UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE FÍSICA CURSO DE LICENCIATURA EM FÍSICA O ENSINO DE ÓPTICA GEOMÉTRICA EM OFICINAS PEDAGÓGICAS ALIADAS À TEORIA DA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA NACIONAL PAULO VITOR RIOS LIMA Feira de Santana – BA 2016 PAULO VITOR RIOS LIMA O ENSINO DE ÓPTICA GEOMÉTRICA EM OFICINAS PEDAGÓGICAS ALIADAS À TEORIA DA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA NACIONAL Trabalho Acadêmico de Conclusão de Curso apresentado Colegiado do Curso de Física da Universidade Estadual de Feira de Santana como requisito parcial à obtenção do grau de Licenciado em Física. Orientador: Prof. Dr. Elder Sales Teixeira Feira de Santana – BA 2016 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1 2. JUSTIFICATIVA ................................................................................................................................ 3 3. FUNDAMENTAÇÃO TEORICA ...................................................................................................... 4 3.1 ENSINO DE ÓPTICA .................................................................................................................. 4 3.1.1 Breve relato histórico da óptica geométrica ........................................................................... 6 3.1.2 Concepções alternativas em óptica geométrica .................................................................... 12 3.1.3 Ensino de óptica geométrica: criticas e sugestões ................................................................ 15 3.2 TEORIA DA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA ................................................................. 16 3.3 OFICINAS PEDAGÓGICAS ..................................................................................................... 18 4. METODOLOGIA ............................................................................................................................. 19 REFERÊNCIAS...................................................................................................................20 1 1. INTRODUÇÃO O ser humano é provido de cinco sentidos principais, todos com seu grau de importância, dos quais se destaca inegavelmente a visão. A visão é o sentido mais relevante na percepção do mundo a nossa volta, pois cerca de oitenta por cento das informações sobre o ambiente que nos cerca, chegam até o cérebro em forma de impulsos nervosos estimulados pela luz captada pelos olhos (KANASHIRO, 2003). Muito provavelmente, como afirma Borges Filho (p. 72, 2007), “[...] se tivéssemos de escolher, preferíamos perder algum outro sentido que a visão”. O conhecido bordão „uma imagem vale mais que mil palavras‟ há séculos nos aponta para a potencialidade do estimulo visual. Borges Filho (p. 72, 2007) chega a afirmar que “[...] o ser humano é um animal visual”. Se essas proposições já ajudam entender, por exemplo, o impacto de apreciarmos uma bela paisagem natural, como um arco-íris ou um esplêndido pôrdo-sol, em relação ao protagonismo das imagens em nossa comunicação atualmente elas fazem cada vez mais sentido. Com cada vez menos tempo e cada vez mais informações a disposição, imagem é imprescindível para transmitir mensagens complexas com rapidez; nesse contexto entender e cuidar da visão merece destaque. A luz é um elemento essencial para nos proporcionar o sentido da visão. O estudo da luz, seu comportamento ao se propagar e ao interagir com a matéria, incluindo seu papel no processo da visão, é um dos ramos mais importantes da física moderna e contemporânea, mas que desperta interesse desde a Antiguidade. A evolução das ideias sobre a luz transcorre desde os pensadores gregos entre os séculos III e V a. C., passando pela Escola Arábica na Idade Média e chegando a uma fase de intensas transformações a partir do século XVII. Este ficou marcado pelo inicio do debate sobre a natureza da luz, tendo Newton como partidário mais evidente da teoria corpuscular e Christian Huygens como um dos principais defensores à época do modelo ondulatório (BASSALO, 1990, 1995; BARROS & CARVALHO, 1998). Com tudo, a teoria ondulatória só se consolidou definitivamente em meados do século XIX com os trabalhos de Young, Malus, Brewster e Maxwell que acabou por demonstrar que a luz era de fato uma onda eletromagnética (BASSALO, 1990, 1995; BARROS & CARVALHO, 1998; YOUNG & FREEDMAN, 2009). Denominamos esse campo da física de 2 Óptica, que tem origem no termo grego optiké que significa visão ou relativo ao que se pode ver (SAMPAIO & CALÇADA, 2005). Ao estudarmos a luz e suas propriedades podemos compreender como se formam os arco-íris, os eclipses, as sombras; além de entender como se formam as imagens em instrumentos como lunetas, telescópios, microscópios, lupas, câmeras fotográficas e através dos nossos tão populares óculos. Ademais, como afirmam Young & Freedman (p. 1, 2009), os “[...] princípios ópticos são a base para o funcionamento de muitas tecnologias modernas como o laser, a fibra óptica, os hologramas, os computadores ópticos e as novas técnicas do diagnostico por imagens médicas.”. Antes de tudo, porém, a Óptica pode nos dar condições de entender o funcionamento do olho humano, no foco, seleção, absorção e regulagem da intensidade dos raios de luz e consequente captura das imagens no processo de visão, nosso sentido mais importante; os problemas de visão mais comuns, como a miopia, hipermetropia e astigmatismo e as propriedades dos instrumentos que usamos para corrigi-los. Embora essas e outras potencialidades sejam reconhecidas, muitos professores tanto no ensino básico quanto no ensino superior, bem como alguns currículos de cursos de física negligenciam o ensino de Óptica (SILVA & JÚNIOR, 2005, ARAÚJO & VEIT, 2004). Vêse, portanto, um quadro problemático: enquanto vivenciamos a ciência da luz revolucionando a medicina, as comunicações, a agricultura, a engenharia e tantas outras áreas, ao tempo em que se torna cada vez mais importante no cotidiano dos estudantes, especialmente em termos tecnológicos, o estudo da luz nas aulas de Física é cada vez mais tênue. Quando atuamos como bolsistas no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), no Colégio Modelo Luiz