Educar E Ensinar: Profissão E Missão João Henrique Hansen* Antônio Sagrado Bogaz** Resumo Somos educadores. Esta é a premissa de nossa profissão. Temos uma profissão, pois somos professores, coordenadores e diretores, mas não é uma simplesmente profissão. Nossa atuação numa instituição de educação católica é, num primeiro plano, uma profissão, porque temos uma atividade social, científica e trabalhista com exigências acadêmicas. Mas sempre insistimos que somos educadores, pois extrapolamos as técnicas modernas no exercício de nossa tarefa, além de atuarmos no âmbito da subjetividade. A atuação numa profissão educativa nos coloca na marcha de dois trilhos, que não podemos descarrilar. Ser educador é ser “ensinador”. A missão de educar não exclui a tarefa de ensinar. E viceversa. Sem ensinar não existe o bom educador. Sem educar, ninguém ensina nada validamente. ____________________________________ *HANSEN, J.H., é professor de Ética Filosófica e Cristã, Bioética e Literaturas: Portuguesa e Brasileira. Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) dedicou sua pesquisa e escritos à literatura cristã, primitiva e hodierna. Exerce sua pesquisa e docência no Centro Universitário São Camilo, coordenando o Curso de Letras e ensinando nos estudos de ética e literatura. Pesquisa atualmente as expressões das devoções populares, a partir das benzeções do universo camponês e sertanejo. Escritor e romancista, em poesia e prosa, tem várias obras que relatam os sentimentos humanos e a busca do sagrado, como elemento místico da existência. Membro integrante da coordenação e da CPA da Faculdade Católica Dom Orione. **BOGAZ, A. S., é professor de Filosofia e Teologia. Mestre em Teologia Sistemática pela Universidade Gregoriana e em Teologia Litúrgica pela Pontifícia Universidade Santo Anselmo, Itália. Doutor em Liturgia pela Pontifícia Universidade Santo Anselmo, Itália e em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Exerce a função docente em Teologia e Filosofia no Instituto Teológico de São Paulo e na Escola Dominicana de Teologia, em São Paulo. Pesquisador da Religiosidade popular em suas tradições culturais brasileiras. Coordenador Pedagógico da Faculdade Católica Dom Orione. Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - jan./dez. 2009 207 João Henrique Hansen, Antônio Sagrado Bogaz Clarificar Conceitos Fundamentais A noção de educar tem uma conceituação muito particular e específica. Procuramos mesmo distinguir este conceito daquele de ensinar. De fato, ensinar significa lecionar ou transmitir conhecimentos a alguém. Semelhante a adestrar os animais. Transmitir informações, quer dizer informar ou instruir alguém do que se passa e como manipular as coisas. O ato de ensinar nos coloca numa ação ativa de incutir na memória intelectual dos estudantes os conhecimentos já adquiridos pelo professor. A relação entre o professor e o aluno é muito objetiva e impessoal. Quem tem o conhecimento assume o dever de transmitir para os demais todos os conhecimentos adquiridos, servindo-se de métodos variados, como a experiência, a memorização e a teorização, sendo levado ao nível de abstração. O conhecimento exige a sistematização de todos os conhecimentos adquiridos, garantindo a capacidade de transmitir e progredir para que se atinjam outros níveis de exploração dos dados da própria abstração. Ensinar se identifica como um trabalho que se exerce no âmbito profissional. Na organização da sociedade, as profissões garantem a continuidade do progresso e a satisfação dos interesses pessoais e grupais. Para uma positiva valorização da ação profissional, reconhecemos que esta tem uma ética fundamental, pois se deve reconhecer que esta dedicação transforma a vida social dos cidadãos. A questão se coloca na dimensão ética desta ação profissional. Qual é, afinal, seu primeiro propósito de fidelidade? A norma social, ditada pelo estado e pelos conselhos de profissão ou às normas éticas de sua orientação ideológica ou religiosa? Por assim dizer, a profissão é uma ação que deve responder às exigências e às necessidades de sobrevivência e de organização da sociedade. Assim, integramos à ação de ensinar dois substantivos conseqüenciais: trabalho e profissão. Para o conceito de educar, embora muito próximo da ação de ensinar, entramos num universo renovado da ação humana. A ação de educar está dentro do ato de ensinar, mas com certeza o transcende. Se a 208 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 Educar e Ensinar: Profissão e Missão ação de ensinar se refere ao trabalho e a profissão, a ação de educar integra uma missão; mais ainda uma vocação. A educação procura desenvolver as faculdades físicas, morais e intelectuais do ser humano. Quando educamos um ser humano, nosso objetivo é promover um conhecimento, mas, sobretudo iluminar e formar a consciência do discípulo. Assim, a educação tende a construir a personalidade e elevar o espírito. De fato, “a reflexão filosófica sobre a educação é que dá o tom à pedagogia, garantindo-lhe a compreensão dos valores que, hoje, direcionam a prática educacional e dos valores que deverão orientá-la para o futuro” (LUCKESI, 2005). Se adentramos a compreensão de educação, notaremos que sua missão é adentrar a alma humana e iluminar seu interior, para