A DINÂMICA DA CULTURA DA SOJA NO ESTADO DO PARANÁ: O PAPEL DA EMBRAPA ENTRE 1989 E 2002 Thiago André Guimarães No lastro das profundas transformações técnico-produtivas germinadas na agricultura brasileira, a partir da década de 1960, a soja vem se destacando como o principal produto do agronegócio, logrando ao país, desde 1976, o posto de segundo maior produtor mundial, superado apenas pelos Estados Unidos. Em 2010, o Brasil respondeu por 26,2% da produção mundial de soja (USDA, 2010), correspondendo a 67,5 milhões de toneladas, cultivados em uma área de 24,2 milhões de hectares, equivalente ao território do Reino Unido (CONAB, 2010). Ainda em 2010, a soja foi responsável por cerca de 9% das exportações, 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio e 1,25% do PIB total brasileiro (BRASIL; CEPEA, 2010). Entre os estados produtores, destaca-se o Paraná, que começou a cultivar a soja nos anos 1960 e até o final da década de 1990 foi o líder no país, tanto em área quanto em volume produzido, representando, em 2010, 21% da soja colhida no Brasil. Entretanto, em decorrência da expansão agrícola em direção ao cerrado na década de 1980, o Paraná acabou perdendo o posto para Mato Grosso, que participa atualmente com 27% da produção brasileira (CONAB, 2010). As Figuras 1 e 2 apresentam a evolução da produção e da área cultivada, respectivamente, entre as safras de 1976/77 e 2009/10, para o Brasil e os estados do Paraná e Mato Grosso. Observa-se acentuado crescimento da área cultivada de Mato Grosso a partir da safra 1990/91, devido à expansão da fronteira agrícola da soja rumo ao cerrado. Na safra 1998/99 ocorre a mudança definitiva, até o final do período, na dominância produtiva entre os estados. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.4, n. 6, agosto 2011 |1 Figura 1 – Evolução da produção de soja para o Brasil e os estados do Paraná e Mato Grosso – safras 1976/77-2009/10. Em milhares de toneladas FONTE: Adaptado de Ipea (2011) e Conab (2010) Figura 2 – Evolução da área cultivada de soja para o Brasil e os estados do Paraná e Mato Grosso – safras de 1976/77 e 2009/10 – em hectares FONTE: Adaptado de Ipea (2011) e Conab (2010) No que tange à produtividade do cultivo de soja, a Figura 3 evidencia uma tendência comum entre Brasil, Paraná e Mato Grosso, com as duas unidades federativas superando a média brasileira. Para o período entre 1976/77 e 2009/10, a produtividade média de Mato Grosso foi de 2,39 toneladas de soja por hectare, a paranaense foi de 2,33 toneladas por hectare, enquanto que a brasileira ficou em 2,01 toneladas de soja produzidas por hectare. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.4, n. 6, agosto 2011 |2 Figura 3 – Evolução da produção de soja para o Brasil e os estados do Paraná e Mato Grosso – safras 1976/77-2009/10 – Em toneladas FONTE: Adaptado de Ipea (2011) e Conab (2010) Dentre os fatores explicativos do destaque do Paraná, emerge o estabelecimento de uma eficiente rede de pesquisa, envolvendo os poderes públicos (federal e estadual) com apoio financeiro da iniciativa privada. De acordo com Domit et al. (2007), a rede de pesquisa teve início, no estado do Paraná, em 1972 e articulou, num primeiro estágio, o Ministério da Agricultura e o IAPAR – Instituto Agronômico do Paraná. Em um segundo estágio, foi criado, em 1975, o Centro Nacional de Pesquisa de Soja (CNPS), que viria a se transformar no ano seguinte na Embrapa Soja. Isso possibilitou a integração dos esforços isolados de pesquisa que se espalhavam pontualmente pelas regiões Sul e Sudeste. Em paralelo à criação da Embrapa Soja, foi estabelecido o programa nacional de melhoramento genético, que culminou no desenvolvimento das primeiras cultivares de soja no Paraná, contribuindo decisivamente para a rápida expansão da produção. Também pode ser considerada conquista da rede o desenvolvimento de cultivares adaptadas às latitudes dos climas tropicais, fator fundamental à expansão da soja rumo aos cerrados (EMBRAPA, 2009). Um dos aspectos determinantes para o início da pesquisa no Paraná seria a limitação da fronteira agrícola do estado que começou a se esgotar ainda na década de 1970, tanto em ocupação quanto em possibilidade de abertura de terras virgens (FONSECA; SALLES FILHO, 1992; LOURENÇO, 2000). Isso impôs o aumento da produtividade da cultura, a partir do desenvolvimento de novas cultivares adaptadas às condições edafo-climáticas do estado. Neste contexto, enquanto a área colhida de soja aumentou 80%, entre as safras de 1978/79 e 2000/01, passando de 2,3 milhões de hectares para 2,8 milhões, respectivamente, a produção cresceu mais de 215%, passando de 4 milhões para 8,6 milhões de toneladas no mesmo período (IPEA, 2011). Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.4, n. 6, agosto 2011 |3 A influência da pesquisa agrícola na produção de soja do Paraná aconteceu fortemente no período entre 1989-2002, quando perdurou o projeto conjunto entre a Embrapa Soja e a Embrapa Transferência de Tecnologia, que objetivou a difusão de cultivares de soja em parceria com produtores de sementes do estado. Conforme observado por Domit et al. (2007), o projeto denominado “Transferência de Tecnologia para as Cultivares de Soja Desenvolvidas pela Embrapa Soja para o Paraná” esteve centrado no processo de transferência de tecnologia aos agricultores e às empresas sementeiras, das cultivares desenvolvidas pela Embrapa, ao longo de três fases consecutivas, entre 1970 e 2003. O autor considera que a primeira dessas fases antecedeu o próprio projeto, ao estabelecer o contexto institucional propício à sua constituição. A transferência de tecnologia, propriamente dita, ocorreu entre 1989-2002, estruturada por meio de uma parceria entre a Embrapa Soja, responsável pela pesquisa básica e desenvolvimento das cultivares, os produtores de sementes, por meio da Fundação Meridional1, e a Embrapa Transferência de Tecnologia, que atuou como instituição facilitadora. As três fases são detalhadas a seguir: Fase 1: Desde a safra de 1970/1971 até a safra de 1989/1990 – Período que precede o início da transferência de tecnologia, marcado pela fundação da Embrapa Soja e pelo início dos programas de melhoramento. Nesta fase foram desenvolvidas as primeiras cultivares de soja para o Paraná. Fase 2: Desde a safra de 1990/1991 até a safra de 1999/2000 – Inicio do projeto de transferência das cultivares de soja desenvolvidas pela Embrapa. Foram indicados 22 cultivares para a sojicultura paranaense. Como já citado, neste período o projeto esteve estruturado por meio de uma parceria da Embrapa Transferência de Tecnologia com empresas produtoras de sementes. Fase 3: Desde a safra de 2000/2001 até a safra de 2002/2003 – caracterizada pela ampliação das parcerias de apoio à pesquisa, merecendo destaque a inclusão da Fundação Meridional que passou a ter participação efetiva no desenvolvimento, validação e difusão das cultivares desenvolvidas pela Embrapa Soja. A metodologia de transferência de tecnologia foi a mesma da fase 2, contudo, aumentou o número de empresas produtoras de sementes participantes, além da realização de um trabalho de marketing institucional. A eficácia do processo de transferência de tecnologia pode ser avaliada pela relação entre as sementes de cultivares da Embrapa cultivados no estado do Paraná sobre o total de sementes fiscalizadas utilizadas no plantio entre as safras de 1989/90 a 200203, comparada à produtividade da cultura. Na Figura 4 observa-se que a participação das cultivares da Embrapa Soja no total de sementes fiscalizadas comercializadas no Paraná passou de 3%, na safra de 1989/1990 (considerado o marco zero do projeto de transferência), para 11% na safra de 1990/1991 (primeiro ano do projeto), chegando a 63% na safra de 1999/2000, quando finda a fase 2. 1 Entidade formada por 61 empresas produtoras de sementes do Paraná, São Paulo e Santa Catarina, que passou a atuar em parceria com a Embrapa, no processo de desenvolvimento das novas cultivares e na coordenação da sua difusão. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.4, n. 6, agosto 2011 |4 Figura 4 – Participação das cultivares da Embrapa Soja na produção de sementes fiscalizadas no Paraná FONTE: Domit et al. (2007) Por fim, a Figura 5 permite observar a evolução conjunta da participação das cultivares de soja da Embrapa no total de sementes fiscalizadas cultivadas no Paraná e da produtividade da cultura no estado para o mesmo período. Evidencia-se que o início do cultivo dessas cultivares coincide com a inflexão e início de aumento na produtividade da lavoura a partir da safra de 1989/1990. Tal observação pode ser corroborada com o coeficiente de correlação linear de Pearson ( ) entre essas duas variáveis (participação das cultivares – variável , e produtividade – variável ) que apresenta magnitude 0,6712. O coeficiente é calculado pela expressão: onde é a participação média da das cultivares da Embrapa em relação às semestres fiscalizadas entre as safras de 1989/90 e 2002/03, enquanto que expressa a produtividade média da soja para o mesmo período. 2 A correlação varia entre -1 e +1. Quanto mais próximo da unidade positiva, maior é a relação direta entre as variáveis. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.4, n. 6, agosto 2011 |5 Figura 5 – Evolução da produtividade de soja no Paraná e a participação das cultivares da Embrapa Soja na produção de sementes fiscalizadas no estado FONTE: O Autor (2011), a partir de Ipea (2010) e Domit et.al. (2007) A queda na participação das cultivares da Embrapa, a partir de 2000, deve-se ao aumento da oferta de cultivares de soja no estado, desenvolvidas por empresas concorrentes, diretamente ligadas às cooperativas de grãos do Paraná, e que atendiam a requisitos mais específicos dos sojicultores. Tal situação repousa no próprio processo de transferência de tecnologia que a Embrapa promoveu em posição de vanguarda, gerando incentivo ao desenvolvimento tecnológico além de seus limites de atuação. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.4, n. 6, agosto 2011 |6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta breve discussão possibilita avaliar que o sucesso da cultura da soja no Brasil, em especial no estado do Paraná, explica-se em grande medida pela articulação de uma rede de pesquisa agropecuária que envolveu atores das esferas públicas e privadas. Neste ambiente, destaca-se o papel da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária como elemento propulsor do desenvolvimento tecnológico, contribuindo para uma significativa evolução da produtividade da soja no estado paranaense. Esta difusão representa um caso bem sucedido de adoção e implementação de políticas públicas, baseadas no incentivo à pesquisa, desenvolvimento e inovação, em um modelo de parceria público-privada. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.4, n. 6, agosto 2011 |7 REFERÊNCIAS BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR. Balança comercial brasileira. Disponível em: <http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=1161>. Acesso em: 10 jul. 2010. COMPANHIA BRASILEIRA DE ABASTECIMENTO. SOJA – BRASIL. Série histórica de produção. Safras 1976/77 a 2009/10. CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA. PIB do agronegócio. Disponível em: <http://www.cepea.esalq.usp.br/pib/>. Acesso em: 10 jul. 2011. DOMIT, L. A. et al. Transferência de tecnologia para cultivares de soja desenvolvida pela Embrapa Soja para o Paraná. Revista brasileira de sementes, v. 29, p.1-9, 2007. EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. Sistemas de Produção. Tecnologias de produção de soja para a região central do Brasil – 2009. Londrina: Embrapa Soja, 2009. FONSECA, R. B.; SALLES FILHO, S. A agropecuária brasileira. In.: CANO, W. (Coord.). São Paulo no limiar do século XXI. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo; Secretaria de Planejamento e Gestão, 1992, v. 2, p. 33-55. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Base de dados Ipeadata macroeconômico. Disponível em: < http://www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 10 jun. 2011 LOURENÇO, G. M. A economia paranaense nos anos 90: um modelo de interpretação. Curitiba: Ed. do Autor, 2000. USDA. UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE. Oilcrops Yearbook 2010. World oilseed production, 2005/06-2009/10. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.4, n. 6, agosto 2011 |8