Eduardo Magalhães em Feira de Santana – BA, entre 2012 e 2015, tal negligência com a Óptica ao se selecionar os conteúdos de Física nos chamou a atenção. O PIBID nos possibilitou atuar nessa questão propondo para uma das turmas desse colégio, uma intervenção didática em forma de oficina a fim de abordar alguns conceitos básicos do estudo da luz em nível médio: raio de luz, refração, reflexão e formação de imagens em sistemas ópticos; contextualizados através da construção artesanal de uma luneta como proposta por Canalle & Souza (2005). A experiência das oficinas de construção da luneta no PIBID despertou em nós o interesse de investigação em torno de quais procedimentos didáticos seriam mais adequados para o ensino de óptica em nosso contexto de Ensino Médio. Desenvolvemos nesse trabalho de conclusão de curso, uma revisão de literatura a partir dos artigos publicados nos principais periódicos nacionais de ensino de ciências e ensino de física, pretendendo averiguar que 3 estratégias para o ensino de óptica já foram testadas em sala de aula. Demos atenção particular aos trabalhos em forma de Oficinas Pedagógicas (OP) e sob a orientação da Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) de Ausubel, de modo que possamos encorpar nossa proposta inicial com os recursos desta revisão bibliográfica para em trabalho posterior propor e testar uma sequência didática. JUSTIFICATIVA Sem conteúdo não há ensino. Em relação à Óptica, trabalhos como de Souza (1999), Araújo & Veit (2004), Silva & Júnior (2005) e Heckler, et al. (2007) sinalizam que primeiramente a que se reconhecer, por parte dos professores e dos interessados em novas estratégias educacionais, a importância de ensiná-la. Esses trabalhos apontam exatamente para a direção que vivenciamos no PIBID: a necessidade de “enxugar” o currículo e o programa de Física para se ajustar à carga horária disponível tem levado ao sacrifício dessa temática em detrimento de outras, como Mecânica e Termologia. Esse preceito, no entanto, não se sustenta, tendo em vista que, como afirma Souza (p. 16, 1999), “sem a ciência da luz e da visão nenhuma atividade humana seria possível”. A óptica está presente nos mais variados domínios, conforme o GREF (p. 170, 2005) “a maior parte das coisas que estão à nossa volta podem ser associadas à luz, à visão e às cores, quando olhamos com essa preocupação.”. Portanto, temos à nossa volta inúmeros fenômenos ópticos que precisam ser compreendidos, e seu conhecimento pode ajudar os estudantes a viverem melhor em sociedade, mas muitos professores parecem indiferentes a tais fatos. No campo da pesquisa, trabalhos como a revisão sobre novas tecnologias educacionais aplicadas ao ensino de física, Araújo & Veit (2004) relatam que entre os artigos analisados, cerca de 80% se concentram na área de mecânica, enquanto que menos de 2% deles investigam tópicos de óptica. Os autores chegam a ponderar “[...] é claro que a Mecânica é importante. É claro que a Mecânica é uma grande herança científica que temos. Mas será que a Física é só Mecânica? Será que só sabemos Mecânica?” (Araújo & Veit, 2004, p.12,). Por outro lado, se em comparação com a Mecânica a produção de investigações sobre o ensino de Óptica, como no exemplo supracitado, ainda é discreta, seu crescimento é inegável. Como evidência temos a revisão de artigos de Ribeiro & Verdeaux (2012), que traçam um panorama geral sobre a produção de trabalhos na área de experimentação no 4 ensino de Óptica, usando como fonte de pesquisa as revistas Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Revista Brasileira de Ensino de Física e Física na Escola. Os resultados dessa pesquisa mostram um claro crescimento dessa área: na década de 90 foram publicados 17 artigos nesse viés, enquanto entre 2001 e 2009, 47 artigos podem ser encontrados. Os autores defendem ainda a necessidade de mais revisões temáticas na área de experimentação devido ao significativo aumento de artigos publicados em anos recentes. Ainda na linha da experimentação para o ensino, Ribeiro (2010) aponta a utilidade de mais pesquisas sobre temas específicos dentro da Óptica, visto que se trata de um conteúdo muito abrangente. O autor também defende a urgência de trabalhos nessa temática que tenham uma aplicação efetiva na sala de aula, de modo que a produção acadêmica tenha a participação do professor e alcance os estudantes em todo seu complexo contexto de aprendizagem. Isto está em harmonia com vários estudos (BARROS & CARVALHO, 1998; GIRCOREANO & PACCA, 2001; FONSECA & VALADARES, 2004; SILVA & MARTINS, 2009, 2010; LOPES, 2014; ALBUQUERQUE, et al., 2015) que sugerem novas abordagens ao ensino de Óptica, com vistas a superar as lacunas do modelo mais tradicional, que se restringe às medidas de ângulos e raios e no tracejar de figuras geométricas que não revelam um contexto físico real. Esta revisão de literatura, seguindo as orientações supracitadas, está localizada no inicio de uma pretensão mais ampla: implementar as contribuições das pesquisas em ensino de óptica à nossa proposta didática inicial em forma de oficia pedagógica e avaliar sua eficácia em nosso contexto de sala de aula. Para tanto é necessário localizar e interpretar quais propostas já foram testadas em situações reais e o que a literatura especializada aponta como sugestões consistentes com nossas concepções de ensino e aprendizagem. FUNDAMENTAÇÃO TEORICA ENSINO DE ÓPTICA A Óptica é uma área de conhecimento muito ampla. Para fins didáticos seu estudo é tradicionalmente organizado em termos dos dois ramos que a compõe, a Óptica Geométrica e a Óptica Física. A óptica geométrica explica a formação das imagens usando argumentos puramente geométricos, enquanto que a óptica física se utiliza de argumentos sobre a natureza 5 da luz. No entanto, é possível evitarmos essa separação sempre que pudermos desprezar o caráter ondulatório da luz, quando avaliamos seu comportamento em relação a objetos cujas dimensões são muito maiores que seu comprimento de onda; podemos tratar então a óptica geométrica como uma redução da óptica física (LOPES, 2014; BRANDÃO, et al., 2011). Usualmente, os conteúdos de óptica geométrica e óptica física são trabalhados e distribuídos na estrutura