prepará-la para a vida. Não se trata de afirmar que a educação é mais nobre que o exercício da profissão, mas discernir seus campos de ação e sua especificidade. Se temos um bom professor que não consegue atingir o cerne da educação, corremos um perigo semelhante se tivermos um mestre que não tem a capacidade de ensinar. Mais adiante veremos a relação dialética entre estes dois temas. Ensinar e Educar: Objetivos Interativos Falamos de objetivo, em termos pedagógicos, na medida em que definimos o ponto de chegada de uma ação relacional entre professor e aluno ou entre o mestre e o discípulo. Neste momento, é legítimo identificar qual o objetivo daqueles se colocam diante de um grupo de estudantes com a tarefa de transmitir conhecimentos que foram conquistados e elaborados pelas várias ciências. Trata-se de uma herança a ser transmitida e divulgada. Este é o primeiro passo ou um dos passos, pois a ação de ensinar implica também a pesquisa. A pesquisa é a busca incessante do conhecimento, avançando fronteiras, mesmo correndo riscos de desvios e erros. A ação de ensinar se torna um método, com uma nova indicação: auto-ensinamento ou mesmo o autoaprendizado. Uma precisão pode ser fundamental, para nos posicionar Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 209 João Henrique Hansen, Antônio Sagrado Bogaz nesta reflexão. Determinamos o objetivo do ensinamento como a ação de fornecer e transmitir qualquer tipo de conteúdos a outrem, para tornar a pessoa apta para lidar com as situações do cotidiano, como andar, plantar, fabricar uma ponte. De tal maneira, que “o educador não é neutro, tem um papel político-pedagógico; sabe, porém, que tanto ele quanto a escola têm uma autonomia relativa, isto é,a relação escolasociedade é uma via de mão dupla em que o campo das interferências recai nos dois polos “ (CORTELLA, 2000). Não é incorreto, com base no objetivo de ensinar, determinarmos o objetivo da ação de educar. Educar exige mais que o conhecimento intelectual e abrange as várias dimensões da vida humana. Assim, se o ensinamento toca especialmente o aspecto intelectivo, a educação visa o ser humano em sua integralidade. Pelo ensinamento, adquirimos teses, teorias e teoremas que ocupam nosso aspecto cognitivo, fazendo-nos conhecedores e manejadores dos aspectos técnicos da realidade. Pelo conhecimento, aprendemos, por exemplo, a história dos povos antigos, a composição das células, a manipulação das máquinas e as teorias dos grandes mestres. O ensino nos torna possuidores dos conhecimentos desenvolvidos e conquistados pela ciência ao longo dos séculos. Estas ciências e técnicas tornam-se patrimônio de nossos acadêmicos nas suas variadas cátedras. Todo o discurso se transforma quando falamos de educação. Também aqui podemos falar no objetivo de construir um patrimônio de tradições e conhecimentos. Mas a ação de educar objeta a transformação mais profunda do ser humano, tocando seu comportamento, sua realização pessoal, seus projetos de vida, seus ideais, bem como sua realização profissional. Partindo destas premissas de contraposição, podemos delinear os objetivos da ação educativa, que engrandece e planifica a ação de ensinar. Temos que o objetivo da educação é preparar o ser humano para a vida, levando-os a tomar decisões conscientes, que o leve a assumir suas responsabilidades, depois das ações realizadas. Para tanto, a educação tem como axioma fundamental o diálogo interativo. Fica-nos 210 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 Educar e Ensinar: Profissão e Missão evidente a proposição de nosso grande educador P. Freire, o qual afirma que, “o sentido atribuído ao diálogo, que pressupõe uma relação horizontal entre os seres, fundado 'no amor, na humildade, na fé dos homens', é fundamental para a estrutura do conhecimento, visto que o ato cognoscente não termina no objeto cognoscível, uma vez que se comunica a outros sujeitos igualmente cognoscentes. A educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é transferência do saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam significações dos significados” (FREIRE, 1987). A ação de ensinar objetiva a realização da profissão, por sua vez o ideal da educação aponta para a realização humana, a própria felicidade. Nenhum professor, no seu ensino, pode sentir-se realizado se seus estudantes não estiverem preparados para exercer um papel profissional na sociedade; de forma equivalente, o mestre se sente mais realizado em sua atividade educacional se seus discípulos estiverem inseridos na sociedade e vivendo em harmonia com a família, com a comunidade e com a natureza. Os objetivos são totalmente distintos, mas não contrapostos e muito menos contraditórios. Estes devem compor a ação de um professor que se faz mestre, porque ensina educando e o mestre que se faz professor, porque educa na ação de ensinar. Curriculum do Ensino e da Educação Ao tocarmos os termos fundamentais da educação, pode parecer violência conceitual aplicar ao programa educativo a noção de curriculum. Curriculum, de fato, sempre se revolve a um itinerário técnico e científico que deve ser objetivamente cumprido e realizado por parte dos responsáveis, quer dizer, os professores. Por esta razão, estamos distinguindo os sujeitos da educação, bem