Solidariedade e tragédia: entre a comunhão e o assistencialismo Por Cristiano Bodart Frente à acontecimentos, como o que ocorreu em Santa Maria/RJ, onde cerca de 230 jovens tiveram suas vidas ceifadas, a palavra “solidariedade” torna-se frequente nos meios de comunicações, muitas vezes de forma desconexa com seu sentido original. A final, o que é solidariedade? O que a Sociologia tem a nos dizer a esse respeito? Na Sociologia o conceito de “solidariedade” está quase sempre ligada a figura de Émile Durkheim; teórico que partindo desse conceito desenvolveu dois outros correlatos: “solidariedade mecânica” e “solidariedade orgânica”. A palavra “solidariedade” tem sua origem no latim. Vem de “solidare”, que significa, etimologicamente, “confirmar”, “solidificar”. A origem dessa palavra é a mesma que do adjetivo “sólido”, que significa “ter consistência”, “não ser oco”, e “que não se desfaz facilmente”. Curioso que Durkheim dizia que existem situações indesejadas, como crimes e tragédias, por exemplo, que trariam benefícios ao grupo social. Estranho, não? Se tomarmos o raciocínio desse sociólogo veremos que é, no mínimo, bem lógico. Para ele, ao ocorrer situações indesejadas a sociedade, que é, de certa forma, um grupo coeso, tem sua solidariedade maximizada. Tragédias, como a que ocorreu sensibiliza os indivíduos, o que solidifica a união. Certamente hoje os brasileiros se sentem mais próximos uns dos outros. Para o sociólogo americano Donald Pierson, solidariedade seria uma, “condição do grupo que resulta da comunhão de atitudes e de sentimentos, de modo a constituir o grupo em apreço uma unidade sólida, capaz de resistir às forças exteriores e mesmo de tornar-se ainda mais firme em face de oposição vinda de fora” (Donald Pierson). Sermos solidários é sermos um corpo mais forte, mais sólido, mais unido, etc. A solidariedade não está em doar roupas, comidas ou água, está no sentimento de unidade, de comunhão. Doações são “resultados naturais” da comunhão. A mídia reducionista transforma o conceito de solidariedade em atos de doações e de trabalho voluntário, afastando de seu significado original. O sentido que muitas vezes ouvimos está ligado ao assistencialismo, que caracteriza-se pela doação de produtos concretos e atendimento emocional que sustenta relações de dominação (GUARESCHI, 2000)*. Solidariedade é comunhão. Em momentos de tragédias as vítimas precisam mais de solidez social e não apenas sopa, roupa e agasalho… carecem de solidariedade para continuar desejando viver entre nós… conosco… em comunhão. O que passar disso é mero assistencialismo… não é comunhão. *Guareschi, P. (2000). Relações Comunitárias – Relações de Dominação. In: Campos, R.H.F. (Org.). Psicologia Social Comunitária – da solidariedade à autonomia. (pp.81-99). 4ª Ed. Petrópolis: Vozes.