curricular seguindo a mesma ordem cronológica em que foram desenvolvidos, pois a óptica geométrica se desdobrou historicamente antes que a luz fosse descrita como uma onda (SALINAS & SANDOVAL, 2000). Nesse trabalho limitamos nosso interesse ao ensino e aprendizagem do que a literatura considera os princípios e leis básicas da óptica geométrica e suas aplicações: os princípios da propagação retilínea, da reversibilidade e da independência dos raios de luz e as leis de reflexão e refração da luz. Destes decorrem o entendimento de muitos fenômenos ópticos presentes em nosso cotidiano, particularmente a formação de imagens em diversas situações. Entendemos que o ensino de óptica não deve se restringir ao formalismo geométrico, mas deve considerar também os aspectos relacionados à natureza da luz, portanto, ao optarmos por restringir nossa atenção a esse formalismo, e mais propriamente ainda aos seus conceitos básicos, estamos apenas nos adequando ao escopo de um trabalho do tipo monográfico, no sentido de delimitação e complexidade do tema a ser tratado. Fazemos a seguir um breve relato do desenvolvimento histórico da óptica geométrica, identificando episódios importantes para a evolução das explicações sobre fenômenos associados à luz e à visão por pensadores de diversas épocas. Listamos algumas das mais importantes concepções espontâneas identificadas pela pesquisa em Ensino de Física para esse tema, discutindo alguns possíveis paralelismos1 entre essas concepções e as explicações e teorias históricas. Finalizamos essa seção mostrando algumas criticas da literatura especializada à forma comumente empregada de ensino de óptica geométrica e algumas possíveis estratégias apontadas para superá-las. 1 Não estamos sugerindo com o termo ‘paralelismo’ uma correspondência direta entre os modelos científicos e alternativos, como propôs Piaget, nem os consideramos como de mesma natureza; pois, como afirma Harres (2002), nem toda característica das concepções alternativas se deu em alguma etapa do desenvolvimento da ciência. 6 Breve relato histórico da óptica geométrica Alguns autores atribuem o surgimento da óptica geométrica ao século XVII, como Scalvi et al. (2012). Porém trabalhos como Barros & Carvalho (1998) e Bassalo (1995), que têm cunho estritamente histórico, sustentam categoricamente que esse nascimento data de especulações de pensadores da Antiguidade. Isso nos interessa na medida em que, como dito, algumas ideias sobre a luz nesses períodos remotos, admitem, guardadas as devidas proporções, alguma similitude com concepções alternativas identificadas em estudantes na atualidade. Harres (2002) afirma que existem muitas limitações nesse paralelismo, dado as imensas diferenças de contextos culturais, mas sugere que ao nos determos sobre a história da evolução dos conceitos científicos, teremos boas chances de atentarmos para não subestimar as dificuldades de nossos estudantes. Logo, ao tratarmos da história da óptica geométrica nos baseamos em trabalhos de cunho simplesmente narrativo, pois não temos a intenção de emitir juízos sobre esses episódios históricos, mas apenas de usá-los como pano de fundo para refletir sobre essas possíveis similitudes. Destacamos nesse contexto histórico os movimentos para explicar o mecanismo da visão. Segundo Barros & Carvalho (1998) e Souza (1999), um dos obstáculos para as primeiras tentativas de se explicar a visão estava no fato dos antigos gregos acreditarem na teoria de que toda sensação era causada por algum tipo de contato. Daí surgia os problemas: como explicar a visão sem o contato do olho com o objeto? O que transportava a cor e a forma dos objetos até o olho à distância? Duas possíveis explicações da época são citadas pelos autores: uma se baseava no conceito de imagens que envolviam o objeto e depois se desprendiam carregando suas propriedades visuais até tocar a „alma‟, visto que não havia contato com os sentidos; a outra tentativa era a teoria bem conhecida na Antiguidade de que os olhos emitiam raios visuais que examinavam o mundo e voltavam à mente com as informações que vemos. A primeira hipótese tinha muitas dificuldades de se sustentar, e como destacam Barros & Carvalho (1998), não explicava satisfatoriamente o fenômeno da visão, pois não respondia como objetos de diferentes dimensões e há diferentes distâncias poderia entrar na pupila do observador. Permanecia, portanto, a questão: a luz vem dos objetos ou parte dos olhos para os mesmos? 7 De acordo com Bassalo (1990) e Souza (1999), o poeta Homero (século IX ou VII a.C.) e o matemático Euclides (c. 300 a.C.), ambos gregos, acreditavam que os olhos emitiam um feixe de partículas que atingiam os objetos e “apreendiam” sua imagem. Este último exerceu grande influência no desenvolvimento da óptica ao elaborar em um tratado o conceito de raio que se propagava em linha reta e com velocidade constante, base da teoria geométrica para explicar a luz e a visão. Euclides também foi o primeiro a apresentar a lei da reflexão baseada nos seus estudos com espelhos. O conhecido filósofo Pitágoras (c. 580 a.C.) era defensor dessa ideia, admitindo que a visão era o resultado do choque dos raios emitidos pelos olhos com os objetos. Para Platão (c. 428 a.C.), a visão era na verdade o resultado da junção de três tipos de raios de partículas: um partindo dos olhos, um que emanava do objeto e outro que vinha de fontes luminosas. A teoria dos raios visuais, no entanto, também enfrentava muitos obstáculos, dentre os quais se destaca o fato de não poder explicar porque não vemos no escuro (BASSALO, 1990, 1995; BARROS & CARVALHO, 1998, SOUZA 1999). Enquanto que, nesses primeiros exemplos, há uma predominância da ideia do caráter corpuscular da luz, Aristóteles (c. 384 a.C.) admitia a possibilidade de algum movimento em um determinado meio produzido entre o objeto e o olho. Essa ideia tinha grandes semelhanças com a noção de „éter‟ que surgiu no século XIX, e pode ser considerada, segundo Bassalo (1990) a antecessora da teoria ondulatória. Seus estudos sobre a luz também o levaram a relacioná-la com as propriedades conhecidas do som, segundo o qual as cores mais agradáveis deveriam obedecer às mesmas relações matemáticas de determinados sons agradáveis. Aristóteles também é citado como um dos primeiros filósofos a tentar explicar o arco-íris, afirmando que o mesmo era causado pela reflexão coletiva da luz solar por gotículas de água da atmosfera que causavam a variação da cor. Apenas no século XIII que o físico persa Ibn Marud-Schirazi e o monge alemão Teodorico Freiberg complementam a explicação aristotélica para o fenômeno, ao afirmarem respectivamente que este era devido à dupla refração e reflexão da luz nas tais gotículas de água e que isto ocorria para cada uma individualmente e não coletivamente como afirmava Aristóteles (BASSALO, 1990; SOUZA, 1999). Ainda, conforme Souza (1999, p. 34), é digno de nota que “até essa época ainda não tinha [...] despontado a ideia da luz como entidade com uma natureza própria. [...] Al Hazen, surge pela primeira vez com a ideia da luz como entidade externa [...]”