como seus protagonistas e seus objetivos. Para os sujeitos, definimos como professores aqueles que ensinam e estudantes aqueles que aprendem; da outra parte, para a Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 211 João Henrique Hansen, Antônio Sagrado Bogaz educação tratamos como mestre os educadores e discípulos seus aprendizes. Os verbos adequados podem ser ensinar e educar, onde o primeiro verbo prepara para uma profissão e o segundo para a vocação. Ambos são graduados para servirem os irmãos. Vamos compreender, assim, que os currículos destas duas ações humanas, são bem diversos e diversificados. Vamos assumir a compreensão mais aberta de curriculum, para integrar o itinerário propício para a educação educativa. Tomemos, para iniciar, o conteúdo da ação de ensinar. Esta determina temas e objetos bastante variados, desde competências e destrezas físicas a conhecimentos teoréticos ou regras de comportamento social. Determinamos assim o conteúdo de ensinar. Assim, O sentido essencial do processo da educação não decorre dos produtos de uma ciência isolada e nem de produtos somados de várias ciências: ele só se constitui mediante o esforço de uma concorrência solidária e qualitativa de várias disciplinas. Essa malha de interdisciplinaridade na construção do sentido educacional é tecida fundamentalmente pela reflexão filosófica.... [...] gerando uma atitude de abertura e de predisposição à intersubjetividade. (SEVERINO, 1990). Para que o ensino seja harmônico, aqueles que ensinam devem ter conhecimento real dos conteúdos necessários para aquele tema geral, ou mesmo, aquela disciplina. Os conteúdos são progressivos e evolutivos, exigindo, muitas vezes, pré-requisitos objetivos. Existe neste campo, uma evolução das atividades mentais abstratas e os conhecimentos básicos, que passam aos médios e aos superiores. Existe um complexo de conteúdos que devem ser cumpridos, para que haja parâmetros e níveis a serem comparados e organizados. É preciso que a formação técnica e científica seja ordenada, para que os níveis profissionais sejam equivalentes. Assim, quando falarmos de profissionais, como advogados, professores, dentistas, jornalistas, administradores, pedagogos, técnicos de computação, entende-se que 212 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 Educar e Ensinar: Profissão e Missão existe uma equivalência entre eles quanto ao nível de estudos e pesquisas. Imprescindível ainda que a mesma profissão tenha equivalência numa mesma nação ou região geográfica. Neste sentido, surgiram os Conselhos regionais e alguns casos os conselhos nacionais. Estes conselhos estão servindo para garantir o nível acadêmico e profissional das profissões. Pode ser que chegaremos ao ponto que não bastará ter o certificado acadêmico para exercer a profissão, mas ser aprovado num exame promovido pelo conselho específico daquela profissão, com a aprovação do ministério público. Com esta prática que vai se aprofundando cada vez mais, com certeza estamos perdendo a autonomia das faculdades, que se preparam e se programam em vistas do exame de seus conselhos, do mesmo modo que os cursos de ensino médio passaram a organizar seus programas a partir dos exames públicos de vestibular. Neste reducionismo, os cursos não visam um ensino mais confessional e mais humanista, mas em vistas dos exames seletivos para a universidade. Esta realidade, que ainda é complicada, era ainda pior quando estes exames seletivos eram de múltipla escola, eliminando o raciocínio mais amplo e a literatura mais discursiva. Em relação aos exames de aprovação dos conselhos de área profissional, devemos reconhecer que serviram para suprir ou punir cursos institucionais incompetentes ou “caça níqueis”, como se diz na crítica popular. Existe, ao menos, como tentativa institucional, o ordenamento de todas as profissões, que devem estar incluídas num cânon jurídico, também para sua regulamentação nacional. Se este é o verso institucional, é preciso reconhecer que existem profissões onde o certificado jurídico é irrelevante. Podemos citar os jornalistas, professores de línguas, técnicos nas áreas de informática, entre outros. Nestes casos, mesmo a tentativa de encastrar as atividades profissionais, gera mediocridade na profissão. Um exemplo simples é que jamais (para exagerar) um estudante de uma faculdade ou universidade aprendeu uma língua estrangeira. Todos os alunos dos cursos de línguas e literatura devem freqüentar cursos especializados Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 213 João Henrique Hansen, Antônio Sagrado Bogaz para aprender as línguas modernas. Esta prática tornou-se comum e repetitiva, mas é por si mesma escandalosa. Esta anotação, para efeito de compreensão da realidade do ensino, serve para mostrar que a formatação jurídica é um instrumento, mas não garante a eficiência das práticas de ensino na realidade educacional. Um outro elemento ainda serve para iluminar a formatação do conteúdo do aprendizado. Não bastam os certificados. Estes podem garantir a aquisição do conhecimento, mas não a eficiência do ensinamento. Desta feita, compreendemos que existe outro filtro para a aplicação dos conteúdos, quer seja o exercício profissional. Quando o profissional adquire maior conhecimento e habilidade para sua aplicação, vai construindo uma imagem positiva, que lhe proporciona maior sucesso e espaço profissional. Na mesma referência da compreensão do conteúdo de ensinar, podemos refletir que o conteúdo vai além da conquista de conhecimentos técnicos ou científicos. Portanto, no tocante ao conteúdo destes conhecimentos, refere-se ainda que à transmissão de informações e conhecimentos adquiridos pela humanidade, que se torna seu patrimônio. Vamos insistir com P. Freire que, “o verdadeiro diálogo não pode existir se os que dialogam não se comprometem com o pensamento crítico”.