) Eventos extremos de precipitação • Secas: consideradas o maior risco e que atinge a maior parte da população mundial, resultante da variabilidade climática natural – India: 1769, 1790, 1866, 1876-1877 e 1943: milhões de mortes – China: 1878: 10-13 milhões de mortes por fome Muitas dessas secas foram relacionadas com eventos de El Niño. • Consumo de água contaminada. (Foto: https://www.lapig.iesa.ufg.br/lapig/index.php/noticias/40-pastagem/594-seca-castigapastagens-e-causa-morte-de-animais-em-bonopolis-go) Danos psicológicos pós-eventos • Estresse pós-traumático • Depressão Seja devido a perda de bens (moradia) ou familiares/amigos Aumento da temperatura x Crimes • Burke M. et all (2015) Climate and Conflict • Revisão de artigos publicados na literatura: – 56 artigos; – desses, eles reprocessaram os dados de 24, utilizando metodologia própria para padronizar a análise • Variáveis climáticas analisadas: – Temperatura – Precipitação – Tais condições não necessariamente estão ligadas a mudanças climáticas de longo prazo, mas a anomalias de curto prazo (um ano mais seco ou mais quente, uma onda de calor no verão que compreende alguns dias) • Crimes: – Interpessoais: roubo, assassinato, estupro – Intergrupos: motim, politicamente organizado, conflito civil, conflito armado, etc. Aumento da temperatura x Crimes • Burke M. et all (2015) Climate and Conflict • Motivação: – Fatores econômicos (exemplo: período quente ou muito chuvoso afeta a produtividade agrícola e em consequência, aumentam-se as crises) – Fatores psicológicos – papel da serotonina foi o mais estudado, mas os resultados ainda não são conclusivos. A serotonina é um neurotransmissor que auxilia na termorregulação corporal. Com o aumento da temperatura, a serotonina é consumida para regular a temperatura do corpo; Portanto, a hipótese é que níveis baixos desse neurotransmissor estimulam comportamentos mais agressivos. Conflitos num clima em mudança • Carleton et al. 2016 – The European Physical Journal Special Topics 225, 489-511 • Temperatura: – Aumento da violência doméstica na Austrália – Conflitos armados entre grupos do Sudão do Norte e do Sul – Conflitos étnicos na Índia – Aumento da violência entre torcedores nos EUA • Chuva: – Países que dependem da agricultura como Índia e Brasil