. Já na Idade Média, as contribuições de Ibn al-Haitham, conhecido como Al Hazen, por volta do século IX, foram decisivas para o entendimento do processo da visão e de outros aspectos da óptica, pois ele 8 supera os argumentos da teoria dos raios visuais ao inferir que a emissão desses raios deveria cessar tão logo os olhos fossem fechados, o que não acontece para um observador que continua vendo o disco solar por algum tempo após ter fitado o Sol e em seguida ter fechados os olhos. Outra contribuição grandiosa de Al Hazen foi considerar que os fenômenos luminosos exigiam: [...] um agente externo que deveria impressionar o olho do observador, além do que, se o agente fosse muito forte, ele afetaria o órgão do sentido de tal modo, que aquela impressão ainda permaneceria por algum tempo, mesmo após o observador ter fechado os olhos. (BARROS & CARVALHO, 1998, p. 87). Portanto, temos pela primeira vez com Al Hazen, uma demanda sobre a natureza da entidade que hoje conhecemos como luz e pela primeira vez também a apresentação de uma estrutura para o modelo corpuscular, pois definiu os raios de luz como as trajetórias de minúsculos corpúsculos materiais. O processo de visão para ele se dava quando os raios luminosos produzidos pelo Sol ou por qualquer objeto iluminado eram refletidos na direção do olho, embora ainda lhe faltasse explicar como as imagens eram finalmente formadas dentro do olho (BARROS & CARVALHO, 1998). A tradução de sua obra Livro da Óptica para o latim, em que descreve, por exemplo, o funcionamento da câmara escura, termo que ele próprio cunhou, influenciou grandemente os filósofos ocidentais da Idade Média (BASSALO, 1990, BARROS & CARVALHO, 1998). A Figura 1 a seguir foi adaptada da obra original por Zewail (2010); ela ilustra o conceito de câmara escura de Al Hazen: pode-se perceber que não difere dos diagramas de raios ensinados em óptica ainda hoje. Figura 1 – Imagem invertida de edificações em um tecido utilizado como anteparo. Fonte: Zewail, 2010, p. 1193 (adaptado). Conquanto, a polêmica sobre a natureza da luz só estava começando, e se desenvolveu de uma essência puramente filosófica até uma perspectiva científica no século XVII com os 9 trabalhos de Descartes, Fermat, Newton e Huygens. Contudo, até chegarmos às contribuições desses físicos notáveis, ocorreu um período de desenvolvimento de instrumentos ópticos, baseado essencialmente no formalismo geométrico, com profundas implicações para o avanço cientifico, como será abordado a seguir. Conforme Bassalo (1990), desde a Grécia Antiga já se estudava as propriedades das lentes, mas foi na Renascença que a melhoria das técnicas de polimento de vidro permitiu o aperfeiçoamento dos primeiros óculos para corrigir defeitos de visão. Segundo Zewail (2010), entre os século XIV e XV houve um grande interesse pelo aperfeiçoamento das lentes na Europa, o que levou à invenção de instrumentos que potencializaram a visão como o microscópio e o telescópio2, no século XVI. De inicio bem rudimentar e com pouco poder de aumento, atribui-se a criação do microscópio ao holandês Hans Jessen. A utilização do mesmo permitiu duas grandes descobertas no século XVII: a da célula e a da bactéria. Mais tarde, outro holandês, Hans Lippershey viria a usar um dispositivo semelhante, com uma lente côncava e outra convexa em linha, para observar um objeto distante, o que lhe instigou a produzir e aperfeiçoar o que viria a ser chamado de telescópio. Com o tempo Lippershey produziu vários desses instrumentos e os vendeu ao governo holandês que os usaram para fins militares (BASSALO, 1990). A grande revolução provocada pelo uso dos telescópios, todavia, aconteceu no âmbito cientifico, quando Galileu Galilei o apontou para o céu. Inicialmente ele tomou conhecimento do invento holandês e posteriormente trabalhou para amplificação da imagem neste, conseguindo um fator de 3 vezes de aumento3. Galileu continuou aperfeiçoando o instrumento, por isso registra-se que o ultimo telescópio construído por ele já tinha um fator de amplificação de cerca 33 vezes. Fato é que o uso que ele fez da luneta se desdobrou em uma série de descobertas astronômicas: as crateras da Lua, os satélites de Júpiter, as fases de Vênus, o caráter distinto de Saturno, as manchas solares e a multidão de estrelas invisíveis a olho nu. Essas observações foram publicadas em 1610, no texto Siderius Nuncius, O Mensageiro das Estrelas (BASSALO, 1990; BARROS & CARVALHO, 1998, SILVEIRA & PEDUZZI, 2006). 2 Estamos nos referindo aqui aos chamados telescópios refratores, mais conhecidos como lunetas. O telescópio refletor só seria inventado no fim do século XVII, por Laurent Cassegrain. 3 O fator que determina a amplificação em lunetas como a de Galileu, composta por duas lentes de óculos, uma ocular e uma objetiva, é dado pela razão entre a distância focal da ocular e da objetiva. 