(FREIRE, 1996). Não basta conhecer, é preciso transmitir o conhecimento. Este objetivo faz parte do conteúdo do conhecimento. Não que os conhecimentos não tenham sentido como posse de um bem pessoal, mas normalmente não devem servir para próprio deleite. Antes, deve-se transmitir estes conteúdos, para que os estudantes iniciem sua pesquisa a partir dos conhecimentos adquiridos e não façam pesquisas para descobrir conhecimentos já adquiridos e sistematizados. Os meios de transmissão destes conteúdos passam por várias vias instrumentais. De fato, podemos transmitir ensinamentos por teoria e por prática. Assim, os conhecimentos se realizam pela memorização, pela reflexão, pela compreensão intuitiva e outros meios cognitivos. 214 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 Educar e Ensinar: Profissão e Missão Outras possibilidades de conhecimento dos conteúdos são as experiências e relação com o meio ambiente, com a sociedade e com o universo como um todo. Todos estes meios permitem adquirir conhecimentos e compõem um rico arsenal de conteúdos que servem para sobreviver, para criar meios de crescimento e de melhoramento da forma de viver. Acrescentamos ainda que o conteúdo se refere ao conjunto de teorias, o comportamento social e uma destreza corporal. Fica assim evidente que se trata de um conjunto de conteúdos que compõem um arsenal pessoal de capacidades pessoais e sociais. Passamos a tocar o conteúdo da ação de educar, recordando as ressalvas que foram referenciadas, uma vez que entendemos conteúdo como um conceito mais amplo. Não significa apenas as atividades mentais da abstração, advindas das experiências, memorizações ou outros mecanismos gnosiológicos. De fato, definimos como conteúdo da ação educativa os valores fundamentais da vida que equilibram o ser humano em suas relações, prepara para enfrentar as adversidades e fortalece seus sentimentos para confrontar-se diante das perdas e das decepções. Educar assume uma função gnosiológica existencial ou vivencial. Não são conhecimentos adquiridos e arquivados na mente, que estão à disposição de nossas atividades corporais individuais e sociais. Toda ação educativa exige que nossos dons sejam explicitados e transformados em matéria prima para a boa vivência de nossos valores, a integração ética de nossos dons humanos e a concretização do sentido de nossa vida, mormente a construção dos meios do próprio bem e do bem comum. Em torno da categoria primeira de Bem organiza-se, pois, o conjunto dos valores fundamentais do saber ético dos gregos, que a Ética herdará e no qual deverá introduzir a ordem das razões. A categoria de Bem apresenta estruturalmente uma dupla face: o bem em si e o bem no indivíduo ou na cidade, uma face objetiva e uma face subjetiva do Bem. Essas duas faces do Bem receberão desde o início Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 215 João Henrique Hansen, Antônio Sagrado Bogaz seu perfil conceptual próprio: em si o Bem (agathon) é o Fim último, a que todo ser tende (Aristóteles); no indivíduo o Bem é areté, termo impropriamente traduzido por 'virtude'; na cidade o Bem é nomos ou 'lei' Areté e agathon são vocábulos que passam a fazer parte da linguagem ética a partir de uma significação originariamente física. Areté designa primeiramente a excelência das qualidades físicas que concorrem para a perfeição de um ser, segundo sua natureza específica. No plano moral, a areté do ser humano exprime a perfeição de seu agir, segundo o predicado que lhe é próprio e só a ele convém. Para os gregos esse predicado é o sábio uso da razão, o exercício da phronesis, da sabedoria. Ora, a perfeição é o bem no indivíduo enquanto sujeito ético, e esse bem lhe advém do exercício da areté pela conformidade com o Bem objetivo sob a norma da sabedoria (LIMA VAZ, 1999). A precisão destes conceitos fundamenta a conquista dos bens que são necessários para a vida. O bem que é conquistado pela busca do ser humano de se realizar e dar sentido à própria existência nasce das ações de ensinar e de educar, que são ambas as ações de conhecimento. Nestes casos, recordamos a importância de transmitir às crianças e jovens os valores fundamentais da vida, como o respeito e a dignidade, assim como ensinar os mandamentos da Lei divina, a partir das próprias experiências cotidianas. É parte integrante da ação educativa igualmente demonstrar os valores inalienáveis à própria vida, buscando suas razões nas próprias opções fundamentais. Interação Entre Ensinar e Ensinar Tendo, com detalhamento lógico, definido os conceitos, objetos e métodos destas ações em estudo, encontramos um elemento fundamental para determinar a validade e a eficácia no ensino e