1 INTRODUÇÃO Muito mais do que partir de cogitações obscuras e abstrusas, são os problemas oriundos de nossas intuições mais patentes e insuspeitas que verdadeiramente cativam a mente de um filósofo. Filosofia, de certa forma, é uma atividade que “nos ensina a inspecionar coisas familiares a partir de um ângulo que as torne perturbadoras e problemáticas” (Bennett, 2003, p.1). Curiosamente, o problema apreciado por esta dissertação permaneceu por longo tempo oculto e intocado, embora estivesse desde sempre latente em nossas suposições mais corriqueiras, das mais remotas fábulas às mais sofisticadas conjecturas científicas. Embora de nascimento recente, engendrou em poucos anos uma imensa literatura, recrutando adeptos a se empenharem em seus mais variados temas. Como não PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812783/CA poderia deixar de ser, esta dissertação teve sua grande motivação na simplicidade e grandeza de seu tema: o problema dos condicionais contrafactuais. Se Napoleão tivesse vencido a batalha de Waterloo, teria conquistado toda Europa; Se o fósforo tivesse sido riscado, teria acendido; Se este copo de vidro tivesse caído ao chão, teria se quebrado. Em que pese a plausibilidade de facto destas hipóteses, é curioso que condicionais contrafactuais como estes nos solicitem freqüentemente uma aceitação. Em termos de sua estrutura, contrafactuais encerram enunciados condicionais clássicos, em que se aplica um operador binário a um par de proposições e que geralmente se dispõe em uma estrutura ternária, de forma que o item condicional indexa os dois outros enunciados – as sentenças constituintes -; ou ainda, que intercala dois enunciados em uma matriz do tipo “Se, então”. Nesta dissertação, a notação empregada para o condicional puro e simples será →, enquanto que ⊃ será utilizado para os casos de implicação material. O condicional, portanto, é gênero do qual os contrafactuais são espécies. Em modo estrito, os últimos são sempre mediados por uma noção de possibilidade (ou potencialidade), geralmente expressos na forma gramatical subjuntiva. Sua principal característica é o fato de serem condicionais cujos antecedentes e conseqüentes expressam enunciados contrários aos fatos, que reúnem premissas hipotéticas e sondam, por assim dizer, as relações causais envolvidas na inferência 11 do conseqüente; justamente por isso, resguardam grande valor epistemológico. A grande dúvida está por conta dos mecanismos ocultos nesta sondagem. No que concerne à trajetória do tema, há um relativo consenso; a literatura pertinente, sobretudo Kit Fine (1975), Sanford (1989) e Bennett (2003), consagra duas principais abordagens que atravessam toda sua história: a primeira delas remonta historicamente a Roderick Chisholm e Nelson Goodman, com seus respectivos artigos The Contrary-to-fact Conditional (1946) e The Problem of Counterfactual Conditionals (1947). Esta primeira linha de pesquisa foi freqüentemente denominada na literatura de “tese metalingüística”, designação tributária da análise que David Lewis despendeu à teoria de Goodman, em sua obra Counterfactuals (1973), mas que lamentavelmente, engendra extensos equívocos. Lewis identificou as primeiras teses de condicionais subjuntivos como PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812783/CA metalingüísticas por julgar que suas investigações recaíssem na especificação das condições de verdade para condicionais em virtude de “entidades lingüísticas – argumentos e suas premissas” (Lewis, 1973, p.66), embora Bennett (2003) reforce, com bastante propriedade, que a opção dessas teorias de contrafactuais pela abordagem de ‘enunciados’ e ‘sentenças’, ao invés de ‘proposições’ – o que provavelmente motivou Lewis a tratá-las como metalingüísticas - não significa que tivessem propriamente “entidades lingüísticas” em mente. Em razão disto, esta dissertação designa as primeiras teses como teorias conseqüencialistas de contrafactuais, por focarem suas análises na relação de dedutibilidade do conseqüente em virtude do antecedente e a satisfação de determinadas condições relevantes. A segunda grande investida de análise, com muito mais repercussão na literatura, remonta essencialmente aos artigos A Theory of Conditionals de Stalnaker (1968) e à obra Counterfactuals de David Lewis, publicada em 1973, que comportam uma “guinada de mundos” do problema, introduzindo as semânticas de ‘mundos possíveis’ para análise de condicionais contrafactuais, revolucionando a interpretação de contrafactuais e praticamente dominando o cenário do problema.