10 Figura 2 – Primeiros modelos de lunetas usadas por Galileu em 1610. Figura 3 – Capa do Mensageiro das Estrelas obra de Galileu traduzida. Fonte: site Scientific Ameciran Brasil.4 Fonte: GALILEI, G. por LEITÂO H. 5 Suas observações o levaram a contestar veementemente a ideia aristotélica de perfeição do cosmo supralunar, e principalmente a corroborar com o sistema heliocêntrico de Copérnico. Porém, Galileu não sabia explicar por que e como funcionava aquele objeto, ou seja, não tinha uma teoria óptica que explicasse a luneta; desse fato advinham às criticas de seus opositores, estes afirmavam que suas observações se tratavam de ilusões ópticas. O astrônomo Johannes Kepler que pouco tempo mais tarde explicou o funcionamento da luneta, analisando geometricamente a refração da luz por lentes, entenda-se, como ela funcionava. No entanto, o porquê do instrumento funcionar daquele jeito permaneceu sem resposta (BASSALO, 1990; BARROS & CARVALHO, 1998; SILVEIRA & PEDUZZI, 2006). Portanto, Kepler descreveu como a luneta funcionava, porém sem explicar de forma plausível porque a luz refratava ao passar pelas lentes, nem tão pouco chegou à conhecida lei da refração como a conhecemos, que só foi descoberta experimentalmente na primeira metade do século XVII por Snell, e posteriormente recebeu um tratamento matemático feito por Descartes. Segundo Bassalo (1990, p. 567) “Ao estudar a refração em meios transparentes, Descartes utiliza a teoria corpuscular da luz e conclui que a velocidade da mesma é maior nos meios mais refringentes, isto é, mais densos.”. 4 Primeiros modelos de luneta astronômica utilizados por Galileu, expostos no Instituto e Museu da História da Ciência, em Florença, Itália. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/o_legado_de_galileu.html> Acesso em maio,2016. 5 Tradução do Siderius Nuncius de Galileu G. por Henrique Leitão. 3ª edição. 11 Essa ideia só foi contraposta quando em 1657 Fermat anuncia seu famoso principio do tempo mínimo, segundo o qual “a natureza age sempre pelo caminha mais curto e mais simples.” 6. Com esse principio aplicado à luz, Fermat chega à outra demonstração da lei da refração, e para isso usou uma hipótese contrária a de Descartes, afirmando que a velocidade da luz é menor nos meios mais densos (BASSALO, 1990; BARROS & CARVALHO, 1998; LOPES, 2014). Conforme Bassalo (1990, p. 568), A hipótese de Fermat só foi confirmada pelo físico e astrônomo holandês Christiaan Huygens em 1678, ao demonstrar por intermédio de sua teoria ondulatória da luz, que a relação entre os senos dos ângulos de incidência e de refração é igual à relação entre a velocidade da luz nos meios de incidência e de refração. [...] Apesar dessa demonstração [...], a comunidade cientifica internacional só começou a aceitar a hipótese de Huygens a partir da formulação matemática da teoria ondulatória da luz realizada por [...] Fresnel [...] em torno de 1814. Isso por que até aquela época se acreditava que a luz fosse constituída por um feixe de partículas emitidas pela fonte, hipótese da qual Isaac Newton era partidário. As evidências das propriedades ondulatórias da luz, na observação de fenômenos como a interferência e a difração só surgem por volta do ano 1665. Christian Huygens foi o mais evidente defensor à época dessa tese, melhorando e ampliando essa hipótese aos mostrar que, não só o fenômeno de difração, mas também a reflexão e refração da luz podiam ser explicados sob considerações ondulatórias (BASSALO, 1990, 1995; BARROS & CARVALHO, 1998). Newton e Huygens protagonizaram uma ampla discussão sobre a natureza da luz, embora como destaca Bassalo (p. 581 , 1990) “[...] a autoridade de Newton deixou em estado latente a teoria ondulatória da luz por quase um século.”. Mesmo com evidências experimentais, a teoria ondulatória da luz só começa a se consolidar a partir dos trabalhos de Thomas Young, em 1801, e mais tarde com as experiências de Malus e Brewster sobre a polarização e sua formulação matemática por Fresnel, como dito. Esse desenvolvimento junto como o trabalho de James C. Maxwell, que em 1865 previu a existências de ondas eletromagnéticas calculando a velocidade de propagação dessas ondas, acabou por demonstrar que a luz era de fato uma onda eletromagnética, incorporando os fenômenos relacionados à luz ao eletromagnetismo (BASSALO, 1990, 1995; BARROS & CARVALHO, 1998; YOUNG & FREEDMAN, 2009). 6 Cartas de Fermat a De La Chambre, 1657. 12 Como se vê, e em conformidade com o trabalho Silva & Martins (2010), ratifica-se aqui a importância do formalismo geométrico para o desenvolvimento cientifico, econômico ou mesmo militar para diversos contextos. Isso nos indica que o ensino de óptica geométrica pode ir além do uso de raios e das medidas de ângulos, usando referências históricas, políticas e sociais da ciência. Também se ratifica com esse breve relato histórico sua complementariedade em relação à óptica física. Portanto, “[...] não se deve preferir um tipo de teoria em detrimento de outra.” (BUNGE, 1974, p. 243). Concepções alternativas em óptica geométrica Há muito se discute as influências dos conhecimentos prévios sobre a aprendizagem dos estudantes em qualquer nível de instrução. Por se tratarem de constructos ou modelos criados na interação informal do individuo com o mundo físico para dar-lhe sentido, essas ideias frequentemente se distanciam das aceitas cientificamente, e por muito tempo foram consideradas simplesmente como errôneas e, portanto, indesejáveis. Um dos objetivos do ensino de ciência decorrentes dessa visão era de que a instrução formal proporcionasse um abandono das concepções alternativas em favor das concepções cientificas nos alunos, o que ficou conhecido como modelo de mudança conceitual (ALMEIDA, et. al., 2007; MARTINS, 2006; NARDI & GATTI, 2004). Conforme Martins (2006), as décadas de 80 e 90 do século passado foram marcadas por variadas tentativas de aplicações do modelo de mudança conceitual; no entanto, variadas também foram as constatações de suas limitações. As investigações em educação cientifica evidenciaram que o aprendizado de conceitos científicos não significa o abandono de noções cotidianas, que permanecem robustas e arraigadas mesmo ao longo do ensino formal, em qualquer idade e nível educativo. Esses resultados levaram os modelos mais recentes a se caracterizarem pela admissão da convivência de diferentes concepções na estrutura cognitiva dos indivíduos simultaneamente (BRAVO & PESA, 2016; MARTINS, 2006; NARDI & GATTI, 2004). Como exemplos de outras perspectivas que surgiram diante das criticas ao modelo original de mudança conceitual, Martins (2006) cita: as ideias de Hewson & Thorley, que acreditavam que a instrução poderia