na educação, numa ação interativa entre pessoas, ambiente e situações envolvidas nestas ações. Para encontrarmos os sujeitos de toda aprendizagem, retomamos a definição fundamental, onde recordamos que o ensino é uma atividade mental, que prevê resultados intelectuais, com interesse instrutivo. Vamos pensar num caso, como a sobrevivência 216 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 Educar e Ensinar: Profissão e Missão em alguma situação vital, como numa catástrofe ou num ambiente de perigo. Temos então vários sujeitos envolvidos nesta ação, como os líderes, os professores, as próprias pessoas envolvidas e os ambientes naturais, como os acontecimentos e os momentos históricos. Os sujeitos nos levam ao conhecimento dos conteúdos programáticos, os saberes temáticos e teoréticos e às várias ciências. Reconhecemos que a ação de aprendizagem envolve os vários sujeitos que estão relacionados aos processos instrutivos. O primeiro sujeito é sempre a pessoa que se coloca na condição de conhecer, buscando crescer e se transformar interiormente, adquirindo mais capacidades que possam servir para o bem próprio e de seu universo. Podemos apresentar, para aprofundar nossa reflexão, dois grandes filósofos gregos, que nos ajudam a fortalecer a relação vertical da aprendizagem, bem como a sua horizontalidade, para não se perca nem a figura do mestre-discípulo e se valorize as relações de trocas pessoais na formação. Em primeiro lugar, buscamos em Sócrates a definição de virtude, que é um dos objetivos da educação: A virtude é um agir ótimo, é procurar fazer o bem, que é o correto, o ideal. Ser virtuoso é o máximo que se pode ser. O ato virtuoso depende do fim que se colocar para ele. As coisas são virtuosas a medida que elas fazem bem as coisas para as quais elas foram feitas. O caminho para a virtude não é só o intelecto, razão, é o conhecimento místico também. (J. PAULUS, 2005) Para Platão, a educação deve preparar o ser humano para viver as virtudes, fortalecendo-o contra os vícios, que desumanizam. O mestre ensina, assim como o professor teoriza, mas a interação entre companheiros é fundamental. Seu texto é muito esclarecedor: As principais virtudes são: força, coragem, justiça e piedade. A virtude da alma é a sabedoria, que é o que a aproxima de Deus. A sabedoria tem a ver com humildade intelectual e não com a quantidade de saber. (Os Pré-socráticos, vol. II, 1973). Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 217 João Henrique Hansen, Antônio Sagrado Bogaz Assim, o objetivo do ensino é coletar conhecimentos, enquanto a educação lhe garante o bom uso, para que sirvam ao bem, seja pessoal, quanto intelectual. Recebemos muitos valores de nosso universo vital, mas apreendemos com a convivência e as descobertas dos iguais, sejam os companheiros que descobrem conosco, nos desafios cotidianos, bens e valores que nos servirão para sempre. Protagonistas da Educação Não é diferente a relevância dos sujeitos educativos quando se trata da ação educativa. Esta, a Educação, é uma atividade do espírito, que edifica o interior do ser humano, com interesse mormente formativo, mais que informativo. A exemplificação, a partir de uma realidade habitual, poderá facilitar a compreensão destes sujeitos? Tratemos de um fato real, embora hipotético: supomos que um pai que repreende seu filho por seu comportamento agressivo. Não se trata de ensinar que isto é contra a regra, que as normas jurídicas legais ou normas de trato social, mas fazê-lo compreender que este ato é contra a grandeza da humanidade. Os sujeitos da educação são o pai, o filho, as circunstâncias e os próprios fatos que envolvem esta ação educativa. A vida dos sujeitos da educação está plenamente integrada nestes argumentos. Nesta situação, como em outras situações educacionais, não emerge o tem espaço formal, mas a própria realidade existencial. Neste momento, encontramos algumas figuras de interação. Por exemplo, na relação escolar, a interação se relaciona entre o aluno e o professor, o instrutor e o aprendiz, o monitor e o estagiário. Temos outras duplas interativas: pais e filhos, catequista e catequizando, padre e fiel, idosos e jovens. A vida é uma grande escola, onde aprendemos a cada instante. Todas estas figuras se tornam sujeitos ativos da educação, como sujeitos do ensino. Quando falamos, afinal, de sujeitos do ensino e da educação, propomos a noção de protagonismo. Para a educação, o protagonista principal é o próprio educando, mas igualmente importante é o educador, o professor e todos os membros e situações envolvidas nestas ações de aprendizagem. 218 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 Educar e Ensinar: Profissão e Missão Voltando as figuras de interação, compreendemos que são as mesmas para o ensino e a educação, naturalmente com posturas diferentes. Para a educação, os papéis mais presentes podem ter títulos específicos: mestre e discípulo, idoso e jovem, pais e filhos, comunidade educativa e comunidade discente. De uma parte, está o educando, da outra, o educador, e ao redor destes, todas as pessoas e realidades circundantes. Sitz In Leben da Aprendizagem Quando falamos em “sitz in leben” estamos querendo compreender como se dá a implicação deste conceito da hermenêutica bíblica na área pedagógica. De fato, este conceito é uma expressão alemã utilizada na exegese de textos bíblicos e se traduz-se comumente por "contexto vital". De uma forma simples, o “sitz im leben” descreve em que ocasião uma determinada passagem da Bíblia foi escrita. Assim, abordaremos o contexto vital da educação partindo deste conceito, com o propósito de entender o contexto vital onde as definições e as características dos métodos educacionais foram elaborados. Naturalmente, como na elaboração e na pesquisa da ciência bíblica, os conceitos, objetivos e conteúdos das ações de aprendizado são influenciadas pela situação onde se realiza concretamente. Cada versículo bíblico repercute o seu contexto. Por esta razão, fala-se sempre em texto e contexto. O texto é influenciado pelo contexto e vice-versa. Nossas concepções são lapidadas pela realidade concreta onde vivemos. A realidade forma nossos pensamentos e nossas concepções fundamentais. Como entendemos que os conteúdos dos textos bíblicos, bem que revelados misteriosamente, são respostas à situação concreta do povo, respondendo às suas necessidades e sua espiritualidade própria. Do mesmo modo, inferimos que os conceitos e os conteúdos estão em relação direta com o ambiente que os elabora. Isso nos obrigada a compreender o “sitz in leben” das ações de ensino e de educação. Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 219 João Henrique Hansen, Antônio Sagrado Bogaz Quando falamos da ação de ensinar, pensamos que seu lugar privilegiado é o espaço acadêmico, como as escolas e universidades, os cursos profissionalizantes e os laboratórios. Aprendemos nos estágios, nas experiências acadêmicas, nas visitas a museus e espaços livres. Aprendemos nas excursões e nos esportes. De fato, os grandes educadores contemporâneos acreditam na ousadia e na espontaneidade do aprendizado. Vejamos uma passagem de P. Freire, É preciso ousar, no sentido pleno desta palavra, para falar em amor sem temer ser chamado de piegas, de meloso, de a-científico, senão de anticientífico. É preciso ousar para dizer cientificamente que estudamos, aprendemos, ensinamos, conhecemos com nosso corpo inteiro. Com sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e também com a razão crítica. Jamais com esta apenas. É preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional (FREIRE, 1993). Estes lugares são importantes para organizar os conhecimentos e, sobretudo, elaborar sua sistematização na mais lógica abstração. Outros lugares, definidos não acadêmicos, podem ser destacados como espaços de ensino, pois são aptos para concretizar o conceito, objetivo e conteúdo da aprendizagem. Podemos aprender nas experiências de cada dia, no contato com os mais velhos e na convivência com tantas pessoas. Aprendemos também na situação concreta da vida, quer sejam, as aventuras, as descobertas, as tentativas inusitadas e os desafios que a realidade nos impõem. Muitos educadores consideram mesmo que os espaços vitais de nossa existência são mais adequados e intensivos para a formação do conhecimento que os próprios lugares acadêmicos. Do ponto de vista do conhecimento, acredita-se que é fundamental o espaço que denominamos existencial, onde vivemos e convivemos, pessoalmente e em relação. Para a sistematização dos conhecimentos, é propícia a atividade acadêmica. Esta permite o ordenamento dos conteúdos, bem como a sua transmissão, que se torna uma herança patrimonial das gerações. 228 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 Educar e Ensinar: Profissão e Missão Se a priorização é dada ao espaço acadêmico para o ensinamento, bem diferente é a atividade educativa. Podemos concretizar a compreensão de educação como uma atividade mormente existencial, onde se apreende mais pela vida que pela educação bancária, como ensinava sempre Paulo Freire, que assim se dirige aos educadores. Nas palavras de um seu estudioso, ele ensina que: Ao educador compete refazer a educação, reinventá-la, criar condições objetivas para que uma educação realmente democrática seja possível, criar uma alternativa pedagógica que favoreça o aparecimento de um novo tipo de pessoas, solidárias, preocupadas em superar o individualismo.Esse novo projeto, essa nova alternativa possível e necessária, precisa ser pensada, refletida pelos educadores. (GADOTTI, 1998). Neste momento, fazemos uma breve incursão, para integrar sucintamente um conceito integrativo, que é a ação de instruir, seja a instrução. Falamos do instrutor de motorista ou o pintor a ensinar como se pintam telas a óleo. Quais os conteúdos desta iniciação? É o saber fazer, a destreza corporal, que o instrutor tenta passar ao aprendiz. No entanto, não vamos considerar a tarefa dos instrutores como sendo ensino. Pelo que já vimos anteriormente, no ensino os conteúdos são saberes teoréticos e temáticos, enquanto que na instrução são saberesfazer (o savoir-faire dos franceses ou o know-how dos ingleses) e destrezas corporais. Podemos determinar como lugar privilegiado da educação lá onde a vida se dinamiza e se cultiva, com seus caminhos, propósitos e busca de plenitude. Somos educados em casa, na rua, ao ver televisão e a ouvir rádio. Assim, os lugares são os mais variados, os responsáveis são os mais diversos. Tal como os pais e os familiares