apenas diminuir a relevância das concepções alternativas em detrimento das científicas, sem substitui-las; Linder, Driver e seus colaboradores, para os quais o ensino deveria proporcionar a habilidade de se apropriar de cada concepção a depender do contexto; Mortimer e sua concepção de perfil conceitual, respaldando “[...] a 13 possibilidade de usar diferentes formas de pensamento em diferentes domínios, [...] o que faz com que o objetivo não seja mais a mudança conceitual, mas a mudança no perfil conceitual.” (MARTINS, 2006, p. 2). A partir dessas perspectivas mais recentes conclui-se que as concepções espontâneas não devem ser descartadas e desprezadas como um obstáculo pedagógico à aprendizagem, antes devem ser tratadas e problematizadas em relação às concepções cientificamente aceitas. Nesse sentido, Nardi & Gatti (2004, p. 25) afirmam que “[...] o ensino formal [...] deveria ser capaz de proporcionar aos indivíduos a compreensão consciente de ambas, permitindo a aprendizagem do conceito científico através de sua diferenciação das noções cotidianas.”. Almeida et al (2007), alertam também de que o professor deve ter cuidado para não reforçar as concepções espontâneas com metáforas e analogias inadequadas em relação a situações cotidianas. Diversos trabalhos (TEIXEIRA, 1982; BARROS et al, 1989; HARRES, 1993; ALMEIDA, 1996; FAUSTINO, 2000; GIRCOREANO & PACCA, 2001; ALMEIDA, et. al., 2007; ROBERTO, 2009; SILVA & MARTINS, 2010; LOPES, 2014) descrevem as concepções espontâneas sobre luz e visão identificadas em estudantes do ensino básico. Uma das concepções alternativas mais citadas entre esses trabalhos é justamente a dissociação entre esses dois fenômenos. Muitos estudantes acreditam que a luz não é necessária para o processo da visão, que objetos de cores claras podem ser vistos sem que haja luz no ambiente e que basta aos olhos se acomodarem por um tempo que serão capazes de enxergar mesmo na mais intensa escuridão (HARRES, 1993; GIRCOREANO & PACCA, 2001; LOPES, 2014). Segundo Harres (1993) se pode verificar uma constância muito grande do modelo de “raios visuais” nas concepções dos estudantes, ou seja, permeia-lhes a mesma ideia compartilhada por Euclides, Pitágoras e Platão de que os olhos emitem luz que iluminam os objetos. Essa afirmação é corroborada claramente nos trabalhos de Gircoreano & Pacca (2001) e Dedes (2005) apud Silva & Martins (2010). Em concordância, Harres (1993), Roberto (2009) e Lopes (2014), afirmam que uma das concepções mais arraigadas e que mais pode influenciar os processos de aprendizagem em óptica geométrica, é o não reconhecimento da luz como algo independente do espaço, e por isso não se pensa em sua propagação, justamente como não se reconhecia pelos pensadores gregos da antiguidade. Esta concepção implica em dificuldades para se reconhecer e aplicar as propriedades de propagação da luz e o correto entendimento da visão, pois não se crer que 14 algo se propague entre o objeto e o olho. Harres (1993) ainda cita que quando a propagação é considerada, se dá de forma equivocada, por exemplo, com o entendimento de que pode não ser de retilínea. Outra concepção elencada por Harres (1993) e Almeida et al. (2007), é de que a luz pode ser observada mesmo sem estar incidindo sobre os olhos do observador. Os estudantes não consideram que a luz é espalha em diversas direções por partículas suspensas no ar, isto é, por exemplo, se a luz de uma lanterna estiver se propagando no vácuo, ela não poderá ser vista a menos que esteja incidindo de alguma forma sobre o olho do observador, independente de sua posição em relação à fonte. Almeida et al. (2007) ainda listam outras concepções alternativas ligadas à propagação da luz: - Alcance finito da luz: o alcance da luz é proporcional à intensidade da fonte. Isto é absolutamente contrário ao que se entende cientificamente: o alcance da luz no espaço livre é infinito, independente da intensidade da fonte. - Raios paralelos: alguns estudantes confundem propagação retilínea (figura 4b) da luz com propagação paralela (figura 4a). Desprezam o fato de que os raios só podem ser considerados paralelos para distância suficientemente grandes entre o observador e a fonte. Figura 4 – a) Propagação paralela b) propagação retilínea Fonte: Almeida et at, 2007, p. 14. - Conceitos separados de luz: os estudantes entendem luz solar e luz produzida por uma lâmpada como sendo de diferentes naturezas, o que também é citado por Harres (1993). - Banhos de luz: assim como Gircoreano & Pacca (2001), Almeida et al (2007), identifica que os estudantes entendem a luz como algo que preenche todo o meio permitindo que se veja tudo o que estaria “mergulhado” nela, sem a necessidade de uma relação entre o olho e a luz que chega até ele. 15 Quanto à reflexão da luz, Lopes (2014) afirma que alguns estudantes acreditam que ela só ocorre em espelhos e superfícies polidas, objetos opacos não refletem; este também cita o fato de não reconhecerem que a posição da imagem, no caso da reflexão em espelhos planos, independe da posição do observador. Quanto a esta questão, Gircoreano & Pacca (2001) atestam que os estudantes acreditam que a imagem do objeto está na superfície do próprio espelho. Roberto (2009) apresenta a concepção de que um observador poderá ver mais a sua imagem se afastando do espelho e Harres (1993) de que só se podem ver refletidas as imagens de objetos que estão na frente do espelho. Finalmente, em relação ao processo de visão, Lopes (2014) denuncia que os estudantes não compreendem a importância do papel do olho na percepção de uma imagem. Roberto (2009) apresenta mais três perspectivas sobre esse ponto: de que a pupila do olho é apenas um circulo preto, de que o olho recebe imagens diretas e de que a lente é a única parte do olho responsável pela focalização da luz. Sondar e saber reconhecer essas ideias pré-concebidas nos alunos antes de qualquer instrução formal, é um aspecto importante para executar uma estratégia didática visando à aprendizagem significativa, pois nesse viés toma-se essas ideias como ponto de partida. Elas podem fornecer explicações sobre como os alunos estruturam seu conhecimento, além de apontar os aspectos que apresentam maior dificuldade