são responsáveis pela educação o lar, os mestres nas escolas e nos trabalhos, . Também a televisão, os vizinhos, os amigos ou o empregado de balcão estão permanentemente a educar quem com eles interage. Na ação do ensino considera-se que os professores tornam-se proprietários do conhecimento que depois os transmite aos seus alunos; Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 221 João Henrique Hansen, Antônio Sagrado Bogaz na prática educativa, os educadores não são possuidores de dados incorporados, mas comunicam valores, vivências, ideais e utopias. Retornando aos primeiros momentos dos conceitos, o lugar do ensino é direcionado para a prática da própria profissão, enquanto o lugar da educação é direcionado para a própria vida. Aprendizado Como Fonte De Sabedoria Na atividade educativa, mais ainda que na ação de ensinamento, os mestres marcam decisivamente a personalidade dos seus discípulos. Esta influência se dá pela palavra e pelo exemplo. A forma de agir do mestre, que se percebe sutilmente no olhar, no tom da voz, nas breves reações e nos colóquios mais simples são marcas que adentram o espírito de todos os estudantes. De fato, se passarmos a limpo nossas memórias de infância e juventude, perceberemos que estes mestres deixaram marcas indeléveis em nossa vida. Estes nomes extrapolam os bancos escolares e vão para a vizinhança, para as praças e para a comunidade. Normalmente são pessoas que estiveram num contato mais imediato com nosso cotidiano. Muitas vezes, era o bedel da escola, o porteiro do prédio, o líder da comunidade ou pessoas que tinham algo para comunicar. Esta comunicação não se restringia jamais à palavra, mas à forma peculiar de ser e agir. Na verdade, a família, a comunidade e a escola são elementos convergentes nos processos de formação da personalidade de cada ser humano, pois realizam a convergência da ação educativa. De fato, ensinar é muito mais que instruir e educar é mais que ensinar. Na instrução se aprende as formas de operar os bens naturais da vida, no ensino se teoriza e se formula seus conhecimentos, por meio da abstração e na educação se prepara para a vida, dentro dos ambientes culturais e religiosos. Recordamos o grande educador Paulo Freire, considerado um grande sintetizador entre os verbos ensinar e educar. Neste entendimento, temos que ensinar não é transmitir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a produção do saber. 222 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 Educar e Ensinar: Profissão e Missão Uma das primeiras exigências é a rigorosidade metódica. O Educador norteando-se por este saber deve reforçar a capacidade crítica do educando auxiliando-o a tornar-se criador, investigador, inquieto, rigorosamente curioso, humilde e persistente. Deve ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar certo. Os conhecimentos contidos nos livros são muito importantes, porém não basta ter estes saberes e não estar integrado com a realidade do seu mundo. Ensinar exige ética e estética. A prática educativa tem a obrigação moral de ser um testemunho rigoroso de decência e de beleza. Educar com arte é a arte de educar. Retomamos suas palavras objetivamente: Ensinar é assim a forma como toma o ato de conhecimento que o (a) professor (a) necessariamente faz na busca de saber o que ensina para provocar nos alunos seu ato de conhecimento também. Por isso, ensinar é um ato criador, um ato crítico e não mecânico. A curiosidade do (a) professor (a) e dos alunos, em ação, se encontra na base do ensinar-aprender (FREIRE, 2002). Do mesmo modo, como se considera que é fundamental estimular a aprendizagem dos saberes, sabemos que é indispensável a apreensão dos valores que estruturem o comportamento ético desde os primeiros momentos da vida. Neste processo é importante aquisição de novos saberes e novos valores. Os mestres permanecerão sempre presentes no espírito dos estudantes, assim como os professores terão parte em suas memórias. Palavras Finais Nesta trajetória, onde aproximamos e desaproximamos os verbos educar e ensinar, percebemos quão próximos eles estão e quão diversos eles são. Na verdade, eles se integram e se servem, mas têm conceitos próprios e diferentes lugares pedagógicos. Anotamos ainda que seus objetivos e seus conteúdos se integram, mas não se Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 223 João Henrique Hansen, Antônio Sagrado Bogaz confundem, ocorrem simultaneamente mas não se impõem. Eles se propõem. Digamos, à guisa de conclusão, que a educação para a condição humana exige um esforço pedagógico, pois considera a uno-diversidade do ser humano. Nesta unidade plural, valoriza igualmente o desenvolvimento de uma consciência lúcida. A lucidez está na relevância da complexidade humana. Urgem assumi-la com seriedade e desenvolver um esforço educativo, para religar os saberes fragmentados. Não descartamos as áreas e suas disciplinas, mas as conectamos na unidade fundamental da vida. Como se fosse um holograma, onde cada parte representa a totalidade e a totalidade é composta de suas pequenas partes. Na nossa missão educativa, para além dos ceticismos contemporâneos, percebemos a validade da integração religiosa, como ensina o grande pensador e psicólogo C. Jung, para o qual, não é possível integrar a pessoa humana sem considerar seus valores espirituais, quer dizer, sua busca incessante de transcendência. Vamos ilustrar com uma passagem de M. Gadotti: Eu penso que no momento em que você entra na sala de aula, no momento que você diz aos estudantes, Oi! Como vão vocês?,Você inicia uma relação estética. Nós fazemos arte e política quando ajudamos na formação dos estudantes, sabendo disso ou não. Conhecer o que de fato fazemos, nos ajudará a sermos melhores (GADOTTI, 1996). Toda nossa existência tem sua finalização na própria essência, quer dizer, a vida que nasce de Deus e que emana em todas as nossas ações. Mais que existir, nós somos, pois nosso ser se realiza em Deus. Ele é e nós somos n'Ele. Toda ação educativa deve convergir para a plenitude do ser humano, que é sua felicidade. Sua felicidade está em Deus, seu princípio fundamental e seu epílogo, que dizer sua plena realização. Nossa ação educativa deve considerar a formação religiosa, pois é parte inerente neste processo, uma vez que a transcendência é um 224 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 Educar e Ensinar: Profissão e Missão elemento constitutivo do ser humano. Considerando a pessoa em sua complexidade e cumprindo o dever de animar todas as dimensões do ser humano, o verdadeiro educador se faz mestre e insere seus discípulos na vida de Deus, que em Cristo revela sua nobreza, sua harmonia e sua perfeição. Vejamos um texto do Papa João Paulo II, que ilumina esta reflexão: A verdade da revelação cristã, que se encontra em Jesus de Nazaré, permite a quem quer que seja perceber o « mistério » da própria vida. Enquanto verdade suprema, ao mesmo tempo que respeita a autonomia da criatura e a sua liberdade, obriga-a a abrir-se à transcendência. Aqui, a relação entre liberdade e verdade atinge o seu máximo grau, podendo-se compreender plenamente esta palavra do Senhor: « Conhecereis a verdade e a verdade libertar-vosá » (Jo 8, 32). (JOÃO PAULO II, Encíclica Fides et Ratio, 2002, n. 15). Deus torna-se, como evidência epistemológica, o ponto de partida do mestre e o ponto de chegada de seus discípulos. As condições humanas são referentes à própria realidade, os objetivos são a construção de novos saberes e a elevação da existência e o conteúdo é o sentido cristão da vida. A presença divina na criação se revela no ato criador e conservador de Deus. Pela educação ao verdadeiro sentido de nossa existência histórica, somos elevados necessariamente à resposta da fé, uma vez que Deus é o autor da natureza tanto revelada mediatamente, quanto imediatamente, permanecendo sempre como o ser substancial da alma humana.(BOGAZ, A.S.– SIGNORINI, I., 2003). Na dimensão religiosa mais ampla e ecumênica, sempre é bom recordar que educar é preparar o discipulado para defender o direito à vida, justiça, igualdade social e a paz entre as nações. O educador verdadeiro crê na capacidade de cada ser humano de aprender e ensinar, mas também, proporcionar meios para crescer e ser feliz. A ação educativa deve ainda levar os aprendizes a rejeitar todos os tipos de Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 225 João Henrique Hansen, Antônio Sagrado Bogaz acepção e de preconceitos pessoais. Ainda é missão de o mestre promover o ser humano por sua essência e sua grandeza. O conteúdo da educação quando impresso pelo espírito cristão procura valorizar a caridade, a bondade, a empatia e os valores mais grandiosas da vida humana, como a amizade, a honestidade e a felicidade. Na dimensão religiosa, a formação leve a desenvolver a crença num mundo melhor, mais justo, igualitário e ético, conforme os princípios cristãos. O educador é um arauto de um mundo melhor e de pessoas mais felizes. Nossos educadores ficarão gravados em nossa história, pois sua missão é educar e, podemos concluir que educar é formar para a vida, que na sua realidade se concretiza na transformação da própria pessoa como imagem de Deus e do mundo como seu Reino. Poema ilustrativo: SER EDUCADOR Ser educador é ser profeta da história, Clareando, pelo testemunho de seu viver, Os rumos das decisões humanas e o destino dos povos. Ser educador é ser farol, Decifrando as trilhas de nossos caminhos tortuosos, Ancorando o barco de nossas vidas em portos luminosos. Ser educador é ser modelador de espíritos, Transformando os espíritos mais áridos Em oásis de perene sabedoria Ser educador é ser criador de parábolas, Conscientizando para os valores éticos, Através das ciências que culminam na sintaxe do bem querer Ser educador é ser navegante do espírito Buscando raios de claridade na alma Para libertar as vidas tristes das trevas amargas. 226 Revista São Luis Orione - v. 1 - n. 3 - p. 207-228 - jan./dez. 2009 Educar e Ensinar: Profissão e Missão Ser educador é ser fonte de inspiração, Despertando nos corações da humanidade A arte de amar, com gestos de carinho e de bondade (frase opcional, se a estrofe “ser educador é ser modelador...não estiver legal) Ser educador é ser estrela guia Ensinando que a noite é um cenário de amor Que eleva as estrelas em seu esplendor Referências Bibliográficas BARBOSA, J. A. Exercícios de definição. In: A metáfora crítica. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 9-46. 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