de aprendizagem nessa ciência (SILVA & MARTINS, 2010). Ensino de óptica geométrica: criticas e sugestões O conceito central do modelo geométrico é o de raio de luz, que são linhas (ou semiretas) orientadas que representam a propagação da luz a partir de uma fonte. A partir desse conceito, das leis de reflexão e refração e de um pouco de geometria básica é possível se descrever inúmeros fenômenos ópticos presentes no cotidiano. Isso não significa que seja simples ensinar óptica geométrica, pois se assim fora não encontraríamos um grande volume de trabalhos que criticando a forma mais tradicional de fazê-lo (BARROS & CARVALHO, 1998; GIRCOREANO & PACCA, 2001; FONSECA & VALADARES, 2004; SILVA & MARTINS, 2009, 2010; LOPES, 2014; ALBUQUERQUE, et al., 2015). Alguns dos problemas do ensino de óptica geométrica abordados em alguns desses trabalhos são: o fato dos professores não estarem suficientes preparados para lidar com as concepções alternativas sobre o assunto e se concentrarem nos aspectos matemáticos do 16 conteúdo, por assim dizer, restringindo seu estudo ao tracejar de raios e a medida de ângulos em questões que não revelam um contexto físico real para os estudantes (SILVA & MARTINS, 2010, GIRCOREANO & PACCA, 2001). Silva & Martins (2010) ainda cita o desprezo aos aspectos históricos, políticos e sociais que envolveram a evolução do modelo de óptica geométrica, desconsiderando como esta foi importante no aperfeiçoamento de instrumentos que tiveram influencia cientifica, econômica e até militar, como visto anteriormente. Gircoreano & Pacca (2001), também denunciam a falta de referência ao processo de visão em todo seu estudo, o que segundo os autores deveria ser evidenciado a todo instante, pois é a partir do que vê que o aluno interpreta os fenômenos. Destacamos finalmente o trabalho de Lopes (2014), que aponta segundo suas pesquisas alguns obstáculos à aprendizagem da óptica geométrica: - os parâmetros físicos da luz não podem ser percebidos, por isto tende-se a entende-la como estacionária. - enxergamos combinações de efeitos que nos parecem apenas um fenômeno. -o observador é parte do sistema óptico, ou seja, a visualização dos fenômenos depende do observador. -surgimento de expressões equivocadas no desenvolvimento da linguagem que reforçam concepções alternativas. -o fato de que a óptica é objeto de estudo de variados campos e, portanto, estuda-la do ponto de vista apenas da física acarreta limitações de abordar o processo como todo. TEORIA DA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA (TAS) Definir uma referencial de ensino, ou mais propriamente, construir uma estratégia didática de ensino qualquer, é concomitantemente, manifestar a crença em como a aprendizagem se delineia. Nosso olhar sobre o processo de como o conhecimento é construído, em como se dá a aprendizagem, se baseia nas ideias de David P. Ausubel, seu conceito de aprendizagem significativa. Para Ausubel aprendizagem significa ordenação e integração do material instrucional, de forma organizada na mente do aprendiz, ou seja, a totalidade da ordenação de 17 suas ideias. Para ele o fator que mais influencia a aprendizagem, é aquilo que o aluno já sabe, ditos seus conhecimentos prévios. Caberia ao professor saber identificá-los e tratá-los, introduzindo novos conceitos de forma gradual. Assim, as novas informações, seriam ancoradas na estrutura cognitiva do individuo, e quando essa estrutura não estivesse adequadamente disponível, entenda-se preparada, seria modificada pela influência dos novos conceitos (MOREIRA, 1999). Segundo Moreira (1999, p. 153), O conceito central da teoria de Ausubel é o de aprendizagem significativa. Para Ausubel, aprendizagem significativa é o processo por meio do qual uma nova informação relaciona-se com um aspecto especificamente relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo, ou seja, esse processo envolve a interação da nova informação com uma estrutura de conhecimento específica, a qual Ausubel define como conceito subsunçor, existente na estrutura cognitiva do indivíduo. A aprendizagem significativa acontece quando a nova informação ancora-se em conceitos ou proposições relevantes, preexistentes na estrutura cognitiva do aprendiz. Para a ocorrência dessa aprendizagem significativa, Ausubel preconiza duas condições: a primeira, o material usado no processo de ensino, deve ser passível de ser abarcado pela estrutura cognitiva do individuo, ou seja, ele pode ser assimilado; a segunda, o que aprendiz deve apresentar uma predisposição para aprender (MOREIRA, 1999). A escolha da Teoria da Aprendizagem Significativa como referencial teórico se deu por nos identificarmos com a maneira acessível em que nela se “define o que é aprendizagem, [...] explicita as condições necessárias para a sua efetivação e apresenta princípios programáticos que favorecem a sua [...] avaliação.”, como resume Lemos, (2005, p. 38). Reconhecemos a construção do nosso conhecimento pelo principio de armazenamento de informações a partir da organização de conceitos e suas relações, de forma hierárquica, dos mais gerais para os mais específicos, como descreve a teoria. Dessa forma, creditarmos a TAS o mérito de explicar como se dá a aprendizagem e paralelamente fornecer diretrizes ao ensino. Como se trata de uma teoria largamente conhecida, não nos preocuparemos em desenhá-la em todas as suas particularidades, e sim em questões relativas à sua interpretação e as implicações de seu uso na sala de aula para o ensino de óptica geométrica. Neste ponto, é conveniente citar a importância do PIBID ao promover e estimular a nossa participação em espaços de discussões sobre recursos que minimizem a distância do que é produzido e ensinado na academia e a escola. Isso desperta em nós a necessidade de uma iniciação à cultura de professor-pesquisador na escola básica; pois vivenciamos as complexas relações do 18 nosso futuro ambiente de trabalho ainda como estudantes de licenciatura. Entendemos que a pesquisa é a base para refletir e intervir em questões da pratica educacional que são difíceis de serem abordadas pelo professor que já está em pleno exercício devido a limitações de tempo, recursos, estrutura e por vezes, estimulo. OFICINAS PEDAGÓGICAS Uma das criticas a maneira tradicional de ensino de óptica geométrica, é que esta, contrariando as sugestões e diretrizes de documentos oficiais como a Proposta Curricular Nacional e os Parâmetros Curriculares Nacionais para Física do Ensino Médio, comumente se apresenta de forma descontextualizada, tratando o mundo físico de forma isolada, com uma ênfase demasiada na geometrização dos conceitos sem a preocupação de que estes tenham sentido real no cotidiano do aluno (GIRCOREANO & PACCA, 2001; SILVA & JÚNIOR, 2005; ALBUQUERQUE, et al., 2015). Acreditamos que as características de que se valem uma intervenção didática do tipo de oficinas pedagógicas podem contribuir para superação desse obstáculo para o ensino de óptica geométrica, ao possibilitar a contextualização e o estudo de proposições importantes do conteúdo ao articular teoria e prática. Mas o que caracteriza uma oficina pedagógica? Segundo Paviani & Fontana (2009, p. 78): Uma oficina é, pois, uma oportunidade de vivenciar situações concretas e significativas, baseada no tripé: sentir-pensar-agir, com objetivos pedagógicos. Nesse sentido, a metodologia da oficina muda o foco tradicional da aprendizagem (cognição), passando a incorporar a ação e a reflexão. Em outras palavras, numa oficina ocorrem apropriação, construção e produção de conhecimentos teóricos e práticos, de forma ativa e reflexiva. A construção de um objeto com objetivos pedagógicos em uma oficina permite ao estudante vivenciar a articulação entre a teoria e suas experiências cotidianas. Outra característica importante dessa metodologia é o forte apelo à construção coletiva de saberes, pois geralmente se concretiza em grupos de trabalhos, como já experimentamos no PIBID. Portanto, pretendemos averiguar também com a revisão se e como essa estratégia metodológica é usada para o ensino de óptica geométrica. 19 METODOLOGIA Nosso objetivo primordial é o levantamento e analise de estratégias para o ensino de óptica geométrica que já foram testadas em sala de aula, com ênfase na metodologia de oficinas pedagógicas e tendo o referencial teórico da Teoria da Aprendizagem Significativa. Para tanto nossa método se delineia em forma de uma revisão sistemática de literatura, em conformidade com Galvão & Pereira (2014, p. 183), que afirmam que esse tipo de pesquisa “[...] trata-se de um tipo de investigação focada em questão bem definida, que visa identificar, selecionar, avaliar e sintetizar as evidências relevantes disponíveis.”. Uma das características desse tipo de revisão é serem abrangentes e se configurarem com um bom nível de evidências para tomada de decisões, o que se ajusta perfeitamente ao nosso interesse de encorpar nossa proposta inicial de preparar uma sequência didática. Para tanto seguimos os métodos listados por Galvão & Pereira (2014) para sua execução: 1) Elaboração do problema de pesquisa Que características devem ter uma intervenção didática em que se objetiva a aprendizagem significativa dos conceitos básicos de óptica geométrica? Paralelamente a essa questão, buscou verificar-se se há na literatura especializada alguma sugestão do uso de oficinas pedagógicas para esse fim. 2) Busca na literatura Essa busca foi feita em sete periódicos de ensino de ciências e física: Revista Brasileira de Ensino de Física (RBEF), Caderno Brasileiro de Ensino de Física (CBEF, antigo Caderno Catarinense de Ensino de Física), Revista Física na Escola (FE), Revista Ensaio (RE), Investigações em Ensino de Ciências (IENCI), Revista Ciência & Educação (C&E), Revista Brasileira de Pesquisas e Educação em Ciências (RBPEC). 3) Seleção dos artigos A primeira seleção geral dos artigos obedeceu aos seguintes critérios: - Trabalhos escritos em Língua Portuguesa. - Trabalhos que mostram metodologias/estratégias didáticas para o ensino de óptica geométrica. -Trabalhos que tenham a TAS como referencial/tema para o ensino de algum conteúdo de física. -Trabalhos que apontem para o uso de oficinas pedagógicas no ensino de física. 20 Essa seleção inicial foi feita apenas pela leitura dos títulos, resumos e palavraschaves dos artigos7. Os dois últimos critérios listados foram adotados para evitar que passemos por alto de trabalhos que abordam óptica geométrica, mas que tenham o foco principal em aspectos de TAS ou OP. Dentre os artigos encontrados nessa primeira seleção foi feita uma ultima triagem, quando por uma leitura integral destes, identificamos os trabalhos que tinham simultaneamente as características a seguir: - Trabalhos que com resultados de pesquisas efetivamente testadas em sala de aula sobre estratégias para ensino de óptica geométrica. - Que fazem uso da Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) como referencial para o ensino. - Que utilizam a metodologia de Oficinas Pedagógicas. 4) Extração e síntese dos dados. 5) Avaliação das evidências 6) Redação dos resultados. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Kleber Briz; SANTOS, Paulo José Sena; FERREIRA, Gabriela Kaiana. Os Três Momentos Pedagógicos como metodologia para o ensino de Óptica no Ensino Médio: o que é necessário para enxergarmos? 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Caderno Catarinense de Ensino de Física, 3(3), p. 138-159,1989. 7 Quando esses elementos não forem suficientes para definir se os artigos serão selecionados ou não, faremos uma leitura flutuante do trabalho (sem pretensão direta de analise profunda). 21 BARROS, Marcelo Alves; CARVALHO, Maria Pessoa de. A história da ciência iluminando o ensino de visão. Revista Ciência & Educação, 1998. BASSALO, José Maria F. Crônicas da Física. Belém, Universidade Federal do Pará, 1990. BASSALO, José Maria F. Nascimentos da Física. Revista Brasileira de Ensino de Física, 1995. BRAVO, Bettina; PESA, Marta. El cambio conceptual en el aprendizaje de las ciencias. Un estudio de los procesos involucrados al aprender sobre la luz y la visión. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, vol. 15, nº 2, p. 258-280, 2016. BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise. São Paulo: Ribeirão Gráfica e Editora, P. 72. 2007. BUNGE, M. Teoria e realidade. Tradução: Gita K. Guinsburg. 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